quarta-feira, 13 de maio de 2015

Ir para Madrid

"Velha fritando ovos", Diego Velázquez, 1618
Abaixo, um trecho do livro "Vida y obra de Don Diego Velázquez", escrito em 1899 por Jacinto Octavio Picon, onde ele conta um pouco como foi a ida de Diego Velázquez, pintor espanhol sevilhano, para a capital Madrid. Também conta como era a relação do pintor com o rei, uma relação de assalariado, mas que lhe garantia moradia e alimentação, para ele e sua mulher, Juana Pacheco. Diego conheceu Juana na casa de seu mestre Francisco Pacheco. Casaram-se quando ele tinha 19 anos. Viveram juntos até o fim da vida. Ela morreu oito dias depois da morte dele, no dia 14 de agosto de 1660.
A tradução do texto foi feita por mim de forma livre. E cortei do texto o que não tivesse grande importância.
Autorretrato, Velázquez
"Por grande que fosse a cultura de Sevilha naquele tempo, era natural que Madrid, onde habitavam os reis e as famílias mais ricas, atraísse a atenção dos artistas provincianos. Só Madrid é nobre, se dizia vaidosamente então, e à corte quis ir Velázquez, ávido de estudar as maravilhas com que enfeitavam seus palácios, casas e conventos, Felipe IV, os grandes senhores e as comunidades religiosas. Ademais, ainda vivia El Greco em Toledo, e na sacra estupenda mole de El Escorial, segundo a pomposa linguagem da época, havia quadros de Tintoretto e Ticiano; estímulos de sobra, superiores naquela ânsia de se aperfeiçoar, para que o artista quisesse empreender a viagem.
«Desejoso, pois, de ver El Escorial — declara Francisco Pacheco (sogro de Velázquez) — partiu de Sevilha a Madrid, por volta do mês de Abril de 1622. Foi acompanhado dos amigos D. Luis e D. Melchor del Alcázar, e em particular de D. Juan de Fonseca, que estava a serviço do rei e era um admirador de sua pintura”. Don Antonio Palomino, do seu lado, diz que Velázquez partiu de Sevilha acompanhado somente de um criado: posteriormente outros biógrafos, Lefort entre eles, supuseram que este servidor fosse seu escravo, Juan de Pareja, mas não se tem certeza.
"El niño de Vallecas", Velázquez, 1635 
Em Madrid, retratou ao poeta Luiz de Góngora, o que seu sogro Pacheco o atesta. O poeta, residente então em Madrid, tinha 60 anos de idade. Dada a importância do personagem e o interesse demostrado pelo sogro, era natural que Velázquez não se limitasse a pintar só a cabeça: o natural era que, por respeito à personalidade de um e ao carinho do outro, tivesse feito uma obra mais aprimorada, onde o autor de “Polifemo y las Soledades”, tão admirado em seu tempo, estivesse de corpo inteiro ou ao menos em meia figura. Mas o artista fez um retrato da cabeça de Góngora mais seca, dura e cansada do que as que fez antes de ir a Madrid.
Ou porque algum assunto grave requeresse ali sua presença, ou porque estava desesperado por não alcançar seus desejos, Velázquez voltou nesse mesmo ano a Sevilha; no ano seguinte, em 1623 don Juan de Fonseca o chamou por ordem do Conde-Duque de Olivares, oferecendo-lhe uma ajuda de custo de 50 escudos para a viagem que, segundo parece, fez acompanhado de seu sogro Francisco Pacheco. Hospedou-se em casa de Fonseca e como mostra de sua habilidade ou prova de gratidão, Velázquez lhe fez um retrato. Conta Pacheco que naquela mesma noite “um filho do Conde de Penharanda, camareiro do Infante Cardenal” o levou ao palácio e “em uma hora todos os que estavam no Palácio vieram ver”. Logo se ordenou que retratasse ao rei, o que foi feito em 30 de agosto de 1623. Até então ninguém ainda havia pintado a imagem do rei Felipe IV.
"O bufão Calabacillas", Velázquez, 1639
Velázquez foi contratado como pintor do rei em 1623 com um salário de 20 ducados ao mês, algo como ganhava qualquer serviçal da corte, como o barbeiro, por exemplo. Foi feita a mudança de Sevilha a Madrid. Pintou o retrato do rei a cavalo, feito todo a partir do natural. O quadro foi colocado na Calle Mayor, frente ao rei e a toda sua corte, o que despertou a inveja de outros artistas. Tudo isto foi contado por Francisco Pacheco.
Velázquez fez vários retratos de Felipe IV.
A boa sorte de Velázquez estava assegurada, entendendo por isso a segurança de seguir servindo ao rei. Choveram sobre o artista sevilhano todos os aplausos e até poesias. Seu próprio sogro lhe dedicou um soneto e don Juan Vélez de Guevara lhe compôs outro.
Passou a viver numa casa ao lado do palácio do rei, que representava um custo anual de 200 ducados. Felipe IV lhe deu outros 300 ducados de presente e ordenou que lhe pagassem um salário mensal, como era feito aos eclesiásticos a serviço da monarquia. Ou seja, Velázquez era um assalariado do rei.
Diego Velázquez seguiu fazendo seu trabalho de pintor. Nesta época fez também um retrato de sua esposa, Juana Pacheco. Por volta de 1626 pintou ao Infante don Carlos de corpo inteiro e em tamanho natural em pé, vestido com capa e traje negro. Podemos afirmar que neste retrato termina a primeira fase da pintura de Velázquez. Se pode afirmar a superioridade indiscutível do quadro em relação aos anteriores. Está desenhado, como todos os outros, com aquele maravilhoso sentimento da linha que ele teve desde o princípio, mas no que toca ao modo de pintar, ele começa a mostrar maior soltura, menos esforço para conseguir o modelado e, no que se refere à cor, a tendência a buscar a doce e elegante harmonia entre tons cinzas e negros que ele manejava como ninguém.
"O bufão don Diego de Acedo", Velázquez, 1639
Felipe IV encomendou, não só a Velázquez mas a outros artistas em forma de concurso, um quadro que representasse a expulsão dos mouros, executada a mando de seu pai Felipe III, um ato cheio de crueldades. Mais de 300 mil pessoas foram expulsas da Espanha, por serem de origem moura. Felipe IV ofereceu um prêmio a quem melhor representasse o tema. Francisco Pacheco conta que seu genro fez “um quadro grande com o retrato do rei Felipe III comandando a expulsão dos mouros”. Velázquez venceu o concurso e com isto o rei ordenou que se lhes pagasse uma ração igual aos que ganhavam os que viviam no palácio, que eram de 12 reais por dia para sua refeição e outras ajudas de custo. Velázquez ascendeu um grau na escala dos criados do palácio.
Ao rei agradava muito esta e outras obras pintadas por Velázquez. Mas a Tesouraria do Palácio não era um modelo de esmero no pagamento dos salários e muitas vezes o artista teve que fazer uma reclamação e soube que aquela ração diária de 12 reais se referia somente aos quadros de retratos do rei e não aos outros quadros que pintasse Velázquez. O rei Felipe tinha decretado a seguinte ordem:
«A Diego Velázquez, meu pintor de Câmara, ordeno que se dê pela despensa de minha casa uma ração cada dia em espécie como a que têm os barbeiros de minha Câmara, em consideração por ter se dado por satisfeito de tudo o que se lhe deve até hoje pelas obras de seu ofício; e de todas as que adiante mandarei, fareis com que se registre assim nos livros da casa. (Há uma rúbrica do Rei). Em Madrid, 18 de Setembro de 1628. Ao Conde de los Arcos, em Bureo».
"Retrato de don Juan Pareja", Velázquez
Digam o que quiserem os adoradores do passado acerca da diferença de tempos, usos e costumes, para sustentar que o que hoje parece humilhante era naquele tempo uma honra, a verdade é que lendo tais coisas vem aos lábios o sorriso amargo que inspiram a grande mesquinhês humana; sobretudo se se considera que os barbeiros da Câmara eram tratados como gente de segunda linha, assim como Velázquez era tratado como o eram os anões e bufões da corte que inclusive lhes serviram de modelo, como o menino de Vallecas, Nicolasito Pertusato, o bobo de Coria, Calabacilla e Solpillo. Enquanto isso, em outros países em épocas mais remotas, os reis honraram seus pintores, como Francisco I a Leonardo da Vinci, como Julio II a Michelangelo, Como Leão X a Rafael, como Maria de Médicis a Rubens, e como a cidade de Amsterdam a Rembrandt.

