"La maja desnuda", Francisco de Goya, 1790-1800, óleo sobre tela, 191 x 98 cm, Museu do Prado |
Fruto de minha última viagem à Espanha, nos próximos posts deste blog pretendo trazer um pouco sobre a vida e a obra dos maiores mestres daquele país, os conhecidos e os desconhecidos. Os pintores espanhois são, para mim, os melhores exemplos de artistas em que vida e obra não se podem separar; assim como não é possível separá-los da cultura de seu país, tão diversa quanto a nossa, e tão profundamente arraigada na alma daquele povo como, por exemplo, as tradicionais touradas. Como enfatiza Antonio López, pintor contemporâneo, a pintura espanhola está ligada à vida, nem sempre à beleza.
Comecemos por Francisco de Goya.
"Retrato de Goya", Antonio López, 1826 |
Francisco José de Goya y Lucientes nasceu em Fuendetodos, Saragoça, na Espanha, em 1746. Faleceu em Bordeaux, França, em 1828.
Filho de um mestre dourador, Goya teve suas primeiras lições de pintura em Saragoça, por volta dos anos 1760. Na sequência ele mudou-se para Madrid, onde continuou sua formação. Fez uma passagem por Roma, Itália, em 1770, e se deixa influenciar pelo neoclassicismo vigente, como pode ser visto na imagem abaixo, que mostra uma tela pintada por ele nesta época (“Hanibal atravessando os Alpes”).
Goya voltou à Espanha em 1771, quando começou a receber as primeiras encomendas: a decoração da abóboda da basílica do Pilar em Saragoça, entre outras. Em 1773 casa-se com Josefa, a irmã do pintor Francisco Bayeu, que era pintor oficial na época. No ano seguinte, outro pintor, o flamengo Anton Raphael Mengs o convida para mudar-se para Madrid. Mengs viveu na Espanha e lá produziu uma série de pinturas, que podem ser vistas atualmente no Museu do Prado.
"Hanibal atravessando os Alpes", Goya |
O período entre 1776 e 1792 marca a ascensão social de Goya. No começo, ele produziu algumas gravuras estudando a partir de pinturas de Diego Velázquez, que sempre foi considerado por ele seu verdadeiro mestre. Em 1779 ele pintou um primeiro retrato da família real, do rei Carlos III, e no ano seguinte foi eleito por unanimidade para a Academia Real de Belas Artes de São Fernando. Mas seu trabalho na abóboda da basílica de Pilar em Saragoça precisava ser terminado, e, com isso, Goya voltou para lá para acabar a obra.
Após seus retorno a Madrid, acabou se tornando o pintor oficial da aristocracia, executando diversos retratos, onde já expressava sua força e seu jeito pessoal de pintar. Fez também pinturas de paisagens, mas se dedicou principalmente a criar tapetes para a Real Fábrica de Santa Bárbara, nos quais Goya utilizou temas populares.
"Ainda aprendo", Goya |
Mas desde 1792 Francisco de Goya começou a perder a audição. Especula-se que ele ficou surdo por causa da grande quantidade de chumbo presente nos pigmentos que usava para pintar. Angustiado, ele transmite para sua pintura os seus próprios medos, pintando nesta época cenas obscuras de Madrid, uma série de estudos de Tauromaquia e as gravuras da série “Caprichos”, cheios de figuras monstruosas e demoníacas. Mas a Santa Inquisição ameaçou-o, e teve que interromper esta série de gravuras.
Goya chegou ao século XIX completamente surdo. Isto fez com que ele penetrasse cada vez mais em seu mundo interno. Ele foi se tornando, à medida em que envelhecia, uma espécie de profeta solitário, pintando suas pinturas negras nas paredes de sua própria casa. Mas antes, em 1805, terminou seus dois quadros - que acabei de ver em Madrid, no Museu do Prado - “La maja nua” e “La maja vestida”, duas grandes telas, colocadas lado a lado. Foi o primeiro nu pintado na Espanha após a “Vênus do Espelho”, de Velázquez, pintada em 1650. Na Espanha católica, esta pintura da Maja nua foi completamente condenada. O quadro foi confiscado e Goya foi obrigado a dar explicações ao tribunal da Inquisição em 1814.
