Capa do livro |
Comprei o livro “Goya” de Robert Hughes, lançado aqui no Brasil pela Companhia das Letras em 2007. Comprei-o no final de 2012 e estou lendo-o, para compreender um pouco mais profundamente a obra desse grande artista espanhol. Mas por enquanto, vou falar do autor do livro, Robert Hughes, um crítico com uma visão de arte que me interessa muito e a quem respeito.
Robert Hughes é um
crítico de arte australiano, que nasceu em 28 de julho de 1938 e faleceu no ano
passado, em Nova Yorque ,
EUA, onde residia desde a década de 1970.
Hughes sofreu um
acidente de carro em 1999, onde quase perdeu a vida. Por causa do acidente,
passou por mais de 20 cirurgias. Ainda por cima, em 2001, seu único filho
cometeu suicídio aos 34 anos de idade. Após o sofrimento desses anos, lançou em
2003 este livro sobre o pintor espanhol Francisco Goya (1746-1828), um de seus
preferidos.
Há uns anos atrás
Robert Hughes concedeu uma entrevista a uma certa revista brasileira cujo nome
é impronunciável, porque esta certa revista prima pelo descontrole emocional já faz
alguns anos, e seu jornalismo é muito tendencioso na direção da direita. Mas o que interessa é falar de Hughes e o que ele falou naquele momento.
E disse que Francisco
Goya, o grande pintor espanhol, fez uma obra que “extrapola seu tempo” e
explicou porque resolveu escrever um livro sobre ele:
- “Por meio de sua
trajetória e de suas ideias, pode-se entender melhor a história da Espanha e da
Europa. Mas não só. Mais que qualquer outro pintor, Goya nos permite obter um
conhecimento profundo da natureza dos sentimentos e da ideia de justiça, assim
como de seus reversos, a injustiça e a crueldade. Nós vivemos num mundo de
ironias extremas e de paixões e agressões tão desatinadas quanto às de que
trata Goya. A loucura de que ele nos fala é universal e atemporal. Apesar de
representar tanto para a arte, ainda faltava um livro que o alçasse à sua
devida dimensão. Julguei que era uma tarefa importante fazê-lo.”
O crítico de arte Robert Hughes |
No livro, Hughes fala
do acidente de carro que sofreu e das alucinações e pesadelos daqueles “dias
difíceis”. Mas disse que somente com todo o sofrimento físico que passou após o
desastre passou a ser capaz de conhecer “a experiência da dor”. No livro,
Hughes conta um desses pesadelos, e nele era o próprio Goya quem vinha ajudar a
esmagar a sua perna. E na entrevista ele disse que acredita que “um escritor
que não conhecesse o medo, a dor e o desespero não teria uma visão completa do
universo de Goya. Não estou dizendo, é óbvio, que seja necessário quase
perder a vida num acidente para entender um artista. Mas isso certamente
facilitou a apreciação da matéria-prima de sua obra, o sofrimento.”
No livro, Hughes
mostra que Goya “foi também um dos poucos narradores visuais da dor física, do
ultraje, do insulto ao corpo.”
Abaixo, alguns trechos
do que ele disse na entrevista, que considero muito importante destacar e
publicar aqui neste Blog:
Sobre a inundação que ocorreu em 1966 em
Florença, cidade italiana, quando muitas obras de arte foram destruídas:
“Em Florença, vivi a
experiência de encontrar destroços de peças renascentistas em meio à lama, uma
tragédia que me fez compreender de uma vez por todas que aquilo que foi criado
no período de ouro da arte é insubstituível. Não apenas porque não se poderiam
refazer tais obras. Vivemos numa era muito pobre em matéria de artes visuais.
Hoje se podem encontrar bons escultores e pintores, mas a ideia de que a arte
atual possa um dia se igualar às enormes realizações do passado é um disparate.
Nenhuma pessoa séria, por mais que se empolgue com a arte contemporânea,
poderia acreditar que ela um dia será comparada àquilo que foi feito entre os
séculos XVI e XIX.”
