Mulher de azul lendo uma carta, Jan Vermeer, 1662-1663 |
Aqui em São Paulo, esta pintura poderá ser vista até o dia 10 de fevereiro de 2013. O quadro ficará exposto em uma sala, e nas outras três estarão as descrições do processo de restauração, realizada entre 2010 e 2011.
O artista Jan Vermeer
Assinatura de Vermeer em seus quadros |
A Holanda de seu tempo era o país onde mudanças muito importantes se operavam na civilização ocidental. Com a evolução do capitalismo mercantilista e a diminuição do poder do papa após a Reforma Protestante, o pensamento humano passava a substituir a autoridade divina, trocando-a pela experimentação e pela observação do mundo.
O autor do livro “Civilização”, Kenneth Clark, destaca que nesse período a pintura flamenga foi “a expressão visível dessa transformação”. No campo econômico e intelectual aquele país teve grande destaque. Por exemplo, foi o primeiro país a imprimir todos os grandes livros que “revolucionaram o pensamento” humano, como mostra também Clark.
No campo da pintura, Frans Hals (1580-1666) já começara a prática da pintura de retratos de corporações, agrupamentos comerciais ou sociais. Outro pintor holandês, Rembrandt van Rijn (1606-1669), nessa nova onda civilizatória que acontecia na Holanda, pintaria a famosa tela representando os tecelões de Amsterdã. São esses “os primeiros indícios visuais da democracia burguesa”, diz Clark. Era uma forma nova de ver o mundo, mostrando como o homem era capaz de construir seu próprio destino, além de criar seus instrumentos e fazê-los funcionar.
E isso se deu em um dos primeiros centros do capitalismo daquela época, a Holanda. O país possuía um grande porto e era o maior centro bancário da Europa. Além disso, grande centro comercial, um dos maiores do mundo do período. Vivia sua era dourada, inclusive invadindo as praias da minha terra, Pernambuco, por volta de 1630, enviando 60 barcos com mais de 7 mil homens. A riqueza do Brasil atraía as atenções dos capitalistas holandeses, que enviaram depois o conde Maurício de Nassau para assumir o controle holandês sobre o nordeste brasileiro. Mas foram expulsos pelos bravos conterrâneos...
Retrato de René Descartes, por Frans Hals, 1644 |
Kenneth Clark destaca também como o método de Descartes de experimentação direta da realidade, sem interferências e convenções, recebeu na pintura holandesa a sua ilustração máxima.
E a máxima ilustração de como um artista pode pintar a partir de uma observação cuidadosa do real chama-se Jan Vermeer. Ele não tinha ideias pré-concebidas sobre o que via. Como esse novo pensador-observador, ele pintou uma das paisagens mais iluminadas e realistas de sua cidade, “Vista de Delft”, que até hoje impressiona quem o visita no Museu de Haia. O escritor Marcel Proust, já no século XX, inclui a descrição desse quadro em um de seus textos da coletânea “Em busca do tempo perdido”.
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Resume assim, Kenneth Clar: Jan Vermeer, além “de nos mostrar a luz da Holanda, ilustra o que Descartes chamava ‘a luz natural da mente’.”
Vista de Delft, Jan Vermeer, 1660-61 |
Vermeer era daqueles que perceberam “a beleza pura do mundo”, como observa E. H. Gombrich em seu livro “História da Arte”. Ao invés de se voltarem para as belezas do mundo espiritual como orientara por séculos a igreja católica, Jan Vermeer, assim como outros pintores holandeses do século XVII, descobriu a maravilha de pintar a realidade tal qual ela se apresentava.
Ele era um trabalhador lento e meticuloso, diz Gombrich. Diz-se que ele pintou pouco mais de quarenta telas em sua vida. Seus temas nada tinham de magníficos, pois ele pintava as pessoas mais simples, cenas de vida doméstica, interiores de aposentos holandeses, ou mesmo uma mulher solitária despejando seu leite numa vasilha de barro, como no quadro “A leiteira”, pintado por volta de 1658. Gombrich acrescenta: “É difícil explicar as razões que fazem de uma tela tão simples e despretensiosa uma das maiores obras-primas de todos os tempos”.
A Leiteira, Jan Vermeer, 1658-1661 |
Como o azul do vestido da moça que lê uma carta nesta tela exposta no Masp. Ou como a luminosidade explícita da “Vista de Delft” com sua perfeita perspectiva dos edifícios e a representação exata da luz.
Pouco se sabe sobre a vida de Jan Vermeer, que, aliás, nunca assinou seu nome dessa forma, mas sempre como Joannes, Joannis ou Johannis, como atesta o autor do livro “Vermeer de Delft, un peintre de sa ville”, Michel van Maarseveen.
Após 1662, observa Van Maarseveen, Vermeer passou a pintar de uma forma ainda mais refinada, onde a representação dos objetos era ainda mais sutil. Essa tendência, onde se poderia perceber a influência do pintor Frans van Mieris - diz o autor - surge em três telas pequenas onde Vermeer representou mulheres atrás de mesas perto de janelas: "Mulher com uma balança", "Colar de pérolas" e o quadro que está no Masp, "Mulher de azul lendo uma carta". As figuras estão atrás de pesadas mesas, entre elas e as janelas. A tela em exposição no Masp também é um dos exemplos de que Vermeer passou a executar pinturas com menos detalhes, menos objetos e a fazer uma clara separação entre a luz e a sombra, como conta Van Maarseveen no livro. É também dessa época as pinturas em que ele fez de pessoas tocando instrumentos musicais, como “Concerto”, por exemplo. Nos últimos anos de sua vida, Vermeer também se dedicou a pintar mais quadros com o tema da música.
