"A educação de Maria de Médicis", Peter Paul Rubens, 1622-25, óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris |
O Vermelho
O Vermelho é uma cor orgulhosa, ambiciosa e sedenta de poder. Uma cor que quer se fazer ver e que se impõe a todas as outras. Nem sempre seu passado foi glorioso, pois há uma face escondida do vermelho, um “mal vermelho”, que causou destruições ao longo do tempo, plena de atos de violência, de crimes e pecados.
O Vermelho é “cor”, acima de tudo. Algumas palavras como “coloratus” em latim e “colorado” em espanhol significam tanto “vermelho” como “colorido”. E na língua russa, a palavra “krasnoï” quer dizer tanto “vermelho” como “belo”. Ou seja, a famosa Praça Vermelha de Moscou também pode ser entendida como Praça Bela.
Bisão da caverna de Altamira, Espanha - arte pré-histórica |
Um dos motivos do predomínio do Vermelho em nossa cultura desde a mais longínqua antiguidade, diz Pastoreau, deve-se ao fato de que muito cedo o homem começou a fabricar pigmentos vermelhos. Desde o período paleolítico, há 35 mil anos atrás, o ser humano já utilizava o Vermelho, obtido a partir de argilas e terras avermelhadas. Ou seja, a partir de fontes minerais. Mas no Neolítico surgiu a erva Garance, cujas raízes produzem uma cor avermelhada. Ao longo do tempo, começamos a usar pigmentos obtidos a partir de certos metais, como o ferro, o mercúrio, etc. Por causa da facilidade da produção desse pigmento, obtido de diversas fontes, essa cor obteve tanto sucesso desde o início dos tempos.
Desde a Antiguidade já era dado ao Vermelho atributos de poder, tanto na religião quanto na guerra. O deus Marte, os centuriões romanos e até mesmo certos sacerdotes se vestiam nesta cor. Obviamente desde cedo se relacionava o Vermelho com o Sangue e com o Fogo. Desde os princípios do cristianismo, o Fogo Vermelho era símbolo de Vida, e um dos exemplos mais conhecidos dessa simbologia são as línguas de fogo que descem sobre as cabeças do apóstolos no dia de Pentecostes. O sangue vermelho de Cristo é símbolo de salvação.
Mas o Vermelho também tem outro sentido simbólico: é também a Morte, o Inferno, as chamas de Satã, a carne impura, os crimes, o pecado e todas as impurezas. Mas também representa o Amor…
O inseto cochonilha |
"Retrato do Papa Júlio II", Rafael di Sanzio, 1511-12, óleo sobre madeira |
Mas ao mesmo tempo também se pintava o diabo na cor vermelha! E tudo se acomodava.
Pastoreau lembra a fábula do “Chapeuzinho Vermelho”, que atravessa as noites do tempo sendo contada às crianças desde o ano 1.000! Existem várias interpretações para a cor do chapéu da menina, mas Pastoreau prefere aquela que se liga às três cores dominantes por longo período de tempo: uma menina de chapéu Vermelho, carrega um pote de manteiga Branco e o leva à sua avó que era vestida de Preto. Outras estórias infantis daqueles tempos tinham vários outros exemplos de uso das três cores do sistema antigo, o Branco, o Preto e o Vermelho.
Tintureiros medievais |
Para a Reforma Protestante, o Vermelho era uma cor imoral, pois os protestantes baseavam-se num trecho do Apocalipse que falava de uma besta vinda do mar que era montada pela prostituta da grande Babilônia vestida de vermelho. Por isso, depois do século XVI, nos países protestantes os homens não se vestiam mais de vermelho, com exceção dos cardeais e de certas ordens de cavalaria. Nos meios católicos, as mulheres podiam se vestir de vermelho. As coisas se invertem: antes, o azul era a cor feminina (por causa da Virgem) e o vermelho, masculina, porque era signo de poder e de guerra. Após a Reforma, a cor masculina passa a ser Azul e o Vermelho, a cor das mulheres. Inclusive até o final do século XIX as noivas se vestiam de vermelho no dia do casamento, especialmente as mulheres do povo… O motivo disso é que no dia do casamento a pessoa deve vestir a sua mais bela roupa, e um vestido vermelho era sempre o mais belo.
Ao mesmo tempo, as prostitutas, durante um longo período de tempo, eram obrigadas a vestir uma peça de roupa vermelha para que fossem logo identificadas. Assim como deviam colocar nas portas de suas casas uma lanterna vermelha… daí a origem das nossas brasileiras “casas da luz vermelha”...
"Rua Mosnier decorada com bandeiras", Edouard Manet, 1878 |
Michel Pastoreau termina este capítulo sobre a história da cor vermelha dizendo que no domínio do simbólico, nenhum símbolo deixa verdadeiramente de existir ao longo do tempo. Os símbolos duram. Tanto o Vermelho como símbolo de poder no mundo ocidental, quanto o Amarelo dos asiáticos que significam a mesma coisa, atravessaram os séculos, da mesma forma que esta simbologia do vermelho como a cor dos proletários e dos revolucionários em todo o mundo. Era a cor da bandeira da URSS e é a cor da bandeira da China, sob o domínio do Partido Comunista. É a cor da bandeira do Partido Comunista do Brasil, obviamente.
Mas Vermelho também significa, no mundo ocidental, a festa, o natal, o luxo, o espetáculo: as salas de teatro são decorados com cortinas vermelhas. Quando queremos dizer que alguém está “vermelho de cólera”, resgatamos esses símbolos do passado. E também associamos essa cor ao erotismo e à paixão. Mas na vida cotidiana, usamos menos a cor vermelha, em nossos móveis, mobiliários, automóveis, etc. Mas usamos sempre em casos de advertimentos: sinais de trânsito, de proibição, a cruz vermelha ligada à saúde… “Tudo isto deriva da mesma história, a do fogo e do sangue”, diz Pastoreau.
(continua em breve)
"Jovem com copo de vinho", Jan Vermeer, 1660, óleo sobre tela |
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