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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Os irmãos Makovsky

"Os necessitados", Vladimir Makovsky, 1880

Dando prosseguimento a nossa pesquisa sobre os pintores russos, hoje apresentamos dois dos quatro irmãos pintores da família Makovsky: Vladimir e Konstantin, que eram membros do grupo de pintores realistas "Os Itinerantes" (ver post anterior)

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Vladimir

Autorretrato, Vladimir Makovsky, 1905
Vladimir Egorovich Makovsky nasceu em 26 de janeiro de 1846 em Moscou. Era filho do colecionador de arte Egor Ivanovich Makovskogo, um dos fundadores da Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Era irmão de outros artistas, Konstantin, Nikolas e Alexandr, também pintores. Vladimir estudou na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou, onde terminou seus estudos em 1869. Foi um dos membros fundadores do grupo Os Itinerantes, sobre o qual falamos no texto anterior, neste blog.

A residência de sua família ficava às margens do rio Neva, em frente ao Kremlin. Desde sua mais tenra infância, sua vida era permeada pela atmosfera artística, pois sua casa era frequentada por muitos artistas e intelectuais como Nicolai Gogol, por exemplo... Lá se discutia política, se falava de literatura, se desenhava, se ouvia música… Sua irmã mais nova, Maria, se tornou cantora e atriz. A mãe de Vladimir possuía uma linda voz e tocava violino. Vladimir também aprendeu a tocar este instrumento, mas muito cedo tomou gosto pelo desenho. Aos 15 anos, ele pintou seu primeiro quadro de gênero "Um menino vendendo uvas" (1861). Cercado pela atmosfera artística de sua casa, Vladimir sempre teve contato com mestres que visitavam a casa de seu pai, ouvia suas conversas sobre arte, e isso lhe foi dando consciência do elevado grau em que a pintura poderia alcançar. Por isso desde muito cedo, ele sentiu que era esta a sua vocação.

De 1861 a 1866 estudou na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou, concluindo seu curso recebendo uma medalha de prata e um título de artista destacado.

Imperatriz Maria Feodorovna,
Vladimir Makovsky, 1912
Em 1869, nasceu seu primeiro filho, Alexander, que mais tarde se tornaria outro grande nome da pintura russa. Nesse período, observando seu filho crescer, Makovsky fez várias pinturas com temas infantis.

Em 1872, tornou-se membro do grupo Os Itinerantes, do qual foi um dos principais líderes, participando em quase todas as exposições. Em 1874, foi eleito membro do conselho.

Em 1873, sua pintura "Os amantes de Nightingales" foi exibida na Exposição Mundial de Viena, atraindo todas as atenções para sua sensibilidade e qualidade técnica.

Ao mesmo tempo, ele pintou 21 quadros com cenas domésticas (de gênero) para o projeto "Episódios de vida em Sebastopol 1854-1855". De 1882 a 1894 Makovsky ensinou na Escola de Pintura de Moscou. Durante este tempo também pintou ícones para igrejas e capelas. Até 1894 ele viveu e trabalhou em Moscou.

De 1894 a 1918 Makovsky seguiu ensinando, mas desta vez na Academia Imperial de Belas Artes de São Petersburgo, onde dirigiu a pintura de estúdio. Em 1895, foi nomeado reitor da Academia.

Estudo para a pintura
"Domingo sangrento" da
Revolução de 1905,
Vladimir Makovsky, 1905
Suas pinturas tratavam principalmente da vida das pessoas nas pequenas cidades do interior russo. Makovsky acompanhava a cena cultural e também política de seu país, que foram retratados em suas telas, como a pintura “Domingo sangrento”, em referência à morte de milhares de pessoas na revolução de 1905. Em muitas de suas obras dele, Makovsky critica o tratamento dado pela aristocracia aos pobres ou chama a atenção para a opressão e a perseguição da polícia czarista.

