segunda-feira, 16 de abril de 2018

Van Gogh, com amor

O quarto, Vincent Van Gogh, óleo sobre tela, 1888
Eu era muito pequena quando vi, pela primeira vez, a imagem deste quadro acima, "O quarto", de Van Gogh. Ele ilustrava uma revista que meu pai assinava e, assim que pude, recortei-o e colei numa parede do meu quarto. Alguns anos se passaram enquanto eu, todos os dias, enquanto crescia, o contemplava diretamente da minha cama, antes de apagar a luz e dormir. Naquela época não sabia nada sobre pintores, pinturas, mundos longínquos... Mas eu já desenhava, e era imenso o prazer de saber que eu conseguia reproduzir o que via.

Vincent Van Gogh era um pintor muito estudioso, como se pode ver no livro "Cartas a Theo". Observava os raios de luz incidindo sobre o mundo e transferia-os para suas telas, do seu jeito poético de pintar. Era um apaixonado pelas cores e seus efeitos, no mundo e em seus quadros. 

Sua vida não foi uma vida fácil. Quem assistiu ao recente filme "Com amor, Van Gogh", sai do cinema sentindo um pouco da tristeza de sua vida. Eu mesma não sabia o que fazer quando saí do cinema. O filme, esteticamente é lindo, feito por 100 pintores, na Polônia, usando a mesma técnica de Van Gogh. Foram 6 anos de trabalho intenso dessa equipe de pintores.

Quem quiser saber um pouco mais sobre o pintor holandês, CLIQUE AQUI. 

sexta-feira, 16 de março de 2018

Execução

"O 3 de maio em Madrid", Francisco Goya, 1814
Hoje, 16 de março de 2018, esta pintura do espanhol Francisco Goya é ainda mais simbólica do que nunca, em um país, como o Brasil, cuja democracia, há dois anos, começa a desmoronar a passos largos.

Francisco de Goya y Lucientes nasceu em Fuendetodos, província de Zaragoza, em 30 de março de 1756 e faleceu exilado na França em 16 de abril de 1828. (LEIA MAIS AQUI)

Este quadro acima foi pintado por ele, para deixar registrado que este assassinato - esta execução - de líderes populares pelos invasores franceses foi o motivo que provocou o levante do povo, que começou uma guerra por independência da Espanha.

Marielle Franco foi assassinada neste 14 de março, mulher negra, defensora dos direitos dos pobres e pretos das favelas do Rio de Janeiro. Os assassinos são conhecidos: os mesmos que participam do extermínio de jovens negros no Rio e em São Paulo. E pelo Brasil...

Em 1888 - 130 anos atrás - a escravidão foi oficialmente encerrada no Brasil. Encerrada? 

A morte de Marielle ficará impune? - Tomara que assistamos ao Levante do povo, levante definitivo que realmente acabe com toda a exploração, humilhação e mortandade daqueles que carregam na pele a cor de nossos antepassados africanos...

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Fase nova

Uma pausa é necessária, para reconstruir esta ideia de um blog sobre artes plásticas. 

Pois até a vida tem suas marés...

Desde o começo, temos trazido para aqui informações que consideramos importantes sobre o mundo das Belas-Artes que, de tão imenso, mal arranhamos a sua superfície.

Os assuntos são infinitos e, em alguns, a profundidade exige um mergulho maior, e texto mais extenso.

Mas hoje não se leem mais textos grandes.

Por isso, tentarei textos profundos, mesmo que curtos. Usando menos quantidades de imagens e mais análises. Curtas.

Seguimos!

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Os vôos necessários

Franz Kafka no final da vida escreveu alguns pequenos contos, entre os quais "A primeira dor", publicado em 1922, quando a serpente do nazi-fascismo já chocava seu ovo...

"A primeira dor" fala de um artista de circo, um trapezista, aquele que vive com a vida por um fio, sobre o abismo. Mas o trapezista amava tanto seu instrumento de trabalho - o trapézio - que jamais se separava dele, vivia pendurado no alto, ou fazendo acrobacias ou simplesmente quieto enquanto outros apresentavam seus espetáculos. Ele passara a vida inteira como artista de circo; era o que sabia fazer. E amava fazer.

