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segunda-feira, 30 de março de 2015

Nicolas Poussin, o "pintor-filósofo"

"Dança da música do tempo", Nicolas Poussin, 1640
Neste ano de 2015 completam-se 350 anos da morte do pintor clássico francês Nicolas Poussin. Para comemorar a data o Museu do Louvre, em Paris, fará uma exposição que tem a finalidade de trazer à luz a originalidade da pintura de temas sagrados, fonte de uma reflexão pessoal do artista sobre Deus. Sempre inspirado por nomes do passado clássico greco-romano, o”pintor-poeta”, como também é chamado, conhecia e admirava a obra de Ovídio e Virgílio. A exposição do Louvre tem como título "Poussin e Deus".


"Autorretrato", Poussin, 1650
Mas Poussin também era o “pintor-filósofo” impregnado com as ideias e virtudes do antigos, o que aparece como uma marca do conjunto da sua obra. Mas ele também fez grandes pinturas com temas cristãos, que são menos conhecidas, especialmente inspirado em temas dos evangelhos bíblicos. Esse misto de pintura profana e sagrada na obra do mestre francês demonstra o leque amplo de temas aos quais ele se dispôs a enfrentar (pinturas de história, composições religiosas, mitologia, paisagens, retratos), a partir de seus pontos de vista.

Mas, quem foi Nicolas Poussin?

Ele nasceu na aldeia de Villers, em Andelys, região à noroeste de Paris, no dia 15 de junho de 1594. Aos 18 anos, ele sai da casa dos pais porque estes desaprovavam a sua ideia de se tornar pintor. Foi para Paris sem nenhum recurso e, após os primeiros tempos de muita necessidade, ele foi aceito no ateliê do pintor Ferdinand Elle, passando depois para o de Georges Lallemant. Mas Poussin não ficou muito tempo com nenhum dos dois. Quando ele viu pela primeira vez os desenhos do pintor italiano Rafael e de seu discípulo Giulio Romano, começou a estudá-los com muito afinco.

Apaixonado pela arte de Rafael, Poussin quis ir em direção à Itália. Na primeira tentativa, caminhou à pé até Poitou (cerca de 150 km de distância de Paris). Teve que retornar e chegou fatigado e faminto e com isso caiu doente. Foi para sua cidade natal, onde se restabeleceu. Mas sua vontade de chegar à Roma, colocou-o de novo na estrada. Ele queria se aperfeiçoar na terra do mestre Rafael. Nicolas fez duas tentativas de chegar à Roma, sem sucesso. Na primeira, ele alcançou Florença; na segunda só chegou até Lyon. Nas duas ocasiões, foi forçado a parar sua viagem e a retornar a Paris.


"A inspiração do poeta"(detalhe), Poussin, 1630
Na primeira vez que voltou a Paris, após ter conseguido chegar em Florença, Poussin conheceu o pintor Philippe de Champaigne e com ele trabalhou na decoração do Palácio de Luxemburgo. Passou por alguns ateliês de pintores em Paris, mas não ficou muito tempo com nenhum. Por isso, Nicolas Poussin é considerado um pintor auto-didata. Nesse período ele conseguiu sobreviver graças a algumas encomendas que recebeu.

Em 1623 ele concorreu com outros artistas para pintar uma série de seis quadros onde contava a vida de Santo Inácio de Loyola, encomendados pelos padres Jesuítas. Ganhando a concorrência, Poussin chamou a atenção de um poeta da Corte da famosa família Médici, família de marchands italiana. Desta forma, Nicolas Poussin foi apresentado às ricas famílias italianas.

Pela terceira vez ele seguiu na direção de Roma, onde chegou em 1624. Começou a estudar os mestres antigos, inicialmente com o escultor François Duquesnoy. Nesse período, ele já despertava a inveja de artistas locais que provavelmente instigaram soldados italianos a atacar Poussin, ferindo-o na mão direita, mas sem grandes prejuízos. Foi socorrido por Jacques Dughet, seu conterrâneo, que o recebeu em casa e lhe dispensou todos os cuidados para que ele ficasse bom. Poussin casou-se em 1629 com a filha de seu amigo, Anne Marie. Como não tiveram filhos, adotaram o irmão mais novo da esposa, que não somente herdou o nome de Poussin, como desenvolveu seu talento para a pintura de paisagem. Chamava-se Gaspard Poussin.