Felipe IV pensou de distinto modo e assim como em certa ocasião se lhe ocorreu expulsar da Espanha os estrangeiros porque comiam muito pão, acreditava que o nome de seu artista predileto não estava mal junto com os nomes dos barbeiros, maltrapilhos, anões e bufões. A alguns destes Velázquez imortalizou, pintando-os de forma que mesmo sendo da baixa ralé hoje figuram juntos com os retratos dos reis nos museus. Se ele fez isso de forma maliciosa, foi genial; se fez isso por inocência, como pode ser presumido porque ele era um homem de grande bondade, o tempo acabou vingando-o."
"Café da manhã", Velázquez, 1618,
Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Quem tem alma não tem calma

Dentro de nove dias embarco mais uma vez para a Espanha.

Desde o mês de março, a pintura espanhola vem novamente tomando conta de mim, em especial a de Diego Velázquez. Desde então, já fiz dois estudos sobre obras suas, como esta abaixo que representa o "El Bufon don Sebastian de Morra", de 1645 e "A costureira" de 1640.


Cópia de "El bufon don Sebastian de Morra",
Mazé Leite, abril de 2015, óleo sobre tela
Mergulhada em estudos sobre este grande pintor espanhol, teóricos e práticos, a vida vai me levando de novo para a Espanha. Desta vez para estudar mais, pesquisar mais, ver de perto, beber, me embriagar dos grandes pintores espanhois... 

Desde março, revoluções internas me dominam, me angustiam, me fazem perder o sono de madrugada... Penso no meu caminho na pintura, como uma pintora brasileira que vive em um país ensolarado, tropical, "bonito por natureza" mas vivendo momentos tão tensos e até mesmo perigosos. Está muito perigosa a vida no Brasil! Nesta semana, meu sobrinho Rondinelli Ferreira foi morto num assalto por causa de um celular. Só tinha 18 anos... Todos os dias esta mesma tragédia se repete na vida de inúmeras famílias do meu país. Que fazer?

Me pergunto: pintar a vida é pintar o que?

Pensamentos livres vão alcançando a superfície do mar revoltoso do meu cérebro: que é arte? que é se expressar em arte? pra que serve arte? pra que serve técnica?(leia post anterior aqui) Vêm vindo os pensamentos...

Arte pela arte é auto-compensação, é auto-indulgência, é querer se satisfazer sozinho, como se sozinhos fôssemos no mundo. Arte pela arte é refúgio covarde, ou egoísta, quando não se pode - ou não se quer - pensar sobre o mundo. Arte pela arte é a idealização da impotência, a concretização da fraqueza.

Caminhos existem para o artista, e enxergo estes aqui:

- OU fazer arte apenas para obter vantagem econômica, mesmo sendo espoliado por galeristas e curadores - o que pode levar à superficialidade mais escrota!

- OU resistir às pressões do sistema de arte atual, contrariando-o, e ao mesmo tempo se fechando, se isolando do mundo - o que pode levar à depressão, à loucura;


- OU resistir ativamente, coletivamente, consciente de que está tendo uma função cultural válida, mesmo num tempo tão desastroso como o que vivemos. Prefiro esta alternativa.
Retrato de Antonio López,
ainda em execução - Mazé Leite, óleo
sobre tela, maio de 2015

Lucien Freud já disse uma vez algo no sentido de que a arte deve assombrar, incomodar, mobilizar.

Mas a pergunta continua: pintar a vida é pintar o que? A resposta não vem fácil e isso algumas vezes dá raiva.

Nem sempre a raiva é um sentimento ruim; muitas vezes ela é necessária para nos empurrar em outro caminho, escolher outra coisa. Sinto raiva muitas vezes! Raiva do mundo, das coisas, das pessoas, de mim mesma, das minhas próprias tonterias.

