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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Edgar Degas, impressionista ma non troppo

Estudo meu sobre o "Retrato de Albert
Melida", de Edgar Degas,
feito em pastel (nov. 2012)
O Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, Paraná, inaugurou no dia 10 de novembro a exposição “Degas: Poesia geral da Ação. As esculturas - Coleção Masp”. O evento faz parte da comemoração dos 10 anos de vida do Museu, que tem a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.

São 73 obras do artista francês Edgar Degas que pertencem ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. As esculturas são fundidas em bronze e, entre elas, a mais conhecida: “Bailarina de 14 anos” (foto abaixo). Vale ressaltar que o MASP é um dos museus onde há uma das grandes concentrações de obras de Degas, além do Metropolitan de Nova York e do Museu d'Orsay de Paris.

Recentemente fiz um estudo em pastel de uma pintura a óleo deste artista francês, o “Retrato de Albert Melida”. O método de pintura dos impressionistas é pictórico, quase sem linhas, com predominância no valor das cores de médio a alto; também não respeitam muito a forma dos objetos e as massas se fundem, se multiplicam, dando um ritmo luminoso, o que era intenção desses pintores. Alguns levaram essa técnica à radicalidade do pontilhismo, como George Seurat e Van Gogh. Ou praticamente enfatizando os efeitos luminosos das cores sob o efeito da luz, como fazia Monet. Mas não foi o caso de Degas. Ele ficou mais independente, mantendo mesmo uma certa distância do grupo dos impressionistas, mesmo que, segundo E.H. Gombrich em seu livro História da Arte, “simpatizasse com a maioria de seus propósitos”.


Autorretrato, Degas, 1857
Seu nome completo era Hilaire Germain Edgar de Gas, adotando Edgar Degas como nome artístico. Ele nasceu em 19 de julho de 1834 em Paris e foi, além de pintor, gravador, escultor e fotógrafo. Era um pouco mais velho do que Renoir e Monet e regulava de idade com Manet. Gombrich observa que Edgar Degas tinha um interesse “apaixonado” pelo desenho e era grande admirador da obra de Jean-Auguste Dominique Ingres, artista que se manteve sempre fiel à pintura acadêmica.

Degas não aderiu ao costume dos impressionistas de pintar ao ar livre. Preferia o espaço interno de seu ateliê ou as salas de aulas de balé, cujas bailarinas aparecem em muitos de seus quadros. Ele ia aos ensaios de dança para ver os corpos em movimento, que desenhava e pintava. “Via as bailarinas dançando ou repousando, e estudava o intrincado escorço e o efeito da iluminação de cena modelar a forma humana”, aponta Gombrich. Diversos desses esboços foram feitos à pastel. Mas nessas observações das bailarinas ele se comportava como seus amigos impressionistas e pintores de plein air: lhe interessava, mais do que a beleza da bailarina, os jogos de luz e sombra, as formas dos movimentos, as relações espaciais.

A maior parte de suas obras, desde que se busca classificar os pintores dentro de algum movimento, é incluída dentro do movimento impressionista, mesmo que, como vimos antes, ele não era exatamente um deles, porque as principais características do Impressionismo não são aplicáveis a Degas, que pintava dentro de seu ateliê, muitas vezes de memória. O fato dele ser incluído entre os impressionistas seria muito mais pelo fato de que, assim como aqueles, ele também não seguia as regras da Academia Francesa. Muita discussão e debate já aconteceu em torno da obra de Edgar Degas por diversos historiadores da arte, uma vez que seu trabalho como artista não podia ser classificado como impressionista em sua totalidade.


A bebedora de absinto, Degas
Edgar Degas, filho de uma família rica, era o grande burguês do bairro de Montmartre, tradicional reduto de artistas, em sua maioria pobres. Seu pai era banqueiro, e ele cresceu dentro do meio burguês, numa rua próxima do Jardim de Luxemburgo, bairro nobre de Paris. Como parte de sua formação, cursou a faculdade de Direito, por exigência paterna. Mas Degas já se interessava muito por Desenho e começou a frequentar o Gabinete das Estampas da Biblioteca Nacional, onde copiava incansavelmente as obras de Albrecht Dürer, Andrea Mantegna, Paul Veronèse, Francisco Goya e Rembrandt.

Além disso passava as tardes no museu do Louvre onde, com o tempo e sua evolução como artista, foi admitido como pintor copista, uma prática que ainda hoje se mantém. Ele admirava os pintores italianos, franceses e holandeses. Foi aluno, entre outros, de Louis Lamothe, que tinha estudado pintura com Ingres. O pai de Degas, homem culto e amante das artes, mas também bom comerciante, apresenta ao filho alguns dos maiores colecionadores de arte de seu tempo.


A partir de 1855 ele frequenta as aulas da Escola de Belas Artes de Paris, mas com a ideia de se aproximar da obra dos grandes mestres do passado, como Luca Signorelli, Sandro Botticelli e Rafael. Por causa desse interesse, Degas viajou várias vezes à Itália entre 1856 e 1860. Foi em Florença que ele conheceu e se tornou amigo de um outro pintor francês, Gustave Moreau, que foi um dos principais representantes da corrente simbolista na pintura francesa.

Em sua fase inicial, Degas fez diversas pinturas de inspiração neoclássica, além de ter pintado numerosos retratos de pessoas de sua família. Na guerra contra a Prússia de 1870, Degas se alista na infantaria. Entre 1874 e 1886 Degas participa das exposições dos impressionistas, empenhando-se pessoalmente na organização das mesmas. Seus contatos com outros pintores da mesma geração se estreitam, especialmente com Camille Pissarro.


As bailarinas, 1878, Degas
Edgar Degas era um frequentador ativo do bairro de Montmartre, participando de diversos círculos de amigos, de ateliês, de cafés literários e de encontros sociais organizados por outros artistas e intelectuais de sua época, reunindo-se na casa da família Manet, na da pintora Berthe Morisot e na do poeta Stephane Mallarmé. À frente de outros burgueses como ele, seus amigos íntimos, ele levava uma vida celibatária e algo arrogante. No que dizia respeito aos princípios aprendidos em sua família de origem, era intransigente, e em muitas querelas batia de frente com os amigos. Tinha uma personalidade difícil, humor mordaz, agressivo, o que afastava as pessoas de seu convívio. Mas participava ativamente das discussões que aconteciam no café Guerbois, entre artistas jovens e seu amigo Edouard Manet, cujo ateliê ficava perto, no bairro de Montmartre.

