domingo, 6 de janeiro de 2013

Rápidos rabiscos

No centro histórico de São Luís, hoje conhecido como Projeto Reviver
Fui para São Luís do Maranhão neste fim de 2012, como faço a cada um, dois anos para visitar minha mãe e irmãos que moram por lá. Passei o reveillon em Alcântara, cidade ainda mais antiga, primeira capital do Maranhão.

São Luís se moderniza com uma velocidade incrível. A cada vez que vou lá, encontro muita coisa nova e diferente. Mas tem coisas que ainda não mudaram, principalmente a miséria do povo, abandonado pelos mesmos que mandam naquele Estado há uns 50 anos, cujo sobrenome o Brasil inteiro conhece: Sarney. Povo pobre, família Sarney riquíssima.

Enquanto olhava de novo as mesmas velhas construções cada vez mais deterioradas por causa do abandono por parte dos sucessivos maus governos municipal e estadual, resolvi que ia fazer uns sketchs sem muito apuro, pegando só o sentido do que vi. Nem quis ser muito literal. Olhava, rabiscava a lápis, pegava o que queria e finalizava com nanquin. Fugi das novidades. Fiquei mais no que representa a cultura maranhense, grandemente influenciada pela cultura de origem indígena e africana, mescladas. Velhas embarcações, construções de palha, artesanato rudimentar, redes, praias, casas de taipa, coqueiros, canoas, redes de pesca, chapéus de palha, imagens religiosas católicas e do candomblé... Uma atmosfera meio barroca ainda ronda o Maranhão...

O calor de lá, junto com o sol quente, dá uma preguiça danada...
Vista da baía de São Marcos, do paredão ao lado do Palácio dos Leões
Na avenida Litorânea, essa mesa tosca empurrava o coqueiro
Uma espécie de tenda coberta de palha, na praia da Baronesa em Alcântara
Velho lustre feito de metal, quase simétrico, quase bonito,
mas mantém uma rudeza que diz muito sobre aquela terra.
Ele estava sobre uma mesa do restaurante da Pousada Bela Vista
Teto de palha que cobre um local de descanso com redes estendidas,
na Pousada Bela Vista em Alcântara, MA 
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Um barquinho que voltava de Alcântara

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Feliz 2013!


Neste final de 2012, desejo que o mundo
seja cada vez um lugar melhor de se viver! 

Que as mãos que se buscam acima,
na pintura de Michelangelo, nos lembrem que devemos buscar nos unir cada vez mais na construção de um mundo melhor para todos!
Por um mundo justo e bom de se viver!

Que todos sejamos felizes neste fim de ano!
Que sejamos felizes em 2013! 

Que o mundo se torne mais belo,

mais harmonioso, mais justo!

Um mundo melhor!

Um mundo bom e igual para todos!
Um mundo de Paz!

Obrigada a todos os que diariamente visitam este Blog que fala de Arte!

Continuemos esse mergulho profundo na Beleza do mundo que a Arte revela!

Como diz o poeta Vinícius:
"Que tudo seja belo e inesperado"!

Um Feliz 2013!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O artista russo Ilya Repin

Ilya Repin: "Os barqueiros do Volga"
Ilya Repin, fotografia, 1890
Ilya Repin nasceu em 1844 em Tchougouiev, na Ucrânia. Seu pai era um soldado. Iniciou seus estudos de pintura com um pintor de ícones chamado Bunakov. Em seguida, entrou para a Academia Imperial de Belas Artes de São Petersburgo em 1863, onde estudou até 1871. Entre 1873 e 1876, viajou pela Itália e por Paris, graças a uma bolsa de estudos que havia ganhado na Academia.

Se juntou a uma sociedade de pintores ambulantes, a partir de 1878, que realizavam exposições artísticas ambulantes. Após 1882 se estabeleceu em São Petersburgo, mas fez muitas viagens ao exterior. Conheceu a obra do pintor holandês Rembrandt, que o inspirou muito em seus retratos.

Sobre ele foram escritas inúmeras publicações, desde livros a monografias e centenas de artigos. Ilya Repin é um mundo dentro da pintura russa!