Nesta noite passada, noite gelada, olhei para o céu escuro, busquei um horizonte entre prédios e falei para mim mesma, tentando acalmar as angústias dos dias presentes:

- Lembra daquela estrela do teu céu de antigamente? Vê que hoje há uma ali, à esquerda no céu, assemelhada àquela daqueles tempos em outro mês de maio? Lembra que ela iluminava os espaços em volta, de tão quente estrela que era? Também havia a escuridão em torno dela, aquele espaço negro no céu, negro de dar medo daquela garganta imensa do infinito que podia me engolir a qualquer hora, não fosse a gravidade... Mas a luz daquela estrela espantava a escuridão e a escuridão da noite foi perdendo fôlego. A estrela maior, o Sol, nasceu e começou a dissolver meus medos, minhas raivas, aquelas batalhas que às vezes trovejam dentro de mim... Os raios do sol abanam a fogueira da minha existência. O arder do fogo da vida, para arder, precisa de abanos. E hoje um vento solar me abana e me leva para bem longe daqui.

Por isso vou para a Espanha.

Vou pensando como Fernando Pessoa:

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é..."


Lá vou eu!

terça-feira, 5 de maio de 2015

A técnica a serviço da arte

Instrumentos musicais, Evaristo Baschenis, século XVII, Itália
Reproduzo abaixo um trecho de um manual para violão, escrito pelo violonista uruguaio Abel Carlevaro. Mesmo sendo voltado para a música, o texto pode muito bem ser relacionado ao aprendizado da arte de uma forma geral. O original se encontra em espanhol que traduzi de forma livre. Os destaques são meus.

O texto:

"1. A técnica a serviço da arte

Um dos grandes problemas para se tocar um instrumento tem sido sempre a técnica. Esta não é um resultado puramente físico da ação dos dedos, senão que é uma atividade que obedece à vontade superior do cérebro: nunca pode ser um estado irreflexivo.

O velho violonista, Picasso, 1903
De um lado, há algo que é necessário aprender: o ofício. Por outro, deve sempre existir algo nosso, que ninguém nos pode ensinar. Ao intérprete são colocados dois problemas: o aspecto puramente mecânico de uma obra musical, e como esta obra deve ser expressada. Convém sempre começar pelo último. Desde o primeiro momento em que se se aproxima de uma obra de arte, deve-se tentar penetrar o mais possível dentro dela porque senão como vamos trabalhar uma obra sem saber o que temos que expressar? Não esquecer nunca isso, porque do contrário a arte se desnaturaliza. Se o ofício propriamente dito passa a ocupar o primeiro plano, a arte haverá perdido sua qualidade própria.

Em resumo: quem não possua uma grande técnica não poderá ser um bom intérprete. O que importa é o ponto de partida: se provém do espírito irá ao espírito; do contrário, será somente um produto de laboratório. A diferença básica entre o verdadeiro intérprete e o simples executante está em que este último se baseia no trabalho mecânico unicamente, fazendo ressaltar somente o malabarismo digital de que cuida como um dom precioso dando à técnica um valor em si, uma personalidade, uma autonomia que não lhe pertence. Orgulhoso de seu poder, crê conseguir com isto tudo o que pode lhe considerar um virtuoso. E essa técnica, produto de tantos sacrifícios, está a serviço do que? Qual é a razão que nos demonstre a verdade de tal hipertrofia? É um absurdo querer fazer música utilizando a técnica como única finalidade, sem pensar em nada mais, desumanizando a arte. Cuidado com este monstro! Depois de criado, é necessário superar suas forças para obrigá-lo a servir aos puros valores da arte. Senão, produzirá irremediavelmente o contrário.

O espírito e a matéria são duas forças que devem unir-se na criação da arte. Então a matéria se tornará um pouco espírito e o espírito poderá tomar formas concretas. A arte pertence ao domínio do espírito; a técnica é patrimônio da razão. Da união destes dois elementos nasce a manifestação artística, verdadeira simbiose criada pelo homem.

2. O simples deve ser resultante de um complexo inteligentemente combinado

A aquisição paulatina do mecanismo, da técnica em definitivo, deve estar ligada às etapas da evolução pelas quais se deve necessariamente passar, dentro de um determinado período de estudo.

Numa primeira etapa se estudam os diversos elementos de forma separada, como se em cada caso houvesse somente um ponto a dominar. Num estado de evolução mais adiantado, teremos que relacionar todos os elementos antes separados, para alcançar, então, a técnica correta, o verdadeiro mecanismo do ofício.

Cada movimento é derivado de outro e sua aquisição total resulta do complexo motor, sem cujo conhecimento e domínio é inútil pretender tirar melhor proveito. (...)

O domínio completo é consequência dos diversos domínios parciais e seu uso correto é fruto da seleção das diversas combinações. Isso quer dizer que a técnica deve responder a um trabalho plenamente consciente, descartando, com isso, outros conceitos vinculados a disposições ou atitudes naturais, ou, pior ainda, à casualidade.

A análise, com o auxílio de uma lógica concreta e definida no que respeita aos movimentos a empregar, não deve ser interpretada como uma reação contra as manifestações intuitivas. O emocional e o subjetivo toma vida íntegra, e assim deve ser, pois a análise servirá como firme plataforma para a livre emoção.

(...)"

Instrumentos musicais, Evaristo Baschenis, século XVII, Itália

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Antonio López: pinto porque é vida, não porque é bonito


O pintor Antonio López pintando na praça Puerta del Sol em Madrid
Antonio López García é um pintor e escultor espanhol, nascido na pequena cidade de Tomelloso no dia 6 de janeiro de 1936. Filho de camponeses, era o mais velho de quatro irmãos. Desde cedo demonstrou muito talento para o desenho e teve como seu primeiro mestre, seu tio, o pintor paisagista António López Torres.

Antonio López
Aos 13 anos de idade, viajou para Madrid para estudar na Academia de Belas Artes de San Fernando, aonde ingressou em 1950 e permaneceu até 1955. Antonio López e outros de seus colegas de formação formaram um grupo que mais tarde ficou conhecido como Escola Madrilenha. Após finalizar seus estudos na Academia San Fernando, ganhou uma bolsa para uma viagem à Itália, onde pode ver de perto as pinturas italianas do período do Renascimento. Esta viagem à Itália o fez valorizar ainda mais a pintura espanhola, que conhecia muito bem, pois era frequentador assíduo do Museu do Prado. Antonio López tem sido, até os dias de hoje, um grande admirador da obra do pintor Diego Velázquez.

