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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

“Quando o tempo for propício” *

Há um costume entre as pessoas mais velhas de qualquer período histórico: um olhar para seu passado com certa melancolia, contaminada pelo sentimento de que “naquele tempo, sim, as coisas andavam melhores no mundo”...
Mas vamos e venhamos, vivemos num momento histórico privilegiado, por tantos desafios lançados às mentes humanas nestes tempos nebulosos. Há que se estar atento a cada movimento, quando nos encontramos em meio ao nevoeiro: um pode nos salvar; outro pode ser o fim. E as sereias cantam docemente, enganando até mesmo velhos marinheiros.
Tempo rico, tempo são. Tempo louco.
O mundo anda mal. Crise econômica generalizada atingindo principalmente os países ricos, como os EUA, onde hoje mais de 46 milhões de pessoas vivem na margem da pobreza. Em Nova Iorque de cada cinco, uma pessoa está nessa situação! Fora os cerca de um bilhão de seres humanos no planeta que ainda passam fome em pleno século XXI!
O mundo anda mal também nos aspectos, digamos, mais subjetivos. De uma subjetividade estranha, porque, de tão pesada, atinge a todos nós em pleno fígado. Todos nós??? De quem se trata esse “nós”? “Ele inclui bispos e gerentes de banco?” pergunta Terry Eagleton em seu livro As ilusões do pós-modernismo. Não, porque neste mundo de seres iguais uns são “mais iguais” do que os outros. Esses “mais iguais” são os promotores desse festival de estupidezes a que assistimos, que nós podemos intitular de “o mais novo pensamento dos novos capitalistas neoliberais e pós-modernos”:
- foi decretado que o sonho humano que animava milhões de pessoas pelo mundo não é mais possível: o Socialismo acabou;
Auto-retrato, de Egon Schiele
- foi instaurado o reino do individualismo e agora é o salve-se quem puder, cada um por si, deus contra todos;
- foi instalado o reino do Instantâneo, do Superficial, do Efêmero – contemporâneo do macarrão que se cozinha em 3 minutos e se come em um;
- foi decretada que a Quantidade (de dinheiro, de prazer, de consumo, etc) se sobrepõe à qualidade;
- está deliberado que a Aparência é um valor em si mesmo e que a Visualidade reina sobre qualquer conteúdo. Com isso procure-se qualquer clínica de estética e se re-estetize a você mesmo;
- foi decidido que a Globalização tem predominância sobre as regionalidades e as nacionalidades;
- foi deliberado que o indivíduo narcísico tem mais valor do que qualquer grupo ou coletividade; que do alto do seu posto, o Eu individual NADA PODE fazer para mudar o mundo e reinventar outra ordem social, porque “a história acabou”;
- foi decretado que a mídia é o grande porta voz dos discursos desconstrutores e reconstrutores do mundo, em afinidade com as ideias pós-modernas;
- está deliberado que a Arte Contemporânea continuará sendo a repetição de fórmulas que já duram cem anos, mas que são congruentes com esse espírito que de tão moderno chega a ser pós-moderno, em seus discursos sem sentido.
Porque está decretado que nenhum discurso mais precisa ter sentido, a linguagem está livre para-o-que-der-e-vier e qualquer um pode dizer o que quiser, na língua que desejar, porque TUDO o que importa é a expressão de qualquer discurso.
E também decretou-se que a Arte morreu. Depois re-decretou-se que tudo é arte, incluindo as secreções do corpo humano... Depois decreta-se que arte é discurso e que basta uma boa ideia e um bom curador para que qualquer coisa alcance o status de arte. Mas tem um detalhe importante: quem decide o que é Arte hoje é uma entidade denominada Mercado, porque tudo o que o homem produz nos dias de hoje só tem existência se se transformar na simbologia capitalista que produza mais-valia.
Os mais velhos podem ter alguma razão. Até há poucas décadas atrás (duas, no máximo) o mundo era mais simples: havia o sonho socialista, de um lado, e os que reagiam contra a ideia de que o capitalismo não era o melhor dos mundos: os reacionários.
Mas o capitalismo não é o melhor dos mundos: basta olhar para as ruas ocupadas por multidões sem rumo, engarrafadas, se movimentando em seus automóveis em direção... ao que mesmo? Depende. Pode ser até o shopping center ali da esquina!
Moça gorda, de Lucien Freud
Mas para “re-significar” (eles adoram essas expressões) o pobre coitado que está ali na luta pela sobrevivência, basta algumas horas de reconstrução da sua figura, enfumaçada pelo status quo


- disponibilize-se salas de musculação; cirurgia plástica; lipoaspiração; rejuvenescimento; massagem; maquiagem definitiva; alisamento permanente; botox; alongamento de pênis; depilação masculina e feminina; vitaminas a, b, c do alfabeto inteiro disponíveis; cirurgias de redução do estômago crescido de quem comeu todas as calorias estimuladas pelas indústrias fornecedoras dos supermercados; drogas para dormir, ter tesão, turbinar o cérebro; revistas que dariam inveja ao famoso Jack, estripador: pernas, braços, barrigas-tanquinho, rostos esticados; bundas, coxas de gostosas e gostosos, cabelos loiros e pretos alisados, mais loiros do que pretos; toda a farmacologia disponível e pesquisada pela imensa indústria farmacêutica que promete o aumento da expectativa de vida... ufa! Para viver dez anos a mais nesse inferno?
Distante da ideia do coletivo, o indivíduo lançado ao seu mundinho umbilical pensa que, finalmente, no reino do “eu” ele vive no melhor dos mundos: pois “O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: Eu te darei tudo isto e tudo será teu, se prostrado me adorares!” Diz o espírito do mundo capitalista a quem quiser ouvir...
Primeiros dias da primavera, de Salvador Dali
Mas há uma saída. E ela é coletiva.
Há que se voltar mais uma vez para o Real, para o mundo, para a história, para o homem. “A Modernidade acreditava na história”, diz o poeta Affonso Romano, mas a pós-modernidade é essa ausência de qualquer celebração utópica. O mundo se transformou num grande mercado, ele acrescenta. Os movimentos transformadores do mundo são hoje desmoralizados e desmerecidos. Hoje não se incentiva o agrupamento, a coletividade. A noção de História se encontra confusa, assim como a noção de realidade objetiva tornou-se “suspeita”. O nevoeiro se espalhou por toda parte.