Na década de 1880 Makovsky produziu algumas das suas obras mais valiosas. Em 1882, ele ensinou pintura na Escola de Arte de Moscou, após a morte de Vasili Perov. Algumas das maiores obras de Makovsky deste período incluem "Na sala anterior do Tribunal de Conciliação" (1880), "O Prisioneiro libertado" (1882) e "O colapso do Banco" (1881). Desde o final da década de 1880, Makovsky começou a produzir obras mais sombrias. As obras por excelência deste período incluem "Não se vá" (1892) e "No bulevard" (1888).

Em 1894, Makovsky tornou-se Reitor da Escola Preparatória da Academia de Arte. Após a primeira Revolução Russa, ele pintou "9 de janeiro de 1905, na Ilha de Vasilyev", na qual ele retrata a polícia armada atirando contra pessoas indefesas. Em outra pintura "Os sacrifícios no campo de Khodyn", em que mais de mil pessoas perderam a vida durante a cerimônia de coroação de Nicolau II, em 1896, ele voltou a ser um intransigente defensor do seu povo oprimido. Após a Revolução de outubro de 1917, Makovsky foi um dos que manteve acesas as tradições realistas do século XIX que inspiraram os ideias do Realismo Socialista, da década de 1930.

Vladimir Egorovich Makovsky morreu em 21 de fevereiro de 1920 e foi enterrado no cemitério Smolensk, de São Petersburgo.

Konstantin


Autorretrato,
Konstantin Makovsky, 1856
Konstantin Egorovich Makovsky nasceu em 20 de junho de 1839, em Moscou. Como seu irmão Vladimir, também foi um dos primeiros participantes do grupo Os Itinerantes.

Em 1851 ingressou na Escola de Moscou de Pintura e Escultura, onde logo se destacou como aluno, facilmente conseguindo ganhar todos os prêmios disponíveis. Um de seus professores foi Karl Bryullov, que, segundo estudiosos da obra de Konstantin, influenciou a tendência deste para os temas do Romantismo e para criar efeitos decorativos em suas pinturas.

Em 1858 entrou para a Academia Imperial de Belas Artes em São Petersburgo. A partir de 1860, ele participou de todas as exposições da Academia com suas pinturas. Em 1863, Konstantin Makovsky, junto com seu irmão Vladimir e mais outros 12 estudantes rompeu com a Academia e, liderados por Ivan Kramskoi, criaram o grupo Os Itinerantes. É sempre bom lembrar que este grupo de pintores realistas promovia exposições de pintura pelo interior da Rússia, apresentando a seu povo suas obras de arte e, ao mesmo tempo, pintando o que viam da vida dos camponeses e da paisagem russa.

As filhas do artista,
Konstantin Makovsky, 1882
Uma mudança significativa no seu estilo ocorreu após viajar para o Egito e Sérvia em meados de 1870, que lhe levou a se interessar mais pelo uso das cores e formas, em detrimento de seu interesse pelos problemas sociais e psicológicos. Em 1880 Konstantin Makovsky começa a se tornar um grande destaque como pintor de retratos e pinturas históricas, e torna-se um dos artistas russos mais bem pagos da época. Na Feira Mundial de 1889 em Paris, ele recebeu uma medalha de ouro pela pintura "A morte de Ivana Groznogo" (esta pintura tem paradeiro atualmente desconhecido, pois foi roubada de uma coleção particular). Também o "Julgamento de Paris" e "O Demon e Tamara" receberam medalha de ouro.

Alguns críticos de seu tempo o viam como um traidor dos ideais dos Itinerantes, acusando-o de que seu trabalho passou a ser mais superficial.

Mas em 1915, juntamente com outros artistas conhecidos (entre eles Ivan Bilibin, Viktor Vasnetsov, Mikhail Nesterov e Nikolai Roerich), além de arquitetos, historiadores de arte e escritores, fundaram a "Sociedade para o renascimento da arte russa". Com um extenso programa, os membros desta sociedade alcançaram o número de quase 300 pessoas, no início de 1917. Com a vinda da Revolução, as atividades foram interrompidas. Entre as atividades desta Sociedade, estavam: recolher e organizar informações sobre os monumentos artísticos russos, desenvolver programas de treinamento para uma escola de desenho e premiar artistas em concursos de arte com a finalidade de promover as artes. Um destaque: uma das tarefas mais importantes da Sociedade era promover uma limpeza da língua russa das palavras estrangeiras…

Mas Konstantin quase não participou das ações deste grupo, pois morreu num acidente de trem em São Petersburgo em junho de 1915.