Desde que me entendo por gente, vivo pendurada em meu próprio trapézio: meu amor pela pintura. A vida inteira fui ao encontro dela, me perdi dela, corri atrás, fugi, ela me alcançou, me agarrei a ela como uma náufraga... Do alto do meu sonho, balanço entre um susto e outro, sabendo que é preciso ir além do medo. Pintar me reinventa. Ensinar pintura é um risco ao qual o meu trapézio me balançou para ainda mais alto. O frio na barriga também traz o prazer do risco, o espaço aberto, o chamado do vôo...

Nas vertigens do caminho, o Ateliê Contraponto caiu em minhas mãos e eu precisei enfrentar todos os medos, executando novas acrobacias. Oscilando no meu próprio céu, me movimento dentro do meu sonho, sabendo que os abismos do tempo atual podem me ameaçar. Mas meu vôo é firme, pois criei asas no desejo de permanecer grudada a meu trapézio até o final do espetáculo.

E o Ateliê Contraponto segue como espaço de resistência... mesmo em um momento em que, de novo, aquela velha serpente volte a chocar seu ovo... 

Mas a pintura resiste!

Que venha 2018!

-------------------
Abaixo, registros da exposição de final de ano no ateliê, ao final do quarto ano de trabalho:
-------------------
Desenhos e pinturas de alunos do Ateliê Contraponto: Sarah Hounsell, Taïs Isensee,
Virgínia Morais, Guilherme Martinez
----------
Pinturas a óleo de Taïs Isensee
Pinturas a óleo de Virgínia Morais

Desenho de Ananda Campos, à esquerda. Ao centro e direita, desenhos de Fernando Correia

Desenhos com giz-pastel e carvão de Sarah Hounsell
Desenho e pintura de Paulo Marianno
Desenho com lápis-grafite de Rubi Conde

Pinturas com Guache de Maria Fucatu

Pinturas a óleo de Guilherme Martinez

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O nu é arte!

O Brasil atravessa um momento estranho… Sinais de fascismo e conservadorismo aparecem nos lugares e momentos mais inesperados, alcançando até a arte e os artistas. Neste final de ano, o Ateliê Contraponto fará a exposição de desenhos e pinturas dos alunos, incluindo 4 trabalhos representando a nudez humana, como forma de marcar posição em defesa da liberdade de criação e de expressão.

Como forma de lançar luz sobre um tema tão repleto de manipulações  - moralistas ou não - apresento abaixo uma breve história sobre a representação do nu, tão antiga quanto nossa humanidade... 

--------------------------------------------------

O NU ARTÍSTICO

"Cupido e Psiquê", Jacques-Louis David, 1817
O nu é um gênero artístico que consiste na representação do corpo humano em estado de nudez, ou em alusão a uma possível nudez, mesmo que não seja explícita.

Escultura do período
paleolítico,
por volta de 24 mil anos a.C.
A representação de corpos nus aparece na arte desde a Pré-História. Descobertas da arqueologia levaram muitos estudiosos a procurar em pinturas e esculturas pré-históricas informações sobre a relação que os homens da época tinham com seus corpos e mesmo com sua nudez.

As primeiras representações humanas são de corpos nus. Alguns, mesmo reduzidos a formas simbólicas, indicam claramente os sinais da diferença sexual. As formas estilizadas das mulheres podem ser mais arredondadas, mas os seios, a barriga e o sexo são enfatizados. Na representação masculina, o pênis é representado frequentemente por um dardo ou formas simbólicas proeminentes. Há uma grande diversidade de formas humanas representadas por artistas pré-históricos.

Na Grécia antiga, os deuses masculinos são representados em várias formas, mas muitas vezes com corpos "humanos", onde a beleza, a juventude e a perfeição física evocavam os valores das divindades. Era um tipo de nudez que manifestava o ideal sobre-humano. Os heróis são representados muitas vezes nus, em especial os masculinos. As heroínas sempre estão vestidas, mas de uma forma que suas vestes, ou suas poses, plenas de erotismo, permitem adivinhar a beleza de seus corpos. Com exceção da deusa Afrodite, surpreendida no final do banho, nua, calma, "segura de sua invulnerabilidade e de seu poder formidável: a nudez que enfraquece os mortais aumenta o poder da deusa do amor", segundo narra Alain Pasquier, um pesquisador francês. Ainda na Grécia antiga, a figura do deus Príapo, com seu sexo em tamanho avantajado, era a representação da fertilidade, além de ser o protetor dos rebanhos. 