Ilya Repin: "Adeus de Puchkin ao mar"
A Rússia em que ele viveu era dominada pelo regime dos czares. Quando Repin nasceu, a Rússia estava sob o domínio do czar Nicolau I, mas em 1894 assumiu o czar Nicolau II que foi deposto pela Revolução Socialista de 1917. A injustiça e a opressão que ele via acontecendo com seu povo, retrato da administração dos czares, lhe incomodava muito e Repin denunciou isso em vários de seus quadros. Movimentos revolucionários pipocavam em toda a Rússia, lutando contra o império czarista. Repin pintou retratos de amigos escritores como Tolstoi, L. Andreeva, Maxime Gorki e V. Garshina, assim como dos artistas P. Strepetovoy e Mussorgsky. Também pintou o retrato do famoso químico Dmitry Mendeleyev.

Um de seus quadros mais conhecidos é "Ivan, o Terrível e seu filho Ivan".

Repin pintou centenas de quadros e fez milhares de esboços e desenhos. Também escreveu um livro de memórias intitulado "Longe perto". Nele conta, por exemplo, como fez sua pintura “Os barqueiros do Volga". Foi em 1868. Ilya Repin era estudante na Academia de Artes e participou de um concurso de pintura sobre a história bíblica com o tema "Jó e seus amigos." Em um dia agradável de verão, ele e outro artista, K. Savitsky, resolveram ir juntos fazer croquis pelo rio Neva, em um barco de passageiros. Lá, avistaram trabalhadores maltrapilhos puxando um barco com seus corpos amarrados a cordas. Sujos de barro, muitos deles sem camisa, bronzeados pelo sol. Os rostos eram pesados, marcados, onde o suor escorria. Contrastavam muito com os passageiros do barco, especialmente as perfumadas e elegantes senhoras da sociedade. Ilya Repin disse a seu amigo: “Que imagem é esta? Pessoas tratadas como animais!” E disse que essa visão o deixou tão impressionado que não parava de pensar naqueles homens sujos, carregando cargas pesadas sobre a lama. Fez um esboço do que viu, que depois pintou (figura acima).

Retrato de Maxime Gorki, por Repin
A imagem chocou a todos, amigos e adversários do artista. Mas para pintá-lo, Repin levou vários anos de trabalho duro, fez duas viagens ao Volga, em contato diário com os trabalhadores. Acabou se tornando amigo desses heróis do seu quadro. Ele conta que trabalhou muito, longas horas em seu ateliê, fazendo esboços.

As primeiras impressões, ao ver aqueles homens cujo rosto expressava sofrimento sob duro esforço, fez com que seus primeiros esboços incluissem o contraste entre eles e as senhoras elegantes do barco no rio Neva. Mas, conforme foi amadurecendo as ideias, acabou por pintar a cena no rio Volga, em um céu de verão, com nuvens luminosas e um banco de areia sob sol quente. Bem no fundo, o navio, onde está o proprietário ou administrador a bordo. No primeiro plano, os barqueiros, tensos, num esforço supremo para puxar o barco, como pode ser visto na última figura à direita. O amarelo da areia, aparece na água e até no azul do céu. Água, céu e areia e 11 pessoas cujo trabalho vale menos do que o de cavalos, disse ele. Repin lembrou de um poeta, Nekrasov, que diz em um de seus poemas: “Vá para o Volga, cujo gemido é ouvido.” O rio Volga é o grande rio russo.

Esboço para um retrato, Repin
Mas esse artista planeja, numa grande síntese ideológica e criativa, valorizar os onze homens, colocando a linha do horizonte abaixo deles, assim como o Volga e o barco, onde o dono é muito menor que eles. Essa escolha de Repin deu a esse quadro um significado monumental, onde denunciava a situação de miséria e injustiça que vivia o povo sob o comando do império czarista.

Essa tela “Os barqueiros do Volga” colocou Ilya Repin na categoria dos melhores artistas russos. E ele ainda era um estudante... O quadro foi exposto em São Petersburgo, depois em Moscou e em seguida foi para a Exposição Mundial em Viena, Áustria. Esta imagem tornou-se o centro das atenções de toda a sociedade russa e recebeu elogios de diversos setores e círculos de artistas e intelectuais.