Desde 1875, a pintura foi para ele sua fonte de renda, quando ele começou a ter dificuldades financeiras. Sua família tinha entrado em falência após a morte de seu pai. De 1880 em diante, ele passa a usar mais o pastel em sua pintura, algumas vezes usando junto também tinta guache e aquarela. As telas dessa época são bastante modernas no sentido de dar maior expressão às cores. No final dos anos 1890, Degas, já quase cego, se dedica cada vez mais à escultura. Sua única exposição individual aconteceu em 1892, quando ele apresentou 26 telas com paisagens.


De 1905 em diante, cada vez mais amargurado pela cegueira que lhe acometeu, Edgar Degas se isola ainda mais dentro de seu ateliê. Morreu em setembro de 1917, com 83 anos de idade, acometido de um aneurisma cerebral. Seu corpo foi sepultado na tumba da família no cemitério de Montmartre. No ano seguinte, todas as obras acumuladas em anos de trabalho, que ele guardava em seu ateliê, foram vendidas em leilão, assim como sua importante coleção de obras de arte que ele tinha adquirido de outros artistas. Dessa coleção, dedicada especialmente à arte francesa do século XIX, se destacavam obras de Ingres e Delacroix, dois mestres por quem Degas tinha grande admiração não só por sua técnica mas também pela cultura artística que eles possuíam.




A pequena bailarina de 14 anos,
Degas, acervo do Masp
Ingres influenciou profundamente o jovem Degas. Ele tinha 21 anos de idade quando conheceu o mestre em seu ateliê. Em seguida, passou a copiar apaixonadamente as obras apresentadas em uma exposição retrospectiva consagrada a Ingres. O primeiro autorretrato de Degas faz referência clara ao que Ingres fez em 1804, como se pode ver neste post. O próprio Ingres lhe teria sugerido que desenhasse, que desenhasse muito, e ele seria um bom artista. Degas estava sempre com um porta-lápis à mão. Até o fim de sua vida, Degas mantinha o costume de fazer desenhos preparatórios e esboços para seus trabalhos. Praticava inclusive desenho de modelo vivo, a vida toda. Sempre respeitando o que lhe havia sugerido o grande mestre Ingres.

Em relação a Eugène Delacroix, Degas também era um admirador de sua pintura, chegando a fazer uma cópia do quadro de Delacroix “Entrada dos cruzados em Constantinopla”. Em 1889, viajou a Tanger, seguindo os passos do pintor Delacroix, que era apaixonado pela cultura do norte da África.


Um de seus inúmeros esboços
As bailarinas azuis, 1899, Edgar Degas
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Serviço:

“Degas: Poesia geral da ação. As esculturas – Coleção MASP”
De 10 de novembro de 2012 a janeiro de 2013
Museu Oscar Niemeyer
Curitiba - Paraná

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um olhar sobre os Impressionistas

Claude Monet: "Le bassin aux nymphéas, harmonie verte",1899
Era o dia de ver os Impressionistas.

O tempo está seco e quente demais para o inverno. O mês de agosto ainda não trouxe nenhuma frente de ar polar, como deveria acontecer. Nem mesmo frente fria tem aparecido por aqui. Mas o dia amanheceu claro, um sol que começa a deslocar seus raios de luz em direção à parede à direita da minha sala, como acontece todo ano quando estamos a um mês do fim do inverno. A primavera chega em setembro, mas já se podem ouvir sabiás cantando antecipadamente.

Autorretrato, Leon Bonat, 1855
A cidade amanheceu congestionada. Como sempre. A moça do rádio informa, monótona, que há mais carros na rua do que normalmente, “para o dia e para o horário”. Pontos de ônibus recebem pessoas às dezenas, desde às quatro horas da madrugada. Pessoas que vão trabalhar, que vão ao médico, que vão de um lado a outro, horas e horas de tempo gastos dentro dos ônibus, dos metrôs apinhados ou dos trens abarrotados. Mas mais abarrotadas estão as ruas: de carros com uma pessoa dentro.

Uma ou outra bicicleta se arrisca entre ônibus e automóveis guiados por motoristas tensos. Há uma bicicleta branca aqui perto, uma moça morreu. Um ônibus passou por cima. Dela e da bicicleta. Que está lá em sua branqueza, parecendo um fantasma, mostrando o quanto esta cidade é dura com os mais fracos.

Motoqueiros loucos, que nem cachorros, doidos para entregar suas encomendas, passam ziguezagueando entre os carros. Xingando e sendo xingados. O meu ônibus sobe a rua Teodoro Sampaio, devagar, cansado. O cobrador chama todas as mulheres de “minha linda”, “gata”, “amor”. E os homens de “amigão”, “queridão”... Ele procura sua cota de felicidade nesse mundão cão. As pessoas gostam: as mulheres sorriem, os homens se sentem parceiros. Nem tudo é selva em meio a tantas torres! Ou como dizia meu poeta Drummond “uma flor nasceu na rua!”

Retrato de Fernand Ralphen,
Auguste Renoir
Ônibus, depois metrô. Pessoas ainda indo pro trabalho. Toda hora há turnos de trabalho sendo iniciados nesta metrópole. O meu começa às 13h. Mas ainda é cedo e eu vou para o centro. No meio dessa confusão de pernas e braços que correm em todas as direções, me lembro de novo de Drummond: “Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.”

Chego no Centro Cultural Banco do Brasil. Há alguns oásis em meio a tanto deserto e de vez em quando uma brisa fresca sopra e nos permite respirar. Mesmo com a garganta seca.

Uma hora na fila. Leio “Zona Leste”, de Jeosafá Gonçalves. Converso um pouco com meu amigo. Ouço a conversa da senhora ao lado, tagarela, voz que arde nos nossos ouvidos. Meu amigo pára de ler seu “The Prince” de Maquiavel, pois a lenga-lenga da senhora tira a concentração. Conversamos mais um pouco. O mundo passa na calçada: pessoas no fluxo e no contrafluxo, indo trabalhar. Ou mesmo vagabundos que não tem pra onde ir. Todos passam ali. Olhamos calados. Nós somos todos eles.