O estilo de pintura de Konstantin Makovsky é variado. Passando da escola acadêmica, ele também se identifica com os chamados pintores impressionistas russos. Mas também fez pinturas históricas, onde mostra uma visão idealizada da vida na Rússia em eras anteriores. 

Estes movimentos de resgate da cultura russa genuína estiveram presentes na história daquele país desde as reformas de Pedro, o Grande, no final do século XVII, quando aquele imperador trouxe para a Rússia as grandes novidades que viu nos países europeus por onde passou e foi um dos responsáveis pelos primeiros movimentos de modernização do velho país agrário. Konstantin e Vladimir, dois dos mais influentes pintores russos, foram artistas ativos não só como pintores, mas como defensores da cultura de seu país.


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Algumas pinturas dos dois irmãos:

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VLADIMIR MAKOVSKY

"Mercado em Poltava", Vladimir Makovsky 

"Família do artista", Vladimir Makovsky, 1893

"Escola da vila", Vladimir Makovsky, 1888

"Não se vá!", Vladimir Makovsky, 

"Inocente", Vladimir Makovsky, 1882

"Falência bancária", Vladimir Makovsky, 1880

"A festa", Vladimir Makovsky

"Filantropos", Vladimir Makovsky
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KONSTANTIN MAKOVSKY

"Minin na área de Nizhny Novgorod, incitando as pessoas a doar",
Konstantin Makovsky, 
1896

"Cerimônia do beijo", Konstantin Makovsky

"Assassinato do falso Dmitri", Konstantin Makovsky

"Crianças fugindo da tempestade",
Konstantin Makovsky, 
1872

"O julgamento de Páris", Konstantin Makovsky, 1889

"A toillette de Vênus", Konstantin Makovsky, 1910

"Os agentes do falso Dmitry mataram Fedor Godunov", 
Konstantin Makovsky, 
1862

"Boyaryshnya", Konstantin Makovsky, 1862

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Os Itinerantes

Tempo de colheita, Grigoriy Myasoyedov, óleo sobre tela, 1887
Em 1863, um grupo de quatorze alunos decidiu deixar a Academia Imperial de Belas-Artes de São Petersburgo. Eles consideravam as regras da Academia restritivas e os professores conservadores. Também não concordavam com a separação rigorosa entre alunos com mais talento e os com menos, nem com a competição que era muito incentivada pela direção e professores. Eles defendiam que a arte deveria ser levada ao povo e deveria refletir a sociedade russa e não os padrões acadêmicos de então.

Retrato de Fyodor Dostoyevsky,
Vasily Perov, óleo sobre tela, 1872
Esses princípios da Academia ainda se regiam pelas convenções do academismo neoclássico, em grande parte inspirado pela arte italiana, assim como pela academia francesa. Para a Academia de São Petersburgo, além disso, a "grande pintura" era a histórica, gênero mais prestigiado, com temas geralmente retirados da Bíblia, da mitologia greco-romana e dos grandes eventos da história antiga. Somente se mantendo dentro destes limites é que os alunos podiam concorrer à medalha de ouro na competição anual, que dava direito a uma bolsa de estudos no exterior. Outros temas, como a paisagem e natureza-morta eram considerados menores e impróprios para o artista educado lá.

Por exemplo, dois artistas - Mikhail Shibanov e Nikolai Argunov - já haviam tentado pintar outras temáticas, como cenas com camponeses e as vilas do interior, mas encontraram a oposição de professores e da direção da Academia. Em 1840 outro artista, Pavel Fedotov, realizou estudos satíricos sobre a vida burguesa, obtendo mais sucesso que seus colegas e obrigando a Academia a fazer algumas concessões. Algumas obras nesse gênero foram premiadas, o que incentivou outros alunos a se dedicar a uma pintura do cotidiano, mas com avanços mínimos.