Mas o reitor da Academia de Belas Artes, ao contrário, considerou aquele quadro uma aberração, chamando de "estes gorilas" às figuras dos barqueiros, acrescentando que era uma vergonha para a Rússia e seu governo que um quadro como aquele fosse participar em exposições na Europa.

Retrato do paisaigista russo
Alexeï Bogolioubov, Ilya Repin
Mas um dos que defenderam Ilya Repin foi Dostoievski, que observou sobre o quadro: "É impossível não amá-los, estes inocentes.” Repin também disse que aquele quadro era a primeira voz e o mais poderoso grito de toda a Rússia, do seu povo oprimido, cujo grito era reconhecido em cada canto onde se falava o idioma russo. “E é o início da minha fama por toda a Rússia, ótimo”, acrescentou. Esse quadro se tornou um dos principais símbolos da opressão czarista sobre o povo.

Conta-se que Ilya Repin pensava muito ao executar suas pinturas, fazendo desenhos e esboços, incansavelmente. Cada detalhe era pensado e desenhado, antes de ser pintado. Suas obras são resultado de longo estudo, o que torna seus quadros, para quem se dispõe a observá-los atentamente, elegantes, marcantes e fortes. Um de seus quadros mais conhecidos é "Ivan, o Terrível e seu filho Ivan", além do “Os barqueiros do Volga”.

Ilya Repin conheceu o escritor Lev Tolstoi em Moscou e desde o primeiro encontro nasceu uma amizade que durou mais de 30 anos, até sua morte. Eles se admiravam mutuamente como artistas e quando já não moravam na mesma cidade, trocaram uma farta correspondência. Conversavam durante horas sobre arte. Repin fez vários retratos do amigo, com lápis, caneta, óleo e aquarela.

Tolstoi, por Repin
Entre 1880 e 1883 ele pinta outro de seus grandes quadros: "Procissão pascal na província de Kursk”, onde ele inseriu uma diversidade de tipos russos, como os camponeses, por exemplo, mas dando a eles um tratamento que os colocavam no nível dos personagens de magnitude histórica. Ao lado de uma senhora com ares de arrogância carregando um ícone (no centro do quadro), pintou policiais a cavalo, guardas, comerciantes, clérigos robustos, além de uma multidão de pobres, incluindo um adolescente aleijado que caminha com sua bengala em direção ao centro da pintura.

Repin era grande observador da vida de seu tempo. Com Ilya Repin o Realismo russo entrou na fase de maturidade e atingiu o auge.

No final do século XIX, a Rússia passava por grandes agitações políticas e diversos grupos revolucionários se organizavam. Ilya Repin pintou o quadro "A prisão do propagandista," entre 1870-1880. Mais uma vez é uma pintura que revela a alma engajada do artista, num episódio dramático da prisão de um revolucionário russo, carregado de bastante tensão, apresentado por Repin como um homem que escolheu o caminho da luta e do sofrimento, sendo retirado de casa pela polícia, sob os olhos assustados de sua família. Repin comungava com os ideais revolucionários e permaneceu fiel a eles até o final de seus dias.

Após a Revolução Socialista de 1917, a região onde ele morava ao norte de São Petersburgo, Kuokkala, foi incorporada à Finlândia (cuja independência se deu nesse ano). Vladimir Lenin, o líder da Revolução, convidou-o à ir morar em Moscou, mas Repin já se sentia muito velho para conseguir fazer essa viagem longa de cerca de 700 km de distância. Ele morreu em Kuokkala em 1930.