Público na fila hoje, no CCBB
Dez horas, a porta grande se abre. Abre um mundo, um outro mundo. Os Impressionistas de Paris, do Museu d’Orsay que visitei algumas vezes, estão aqui à nossa frente, com suas cores claras, suas luzes quase nos incandescendo. O prazer estético vai aumentando. Paramos diante de Boldini e seu “Conde Robert de Montesquiou”, muito bem trabalhado, elegante. A pintura e a figura. Giovanni Boldini era grande retratista, tanto quanto John Singer Sargent. E Fantin Latour com sua “Família Dubourg”, pintada em 1878. Eu e meu amigo paramos em frente a esse quadro melancólico. “Parece uma família em luto”, disse ele. Concordei. As expressões nos rostos são pesadas. A pintura, perfeita. Ele era realista, como Gustave Courbet, que ele conheceu. E como Boldini e Sargent. E Carolus-Duran, um dos mestres de Sargent. Soube que Fantin Latour se casou com Victoria Dubourg, da família pintada por ele.

Homem com cinto de couro,
Gustave Courbet
Renoir, Toulouse-Lautrec, Degas, Monet e Manet estão ali ao redor de nós, com suas cores brilhantes, suas sombras coloridas, suas pinceladas que não buscam descrever nada, apenas mostrar o suficiente. As paisagens pintadas por eles, pelo interior da França ou à beira do rio Sena, parece que nos transportam para aqueles lugares de um tempo que já passou. Uma certa saudade nos toca de leve, como se conhecêssemos cada lugar daqueles, como se tivéssemos assistido pessoalmente o momento em que Monet pintou aquela paisagem com casas brancas de neve. Ou o momento em que Stanislas Lépine pintou aquela moça subindo uma rua de Montmartre com uma cesta de verduras nas mãos enquanto duas outras mulheres parecem negociar um litro de leite.

Paramos em frente ao “Homem com cinto de couro”, de Gustave Courbet. Observamos mais uma vez em detalhes todo o quadro, emoldurado lindamente. Era um dos autorretratos de Courbet, que fez tantos. Ele era realista, como Caravaggio. Ele certa vez alugou uma vaca e levou para dentro de seu ateliê em Paris. Queria pintar a vaca, com ela ali posando para ele. Do mesmo jeito que Caravaggio também alugou um carneiro dos bandos que atravessavam Roma à noite, levou para seu ateliê e pintou-o sendo alimentado por João Batista. Este quadro, para quem quiser ver de perto, está na exposição do Masp.

"Autorretrato com fundo rosa",
Paul Cézanne
Mas voltemos aos impressionistas. De vez em quando um retrato pintado por Renoir cruzava nosso caminho. Um menino sobre um fundo vermelho nos chamou a atenção. Seus olhos eram suaves, inteligentes. Como os olhos do “Autorretrato com fundo rosa” de Paul Cézanne. Esse olhar, profundo e indecifrável, sensibilizou o poeta Rainer Maria Rilke, que dele dissera:

“É um homem com o perfil direito voltado em 1/4 para nós, e que olha. Seus cabelos escuros, espessos, estão ocultos atrás das orelhas de modo que o contorno do seu crânio está à vista. E a grandeza, a incorruptibilidade desse olhar imparcial é confirmada de modo quase tocante pelo fato de que ele se representou a ele mesmo, sem nenhuma interpretação ou julgamento de sua expressão, com objetividade humilde, com a fidelidade e a curiosidade de um cão que se vê no espelho e diz: ‘Aqui tens um outro cão’.”

Sempre que vejo autorretratos pintados por esses artistas, fico pensando que eu posso estar olhando para um espelho: “Je est un autre”, como disse o outro poeta, Rimbaud, não é? Aquele velho desdentado que vimos passando lá em frente ao CCBB alheio àquela fila não é uma parte de mim mesma, dos muitos que habitam em mim? O olhar de Cézanne é o olhar do meu amigo de "alma inquieta" ao meu lado...

A Lavadeira, Paul Guigou
Dentro do CCBB as indicações nos levam às salas. Tudo está sob controle, as filas, as quantidades de pessoas que entram em cada sala, a temperatura, a umidade... Estava em 54%, disse um dos funcionários. Era uma exigência dos administradores do Museu d'Orsay: que se cuidasse muito bem dessas preciosidades aqui em nosso Brasil.

De cima para baixo, mais impressionistas; os conhecidos e aqueles dos quais nunca ouvi falar, como Paul Guigou e sua “Lavadeira”. Os impressionistas estavam voltados para a luz. Era a luz que importava. De jeito diferente do de Rembrandt, Vermeer, Caravaggio, Tiziano... As sombras impressionistas são coloridas. Nada de preto em quase nenhum lugar. A não ser nas roupas das moças dos cabarés de Paris, lindas em sua feminilidade livre, expostas aos olhos e aos braços dos freqüentadores do cabaré Chat Noir, ou do Moulin Rouge, ou do Moulin de La Galette... Ao alcance da palheta de Toulouse Lautrec.

“Conde Robert de Montesquiou”,
Giovanni Boldini
No piso do subsolo, os últimos quadros. Naturezas-mortas, uma de Courbet e outra de Fantin Latour, lindas demais de se ver! Nos perguntamos, eu e meu amigo: como pode ser que um homem preso tenha pintado aquelas flores tão claras, tão belas, num ambiente tão sombrio? Gustave Courbet pintou várias naturezas-mortas enquanto estava preso por seu envolvimento com a Comuna de Paris... Na sala derradeira, um Van Gogh que representa um bando de pessoas numa casa de dança em Arles, onde ele viveu. Paul Gauguin, Sisley, Pissarro... Quadros pontilhistas, quadros mais próximos aos próximos modernistas.

Acabou. Saímos de novo para as ruas, o sol já no zênite, fazia com que tudo parecesse uma imensa tela impressionista, impregnada de luz. Almoçamos no “Bancários”, restaurante à moda de antigamente quando o centro de São Paulo era lindo e leve. Mesas na calçada, bem forradas com toalhas brancas, lembrando os cafés de Paris... Brasileiramente, pedimos uma feijoada. A conversa era boa, a alma estava lavada. Os pulmões respiravam, os olhos “em festa”.

Eu estava feliz! Nós ficamos muito felizes ao passar por esses impressionistas! E desejamos que essa felicidade pudesse tomar conta da alma de todos os brasileiros que possam ver esta exposição...

A Arte faz isso com a gente: toca o coração...