Suas primeiras exposições individuais aconteceram em 1957 em Madrid, lugar onde vivia. Em 1961 casou-se com a pintora María Moreno, que conheceu na academia. Tiveram duas filhas, María e Carmen. Ele também foi professor de pintura na Academia San Fernando de 1965 a 1969.

Ao longo de sua carreira, Antonio López tem recebido diversos prêmios, como o Príncipe de Astúrias de Artes, de 1985. Desde 1993 é membro da Real Academia de San Fernando. Em 2006, recebeu o Prêmio Velázquez de Artes Plásticas. Em 2012 recebeu outro prêmio, o Prêmio Príncipe de Viana da Cultura.

Em 1994 recebeu a encomenda de pintar a família real, tela que ficou pronta 20 anos depois, entregue exatamente no final do ano passado, 2014. Esta obra está aberta à visitação pública no Palácio Real de Madrid, na sala de exposições temporais, numa mostra intitulada: O retrato nas coleções reais. De Juan de Flandes a Antonio López”. Além desta pintura, outras 120 obras de artistas como Francisco Goya e Velázquez estão em exposição.

"La Gran Via", pintura de Antonio López
Antonio López costuma dizer que as obras de arte “têm que estar em algum lugar” para serem vistas, seja em espaços públicos seja reduzidas a espaços privados, pois é bom que qualquer pessoa possa ter em sua casa a obra de algum artista.

Sobre o estado atual da pintura, ele tem dito a jornalistas espanhois que “é uma incógnita”, uma vez que “as coisas em que acreditávamos de pés juntos estão vindo abaixo”. Mas acrescenta que somos hoje mais livres do que “no tempo de nossos avós, mesmo que nos atormentemos com o fato de não sabermos muito bem para onde estamos indo”.

Sobre seus atuais projetos, o pintor assinala que está trabalhando numa escultura que lhe foi encomendada, além de outros quadros, entre eles uma pintura de sua família. “Vou pintando um pouco o mundo que me rodeia”, diz ele, que é um artista realista contemporâneo.

Há alguns dias assisti, no Youtube, a uma Conferência com Antonio López dentro do II Ciclo de Criação de Empresas Culturais, que aconteceu em 2011 na Universidade Carlos III de Madrid. Respondendo a questões colocadas pelo público presente, Antonio López vai mostrando seu modo de trabalhar e de pensar a arte no mundo atual.

Fiz um resumo dos temas principais dessa Conferência, em tradução livre, que alinho abaixo:

A pia e o espelho, Antonio López
Sobre sua vida e seu trabalho, se pensa em escrever uma autobiografia:

Após pensar um pouco, Antonio López responde que tem muita dificuldade em relatar como foi seu trabalho desde 1993 até hoje. 1993 é uma data importante para ele, em termos de seu trabalho. Ele acrescenta que trabalha em muitas coisas ao mesmo tempo, em várias pinturas e esculturas.

Sobre sua biografia, ele diz que nada há o que falar, pois a obra é que fala pelo artista. Dá como exemplo a Velázquez:

- Velázquez não abria a boca quase nunca, mas sua vida está toda relatada dentro de sua obra, de seu trabalho. Isso para mim é muito bonito! Eu acredito que na obra do artista está incluído tudo sobre ele.

E complementa que neste mundo de hoje não se esconde mais nada da vida de ninguém, se sabe muito sobre as pessoas em geral. Não há muito o que se acrescentar a nada.

Sobre Velázquez - como ele se inicia em uma pintura tão severa e acaba fazendo um canto à beleza das coisas?

Antonio López responde:

"El membrillo", Antonio López
- Isso é um mistério dos grandes mistério da arte, os caminhos a que ela conduz. Como Velázquez se inicia em Sevilha, uma cidade que parece tão alegre, com uma pintura tão séria, tão severa, herdada da pintura de Caravaggio, que era a mais terrível deste século imediatamente anterior ao dele... Dessa mirada tão verdadeiramente séria, Velázquez acaba criando um canto à beleza das coisas. Transforma sua luz. Não transforma o mais essencial, pois segue fiel a seu interesse pelo real.

- Quando vi de perto uma exposição com toda a obra de Velázquez, que iniciava com a obra feita ainda quando ele morava em Sevilha e terminava com o quadro “As Meninas”, pude ver que ele é o mesmo homem, porém ao longo de sua carreira sacudiu de si todas as aderências, digamos, sombrias, e recupera através do conhecimento um espaço de luz sobre a contemplação das coisas - o que é um caso único.

- Ele foi além do Renascimento e da Grécia clássica, que buscavam o Belo. Mas Velázquez optou por não mentir. Ele não disse “eu vou contar uma mentira bonita a estes contemporâneos meus”, mas “vou mostrar o que também é uma desgraça, este homem prognato que ri, este ser deformado, esta Espanha feia…” Ele fez uma escolha de falar da formosura das coisas como elas são. Ele recuperou, através de sua inteligência, de sua força e de seu equilíbrio, um olhar para o mundo que vai ao encontro das dores do mundo.

- Isso ocorreu muito poucas vezes na história. Na Grécia, quando se buscava pintar uma bela mulher, um belo corpo humano, ofuscava-se as dores desse mundo. E isso influenciou a arte durante muitos séculos. Mas Velázquez via mais que uma senhora maravilhosa, via ao mesmo tempo que havia a fatalidade da vida, que havia a Peste, que as pessoas morriam jovens, que as crianças morriam…

A mesa, Antonio López
- E nos perguntamos: como se consegue, com este material, criar algo “tão sumamente hermoso de mirar”?