Ilya Repin: "A procissão pascal da província de Kursk"
Ilya Repin: "O levante de outubro de 1905"
Ilya Repin: "A prisão do propagandista"

domingo, 16 de dezembro de 2012

Leonid Romanovich, o pintor bailarino

Galeria Tretyakov de Moscou, Rússia
Enquanto a presidenta Dilma Roussev passava pela Rússia esta semana, o Museu Tretyakov de Moscou apresentava várias grandes exposições. Sabemos que as artes plásticas na Rússia mostram como inúmeros pintores daquele país dominavam, e dominam até hoje, a técnica do óleo, da aquarela, do carvão, do simples desenho à grafite. Desde os primeiros pintores de ícones, em especial Andrei Rubliev - que teve um filme sobre sua vida feito por Andrei Tarkovsky - os artistas russos são impressionantes por sua sofisticada técnica que cria belíssimas obras de arte.

Mas nós, especialmente aqui no Brasil, pouco conhecemos sobre os artistas russos. Nosso conhecimento sobre as artes plásticas fica praticamente restrito à arte europeia e dos EUA. Sabemos pouco sobre a África, Ásia, Oceania e até mesmo sobre nossos artistas latino-americanos. A arte russa teve uma importância fundamental na história da arte, especialmente após o século XIX e princípios do século XX.


Fotografia de Leonid Romanovich na mostra da
Galeria Tretyakov, Moscou
Um destes artistas cujas pinturas estiveram em exposição em Moscou desde o dia 19 de outubro é Leonid Romanovich Astafiev, cuja arte sempre esteve ligada à cultura russa tradicional. A vanguarda russa foi um movimento artístico cultural muitíssimo importante não só para a cultura russa, mas para toda a cultura ocidental do século XX. Pudemos ver um pouco disso na exposição Virada Russa que ocorreu aqui no Brasil (São Paulo, Rio e Brasília) em 2009 (Leia mais aqui).

Um dos objetivos deste Blog é trazer informações e conhecimentos sobre todos os artistas que possamos conhecer e cuja qualidade artística seja relevante, sob nosso ponto de vista. Por isso, enquanto a presidenta do Brasil viajava por Moscou, fizemos uma busca do que de importante acontecia naquela cidade. Muitas exposições importantes ocorrem na Rússia. Escolhemos esta, pelo fato do artista ter sido bailarino e restaurador de obras de arte.


Flores, óleo sobre tela de Astafyev
Leonid Romanovich Astafyev nasceu em 1931, em uma família cuja história está ligada à Galeria Tetryakov de Moscou. Seu pai era restaurador na Galeria até pouco antes da II Guerra Mundial e por causa disso sua família morava em uma ala da galeria. Leonid cresceu em meio a este mundo de obras de arte, e os salões e oficinas que ocorriam lá era parte de sua realidade diária. A pintura tradicional russa foi formando sua percepção artística e ainda muito jovem ele já tinha pontos de vista bastante maduros sobre arte.

Em 1948 Leonid Romanovich Astafyev passou a estudar na Escola de Arte Regional de Moscou intitulada “Em memória de 1905”. Os tempos eram o da União Soviética. Muitos campos de interesse atraíam o jovem Leonid, mas tinha um interesse especial pelo balé, que acabou escolhendo como prática principal, deixando seu professor de pintura chateado, pois o rapaz era também um grande pintor de paisagens.

Após a formação na Escola de Arte Regional, Astafyev entra para uma classe experimental de dança da escola de coreografia do Teatro Bolshoi (atualmente Academia de Balé Bolshoi). Muitos queriam estudar lá, e os testes eram bem difíceis. Mas Leonid conseguiu e, de 1953 a 1956, ele frequentou as aulas de balé, assim como fazia estudos de História da Música e do Teatro. Essa experiência dentro do Teatro Bolshoi, segundo afirma o texto de apresentação no sítio da Galeria Tretyakov, influenciou a visão de arte de Leonid Romanovich.


Paisagem, de Astafyev
Mas ele também amava muito a pintura, e acabou mesmo se dedicando a ela. Em 1956 foi escolhido como restaurador no departamento de restaurações de imagens da Galeria Tretyakov, onde trabalhou até o fim da vida.

Os restauradores da Tretyakov são considerados grandes especialistas em arte, muitos deles trabalhando dezenas de anos só na restauração de pinturas. Pelas mãos de Astafyev passaram inúmeras obras para serem restauradas. Ele também acompanhava exposições de arte pelo país e no exterior. Com essas viagens, conheceu grande número de cidades da União Soviética de seu tempo, assim como inúmeros países. Conheceu e se tornou amigo de muitos restauradores, peritos, museólogos, artistas.