Sobre como as pessoas podem se relacionar com a
obra dos mestres do passado:
“Olhando para o que
eles produziram. Aprendendo a entender e a amar sua arte. Os mestres da
pintura se relacionam a nós da mesma forma que as grandes obras literárias e as
composições musicais do passado. Como o homem atual pode se relacionar com
Cervantes? Por meio da leitura de sua obra. Dom Quixote continuará sendo uma
história contemporânea em qualquer tempo e lugar. É preciso ter em mente que
a arte é feita antes de tudo para deliciar os olhos e o espírito. É por meio
desse apelo intuitivo que ela nos arrebata e conduz, no fim das contas, a um
conhecimento mais profundo de nossa natureza.”
Autorretrato, de Rembrandt |
Sobre o papel das artes plásticas na formação
cultural de uma pessoa:
“Não recomendo que se
olhe para os grandes artistas com o intuito de atingir um nível cultural
superior, pois, como já disse, o objetivo maior da arte é dar prazer. Mas posso
falar de seu caráter enriquecedor pela minha própria experiência. Muito antes
de eu me tornar um crítico, a arte desempenhou um papel fundamental em minha
vida, na medida em que me fez entender certas questões existenciais mais
claramente do que qualquer livro ou aula teórica o fariam. Seria um exagero
dizer que se pode educar alguém por meio da arte. Mas ela é capaz de fazer de
nós pessoas melhores e mostrar que existem muitos mundos além do nosso umbigo.”
Sobre o pensamento contemporâneo de que o
presente precisa se livrar do passado:
“A noção de que há uma
oposição entre o presente e o passado é estúpida. Trata-se de uma deturpação
vulgar do ideário modernista de primeira hora. Ele consistia em questionar o
tradicionalismo, mas não a herança dos antigos mestres. Os futuristas italianos,
é verdade, chegaram a propor a destruição das obras de arte criadas no passado
- como se fosse possível apagar sua influência apenas com sua extinção por
meios físicos. Mas o fato é que toda arte digna de nota feita no século XX se
baseou no passado. Os modernistas que realmente importam, como Matisse e
Picasso, nunca se pautaram por sua rejeição. Muito pelo contrário: as fontes
de que extraíram sua inspiração foram os artistas da Renascença e do século
XVIII.”
Impressões sobre o artista pop norteamericano
Andy Warhol:
“Warhol foi uma das
pessoas mais chatas que já conheci, pois era do tipo que não tinha nada a
dizer. Sua obra também não me toca. Ele até produziu coisas relevantes no
começo dos anos 60. Mas, no geral, não tenho dúvida de que é a reputação mais
ridiculamente superestimada do século XX.”
Sobre Marcel Duchamp:
“Foi um prazer
conhecê-lo, embora certamente não seja o primeiro artista em minha lista dos
mais importantes de sua época. Sua elevação à condição de figura
"seminal" nunca me convenceu. Já vi de perto todos os trabalhos que
ele fez e nunca obtive nenhum prazer com eles. Duchamp não foi um grande
artista, e sim um homem de ideias notáveis. Pessoalmente, prefiro um pintor
como o francês Pierre Bonnard. Muita gente considera Duchamp um deus e
Bonnard um impressionista enfadonho. Mas eu gostaria muito mais de ter em casa
um de seus belos quadros do que um trabalho de Duchamp. Além disso, a influência
de Duchamp sobre a arte contemporânea foi liberadora, mas também
catastrófica. Porque ser o pai dessa bobagem chamada arte conceitual não é uma
distinção de que se orgulhar. Para compreender o tamanho do estrago, basta
dizer que sem ele hoje não haveria as chamadas instalações, aquelas obras tolas
em que o espectador é convidado a passar por túneis e outros recursos infantis.
Ou precisa ler uma bula para entender o que o artista quis dizer.”
Sobre os preços astronômicos de leilões de obras
de arte:
“Francamente, não
consigo imaginar uma boa razão. Os preços se tornaram tão obscenos e sem
sentido que, a meu ver, só podem ser resultado de algum tipo de doença social.