Camponesas bretãs, Paul Gauguin

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Os Impressionistas

"Impressão do nascer do sol" de Claude Monet, 1872, pintura que inaugurou o Impressionismo
Enquanto aguardamos a inauguração da exposição “Paris: Impressionismo e Modernidade” aqui em São Paulo, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), marcada para iniciar a partir da primeira semana de agosto, faço algumas reflexões sobre o Impressionismo, movimento artístico que influenciou a arte do século XX. Fui buscar informações sobre eles especialmente no livro do professor Carlos Cavalcanti História das Artes, de 1983, assim como nos dois volumes Impressionismo, da Taschen, publicado em 2011.

No século XIX houve, na Europa, uma aceleração da revolução industrial iniciada no Reino Unido em meados do século XVIII. Eram profundas mudanças tecnológicas que traziam  impacto muito grande sobre as relações econômicas, políticas e sociais, influenciando todas as áreas e trazendo uma nova visão sobre o mundo. Vale destacar, no campo da pintura, que a indústria química inventou os tubos flexíveis de tintas a partir de meados do século XIX.

A nova mentalidade começava a ser marcada por uma visão científica do mundo, que concebia a matéria - e a história - com dinamismo. Foi o período em que surgiram as ideias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), a filosofia materialista-histórica de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), os estudos microbiológicos de Louis Pasteur (1822-1895), além das descobertas “da eletricidade, do rádio e das ondas hertzianas”. Assim como avançavam as pesquisas científicas no campo da ótica, da luz e da cor. Os artistas também propunham mudanças na maneira de pensar a pintura.

Na França, ainda predominava a arte acadêmica, ou Neoclássica, apegada ao passado e a seus símbolos. O modelo era o greco-romano e os artistas eram levados a pintar os grandes feitos dos poderosos, na pintura de história. Mas no começo do século XIX, novas ideias começam a despontar entre artistas e intelectuais europeus, inicialmente voltados para uma visão romântica da natureza. A vigência do pensamento neoclássico, por sua frieza e rigidez, incomodava certos artistas, e eles partiram para criar obras onde os valores emocionais e individuais fossem enfatizados, em detrimento da mentalidade que buscava imitar os valores estéticos voltados para o passado. O movimento que ficou conhecido como Romantismo marcou presença nas artes europeias, especialmente entre 1820 e 1850.

Na vida política da Corte, alterações também estavam ocorrendo, especialmente após a Revolução Francesa de 1789. Os adeptos do Antigo Regime defendiam os privilégios da nobreza e do clero. Do outro lado, estavam aqueles que defendiam novas formas de vida econômica, social e política e propunham uma mudança de rumos na França. Por isso, desde o fim do século XVIII e durante todo o século XIX os franceses passaram por várias revoluções e modificações na vida do país.

Gustave Courbet: O desesperado
(autorretrato), 1843-45
Na pintura surge o Realismo, como consequência de todo esse novo quadro. Gustave Courbet inaugura uma exposição, em 1855, paralela à promovida por Napoleão e em protesto por ter sido recusado na mostra oficial. À sua exposição, Courbet denomina: “Du Réalisme”, com isso inaugurando nova etapa na pintura francesa. Esse movimento defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, observa Cavalcanti. O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”.

Mas o realismo não era um movimento novo. Ao longo da história, desde seus primórdios, o homem tem se alternado em várias fases realistas. Carlos Cavalcanti diz que a primeira delas vem desde os tempos remotos da pintura nas cavernas da era chamada Madaleniana, ou idade da pedra lascada. Depois, houve uma fase realista grega e romana. Mas com o advento do misticismo medieval, o realismo perdeu espaço para as abstrações da fé cristã. Depois, com o Renascimento, novos artistas realistas apareceram, muitos deles influenciados pelas novidades pictóricas de Ticiano e Rubens. Mais especialmente realista foi a arte Barroca, cujo maior nome é o de Caravaggio, na Itália; de Rembrandt, na Holanda; de Velázquez, na Espanha.

Amor sagrado e amor profano, de Ticiano, 1514:
Ticiano foi um dos mestres preocupados em estudar os efeitos da luz
O IMPRESSIONISMO

Pois bem. Segundo diversos historiadores, incluindo Carlos Cavalcanti, o movimento conhecido como Impressionista derivou diretamente do Realismo, cujos representantes maiores eram Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa e abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu se organizar contra as regras da academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes, que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. E vários deles em grande penúria, como Alfred Sisley, que morreu na miséria.

Pintura de Édouard Manet:
Claude Monet pintando em seu ateliê, 1874
 
Um dia, o pintor Manet teve a ideia de organizar uma associação profissional com os artistas que não encontravam espaço para expor. Pouco tempo depois, com diversos adeptos, nascia a Sociedade Anônima Cooperativa de Artistas Pintores, Escultores e Gravadores, cujo objetivo maior, segundo seus estatutos, era justamente promover exposições públicas de obras de seus associados. A primeira grande exposição coletiva foi inaugurada, então, no dia 15 de abril de 1874 nas salas do ateliê do fotógrafo Felix Tournachon Nadar (1820-1910).

Entre os primeiros expositores estavam: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e uma mulher, Berthe Morissot. Foram expostos 150 trabalhos.

Cavalcanti conta que Edmond Renoir, irmão do pintor, foi o encarregado de preparar o catálogo da exposição. E teria dito a Claude Monet que os títulos de suas obras eram monótonos, algo do tipo “Entrada da aldeia, saída da aldeia, manhã na aldeia...” Ao que Monet teria sugerido secamente que ele incluisse a expressão “Impressão”, que foi aceita e incluída no catálogo como, por exemplo, “Impressão do nascer do sol”.

A exposição não foi aceita pela crítica e pelo público, acostumados às pinturas da Academia. Os ataques dos críticos foram agressivos, chamando-os “falsos artistas”, “ignorantes” das regras da boa pintura e da verdadeira beleza.

Entre os críticos mais ferrenhos estava Louis Leroy, que era também gravador e paisagista. Ele escrevia para o jornal Le Chavirari, que tinha um viés humorístico e político e era bastante lido pela população parisiense. Ele escreveu, segundo consta no livro História das Artes:

“Selvagens obstinados, não querem, por preguiça ou incapacidade, terminar seus quadros. Contentam-se com uns borrões, que representam as suas impressões. Que farsantes! Impressionistas!”

Claude Monet: Jardim em Giverny, 1900
Logo, a expressão Impressionistas se popularizou nos círculos mais conservadores que usavam o termo para designar qualquer artista que eles considerassem medíocre. A primeira exposição dos “Impressionistas” durou um mês e foi um fracasso. Em 1875, a Associação resolveu abrir um leilão dos quadros no Hotel Drouot. Mas uma vez a reação contra eles foi dura e “os pregões do leiloeiro eram vaiados pelo público”, conta Cavalcanti.