Ele responde a si mesmo:

-Porque o homem tem esta capacidade de relacionar-se com o mundo de maneira harmônica, senão não estaríamos aqui. Muita gente passou de maneira natural por estas épocas, na Grécia sobretudo, onde se fez uma opção pela busca do Belo. Depois, ao longo da história, em muitas ocasiões, a arte busca apenas simular o prazer. A Itália foi mestra nisso, desde Rafael em diante, pois o artista parece que existia para tranquilizar a consciência daqueles que lhes pagavam e lhes davam de comer, para alegrar-lhes a vida, para dar-lhes sinais de beleza, mostrar-lhes frutas bonitas, cenas divertidas e pintadas de maneira evidentemente admirável para que o contemplador pudesse purificar-se com toda essa “hermosa mentira”.

- Mas a arte existe para dizer a verdade.

- Então o maravilhoso de Velázquez é que, sem mentir, começa, desde sua juventude em Sevilha, tratando de descrever como era um mendigo, como era a vida, e dentro disso como ver a beleza do mundo. Isso é algo de fato milagroso, que não ocorre mais que uma vez em muito tempo, como forma revolucionária de ver as coisas, como ocorreu com Velázquez. Isso não é obra do acaso. Isso ele conquistou, porque era um homem muito inteligente, e com muito boa saúde, exterior, mas também interior. Não era como Goya, que tinha más paixões, ou como Picasso. Era uma pessoa que verdadeiramente era de um tipo superior.  Se há pessoas que são superiores a outras, como ser humano, uma delas era Velázquez. Então tudo isso ele passou para sua pintura. Se lançou sobre as penas humanas! Se havia que pintar príncipes, pintava também anões, pessoas defeituosas, que tinham problemas de saúde. E deste jeito ele falava sobretudo da beleza do mundo. Então é um fato raro, o que ocorre em Velázquez: ele se iniciou a partir de um lugar sombrio e com isso foi passando cada vez mais a um lugar mais luminoso, sem violentar nada, sem mentir, sem falsear.

Ateliê de Antonio López. Ao fundo, o retrato da família real,
que ele demorou 20 anos para concluir
Sobre as contribuições da arte espanhola:

- A arte espanhola - diz Antonio López - parte de uma visão que se baseia na nobreza do conhecimento. Se a arte espanhola tem contribuído para o mundo é com esta verdade, que o artista incorpora e conta, a partir de um ponto de vista espiritualmente elevado. Que é o olhar pessoal com sensibilidade.

- Então para mim a grande contribuição da arte espanhola é sua capacidade de aceitação das coisas em seus aspectos terrenos e até pouco relevantes. Eu penso que Miguel de Cervantes também é um pouco assim. Todos os trabalhos artísticos dos espanhois têm estado muito nutridos pela observação da vida. A arte nunca pode deixar de estar nutrida pela vida! O milagre da arte espanhola é esta capacidade que temos de colocar uma criança, ou uma mulher, ou um bufão, ou uma natureza-morta, ou uma rua ou um elemento mais ou menos relevante e fazer disso um símbolo do mundo. Isto é o que consegue a arte espanhola.

- Como consegue? Sentindo que aí - como dizia Santa Teresa d’Ávila que dizia que Deus estava nos puteiros - que em qualquer lugar há formosura, pois isso a gente o sente. Ou nesta cara de anão, ou neste rei, dá no mesmo! Velázquez é exemplar. Pintou o rei e pintou o anão no mesmo quadro. O príncipe está lá com sua nobreza e sua rigidez de quem olha do alto. Mas o anão também. Você tem que olhar para o alto onde o anão de Velázquez se encontra! Na verdade, a palavra é: ter respeito diante das coisas! Para mim esta é uma característica da arte espanhola. O respeito pelo que aparece tal e qual diante de nós sem necessidade de alinhar, de corrigir. Isso não é o que ocorreu nem na Grécia e nem na Itália, sobretudo a partir do Renascimento. Não ocorreu na França quase nunca, antes do século XIX. Nem na Alemanha, nem na Inglaterra. Na arte espanhola, a vida sempre está lá, de uma forma ou de outra, mas a vida representada com plenitude, com os elementos da cotidianidade.

Antonio López pintando uma vista de Madrid
- Isto pode ser observado através dos séculos. A nobreza desejava que se pintassem cálices de cristal bonitos, ou como na pintura holandesa, belas naturezas mortas, decorativas, para enfeitar os salões. Então os espanhois, em um momento determinado, em um momento de intuição destes que ocorre na arte, com o artista, encontrou seu lugar. Então quando encontras um lugar muito importante, até te podes mover para fora, mas este será sempre o espaço do artista espanhol. Até Goya e até Meléndez (Luis Egidio Meléndez, pintor de naturezas-mortas). Uma natureza-morta de Meléndez fala da grandeza e não da beleza das coisas reais. Aí está o segredo! Na Grécia, por exemplo, havia um sonho de beleza que não está presente na arte espanhola, como beleza em si mesma!

Como resumir as funções principais da Arte?

- A arte em verdade existe para que uns contem suas emoções a outros que as recebem. As sete ou oito  linguagens da arte (música, poesia, pintura, dança, etc) se inciaram há milhares de ano com uma função: uns criam obras às quais outros adicionam prazer em ouvir, em ver.  Durante muito tempo a arte se desenvolveu como forma de conhecimento. Até que a humanidade, ou o Capital, ou a pequenez humana de certas pessoas tomou a arte e lhe pôs a seu serviço, como se fosse natural que a arte estivesse sempre a seu serviço. Mas a Arte esteve sempre a serviço da verdade, em sua parte mais profunda. Mesmo nos tempos em que pareceu estar a serviço dos faraós, por exemplo, em sua profundidade estava a serviço da verdade. Porém, a partir do Renascimento já não estava mais a serviço da verdade, senão a serviço da vaidade de uns poucos mais ricos e poderosos. Eles queriam ver-se refletidos de uma determinada maneira, espectadores vaidosos que queriam ver umas telas pintadas de determinada maneira e que lhes dessem graça.

- E a verdade deixou de ser prioritária. Mas a grande conquista de nossa época é que o Impressionismo mostrou que o importante da arte é o que ela traz de verdadeiro. E que se não tem isso, não tem nada.