Como restaurador, ele aperfeiçoou e criou novas técnicas de restauração de obras de arte, que utilizou, por exemplo, na restauração da obra “Ivan o Terrível e seu filho”, do outro grande pintor russo Ilya Repin. Pela enorme qualidade de seu trabalho, Leonid Romanovich Astafyev ficou respeitado internacionalmente como restaurador. Por seu trabalho, foi premiado com a mais alta categoria de artista restaurador e recebeu também o prêmio “Trabalhador honrado da Cultura” da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a ex-URSS.


Paisagem, de Astafyev
Mas Leonid Romanovich não era só um restaurador. Era um grande e talentoso artista. Pintores importantes da época, como I.I. Levitan, K.A. Korovin, V.D. Polenov e V. A. Serov foram seus professores.

Suas paisagens tranquilas nos mostram como o artista se deixava envolver pela beleza do mundo a seu redor. Beleza do mundo que para ele era a Arte, sob a qual girava sua vida desde seu nascimento.

A primeira exposição individual de Leonid Romanovich aconteceu na Galeria Tretyakov somente em 2005, após sua morte. Depois desta, mais três aconteceram em outros museus russos. Suas obras estão nos acervos da Galeria Tretyakov, no Museu Estatal de Darwin e no Museu Histórico-Artístico de Dolgoprudny, assim como na coleção da Embaixada Russa de Jacarta, Indonésia, e em coleções particulares.

Leonid Romanovich Astafyev morreu em 2004.


Paisagem em óleo de Leonid Romanovich Astafyev
Paisagem, óleo de Leonid Romanovich Astafyev

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Johannes Vermeer de Delft

Mulher de azul lendo uma carta, Jan Vermeer, 1662-1663
A obra-prima de Johannes Vermeer, “Mulher de azul lendo uma carta”, pintada entre 1663-1665, que pertence ao acervo do Rijksmuseum de Amsterdã, estará sendo exibida no MASP a partir deste 12 de dezembro. O quadro foi recentemente restaurado, e acaba de inaugurar o novo Museu de Arte da China, em Xangai. No MASP, segundo a organização, a obra ocupará quatro salas especialmente preparadas para ela, no 1º andar. Depois de São Paulo, segue para o Getty Museum, em Los Angeles, EUA, retornando após para Amsterdã para a reabertura do Rijksmuseum, que desde 2003 passa por reforma e ficou parcialmente fechado.

Aqui em São Paulo, esta pintura poderá ser vista até o dia 10 de fevereiro de 2013. O quadro ficará exposto em uma sala, e nas outras três estarão as descrições do processo de restauração, realizada entre 2010 e 2011.
 
O artista Jan Vermeer

Assinatura de Vermeer em seus quadros
Johannes Vermeer nasceu e morreu em Delft, na Holanda, tendo sido batizado em 31 de outubro de 1632.

A Holanda de seu tempo era o país onde mudanças muito importantes se operavam na civilização ocidental. Com a evolução do capitalismo mercantilista e a diminuição do poder do papa após a Reforma Protestante, o pensamento humano passava a substituir a autoridade divina, trocando-a pela experimentação e pela observação do mundo.

O autor do livro “Civilização”, Kenneth Clark, destaca que nesse período a pintura flamenga foi “a expressão visível dessa transformação”. No campo econômico e intelectual aquele país teve grande destaque. Por exemplo, foi o primeiro país a imprimir todos os grandes livros que “revolucionaram o pensamento” humano, como mostra também Clark.

No campo da pintura, Frans Hals (1580-1666) já começara a prática da pintura de retratos de corporações, agrupamentos comerciais ou sociais. Outro pintor holandês, Rembrandt van Rijn (1606-1669), nessa nova onda civilizatória que acontecia na Holanda, pintaria a famosa tela representando os tecelões de Amsterdã. São esses “os primeiros indícios visuais da democracia burguesa”, diz Clark. Era uma forma nova de ver o mundo, mostrando como o homem era capaz de construir seu próprio destino, além de criar seus instrumentos e fazê-los funcionar.