Mas em 1876 veio a segunda exposição e desta vez resolveram usar o termo com que eram criticados, e deram como título da mostra: “Exposição dos Pintores Impressionistas”.

De 1874 a 1886, os impressionistas fizeram oito exposições em Paris, com mais adesões de outros pintores, entre os quais Paul Gauguin, que se juntou a eles. Aos poucos eles foram sendo respeitados, pela suas pesquisas em torno da luz e das cores. Na última coletiva de 1886, mais dois pintores se aproximaram do grupo: Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935). Estes dois resolveram aplicar em suas telas as descobertas científicas no campo da física e da química das cores, e com isso desenvolveram a técnica de pincelar que já tinha sido iniciada por Monet e Pissarro, que passou a ser chamada de pontilhismo. Van Gogh é um dos exemplos de pintores que usaram o pontilhismo em seus quadros impressionistas.

Após 1886, finalmente os impressionistas começaram a ser reconhecidos pelo público e pela crítica. Novas gerações de artistas aplicavam as mudanças iniciadas pelos seus antecedentes e desenvolviam novas formas de expressão artística. Degas, Monet e Renoir já eram admirados e respeitados.

Mas o que fizeram a mais os Impressionistas, em relação aos outros? Eles simplesmente introduziram na pintura “a observação direta da luz do sol”, conforme explica o professor Cavalcanti, e fixaram as mudanças sutis que a luz do sol produz nas cores do mundo em horários diferentes do dia. Eles retiraram seus cavaletes dos espaços fechados dos ateliês e foram pintar ao ar livre, e por isso foram sobretudo paisagistas. Enquanto os defensores da academia esbravejavam contra eles, diz Cavalcanti, “Claude Monet se imortalizava embriagando-se de luz”. E acrescenta que Monet dizia que não sabia fazer nada, “nem pensar”, quando o sol desaparecia.

Degas: Escola de Dança, 1879
Ao contrário dos pintores acadêmicos que queriam despertar sentimentos e ideias edificantes quando pintavam telas com temas ou históricos, ou mitológicos, ou bíblicos ou alegóricos, os Impressionistas queriam somente mostrar os efeitos coloridos da luz solar sobre o mundo, observados diretamente. E Cavalcanti acrescenta:

“Como bons realistas, além de pintarem apenas o que viam , só pintavam o que estivesse recebendo direta ou indiretamente a luz do sol”.

Mas o autor observa que essa preocupação não era exclusiva dos impressionistas. Antes deles, Leonardo da Vinci (1452-1519) em seu “Tratado da Pintura” faz diversas observações sobre a luz do sol e seus efeitos na natureza. Assim como os pintores venezianos do Renascimento, em especial Ticiano (1477-1576) e Veronese (1528-1588), cujas telas eram repletas de cores que se derramavam em massas luminosas. Assim também foram os mestres holandeses Rembrandt e Vermeer. Assim foi o mestre espanhol Diego Velázquez, que inspirou Édouard Manet, Claude Monet e Auguste Renoir. Também Rubens, o mestre alemão, tinha se voltado para a luz. E os pintores do estilo rococó, franceses e italianos; assim como os paisagistas românticos ingleses, como William Turner.

Mas os Impressionistas foram originais em suas concepções sobre o desenho, a cor e a luz, que eles sistematizaram em princípios básicos da nova forma de pintar. São eles, segundo numerou Carlos Cavalcanti:

Pintura de John Singer Sargent:
Claude Monet pintando, 1885
1 - A cor não é uma qualidade absoluta; a ação da luz modifica as cores constantemente;
2 - Não existe Linha na natureza. A linha é uma abstração mental criada para representar o que vemos;
3 - A sombra não é preta, nem escura; é colorida e pode ser luminosa;
4 - Aplicação de contrastes de cores em complementaridade;
5 - As cores não devem mais ser misturadas na palheta, mas colocadas de uma forma que a visão ótica dê a configuração delas.

Mas nem tudo era paz entre os Impressionistas. Degas, por exemplo, continuou a afirmar o domínio do desenho sobre a cor, e se recusava a pintar ao ar livre. Sua sobrinha, Jeanne Smith, salienta que Degas tinha uma memória visual prodigiosa e ele poderia pintar no ateliê as paisagens que vira alguns dias antes. Renoir, por seu lado, deixou o movimento na década de 1880, voltando depois para ele e com isso nunca conquistou plenamente a confiança dos outros membros. Édouard Manet, um dos fundadores do grupo, se recusou a exibir o seu trabalho com outros impressionistas e preferia continuar tentando o Salão de Paris. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, o grupo é marcado pela saída de Cézanne, Renoir, Sisley e Monet, que abandonam o grupo e vão participar do Salão. Muitas disputas depois, o grupo dos impressionistas se separou em 1886, quando Signac e Seurat montaram uma exposição concorrente. Camille Pissarro foi o único artista que participou de todas as oito exposições do grupo.

Os Impressionistas mais conhecidos são: Fréderic Bazille (1841–1870); Eugène Boudin (1824-1898); Gustave Caillebotte (1848–1894); Mary Cassatt (1844–1926), Paul Cézanne (1839–1906); Edgard Degas (1834–1917); Armand Guillaumin (1841-1927); Claude Monet (1840–1926); Berthe Morisot  (1841–1895); Camille Pissaro (1830–1903); Pierre-Auguste Renoir (1841–1919); Georges Seurat (1859-1891); Alfred Sisley (1839–1899); Vincent van Gogh (1853-1890), entre outros.

Destes pintores, estarão em São Paulo e Rio, no CCBB, obras de Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard.

Além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo.