Sobre pintar:

- Quando começamos a pintar um quadro não sabemos como ele vai ser no final. É como quando um casal começa uma relação, o que vai se passar com os dois, como vai ser? Como se pode saber? Pois assim é a relação com uma pintura feita a partir do real. Quando fazes um quadro a partir da realidade, que é cambiante, e mesmo que tenhas muita experiência… como podes prever absolutamente tudo? Não há como saber tudo no processo de uma pintura. Estás criando algo pela primeira vez! Tens experiência de outras pinturas, de outros momentos, mas não exatamente do que pintas agora. Para trabalhar como trabalho eu quase não mudo muito as coisas, mas quando precisa, eu me digo que tenho que mudar. Com o quadro da família dos reis eu fiz uma quantidade de mudanças impressionante; para o mal ou para o bem, as correções e as certezas são guiadas pelo que de bom isso te motiva.

- Quando eu tive a ideia de pintar a Gran Via (uma das ruas principais de Madrid), chamei um amigo para ir um domingo quase de madrugada para vê-la. Eu não gosto de acordar cedo, para mim é muito difícil. Meu amigo então me perguntou: tens mesmo que pintar esse quadro? Eu respondi: Sim, eu tenho. Ele me olhou e me respondeu que essa era uma verdade tão real como uma enfermidade. Era uma forma de me dizer que aquilo estava acima de qualquer outra coisa para mim e que eu não tinha escolha. E aquilo me convenceu.

- Quando se faz um quadro a partir de uma fotografia, se perde toda uma parte de relação vital com o que se pinta. Se perde muito!  A fotografia cria uma dificuldade que é a de nos arrancar de dentro do tempo das coisas. A pintura que é feita a partir da fotografia é de um empobrecimento miserável. Ela não conta a verdade daquilo que está sendo pintado; a conta o fotógrafo. Mas estão todos copiando os fotógrafos. A pintura tem que ser outra coisa! Na arte, as coisas têm seu próprio tempo, e temos que nos virar dentro deste tempo. Não há saltos. A relação do pintor com o real tem que ser direta, em tempo e espaço.

Sobre sua pintura da Puerta del Sol (López está pintando esta praça muito conhecida do centro de Madrid)

- Eu conheço a Puerta del Sol desde que era estudante de arte. É um lugar por onde todo mundo passa, ela é como se fosse uma parte da casa de todos, porque sempre estamos passando por ali. Isso para mim tem um significado muito difícil de definir, porque parece um espaço feio, mas que tem veracidade. Pode ser uma pequena parte, uma coisa que até nos diminua, nessa característica de inferioridade que tem o povo espanhol e que as vezes é tão interessante. Por que Madrid não é Paris? Porque o espanhol se sente muito pobretão, está sempre um pouco abaixo do resto; esse é o aspecto que te quita, mas também te presenteia com aspectos da realidade muito inefáveis. Eu sinto que a Puerta del Sol é assim. A Puerta del Sol e Madrid, por maior que seja, sempre terá algo também pequenito, um pouco dificultoso. E isso é o retrato do povo espanhol. Eu me entusiasmo quando pinto essa coisas em Madrid, porque são a verdade nossa. Há algo aqui que me comove. Pinto para me aproximar daquela realidade.

- Velázquez representa bem essa maneira de trabalho: se pinta porque é vida, não porque é bonito! Tudo o que está cerca de ti, incluindo a ti mesmo. A vida é o único sagrado, não os conceitos! E esta é a grande descoberta do artista espanhol!

Vista de Madrid, Antonio López

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Desenhos gestuais

Parte do aprimoramento técnico do pintor é a prática diária do desenho. Isso faz uma enorme diferença para a pintura, pois se sabe que por trás de uma grande obra de arte há um edifício técnico e teórico muito consistente.

Abaixo, uma amostra dos meus últimos estudos:














segunda-feira, 30 de março de 2015

Nicolas Poussin, o "pintor-filósofo"

"Dança da música do tempo", Nicolas Poussin, 1640
Neste ano de 2015 completam-se 350 anos da morte do pintor clássico francês Nicolas Poussin. Para comemorar a data o Museu do Louvre, em Paris, fará uma exposição que tem a finalidade de trazer à luz a originalidade da pintura de temas sagrados, fonte de uma reflexão pessoal do artista sobre Deus. Sempre inspirado por nomes do passado clássico greco-romano, o”pintor-poeta”, como também é chamado, conhecia e admirava a obra de Ovídio e Virgílio. A exposição do Louvre tem como título "Poussin e Deus".


"Autorretrato", Poussin, 1650
Mas Poussin também era o “pintor-filósofo” impregnado com as ideias e virtudes do antigos, o que aparece como uma marca do conjunto da sua obra. Mas ele também fez grandes pinturas com temas cristãos, que são menos conhecidas, especialmente inspirado em temas dos evangelhos bíblicos. Esse misto de pintura profana e sagrada na obra do mestre francês demonstra o leque amplo de temas aos quais ele se dispôs a enfrentar (pinturas de história, composições religiosas, mitologia, paisagens, retratos), a partir de seus pontos de vista.

Mas, quem foi Nicolas Poussin?

Ele nasceu na aldeia de Villers, em Andelys, região à noroeste de Paris, no dia 15 de junho de 1594. Aos 18 anos, ele sai da casa dos pais porque estes desaprovavam a sua ideia de se tornar pintor. Foi para Paris sem nenhum recurso e, após os primeiros tempos de muita necessidade, ele foi aceito no ateliê do pintor Ferdinand Elle, passando depois para o de Georges Lallemant. Mas Poussin não ficou muito tempo com nenhum dos dois. Quando ele viu pela primeira vez os desenhos do pintor italiano Rafael e de seu discípulo Giulio Romano, começou a estudá-los com muito afinco.

Apaixonado pela arte de Rafael, Poussin quis ir em direção à Itália. Na primeira tentativa, caminhou à pé até Poitou (cerca de 150 km de distância de Paris). Teve que retornar e chegou fatigado e faminto e com isso caiu doente. Foi para sua cidade natal, onde se restabeleceu. Mas sua vontade de chegar à Roma, colocou-o de novo na estrada. Ele queria se aperfeiçoar na terra do mestre Rafael. Nicolas fez duas tentativas de chegar à Roma, sem sucesso. Na primeira, ele alcançou Florença; na segunda só chegou até Lyon. Nas duas ocasiões, foi forçado a parar sua viagem e a retornar a Paris.