E isso se deu em um dos primeiros centros do capitalismo daquela época, a Holanda. O país possuía um grande porto e era o maior centro bancário da Europa. Além disso, grande centro comercial, um dos maiores do mundo do período. Vivia sua era dourada, inclusive invadindo as praias da minha terra, Pernambuco, por volta de 1630, enviando 60 barcos com mais de 7 mil homens. A riqueza do Brasil atraía as atenções dos capitalistas holandeses, que enviaram depois o conde Maurício de Nassau para assumir o controle holandês sobre o nordeste brasileiro. Mas foram expulsos pelos bravos conterrâneos...


Retrato de René Descartes,
por Frans Hals, 1644
Mas aquele era também o tempo do filósofo francês René Descartes (1596-1650), também físico e matemático. Ele tinha deixado a França e ido morar em Amsterdã. Passou em Haarlem, onde o pintor Frans Hals lhe pintou um retrato (ao lado). Descartes era o pensador cético, que incentivava a dúvida como parte do processo de conhecimento. Dele é a famosa frase “Penso, logo existo” e é o autor do que hoje conhecemos como método cartesiano, esquemática e ordenada forma de estudar e observar as coisas, que foi muito importante inclusive para o avanço da ciência.

Kenneth Clark destaca também como o método de Descartes de experimentação direta da realidade, sem interferências e convenções, recebeu na pintura holandesa a sua ilustração máxima.

E a máxima ilustração de como um artista pode pintar a partir de uma observação cuidadosa do real chama-se Jan Vermeer. Ele não tinha ideias pré-concebidas sobre o que via. Como esse novo pensador-observador, ele pintou uma das paisagens mais iluminadas e realistas de sua cidade, “Vista de Delft”, que até hoje impressiona quem o visita no Museu de Haia. O escritor Marcel Proust, já no século XX, inclui a descrição desse quadro em um de seus textos da coletânea “Em busca do tempo perdido”. 

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Resume assim, Kenneth Clar: Jan Vermeer, além “de nos mostrar a luz da Holanda, ilustra o que Descartes chamava ‘a luz natural da mente’.”

Vista de Delft, Jan Vermeer, 1660-61
A luz natural da mente de Vermeer

Vermeer era daqueles que perceberam “a beleza pura do mundo”, como observa E. H. Gombrich em seu livro “História da Arte”. Ao invés de se voltarem para as belezas do mundo espiritual como orientara por séculos a igreja católica, Jan Vermeer, assim como outros pintores holandeses do século XVII, descobriu a maravilha de pintar a realidade tal qual ela se apresentava.

Ele era um trabalhador lento e meticuloso, diz Gombrich. Diz-se que ele pintou pouco mais de quarenta telas em sua vida. Seus temas nada tinham de magníficos, pois ele pintava as pessoas mais simples, cenas de vida doméstica, interiores de aposentos holandeses, ou mesmo uma mulher solitária despejando seu leite numa vasilha de barro, como no quadro “A leiteira”, pintado por volta de 1658. Gombrich acrescenta: “É difícil explicar as razões que fazem de uma tela tão simples e despretensiosa uma das maiores obras-primas de todos os tempos”.



A Leiteira, Jan Vermeer, 1658-1661
Mas podemos supor que tudo fazia novo sentido dentro da nova conjuntura econômica, social, intelectual e artística da Holanda, pois Vermeer voltava seu cavalete para pintar figuras simples do povo, trabalhadores, donas de casa, empregadas domésticas, ou a vida pequeno-burguesa do seu país. Tudo isso fundindo numa mesma tela uma inigualável precisão com uma extrema suavidade. Seus olhos seguiam o movimento do raio de luz que invadia ambientes e realçava uma cor de tecido, por exemplo.

Como o azul do vestido da moça que lê uma carta nesta tela exposta no Masp. Ou como a luminosidade explícita da “Vista de Delft” com sua perfeita perspectiva dos edifícios e a representação exata da luz.