Édouard Manet: O Banho ou Desjejum na relva, 1863

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Paris: Impressionismo e Modernidade

Claude Monet: La Gare Saint-Lazare, 1877, óleo sobre tela, Museu d'Orsay, Paris

A partir do dia 4 de agosto o Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB – inaugura em São Paulo uma grande exposição com 87 obras de pintores impressionistas franceses, pertencentes ao Museu d’Orsay de Paris.
O CCBB, no texto apresentativo da mostra, afirma que esta será a primeira de muitas outras grandes exposições que a entidade cultural trará para o Brasil. E foi anunciada uma grande notícia para a vida cultural de São Paulo: em 2015 será inaugurado um grande centro cultural no local aonde funcionou durante décadas o Hospital Matarazzo, perto da Avenida Paulista, entre a rua Itapeva, Pamplona, Rio Claro e São Carlos do Pinhal. O projeto é do designer francês Phillipe Starck. O projeto deve abrigar um grande teatro, salas de cinema e espaços para exposições.
O Brasil começa agora a se tornar também um polo de atração para grandes exposições. Duas grandes mostras de arte que ocorreram aqui, trazidas pelo CCBB, colocaram o Brasil no ranking das exposições com maior público do mundo, pela revista The Art Newspaper: a de Escher, em 2011, com 381 mil visitas e a mais recente, sobre a Índia, com cerca de 400 mil visitantes.
A exposição "Paris: Impressionismo e Modernidade" pretende trazer para cá obras históricas importantes, entre outras: "La Gare Saint-Lazare" (1877) e "La Gare d’Argenteuil" (1872), de Claude Monet, o mesmo que pintou o primeiro quadro dito “impressionista” da história da arte.
Paul Gauguin: Les maules jaunes, 1889, óleo sobre tela
A exposição será organizada em seis módulos, apresentando aqueles pintores que permaneceram vivendo na cidade, especialmente em Paris, ou aqueles que resolveram ir viver no campo. Virão, entre outros: Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard, além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo nas artes.
Claude Monet: O tocador de pífano, 1866, 160x97 cm
óleo sobre tela
A tela O Tocador de Pífano (Le fifre), de Manet, será uma das grandes atrações da exposição. Essa pintura foi recusada no Salão Oficial de Paris, ainda sob a dominação do estilo neoclássico. Ela apresenta um menino humilde, dando a ele a importância que os membros da Academia oficial de Paris não aceitavam. O menino, um pouco manco, está tocando uma flauta de pífano e vestido com o uniforme dos filhos dos oficiais das tropas da Guarda Imperial de Napoleão III. As calças vermelhas com listras pretas, jaqueta preta com botões dourados, a faixa branca e o boné são característicos dos soldados. Considerando este tema comum, o júri do Salão oficial criticou o fato de Manet ter dado um formato grande como se ela fosse uma pintura histórica, e por ter feito o retrato de uma criança desconhecida, como se fosse de alguém famoso. Percebe-se, nesta tela que estará aqui no Brasil, a admiração que Manet tinha pela pintura dos mestres antigos, em especial, Diego Velázquez. O quadro é inspirado nos retratos de grande comprimento do pintor espanhol, como o de Pablo deValladolid, por exemplo, os dois contra um fundo neutro. O escritor Émile Zola escreveu um grande ensaio em defesa desse quadro.
Abaixo, a íntegra do texto disponibilizado no Portal do Museu d’Orsay, sobre a exposição:
Enquanto a velha Paris se apaga sob a influência do barão Haussmann, os pintores Jongkind e Lépine, Manet e Degas, Monet e Renoir, Pissarro e Gauguin, apaixonam-se pela cidade e pela sua vida frenética. Novos temas surgem para os artistas, com boulevards, ruas e pontes animados por um movimento incessante, jardins públicos, vibrantes mercados cobertos e a céu aberto, retraçados sob o céu cinza, bem como grandes lojas e vitrines, iluminadas a gás ou eletricidade, estações de trem, cafés, teatros e circos, corridas, sem falar dos bailes e noitadas mundanas...
Através destes lugares, os artistas pintam igualmente todas as camadas da sociedade: austeras famílias burguesas na obra de Fantin-Latour, burguesia mais elegante e frequentadora dos lugares da moda, moças da fina sociedade tocando piano em Renoir, prostitutas que rodam a bolsinha e sobre as quais artistas como Degas, Toulouse-Lautrec ou Steinlen lançam um olhar livre de qualquer julgamento moral e até empático, como em Toulouse-Lautrec.
Entretanto, a atração pela natureza e o desejo de fugir da cidade também se manifestam de modo imperativo... São os mesmos artistas que se voltam para os temas mais “naturais” das cercanias de Paris (Monet, Bazile, Renoir, Sisley para Fontainebleau, Monet para Argenteuil, Pissarro para Pontoise…). A busca por novas aventuras picturais conduz ao refúgio na região do Midi (Van Gogh, Gauguin e Cézanne) ou na Bretanha (Gauguin, Bernard), ao passo que os artistas do movimento Nabi privilegiam a intimidade de universos interiores.
Comissária: Caroline Mathieu, curadora chefe do Museu de Orsay

domingo, 24 de junho de 2012

Vincent Van Gogh: seus quadros resultam de muito estudo


Detalhe de um de seus autorretratos
Vincent van Gogh, pintor holandês nascido em 30 de março de 1853 (leia mais aqui), escreveu mais de 700 cartas a seu irmão mais novo, Theo, que era negociante de arte nos Países Baixos e foi um apoio fundamental para seu irmão artista. Theo van Gogh apoiou não só financeiramente a Vincent, mas era muito presente na vida do irmão mais velho, dando apoio emocional e incentivo em sua carreira de artista. Diz-se que os dois eram tão unidos que no ano seguinte à morte de Vincent, Theo também morreu.
Mas o tema que nos interessa no momento, dentro das cartas de Vincent a Theo, é apontar como Vincent van Gogh era um estudioso de sua profissão de artista. Acho importante enfatizar isso, pois vivemos em um tempo em que o sistema artístico hegemônico atual considera que técnica não serve para nada e que o aluno não precisa mais se debruçar dias e dias, anos de sua vida, no estudo da técnica e da teoria. Prega-se a instantaneidade, a rapidez das coisas. E “gênios” são fabricados a partir daí, com todo o apoio da mídia. Hoje em dia, basta ter uma boa ideia, à moda da “Caninha 51”, como aponta Ferreira Gullar.
Terraço do café à noite, Arles, 1888
Mas os mestres, todos, estudaram muito para produzir arte. Se olhamos para um quadro com as cores vivas de Van Gogh, que não nos iludamos: aquilo ali é fruto de aplicação ao estudo, ao desenho, às anotações, à observação das cores, de como elas se comportam em um quadro, umas em relação às outras. E respeitava aqueles que vieram antes dele, sabendo que ele só alcançaria algum status nas artes se soubesse em que terreno pisava, se conhecesse o que falaram e fizeram os que vieram antes dele. Mesmo que fosse para inovar. E Van Gogh o fez.
Extraio aqui alguns trechos de cartas escritas por Vincent a Theo entre 1883 e 1885, no que diz respeito às cores. Há muito mais nesse livro, que recomendo a leitura aos interessados. Esses excertos abaixo foram retirados do livro da Editora L&PM Cartas a Theo, de 2010:
“Escrevo-lhe a respeito de uma passagem de Os artistas do meu tempo, de Charles Blanc: 