Representação do deus
Príapo, encontrado nas
ruínas em Pompeia
Os artesãos gregos também fabricaram inúmeros vasos, incluindo um grande número de taças para beber vinho nos banquetes, que são decorados com cenas da vida cotidiana. Eles freqüentemente pintavam jovens atletas no Gymnasium grego, onde eles se exercitavam nus. Ou representavam a nudez ritual da dança, os prazeres e os jogos sexuais, mostrados com simplicidade como momentos puros de felicidade. 

A arte da Roma antiga não só reconhece a qualidade da escultura grega, mas a copia, criando um imenso mercado de cópias de artigos "decorativos". Mas Roma desenvolve suas próprias formas específicas, chegando até nós, como grande exemplo da sua cultura, as famosas figuras explicitamente nuas das ruínas de Pompeia... 

Na Idade Média, a pintura e a escultura têm fim quase exclusivamente religioso. A nudez é rara, mas quando surge é uma espécie de lembrança da condição mortal e imperfeita do homem. E uma proibição após o pecado original. Lembremos que na mitologia do cristianismo, as figuras de Adão e Eva viviam nus - e felizes - no Paraíso, até que cometeram o primeiro pecado e sua nudez passou a ser um incômodo…

"Adão e Eva expulsos
do paraíso", Masaccio
Foi a partir do século XIII que as representações de Adão e Eva assumem a forma de nus, como o Adão de Notre-Dame de Paris. Nas imagens sagradas, a nudez permanece associada ao tema do pecado. 

No século XV, no início do Renascimento, começam a reaparecer figuras nuas, principalmente em esculturas. Mas por volta de 1452, Jean Fouquet pinta a Virgem Maria com o seio à mostra e sua criança inteiramente nua (veja abaixo). Também os iluminuristas - ilustradores de livros religiosos - no mesmo período passam a representar nus quando necessário.

O Renascimento italiano introduz o espírito racionalista, que valoriza a inteligência. Leon Battista Alberti, arquiteto e humanista, define a Beleza como "uma espécie de harmonia e acordo entre todas as partes que formam um todo harmônico, dentro de uma certa relação, uma certa ordem..." Em 1538, o grande Tiziano pinta sua “Vênus de Urbino”, onde expõe o corpo de uma mulher inteiramente nua. Era um período onde o corpo nu era representado principalmente em obras com temas mitológicos ou religiosos.

Mas o Renascimento exprime uma ética de caráter humanista, o que leva a uma nova estética. Leonardo da Vinci estuda rigorosamente a Natureza, o que inclui o corpo humano, tema que o interessava de forma especial. Um dos estudos anatômicos mais famosos é o seu Homem Vitruviano.

Autorretrato nu,
Albrecht Dürer, 1503
Em 1503, Albrecht Dürer é o primeiro artista a se representar inteiramente nu, sem qualquer concessão. 

Também neste período, as representações das crianças se tornam mais realistas, rompendo com as representações da Idade Média, onde geralmente eram representadas como adultos em miniatura, com rostos de adultos.

Em 1504, Michelangelo apresenta ao mundo a sua escultura das mais famosas: David, o herói bíblico, com um realismo impressionante, inteiramente nu em seus mais de 5 metros de altura. Esta escultura foi posicionada em praça pública em frente ao Palácio della Signoria, em Florença. 

Depois de 1563, o nu em geral é banido, entre outros motivos pelo movimento da Contra-Reforma, no final do Concílio de Trento. Os belos nus de Michelangelo no teto da Capela Sistina foram retocados. Passou-se a cobrir os sexos representados nas artes com pedaços de pano ou folhas de figueira. Ou até com o cabelo, em caso de nus femininos.

Isso não impede que alguns burgueses, aristocratas ou mesmo homens da Igreja, continuem encomendando temas mitológicos para decoração de suas residências particulares, que justificariam o uso da figura nua. 

"Homem anatômico", iluminura medieval
No período neoclássico, houve um ressurgimento dos valores humanistas e os temas mitológicos clássicos voltaram a ser pintados, desta vez entremeados a temas relacionados a conceitos como o de “nacionalismo”, onde os ideais revolucionários apareciam. Eram tempos da Revolução Francesa, e os nus reapareceram, desta vez  em cenas de guerra, antes de se integrarem nas representações da burguesia. A pintura histórica, ou alegórica, ocupava o primeiro lugar. Representar o nu, além de tudo, demonstrava o talento do artista, por causa da dificuldade técnica com os estudos da anatomia.