Biografia incompleta
Seguindo o texto de Michel van
Maarseveen, vimos que seus pais, Reynier Jansz e Digna Baltens, tinham uma pousada. Seu pai também era tecelão de seda e depois se inscreveu na Guilda de São Lucas como vendedor de objetos de arte. Somente quem era sócio da guilda podia vender esses produtos. Por causa dessa profissão, Reynier tinha contato com diversos pintores. Quando Vermeer nasceu, em 1632, seu pai já era negociante de arte, além de dono de pousada. E seus conterrâneos holandeses tinham ocupado minha terra...
Moça com brinco de pérola, Jan Vermeer |
O pai de Vermeer morreu um ano antes do casamento do filho, mas sua mãe continuou administrando a pousada até 1669, quando ela tenta vendê-lo em leilão. Não conseguindo, aluga-a e vai morar com sua filha Geertruy até sua morte em 1670. Vermeer herda o albergue.
Tiveram 15 filhos, sendo que 11 sobreviveram. Uma família numerosa como esta era difícil de manter, com gastos muito grandes. Mas a casa de Maria Thins era suficiente para todos e foi descrita em detalhes, graças ao inventário que foi feito dois meses após a morte dela. No primeiro piso, logo no primeiro cômodo, havia uma tela de Fabricius. Após, uma sala grande com mais dois retratos feitos por Fabricius. Isso demonstra o respeito que Vermeer tinha por aquele que pode ter sido um de seus mestres. Uma cozinha grande e diversos outros cômodos também faziam parte da parte térrea da casa. Entre o primeiro e o segundo piso, havia um com dois ambientes, um deles com a face voltada para o norte, onde Vermeer teria montado seu ateliê. Quando foi feito o inventário do ateliê, a lista constava de: 2 cavaletes, 3 palhetas, 6 pincéis, 3 telas em branco, 1 mesa e 3 armários com inúmeras ilustrações e desenhos.
Durante a vida de Jan Vermeer, a cidade de Delft era cosmopolita, com 25 mil habitantes, muitos artesãos e fábricas de louça e tapeçaria. Delft não só produzia objetos de decoração de luxo, como também era um grande mercado de arte.
A Guilda de São Lucas
No dia 29 de dezembro de 1653, aos 21 anos e pouco depois de seu casamento, Vermeer se inscreveu como mestre na Guilda de São Lucas. Naquele tempo, da mesma forma como os artesãos e comerciantes, os pintores se organizavam em guildas, espécies de sindicato. Ela tinha sido fundada na Idade Média, mas a primeira data de instalação é de 1545. No século XVII era a guilda mais importante e a maior de Delft. Mas ela não acolhia só pintores; lá também estavam pintores de parede, oleiros, gravadores, vidreiros, tapeceiros, escultores, livreiros, impressores e vendedores de objetos de arte. Somente os sócios da Guilda podiam negociar seus produtos em Delft.
O Géografo, Jan Vermeer, 1669 |
A Guilda de São Lucas só foi extinta em 1833. Em 1876, a sede foi destruída para dar lugar a uma escola, que ainda funciona atualmente e recebe o nome de Escola Jan Vermeer.
Morte do pintor
Jan Vermeer morreu no dia 15 de dezembro de 1675. Seu corpo foi enterrado na mais antiga igreja de Delft, a Oude Kerk, onde sua sogra, Maria Thins, havia comprado uma tumba em 1661. Lá também foram enterrados seus quatro filhos que morreram bem pequenos. No registro da igreja consta que Jan Vermeer foi enterrado no dia 16 de dezembro de 1675.
Sua morte foi consequência das dificuldades financeiras que se abateram sobre sua família. Em 1677, Catharina se dirige à Corte da Holanda solicitando a liberação do dinheiro que ela tinha direito por herança. Foi aí que ficou registrado seu depoimento: por causa da guerra contra a Inglaterra e a França que ocorreu em 1672 - conhecido como o ‘ano dos desastres’ - Vermeer, que se mantinha e à sua família como vendedor de quadros, não conseguia mais vender nada. E ele tinha 11 filhos para sustentar. “Seu coração não suportou e ele morreu em menos de dois dias”, ela teria dito. Vermeer morreu de infarto.
Moça com chapéu vermelho, Jan Vermeer, 1665-66 |
Atualmente, observa Van Maarseveen, a maior parte dos quadros do pintor de Delft se encontram em coleções públicas de países estrangeiros. Na Holanda, só o Rijksmuseum de Amsterdã e o Mauritshuis de Haia possuem obras dele. Sua pequena cidade não possui uma única obra de seu mais célebre habitante.
A obra de Vermeer passou quase 200 anos no esquecimento, até que o crítico francês Théophile Thoré a redescobriu em 1860. Desde então seus quadros continuam encantando a todos os que têm o privilégio de observá-los de perto.
Por isso, a única tela exposta no Masp não vem sozinha. Carrega consigo toda a vida, conhecida e desconhecida, do pintor de Delft e de seu tempo.
O Concerto, Jan Vermeer, 1664-1667 |
Lindo post com belíssimas imagens
ResponderExcluirAbraço
Muito lindo este blog
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