‘Três meses aproximadamente antes da morte de Eugène Delacroix, nós o reencontramos, Paul Chenavard e eu, nas galerias do Palais-Royal, às dez horas da noite. Foi à saída de um grande jantar onde se havia discutido questões de arte, e a conversação sobre este mesmo assunto tinha se prolongado entre nós dois, com aquela vivacidade, aquele calor que dispensamos sobretudo às discussões inúteis. Falávamos sobre a cor, e eu dizia:
- ‘Para mim os grandes coloristas são aqueles que não pintam a cor local’. E eu ia desenvolver meu tema quando percebemos Eugène Delacroix na galeria da Rotunda.
‘Ele veio a nós exclamando: tenho certeza de que eles estão discutindo pintura! Com efeito, disse-lhe eu (...), eu dizia que os grandes coloristas não pintam a cor local, e convosco certamente não precisarei ir além.  
‘Eugène Delacroix deu dois passos para trás piscando um olho segundo seu hábito: ‘Isto é perfeitamente verdadeiro, disse ele, veja um tom, por exemplo (e indicava com o dedo o tom cinza e sujo do chão): pois bem, se disséssemos a Paolo Veronese (pintor italiano do Renascimento): pinte-me uma bela mulher loira cuja pele tenha este tom, ele a pintaria, e a mulher seria uma loira em seu quadro’.
A noite estrelada sobre o rio Rhone, 1888
Van Gogh continua:
“A respeito de ‘cores pobres’, não se deve, no meu entender, considerar as cores de um quadro por si mesmas; uma ‘cor pobre’ pode muito bem exprimir o verde tênue e vigoroso de uma campina ou de um trigal quando, por exemplo, estiver sustentada por um castanho-vermelho, um azul-escuro ou um verde-oliva."
“(...) Uma cor escura pode parecer, ou melhor, produzir claridade; isto no fundo é mais uma questão de tom."
 “Mas, então, no que diz respeito à cor propriamente dita, um vermelho-cinza, relativamente pouco vermelho, parecerá mais ou menos vermelho em função das cores que lhe dão vizinhança."
“Assim como o azul e o amarelo. Basta colocar um pouquinho de amarelo numa cor para fazê-la tornar-se muito amarela, quando colocamos esta cor num – ou ao lado de um – violeta ou lilás."
Autorretrato, 1888
“Lembro-me como alguém se esforçava em reproduzir um telhado vermelho sobre o qual batia a luz, por meio do vermelhão e do amarelo-cromo, etc... Não funcionava."
(...) “Li com muito prazer Os mestres de outrora, de Fromentin. Vi tratadas nesse livro , em diversas passagens, as mesmas questões que me preocupavam muito nestes últimos tempos e nos quais penso continuamente... (...)”
“Faz muito tempo, Theo, que estou desgostoso com certos pintores atuais, que nos privam do bistre e do betume*, com os quais se pintaram tantas coisas magníficas e que, bem utilizados, dão sabor, riqueza e generosidade ao colorido, sendo sempre tão distintos. E que possuem propriedades tão notáveis e específicas.”
 “Aliás, também exigem esforço para que se aprenda a utilizá-los, pois deve-se usá-los de forma diferente que as cores ordinárias, e acho muito provável que mais de uma pessoa tenha ficado assustada com as tentativas que é preciso fazer no início e que, naturalmente, não dão certo logo ao primeiro dia em que se começa a utilizá-los.”
Estudo para Marguerite Gachet ao piano, 1890
“(...) Quando encontrar boas obras como, por exemplo, o livro de Fromentin sobre os pintores holandeses, ou se você se lembrar de uma delas (obras), não se esqueça que eu desejo muito que você compre algumas, deduzindo do que você costuma me enviar,desde que tratem de técnica. Tenho a intenção de aprender seriamente a teoria; não considero isso de forma alguma inútil, e acredito que frequentemente o que sentimos ou o que pressentimos instintivamente torna-se claro e certo quando somos guiados por alguns textos que tenham um real sentido prático."
“Quando ouço dizer que ‘na natureza não há preto’, penso que na realidade o preto também não existe na cor.”
“Sobretudo não se deve cair no erro de acreditar que os coloristas não empregam o preto, pois não é preciso dizer que desde que o preto entre em composição com elementos azuis, vermelhos ou amarelos, estes tornam-se cinzas, seja vermelho-escuro, amarelo ou azul-cinzento. Acho especialmente muito interessante o que Charles Blanc no Os Artistas de meu tempo diz sobre a técnica de Velázquez, cujas sombras e semitons consistem, na maioria das vezes, em cinzas frios e incolores, em que o preto e um pouco de branco são os elementos de base. Neste meio neutro e incolor, a menor nuvenzinha, por exemplo, já é muito expressiva.”
E mais à frente:
“(...) Sei entretanto e muito bem quem são os artistas verdadeiros e originais em torno dos quais girarão, como ao redor de um eixo, os paisagistas e os pintores de camponeses. Delacroix, Millet, Corot e o resto. Isto é o que eu sinto, embora mal expresso.”
“Quero dizer com isto que, mais que as pessoas, existem regras, princípios ou verdades fundamentais, tanto para o desenho quanto para a cor, aos quais é preciso recorrer quando se encontra algo de verdadeiro.”
“(...) Quero portanto assegurar a Portier nesta carta que minha crença em Eugène Delacroix e nestas pessoas antigas é muito exata e correta.”
“E enquanto trabalho num quadro em que não se veem claridades de uma lâmpada (...) talvez não seja inútil observar que uma das coisas mais belas dos pintores do nosso século foi pintar a obscuridade, que apesar de tudo é cor.”
“... Como é correto e verdadeiro. E como é importante poder fazer em sua palheta essas cores que não sabemos como chamar e que formam a base de tudo.”
Os comedores de batata, 1885
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* Bistre – bistre é uma tonalidade marrom escuro acinzentado com tom amarelado, feito a partir de fuligem.  Muitos mestres antigos usaram o bistre para seus desenhos. Betume – decomposição de origem animal ou vegetal, de cor escura como o petróleo, serve de base também para a pintura, usando-se por exemplo para dar impressão de envelhecimento a alguma base.
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Se quiser mais informações sobre o pintor, acesse o site do Museu Van Gogh de Amsterdam, Holanda:


Van Gogh Museum - em espanhol

sexta-feira, 30 de março de 2012

Vincent van Gogh, 159 anos de nascimento


Van Gogh: Noite estrelada
Vincent Willem van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, há 159 anos, portanto. Nasceu em Groot-Zundert, Holanda. Ele é um dos pintores mais conhecidos do mundo e tem um Museu exclusivo para sua obra, em Amsterdam, capital da Holanda, que visitei em 2008.