Mas para que um nu fosse admitido em salões oficiais e não escandalizar o público, o pintor precisava idealizá-lo em seus contornos, como se inspirassem mais uma vez nos temas bíblicos, mitológicos, heróicos. Os nus neoclássicos pareciam representar o ideal de pureza e virgindade, como os famosos nus Jean Dominique Ingres.

A pintura romântica, movimento que defendia o predomínio do Sentimento sobre a Razão, é caracterizada por um gosto muito marcado pelo drama. Então os pintores não hesitam mais em mostrar a realidade, tão violentamente quanto possível. As obras se tornam mais livres e expressam sensualidade e às vezes até a sexualidade, numa ruptura total com o classicismo. Era o predomínio da arte realista, e depois do Impressionismo, que dá mais valor às cores, contrastes e luzes, do que aos temas. Esse movimento gerou escândalos com seus nus realistas, que não eram mais nus de cenas mitológicas ou históricas.

De acordo com as ideias revolucionárias de seu tempo, os pintores realistas fizeram e incentivaram estudos de nus femininos ao vivo e em situações cotidianas. Tomam como modelos mulheres de classes sociais mais baixas, como prostitutas ou mesmo suas amantes. Muito bom lembrar que até este período, os modelos que posavam em academias e ateliês eram quase sempre exclusivamente masculinos!

"Origem do mundo", Gustave Courbet, 1866
O que mais chocou seus contemporâneos foi o pintor realista Gustave Courbet com sua pintura “A origem do mundo”, onde mostra uma representação do sexo feminino sem nenhum véu! A pintura somente depois dos anos 1990 está exposta no Musée d'Orsay, em Paris. Ainda hoje é considerada indecente e diversas pessoas tiveram seu perfil censurado pelo Facebook, por publicarem a imagem dessa pintura de Courbet.

Os nus impressionistas emprestaram da escola realista um gosto pela vida cotidiana, apesar de fazerem um retorno marcante a certas cenas bucólicas idealizadas. Edouard Manet, também causou escândalo em 1863, apresentando uma pintura (“Almoço sobre a grama”) onde uma mulher completamente nua faz um piquenique com homens vestidos. Manet se inspirara em Giorgione, que em 1508 na Itália já havia pintado o “Concerto campestre”, onde duas mulheres nuas estão juntas a dois homens vestidos.

"Leigh no sofá verde", Lucian Freud, 1993
Nos tempos mais recentes, para terminar (o assunto é vastíssimo e exigiria um estudo muito mais aprofundado), Lucian Freud foi um dos pintores contemporâneos - realista, diga-se de passagem - a enfrentar pictoricamente o corpo humano nu, em toda a sua explícita realidade.

Então, vai muito longe na História o tratamento artístico do nu. O que nos choca nos tempos atuais é, em meio a uma hipócrita argumentação moralista, os representantes de certa direita atrasada (há direita mais esclarecida, sim), oportunisticamente se lançarem numa espécie de marcha fascista conservadora que atinge dos defensores dos direitos humanos, às pessoas de esquerda, aos movimentos sociais e aos artistas. 

Há que se combater, sim, os ataques desses arautos do moralismo (como o MBL) para que não corramos o risco de novamente ser obrigados a viver sob o regime do medo, próprio dos períodos mais trevosos da nossa história recente!

"Vênus de Urbino", Ticiano, 1538
"Almoço na relva", Edouard Manet, 1862
"Laoconte", El Greco, 1604
"A Liberdade guiando o povo às barricadas", Eugène Delacroix, 1830
"Maria Madalena", Francesco Hayez, 1825
"A Odalisca", François Boucher, 1740
"Concerto pastoral", Giorgione, 1509
"A grande odalisca", Jean-Auguste Dominique Ingres, 1814
"A Virgem e seu Filho", Jean Fouquet, cerca de 1452
"Autorretrato pintando", Lucian Freud, 1993
"Perseu", Benvenuto Cellini, 1545
"Revoada", óleo sobre tela em execução
por Guilherme Martinez, aluno do Ateliê Contraponto, 2017