Pouco se sabe sobre a vida de Jan Vermeer, que, aliás, nunca assinou seu nome dessa forma, mas sempre como Joannes, Joannis ou Johannis, como atesta o autor do livro “Vermeer de Delft, un peintre de sa ville”, Michel van Maarseveen.

Após 1662, observa Van Maarseveen, Vermeer passou a pintar de uma forma ainda mais refinada, onde a representação dos objetos era ainda mais sutil. Essa tendência, onde se poderia perceber a influência do pintor Frans van Mieris - diz o autor - surge em três telas pequenas onde Vermeer representou mulheres atrás de mesas perto de janelas: "Mulher com uma balança", "Colar de pérolas" e o quadro que está no Masp, "Mulher de azul lendo uma carta". As figuras estão atrás de pesadas mesas, entre elas e as janelas. A tela em exposição no Masp também é um dos exemplos de que Vermeer passou a executar pinturas com menos detalhes, menos objetos e a fazer uma clara separação entre a luz e a sombra, como conta Van Maarseveen no livro. 
É também dessa época as pinturas em que ele fez de pessoas tocando instrumentos musicais, como “Concerto”, por exemplo. Nos últimos anos de sua vida, Vermeer também se dedicou a pintar mais quadros com o tema da música.


Biografia incompleta


Seguindo o texto de Michel van Maarseveen, vimos que seus pais, Reynier Jansz e Digna Baltens, tinham uma pousada. Seu pai também era tecelão de seda e depois se inscreveu na Guilda de São Lucas como vendedor de objetos de arte. Somente quem era sócio da guilda podia vender esses produtos. Por causa dessa profissão, Reynier tinha contato com diversos pintores.  Quando Vermeer nasceu, em 1632, seu pai já era negociante de arte, além de dono de pousada. E seus conterrâneos holandeses tinham ocupado minha terra...

Moça com brinco de pérola,
Jan Vermeer
Do período de sua infância e juventude nada se sabe, até seu casamento em 1653, quando ele tinha 21 anos. Mas existiam diversos pintores desse período que podem ter sido mestres do jovem Vermeer: Gerard Ter Borch, Evert van Aelst e principalmente Carel Fabricius, que muitos apontam como tendo sido um de seus mestres. Fabricius tinha estudado com o pintor Rembrandt e se mudou para Delft em 1650. Tirava sua inspiração de cenas cotidianas, como depois o faria Vermeer. Mas Fabricius teve uma trágica e precoce morte aos 32 anos: um arsenal de pólvora explodiu em Delft matando a ele e mais centenas de moradores da cidade em 1654.

O pai de Vermeer morreu um ano antes do casamento do filho, mas sua mãe continuou administrando a pousada até 1669, quando ela tenta vendê-lo em leilão. Não conseguindo, aluga-a e vai morar com sua filha Geertruy até sua morte em 1670. Vermeer herda o albergue.

Casado com Catharina Bolnes em 5 de abril de 1653, ele teve que se converter ao catolicismo, religião da família da noiva. A cerimônia, diz Maarseveen, foi feita por padres jesuítas, com quem Maria Thins, sogra de Vermeer, mantinha boas relações. Algum tempo depois de casados, foram moram na casa de Maria Thins, que sempre ajudou financeiramente a família de Vermeer, apesar de ter sido inicialmente contra o casamento.

Tiveram 15 filhos, sendo que 11 sobreviveram. Uma família numerosa como esta era difícil de manter, com gastos muito grandes. Mas a casa de Maria Thins era suficiente para todos e foi descrita em detalhes, graças ao inventário que foi feito dois meses após a morte dela. No primeiro piso, logo no primeiro cômodo, havia uma tela de Fabricius. Após, uma sala grande com mais dois retratos feitos por Fabricius. Isso demonstra o respeito que Vermeer tinha por aquele que pode ter sido um de seus mestres. Uma cozinha grande e diversos outros cômodos também faziam parte da parte térrea da casa. Entre o primeiro e o segundo piso, havia um com dois ambientes, um deles com a face voltada para o norte, onde Vermeer teria montado seu ateliê. Quando foi feito o inventário do ateliê, a lista constava de: 2 cavaletes, 3 palhetas, 6 pincéis, 3 telas em branco, 1 mesa e 3 armários com inúmeras ilustrações e desenhos.