"Companheiros de Rinaldo", Poussin, 1634
Na sequência, Poussin foi encarregado de diversos trabalhos pelo Cardeal Francesco Barberini, que era sobrinho do Papa Urbano VIII. Começou a receber diversas outras encomendas, em Nápoles, na Espanha, na França. Em seu país, recebeu diversos convites para retornar para a França. O rei Luís XIII e o cardeal Richelieu lhe deram como tarefa supervisionar os trabalhos que estavam sendo feitos no Palácio do Louvre; foi nomeado primeiro pintor do rei e diretor geral dos serviços de decoração das casas e palácios reais.

Mas como despertou a inveja de outros artistas como Simon Vouet, Poussin resolveu rever sua família em Roma. Pediu licença ao rei e retornou para casa em 1642, junto com seu filho Gaspard, prometendo voltar. Mas Richelieu e Luís XIII morreram. Com isto, Poussin considerou que não tinha mais compromisso em Paris. E não voltou mais à França. Morreu em Roma em novembro de 1665.

Nicolas Poussin viveu em um tempo de grande riqueza intelectual. Metódico e racionalista, Poussin voltou seus estudos para a obra clássica de Rafael e dos pintores venezianos. Detestava a pintura de Caravaggio! Desejava mais que tudo “reviver a antiguidade”, como diz German Bazin em seu livro “Barroco e Rococó”. Após todo o fervilhar das ideias do período do Renascimento, as ideias estéticas também eram construídas com base na Razão e na Moral, o dito bon sens. Era o tempo de Pierre Corneille e de René Descartes, o grande teórico racionalista que desenvolveu o método cartesiano de pensar, que conhecemos e nos influencia até hoje.

Nessa época, a França era o país mais poderoso da Europa e de maior população. Este país tinha assimilado, segundo Bazin, “com o maior êxito o espírito do Renascimento”, que trouxe muitas novidades em todos os campos do conhecimento humano, assim como as ideias de uma classe social que começava a ter grande ascensão, a burguesia. Mas outras ideias também disputavam espaço e aristocratas e burgueses se digladiavam para impor suas visões políticas, econômicas e filosóficas dentro de um sistema em evolução.

Poussin, vivendo na Itália, se identificava totalmente com as correntes do pensamento racional, que predominou durante todo o século XVII, alcançando o XVIII… E trazendo em seu bojo a Revolução francesa de 1789, início de grandes movimentações políticas e sociais na França. O pensamento racional dentro da obra de arte, segundo Walter Friedland em seu livro “De David a Delacroix”, tinha um “viés moralizante”. A preocupação, inclusive a de Poussin, era com o conteúdo ético e didático da obra. Suas pinturas de caráter cristão são um exemplo disso. Ele parece ilustrar trechos dos Evangelhos e da história de Jesus.

Mas mesmo apegado ao passado clássico, Poussin foi o autor de grandes composições pictóricas e um pintor de grande expressão artística. Olhava para o bom gosto da antiguidade, em busca do Belo ideal, onde se podia apreender o intelecto puro e a moral. Ele - conta-se - gostava muito de andar à pé pela cidade de Roma, perdido em seus pensamentos, meditando, observando, anotando o que lhe chamava a atenção da diversidade da vida. Estudou perspectiva em Matteo Zacollini, arquitetura em Vitruvio e Palladio, pintura em Alberti e Leonardo da Vinci. Também fez estudos de anatomia, desenhou a partir de modelos vivos. Muitas vezes repetiu seus estudos e temas, sempre se colocando disponível para novos aprendizados. À medida em que envelhecia, seu pincel se tornava ainda mais suave, sua pintura mais harmônica, sua composição mais rica. Levava uma velhice pacífica, mas trabalhando sempre muito. Era modesto, sóbrio, franco e muito afável de caráter. Ele mesmo refletia a pintura que almejava: correto, verdadeiro, sincero. Um homem e pintor virtuoso.


"Assunção da Virgem", Poussin, óleo sobre tela, 134,4×98cm, 1630
"Sagrada Família", Poussin
"Rapto das Sabinas", Poussin, 1633