"A inspiração do poeta"(detalhe), Poussin, 1630
Na primeira vez que voltou a Paris, após ter conseguido chegar em Florença, Poussin conheceu o pintor Philippe de Champaigne e com ele trabalhou na decoração do Palácio de Luxemburgo. Passou por alguns ateliês de pintores em Paris, mas não ficou muito tempo com nenhum. Por isso, Nicolas Poussin é considerado um pintor auto-didata. Nesse período ele conseguiu sobreviver graças a algumas encomendas que recebeu.

Em 1623 ele concorreu com outros artistas para pintar uma série de seis quadros onde contava a vida de Santo Inácio de Loyola, encomendados pelos padres Jesuítas. Ganhando a concorrência, Poussin chamou a atenção de um poeta da Corte da famosa família Médici, família de marchands italiana. Desta forma, Nicolas Poussin foi apresentado às ricas famílias italianas.

Pela terceira vez ele seguiu na direção de Roma, onde chegou em 1624. Começou a estudar os mestres antigos, inicialmente com o escultor François Duquesnoy. Nesse período, ele já despertava a inveja de artistas locais que provavelmente instigaram soldados italianos a atacar Poussin, ferindo-o na mão direita, mas sem grandes prejuízos. Foi socorrido por Jacques Dughet, seu conterrâneo, que o recebeu em casa e lhe dispensou todos os cuidados para que ele ficasse bom. Poussin casou-se em 1629 com a filha de seu amigo, Anne Marie. Como não tiveram filhos, adotaram o irmão mais novo da esposa, que não somente herdou o nome de Poussin, como desenvolveu seu talento para a pintura de paisagem. Chamava-se Gaspard Poussin.


"Companheiros de Rinaldo", Poussin, 1634
Na sequência, Poussin foi encarregado de diversos trabalhos pelo Cardeal Francesco Barberini, que era sobrinho do Papa Urbano VIII. Começou a receber diversas outras encomendas, em Nápoles, na Espanha, na França. Em seu país, recebeu diversos convites para retornar para a França. O rei Luís XIII e o cardeal Richelieu lhe deram como tarefa supervisionar os trabalhos que estavam sendo feitos no Palácio do Louvre; foi nomeado primeiro pintor do rei e diretor geral dos serviços de decoração das casas e palácios reais.

Mas como despertou a inveja de outros artistas como Simon Vouet, Poussin resolveu rever sua família em Roma. Pediu licença ao rei e retornou para casa em 1642, junto com seu filho Gaspard, prometendo voltar. Mas Richelieu e Luís XIII morreram. Com isto, Poussin considerou que não tinha mais compromisso em Paris. E não voltou mais à França. Morreu em Roma em novembro de 1665.

Nicolas Poussin viveu em um tempo de grande riqueza intelectual. Metódico e racionalista, Poussin voltou seus estudos para a obra clássica de Rafael e dos pintores venezianos. Detestava a pintura de Caravaggio! Desejava mais que tudo “reviver a antiguidade”, como diz German Bazin em seu livro “Barroco e Rococó”. Após todo o fervilhar das ideias do período do Renascimento, as ideias estéticas também eram construídas com base na Razão e na Moral, o dito bon sens. Era o tempo de Pierre Corneille e de René Descartes, o grande teórico racionalista que desenvolveu o método cartesiano de pensar, que conhecemos e nos influencia até hoje.

Nessa época, a França era o país mais poderoso da Europa e de maior população. Este país tinha assimilado, segundo Bazin, “com o maior êxito o espírito do Renascimento”, que trouxe muitas novidades em todos os campos do conhecimento humano, assim como as ideias de uma classe social que começava a ter grande ascensão, a burguesia. Mas outras ideias também disputavam espaço e aristocratas e burgueses se digladiavam para impor suas visões políticas, econômicas e filosóficas dentro de um sistema em evolução.

Poussin, vivendo na Itália, se identificava totalmente com as correntes do pensamento racional, que predominou durante todo o século XVII, alcançando o XVIII… E trazendo em seu bojo a Revolução francesa de 1789, início de grandes movimentações políticas e sociais na França. O pensamento racional dentro da obra de arte, segundo Walter Friedland em seu livro “De David a Delacroix”, tinha um “viés moralizante”. A preocupação, inclusive a de Poussin, era com o conteúdo ético e didático da obra. Suas pinturas de caráter cristão são um exemplo disso. Ele parece ilustrar trechos dos Evangelhos e da história de Jesus.

Mas mesmo apegado ao passado clássico, Poussin foi o autor de grandes composições pictóricas e um pintor de grande expressão artística. Olhava para o bom gosto da antiguidade, em busca do Belo ideal, onde se podia apreender o intelecto puro e a moral. Ele - conta-se - gostava muito de andar à pé pela cidade de Roma, perdido em seus pensamentos, meditando, observando, anotando o que lhe chamava a atenção da diversidade da vida. Estudou perspectiva em Matteo Zacollini, arquitetura em Vitruvio e Palladio, pintura em Alberti e Leonardo da Vinci. Também fez estudos de anatomia, desenhou a partir de modelos vivos. Muitas vezes repetiu seus estudos e temas, sempre se colocando disponível para novos aprendizados. À medida em que envelhecia, seu pincel se tornava ainda mais suave, sua pintura mais harmônica, sua composição mais rica. Levava uma velhice pacífica, mas trabalhando sempre muito. Era modesto, sóbrio, franco e muito afável de caráter. Ele mesmo refletia a pintura que almejava: correto, verdadeiro, sincero. Um homem e pintor virtuoso.


"Assunção da Virgem", Poussin, óleo sobre tela, 134,4×98cm, 1630
"Sagrada Família", Poussin
"Rapto das Sabinas", Poussin, 1633

sexta-feira, 20 de março de 2015

Exposição: Arte Realista do Ateliê Takiguthi

"Retrato de Walter", Maurício Takiguthi, óleo sobre tela, 2015
O Ateliê e Galeria Contraponto irá inaugurar, no dia 25 de março próximo, uma exposição de trabalhos artísticos intitulada “Arte Realista do Ateliê Takiguthi”. A abertura se dará a partir das 19h e contará com a participação de mais de 30 expositores, entre eles o próprio Maurício Takiguthi, que já fez uma primeira exposição individual, no ano passado, nessa mesma galeria.