Vincent van Gogh
Van Gogh pertencia a uma família da burguesia da cidade. Inicialmente, ele tentou fazer carreira como comerciante de arte. Mas logo desiste, porque se recusava a ver a arte como mercadoria. Tenta ser pastor, mas não passa nos exames de teologia.

Depois de 1880, resolveu voltar-se para a pintura e vai para a Bélgica primeiro, mas em seguida muda-se para a França. Até aquele momento, ele era autodidata, mas passa a frequentar aulas de pintura, além de enriquecer seu conhecimento sobre arte: analisa a obra dos pintores da época em visita a museus e galerias de arte, troca ideias com seus amigos artistas, estuda gravuras japonesas e inglesas.

Mas sua vida pessoal é cheia de crises, que revelam sua instabilidade mental. Numa dessas crises, com apenas 37 anos de idade, Van Gogh se suicida.

Ele deixou uma volumosa correspondência com mais de 800 cartas escritas à sua família e amigos, mas principalmente a Theo, seu irmão, seu permanente ponto de apoio, tanto na vida pessoal quanto na profissional.

A obra de Vincent Van Gogh é composta por mais de duas mil pinturas e desenhos que datam, principalmente, entre os anos de 1880 e 1890. Ele conviveu com muitos artistas, especialmente Anthon van Rappard, Emile Bernard e Paul Gauguin. Mas também admirava a obra de Jean-François Millet, de Rembrandt, de Frans Hals, de Eugene Delacroix, de Claude Monet, de Paul Cézanne, de Edgar Degas, de Paul Signac... Aquele era um período muitíssimo rico para a pintura, fértil de tantos nomes grandes da história da arte.


Em Paris, nos anos de 1886 a 1887, Van Gogh ia muito à Academia do pintor Cormon, onde conheceu Henri de Toulouse-Lautrec. Através de seu irmão, grande parte dos pintores impressionistas, especialmente Georges Seurat, Camille Pissarro e Paul Gauguin.

Em 20 de Fevereiro de 1888, mudou-se para Arles, interior da França. Nessa cidade, ele faz diversos estudos inspirado na luminosidade da Provence. Ele pintou paisagens, cenas do campo e retratos. Enviava seus quadros ao irmão Theo em Paris, que já havia inscrevido três dos primeiros quadros de Van Gogh na 4ª Exposição Anual da Sociedade dos Artistas Independentes.

Vincent e Gauguin viveram juntos, tentando criar uma espécie de comunidade de artistas, trocando experiências e pesquisas, o que era um dos sonhos de Van Gogh. Mas seu temperamento era muito difícil e a convivência entre ele e Gauguin começou  a ficar muito tensa. Em 23 de dezembro de 1888, depois de uma discussão violenta com o amigo, a quem ele teria atacado com uma navalha, Van Gogh corta a própria orelha esquerda. Gauguin foi embora.

As crises de Van Gogh eram frequentes e ele teria sido acusado de perturbar a ordem pública em Arles. Pediam a sua saída da cidade. Em 27 de fevereiro, o comissário de polícia conclui em seu relatório que Van Gogh poderia tornar-se perigoso para a segurança pública. Com novas crises nervosas, ele foi internado por ordem do prefeito no hospital em Arles.

Café de Paris
Em 8 de maio de 1889, ele deixou Arles, e se internou no hospício em Saint-Paul-de-Mausole, perto de Saint Remy de Provence. Ele ficou um ano internado.

Mesmo em meio a essas crises nervosas, e com a saúde frágil, Van Gogh foi muito produtivo. Somente não pintava quando estava tomado por seus acessos de loucura. Transformou seu asilo, uma sala no piso térreo do prédio do hospital, em seu atelier. E continuava a enviar suas pinturas para Theo. As pinturas deste período são em sua maioria redemoinhos e espirais, além de pintar também o que via de sua janela, por exemplo, a série das grandes pinturas de campos de trigo.

Sai do hospital, e vai visitar Theo em Paris, mas depois mudou-se para Auvers-sur-Oise, cidade a trinta quilômetros a noroeste de Paris. Era uma comunidade rural já conhecida por pintores paisagistas, especialmente os da Escola de Barbizon, e dos impressionistas.
Lá ele passou os últimos dias de sua vida, de 20 de maio de 29 de julho de 1890. O Dr. Gachet (que Van Gogh pintou) tinha se comprometido a tomar conta dele a pedido de Theo. Gachet era amigo de alguns pintores, sendo ele próprio um pintor amador.


Mas sua instabilidade mental retornou, e ele entrou em nova crise nervosa no final de julho de 1890. Em 27 de julho de 1890, em um campo onde pintou sua última tela, ele disparou uma arma contra o próprio peito, morrendo dois dias depois, com a idade de 37 anos. Seu irmão Theo morreu pouco tempo depois, em 25 de janeiro de 1891, com a idade de 34 anos.

Van Gogh deixou uma obra imensa e foi um dos artistas que mais influenciaram a pintura do modernismo do século XX.

Em dezembro de 2008 eu fui ao Museu Van Gogh, em Amsterdam. Para mim foi uma experiência muito marcante! Desde meus 14 anos de idade, eu tinha na parede do meu quarto uma cópia da pintura do quarto do artista e vê-la pessoalmente, ali à minha frente, foi uma das experiências mais emocionantes que vivi num museu! Também pude ver lá a evolução de sua carreira como artista, desde os primeiros tempos na Holanda e Bélgica, até chegar a Paris e a Arles.

Existem diversas pinturas dele que me fascinam, e algumas delas estão aqui neste post. Ele é um dos pintores mais conhecidos do mundo e com certeza muitas de suas obras fazem parte da história de vida de muitos de nós.

Os comedores de batata