E alcançou até a arte. De tão nebulosa, ela nem precisa ser vista, basta crer, basta ter fé na intenção do artista e pronto. A Arte existe, se é discurso.
Mas, no entanto a Terra se move, como disse Galileu Galilei lá pelos idos de 1615...
E a nós, nos resta engendrar a subversão que porá tudo de pernas pro ar, “quando o tempo for propício”...
(Trecho de oração ao Tempo, Caetano Velloso)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Voilà, Marcel Duchamp!

O mais novo projeto de arte conceitual não poderia ser mais coerente com seu próprio umbigo. Foi criado em Manhattan, EUA, um “Museu” (pasme-se!) de Arte Invisível! E não é brincadeira! O MONA ( Museum on Non-Visible Art) “apresenta” (a quem quiser arriscar de pagar esse mico) uma série de “obras” que não existem e só podem ser imaginadas quando o visitante lê o texto onde o “artista” descreve sua “obra”.


Acredite: dentro desta moldura tem uma obra de arte! Tenha fé!
Nesses arrazoados espalhados em espaços vazios pode-se ler que aquilo que não está lá e nem existe é uma escultura ou uma imagem qualquer. O corajoso visitante desse “Museu”,ao ler o texto, imagina que ideia estaria por ali, num “espaço” que deve pertencer ao mundo dos espíritos. Vejam que para este tipo de arte, até mesmo a psicografia já está superada! Nem o espírito de Van Gogh precisa mais “baixar” num médium de pincel na mão. Neste “museu”, tudo só é possível de existir na mente do incauto visitante…

Nem Marcel Duchamp seria capaz
de imaginar uma Fonte invisível!
Parece muito ridículo? Pois tem gente que acha que não! Algumas pessoas gostam tanto da imagem que suas mentes produziram que COMPRAM isso! Uma abastada senhora “investiu” nessa asneira a cifra de U$ 10.000,00!

Quem teve a brilhante ideia de criar esse “museu” foi um ator chamado James Franco, porque queria elevar a arte conceitual a um patamar mais alto (ou o que isso queira dizer). Ou ele é a reencarnação de Marcel Duchamp – o rei da arte conceitual – ou nem Marcel Duchamp seria capaz de ir tão longe e ganhar dinheiro com… nada!

Pois é, mas o comprador das subjetividades do “museu” recebe um “certificado de autenticidade” e isso lhe transfere a propriedade sobre a “criação”, mesmo que ela não exista! (nunca usei tantas aspas e pontos de exclamação antes!) E o que o comprador leva para casa, além do certificado? Uma arenga escrita sobre a “grande ideia” do “artista” e uma moldura sem nada dentro. Então emoldura o que? Nada, meu amigo!

Mas essa iludida senhora, que tem por nome Aimee Davidson, é uma “produtora de novas mídias”. Vejam o que ela disse sobre sua compra:

“Como produtora de novas mídias, me identifiquei com a ideologia do projeto e fui particularmente inspirada na frase “Nós trocamos ideias e sonhos como moeda na Nova Economia”. Os meios de comunicação social, que são parte integrante da ”Nova Economia” da Internet, pós Web 2.0, revolucionou o modo como artistas criam, promovem e vendem as suas obras de arte. Senti que o ato de comprar “ar fresco” apoiou a minha tese sobre um conceito que denomino de “você-commerce”, que é o marketing e a monetização da própria persona, habilidades e produtos através do uso das mídias sociais e das plataformas de auto-difusão, como o uso da plataforma de financiamento público para financiar o Museu de Arte Não-Visível. Basicamente, eu queria colocar meu dinheiro onde minha boca está.”

Só para os desavisados:
isto daqui é uma obra de arte!
Entenderam?

Nem eu.

Mas o próprio “museu” explica…

“Como essas obras de arte invisíveis são compradas, trocadas e revendidas, elas abrem os nossos olhos para o universo invisível que existe em cada momento, e podemos compartilhar esse universo. Trocamos ideias e sonhos como moeda na Nova Economia.”

E os responsáveis por essa estúrdia ainda ameaçam fazer uma turnê pelo mundo apresentando… o que não existe!

Até que ponto o sistema capitalista é capaz de chegar: não satisfeito em transformar obras de arte em mercadoria agora é capaz até de transformar a nulidade, o não existente, o nonada em mercadoria! Isso nem Karl Marx seria capaz de prever! Este é o mundo dos espertos-expertos, de todo tipo de expertise possível! E para cada expertise, um/uma debilóide capaz de adquirir com cifras bem concretas a bobajada toda!

Mas isso também lembra o que Affonso Romano de Sant’Anna fala em seu livro “Desconstruir Duchamp”: a tal da arte contemporânea se aproxima do misticismo e da religião: “Na religião há que ter fé. Em relação às obras contemporâneas, há que “acreditar” nas intenções do artista”.

Ou você, que não é capaz de se emocionar com tanta criatividade, vai queimar no fogo do inferno conceitual cheio de diabinhos conceituais!