Todos os trabalhos que serão expostos são fruto do trabalho de um ano de estudo sob a orientação de Maurício Takiguthi, em seu ateliê da rua Frei Caneca. “São o resultado do ato de exercitar a concepção pictórica que ensinamos em nosso ateliê”, diz Maurício. “Nós enfatizamos a prática como forma de traduzir a realidade a partir de um pensamento visual, um trabalho que contém análise conceitual ou técnica, sem cair na mera cópia, invariavelmente mecânica e previsível.”

Em seu ateliê, Takiguthi ensina a seus alunos a interagir mais com o real visível e a prática, a sair do padrão convencional da visão cotidiana que olha mas não vê. Neste sentido, ele valoriza muito o resgate da tradição da pintura que mostra como é necessário recuperar o papel primordial da visão: “por que as pessoas não conseguem ver? Porque deduzem o que vêem. E deduzem porque, hoje em dia, perdeu-se muito da capacidade de contemplação que permite a visão mais profunda das coisas”, diz o pintor. Que acrescenta: “Quem só copia o modelo, não o vê!” Por isso, no Ateliê de Arte Realista de Takiguthi os alunos aprendem, entre outras coisas, a desacelerar seu tempo, a conectar-se com o “fazer”, a ampliar sua sensibilidade e a resgatar o papel da disciplina que a prática artística requer.

Por isso, esta exposição não pretende, na opinião de Maurício Takiguthi, ser uma mostra de obras de artistas, mas uma mostra do resultado de todo um trabalho desenvolvido durante anos em seu ateliê, que resgata também o conceito do “ofício” do desenhista e do pintor. Preocupa-se em tratar a arte como a busca do entendimento visual a partir dos insights cotidianos pela reverência a esse ofício. A arte, dessa forma, vai muito além do entretenimento, circunscrito ao seu aspecto lúdico, como muitos hoje em dia apregoam.

Além dos trinta alunos expositores, o próprio Maurício Takiguthi irá expor três pinturas inéditas, realizadas nesta fase atual de seu trabalho e poderão ser observadas de perto por todos os que forem visitar a mostra nesta galeria.

Esta já é a sexta exposição organizada pelo Ateliê Contraponto. A abertura será no próximo dia 25 de março, quarta-feira, a partir das 19 horas, com entrada Catraca Livre. A exposição estará aberta ao público de 26 de março a 25 de abril de 2015.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Um dia pra comemorar

Parte do meu trabalho de pintura a óleo no Ateliê Contraponto

Hoje o Ateliê Contraponto completa um ano que foi inaugurado, no dia exato do meu aniversário! Dia de festejar, de me alegrar com um sonho que está sendo realizado dia a dia. Neste espaço muito charmoso da Travessa Dona Paula, em São Paulo, tenho produzido bastante, junto com meus parceiros; desenhamos quase diariamente, pintamos e damos aulas de pintura a óleo e desenho. E vamos crescendo!

Este Blog está perto de completar 400 mil acessos! Ele também tem sido um espaço importante onde eu possa colocar minhas ideias, meus estudos, minhas pesquisas sobre Arte. Ele tem sido útil para muita gente também, o que me faz muito alegre, porque é para isso que ele também existe.

Um dia desses, recebi um telefonema de Isabel Rocha Mattoso. Não a conheço pessoalmente, ainda. Mas ela me deu um feedback muito incentivador sobre os textos que produzo e publico neste blog. Ela me enviou um poema, que transcrevo abaixo, exatamente hoje, com tanta coisa para comemorar! Obrigada, Isabel, e a todos os leitores deste blog! Obrigada a todos os meus alunos e todos os amigos do Ateliê Contraponto! Obrigada a todos os meus amigos, por serem quem são não minha vida, cada um do seu jeito!

Longa vida ao Ateliê Contraponto!

Longa vida a este Blog que fala de Arte!

Longa vida para todos nós!



Imagens de um mundo sem fim

(Para Mazé, que sabe pintar!)

 Isabel Mattoso


Minha tela é um papel de qualquer cor
O que a  colore de verdade são palavras
Atrozes, algozes, que me forçam ao limite do que sei
Do que não sei, do que penso saber
Do  que virei a  saber, do que jamais saberei.

O que colore o papel  do poeta é a intuição da forma, da cor, das sombras que avançam sobre a tarde evanescente.
É o saber que caminha nos espíritos muito antes de cada nascimento
E que  continuará  sua jornada muito depois de cada morte
Ele apenas atravessa o  ser e tento capturá-lo neste  breve instante
Para  deixá-lo partir nas letras que se amontoam em palavras que se abraçam e tomam  corpo e alma. 
Minha tela de folhas de papel barato   inveja as pinturas  impressionistas, realistas, hiper realistas,
Os mestres do quatroccento, do barroco, do cubismo, fauvismo, do pontilhismo,do expressionismo, do surrealismo... De qualquer movimento,  de todos os tempos,
As gravuras e esculturas  que arranham , modelam , cinzelam matrizes e recriam o mundo.

A fruta sobre a mesa, a dobra da saia, o olhar  que nos alcança do passado
O brinco de pérola, a girafa em chamas, cada madona
O cristo crucificado, o café em paris, o girassol,
O grito , as mulheres da oceania, as bailarinas, as cerâmicas,
O jardim e a ponte , o onda gigante , o oriente num haikai de imagens  de delicadeza sem fim
Jazz, o volga, o sena, as cavernas e os bisões, o desenho da criança e seu traçado incerto...
Os olhos azuis, as bandeirinhas, o sertão
O touro, a dor, um povo, a guerra, o prazer velado e o descarado
A intimidade devassada, ainda que permitida
As portas do inferno se abriram para que pudéssemos  enxergar  além...

Pobre caneta  de tungstênio,
Ridículo  teclado de plástico preto...
Com que instrumentos banais surgem as palavras
Ainda assim , eu as amo  , as persigo em sonhos e devaneios
As amasso, rasgo,  abraço , professo mil desaforos!
Até que me digam a verdade
Que revelem  o que foi segredado pelo espírito
 Então, como um anelo, a vida em mim se faz real.