Durante a vida de Jan Vermeer, a cidade de Delft era cosmopolita, com 25 mil habitantes, muitos artesãos e fábricas de louça e tapeçaria. Delft não só produzia objetos de decoração de luxo, como também era um grande mercado de arte.

A Guilda de São Lucas

No dia 29 de dezembro de 1653, aos 21 anos e pouco depois de seu casamento, Vermeer se inscreveu como mestre na Guilda de São Lucas. Naquele tempo, da mesma forma como os artesãos e comerciantes, os pintores se organizavam em guildas, espécies de sindicato. Ela tinha sido fundada na Idade Média, mas a primeira data de instalação é de 1545. No século XVII era a guilda mais importante e a maior de Delft. Mas ela não acolhia só pintores; lá também estavam pintores de parede, oleiros, gravadores, vidreiros, tapeceiros, escultores, livreiros, impressores e vendedores de objetos de arte. Somente os sócios da Guilda podiam negociar seus produtos em Delft.


O Géografo, Jan Vermeer, 1669
O comitê diretor da Guilda de São Lucas era formado por seis profissionais: dois oleiros, dois vidreiros e dois pintores, cujo mandato durava dois anos. Jan Vermeer foi por duas vezes Mestre da Corporação dos pintores na Guilda. Eleito pela primeira vez em 1662, ele tinha 30 anos de idade, sendo então um dos mais jovens mestres daquela guilda.

A Guilda de São Lucas só foi extinta em 1833. Em 1876, a sede foi destruída para dar lugar a uma escola, que ainda funciona atualmente e recebe o nome de Escola Jan Vermeer.

Morte do pintor

Jan Vermeer morreu no dia 15 de dezembro de 1675. Seu corpo foi enterrado na mais antiga igreja de Delft, a Oude Kerk, onde sua sogra, Maria Thins, havia comprado uma tumba em 1661. Lá também foram enterrados seus quatro filhos que morreram bem pequenos. No registro da igreja consta que Jan Vermeer foi enterrado no dia 16 de dezembro de 1675.

Sua morte foi consequência das dificuldades financeiras que se abateram sobre sua família. Em 1677, Catharina se dirige à Corte da Holanda solicitando a liberação do dinheiro que ela tinha direito por herança. Foi aí que ficou registrado seu depoimento: por causa da guerra contra a Inglaterra e a França que ocorreu em 1672 - conhecido como o ‘ano dos desastres’ - Vermeer, que se mantinha e à sua família como vendedor de quadros, não conseguia mais vender nada. E ele tinha 11 filhos para sustentar. “Seu coração não suportou e ele morreu em menos de dois dias”, ela teria dito. Vermeer morreu de infarto.



Moça com chapéu vermelho,
Jan Vermeer, 1665-66
Sua esposa e filhos ficaram em uma situação muito precária, tendo que recorrer aos serviços públicos de caridade. Além de tudo, a família estava devendo muito. Ela começou a oferecer os quadros do marido para saldar dívidas e manter seus filhos. Com isso, no dia 15 de março de 1677, foi organizado um leilão com 26 obras de Vermeer no salão da Guilda de São Lucas.

Atualmente, observa Van Maarseveen, a maior parte dos quadros do pintor de Delft se encontram em coleções públicas de países estrangeiros. Na Holanda, só o Rijksmuseum de Amsterdã e o Mauritshuis de Haia possuem obras dele. Sua pequena cidade não possui uma única obra de seu mais célebre habitante.

A obra de Vermeer passou quase 200 anos no esquecimento, até que o crítico francês Théophile Thoré a redescobriu em 1860. Desde então seus quadros continuam encantando a todos os que têm o privilégio de observá-los de perto.

Por isso, a única tela exposta no Masp não vem sozinha. Carrega consigo toda a vida, conhecida e desconhecida, do pintor de Delft e de seu tempo.



O Concerto, Jan Vermeer, 1664-1667