A invasão francesa na Espanha, pelos exércitos de Napoleão, em 1808, também inspiraram no pintor uma série de gravuras feitas em água-forte (técnica de gravação sobre metal com ponta-seca e complementada com a utilização de um ácido sobre a chapa). Goya intitulou esta série “Os desastres da guerra”. Mas pintou principalmente o quadro, bastante conhecido, uma tela muito grande intitulada “O três de maio” (abaixo), assim como outra que ele deu como título “O dois de maio”, que celebram a resistência do povo espanhol às investidas de Napoleão. Em especial na pintura abaixo, "O assassinato do três de maio, Goya inova na pintura tanto em termos de composição, como de técnica.
"O assassinato do três de maio de 1808", Goya, óleo sobre tela, 1814 |
Mas o pintor Goya não podia descansar… O rei absolutista Fernando VII, com sua política de relações submissas ao governo francês, considerava-o perigoso para seus planos e o obrigou a deixar a Espanha. Em 1824 Goya se instalou na cidade francesa de Bordeaux, juntamente com dezenas de exilados espanhois. Ele foi obrigado a abandonar sua recém comprada casa de campo perto de Madrid, por causa da perseguição de Fernando VII.
"O afiador", Goya, óleo sobre tela, 1808-1812 |
Em Madrid ainda, Goya se refugiou inicialmente na casa de um médico a quem tinha feito um retrato, o doutor Duaso. Mas lhe pareceu melhor fugir para a França. Inicialmente em Bordeaux, ele resolveu seguir até Paris, onde passou alguns meses, vivendo completamente só, mas sem parar de pintar e desenhar. Desde seus últimos tempos em Madrid, Goya já vinha realizando desenhos que mostravam suas inquietudes psicológicas e suas preocupações sociais.
O exílio para um homem com 78 anos de idade, e doente, era um golpe muito pesado. Sem se adaptar a Paris, resolveu voltar a Bordeaux em setembro de 1824. Lá estavam seus amigos, entre eles o poeta Moratín, de quem fez um retrato a óleo. Deu aulas de pintura e desenho para Rosario Weiss, filha de uma conhecida, Leocadia Zorrilla. Mas seu temperamento lutador não se acalmava. A partir de 1825 começou a fazer a série de gravuras intituladas “Los toros de Bordeaux”, junto com mais quatro telas a óleo sobre o mesmo tema. Mas também fez miniaturas sobre marfim, aguadas, desenhos.
"A obra", Goya, óleo sobre tela, 1786, 127 x 169 cm |
Em 1826 Goya fez uma viagem a Madrid, onde obteve uma anistia. Continuou pintando, mas voltava para sua casa em Bordeaux. Uma de suas últimas pinturas foi “A leiteira de Bordeaux”, em 1827. Entre 1824 e 1827 ele fez muitos desenhos, entre os quais o famoso “Ainda aprendo”, onde talvez ele tenha se auto-retratado, pensando em sua permanente inquietude.
Em 1828, Francisco de Goya piorou de saúde. Há uma carta, de 17 de janeiro, que ele escreveu a seu filho, já demonstrando como sua saúde só se deteriorava. Sua nora e seu neto foram para Bordeaux, ao encontro dele; seu filho, Mariano, e sua mãe, somente chegaram no mês de março, quando ele já estava muito mal. Faleceu na noite de 15 para 16 de abril de 1828 e foi sepultado num pequeno cemitério da cidadezinha francesa, longe de sua terra. Mas em 1927 seus restos mortais foram trasladados para Saragoça, aonde até hoje se conserva seu túmulo.
Um dos maiores mestres espanhois estava com 82 anos de idade, enfermo, surdo e começando a ficar cego. Mas apesar disso tudo, se expressava cada vez com mais liberdade, força e inspiração, usando todo o seu tempo para se dedicar a seus desenhos e suas pinturas. Ainda antes de ser exilado, ele havia deixado nas paredes de sua casa de campo as marcas do seu pincel inquieto e de sua mente repleta de angústias e questionamentos sobre a vida: suas “pinturas negras” maravilhosas, que pude admirar de novo no Museu do Prado há alguns dias.
"A leiteira de Bordeaux", 1827, talvez uma das últimas pinturas de Goya |
"O parassol", Goya, óleo sobre tela, 1777 |
"A pradaria de São Isidro", Goya, óleo sobre tela, 1788 |
"La maja vestida", Goya, óleo sobre tela, 1802-1805 |
"Cachorros e instrumentos de caça", Goya, óleo sobre tela, 1775 |
"As parcas", uma das pinturas negras de Goya, 1820-1823, 266 x 123 cm |
"Os estragos da guerra", Goya, gravura |
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