As pessoas que se sujeitam a pagar tanto por um quadro são movidas por
motivações ridículas, como ostentar seu prestígio e poder. Não compactuo com
essa insanidade.”
“A supervalorização
atende aos interesses de certos marchands e colecionadores, mas é danosa para
a arte. Passa-se a valorizar um artista ou tendência em função de seu cacife
no mercado, e não da importância de suas realizações. Além disso, sua
transformação em bem de consumo de luxo muitas vezes dificulta que um dia o
grande público possa contemplá-las em museus.”
“Daqui a vinte anos,
veremos quanto se pagará pelas obras de um sujeito como Hirst - que, aliás, não
me interessam nem um pouco. Hirst e outros de sua geração fazem do escândalo
uma arma de marketing. Mas um renascentista como Piero della Francesca
conseguiu ser radical num nível que ele nunca passou nem perto de alcançar.”
Sobre as Bienais de Arte:
“Não ligo a mínima
para bienais, trienais, quadrienais ou coisas que o valham. Elas hoje têm
relevância apenas para os negociantes de arte. Por baixo da fachada novidadeira,
a maioria desses eventos se transformou em feiras vulgares. Nunca estive na
Bienal de São Paulo. Mas a de Veneza eu conheço bem. Alguns anos atrás, fui
convidado a colaborar com seus organizadores e me vi em tal pesadelo que
renunciei a meu posto. Já que é tudo comércio, melhor deixar para quem entende
disso.”
Sobre a arte de países sem muita tradição nessa
área:
“Não direi que será
sempre assim. Mas eles enfrentam um problema e tanto: não têm controle sobre o
mercado. Parece-me inusitado que a Austrália amargue uma presença próxima do
zero na arte mundial enquanto qualquer porcaria que se produz na Califórnia
logo alcança visibilidade. A atmosfera do circuito internacional de arte é
corrupta, já que se vive de criar modismos e falsos novos gênios para faturar.
Essa é uma das razões pelas quais eu me aposentei como crítico. Prefiro me
concentrar em alguns artistas cujo trabalho realmente importa a ver minhas
resenhas sendo usadas para inflar as cotações alheias. O presente, em arte, é
sempre um terreno pantanoso e sujeito aos golpes de marketing. Tome-se como
exemplo o carnaval que se faz no momento a respeito da arte chinesa. A maior
parte do que se convencionou rotular de pós-modernismo chinês é apenas uma
empulhação bem promovida pelos marchands e casas de leilões. As vítimas deles
são os colecionadores novos-ricos que pululam pelo mundo afora e compram tudo
o que vêem pela frente. Eles podem ter dinheiro, mas não passam de idiotas e
vítimas da moda.”
É isto. Mais um na nossa lista dos
que se opõem ao “pensamento único” da arte contemporânea e consideram o que se
faz atualmente em nome da Arte um grande jogo que envolve mercado, marchands,
galeristas e, infelizmente, artistas. Poucos ganham bilhões de dólares ou de
euros nesse jogo, mas a “arte” que eles dizem negociar durará a moda da próxima
estação. Daqui a 500 anos as pessoas continuarão admirando “Dom Quixote” de
Cervantes e a “Escola de Atenas”, de Rafael Samzio ou qualquer um dos
autorretratos de Rembrandt. Mas duvido muito que resista ao tempo qualquer um
dos tubarões da coleção dos formois de Damien Hirst e outros.
Robert Hughes lamentava nosso tempo em que a Arte virou brinquedo nas mãos do Mercado. Para ele, a história da Arte Moderna é uma história trágica e lamentava ter vivido somente após os grandes momentos criativos do Modernismo, em seus primórdios no começo do século XX. O Mercado que transformou a Arte em mercadoria é o mesmo que ajuda a multiplicar e a proliferar os artistas-celebridades.
Esta pintura do artista realista Gusta Courbet, O Desesperado, seria um bom espelho da nossa estupefação diante de certas "obras de arte" contemporâneas. |