Mas em 1861, Vladimir Stasov levantou sua voz em defesa de mais liberdade na Academia. Ele era um influente crítico de arte e não apenas apoiou as inovações que começaram a surgir como criticou diretamente o conservadorismo dos acadêmicos. Também passou a defender que a pintura se voltasse para a realidade nacional e para temas populares.

Pintura de Ivan Kramskoi
Em 1863, veio a gota d’água que faltava para o rompimento definitivo com a Academia. Treze artistas foram selecionados para concorrer à medalha de ouro, conforme as regras do concurso. Anualmente, os jurados sempre determinavam qual seria o tema sobre o qual os artistas deveriam trabalhar. Naquele ano, diferentemente dos anteriores, os jurados resolveram deixar flexível a escolha do tema por parte dos estudantes, mas que levassem em conta seus próprios sentimentos. Vendo que os jurados alargavam seus critérios, os treze artistas solicitaram que fosse dada liberdade completa de escolha do tema. Pedido rejeitado, os jurados resolveram reagir de forma contrária e voltaram às regras antigas do concurso, com tema único, como sempre acontecera. O assunto escolhido foi: "A festa de Odin no Valhala". Revoltados, os pintores, liderados por Ivan Kramskoi, abandonaram a competição e a Academia, formando a Associação dos Artistas Livres.

Mas eles não estavam apenas se insubordinando. Sua rebeldia era também reflexo de suas convicções de que o artista deveria poder escolher seus assuntos de acordo com suas preferências e sua visão de mundo, sem ter de prestar contas disso a instâncias superiores.

Em 1870, esta organização - já ampliada com a presença de outros artistas - foi denominada “Sociedade de Exposições Itinerantes de Obras de Artistas Russos” (Peredvizhniki) - ou simplesmente “Os Itinerantes”. Eles queriam dar às pessoas das províncias a chance de seguir de perto as conquistas da arte russa e ensinar as pessoas a apreciar a arte. A sociedade manteve-se independente de apoio oficial, mas recebeu incentivos da parte de industriais, como Pavel Tretyakov, um grande colecionador de obras de arte, que incentivou exposições dos trabalhos desses artistas e deu-lhes importante suporte material.

Os objetivos do grupo eram: educar o povo possibilitando que entrasse em contato com a nova arte russa, formar um novo gosto e conceito de arte, e formar um novo mercado para essa arte nova.

É bom lembrar que, em Paris, Gustave Courbet se revoltou contra a Academia Francesa e inaugurou sua exposição individual intitulada "Realismo"; que Anders Zorn, pintor realista sueco, já causava admiração por onde passava; que Mariano Fortuny, na Espanha, já implementava os conceitos realistas em sua pintura; que Giovanni Boldini, na Itália, se juntara aos Macchiaioli e era um dos líderes deste grupo; que Adolph Menzel também rompera com as regras da academia alemã e se voltava ao realismo; que John Singer Sargent, um dos maiores gênios realistas do século XIX, já encantava e intrigava a todos com sua grande qualidade técnica... Que o Realismo abria espaços amplos para as vanguardas europeias do século XX... E que exercia grande influência sobre os artistas russos, em especial Courbet, Zorn e Fortuny...

As lavadeiras, Abram Archipow,
óleo sobre tela,1901
A primeira exposição pública de "Os Itinerantes" aconteceu em 1871 na própria Academia, com grande repercussão. Foi bem recebida até mesmo por críticos contrários, como Mikhail Saltykov-Shchedrin, sensibilizado com a ideia de que esta mostra deveria não só ser apresentada em São Petersburgo e Moscou mas também deveria percorrer outras cidades do interior. Foi a primeira vez que uma exposição de arte pode ser vista por um público mais amplo, pois até então a maioria das pessoas somente conheciam as novidades da pintura vendo reproduções em jornais, catálogos e gravuras. Esta exposição também foi um sucesso comercial; a própria família imperial adquiriu muitas obras. O colecionador Pavel Tretyakov, que já apoiava o grupo, adquiriu muitas obras.

“Os Itinerantes” foram influenciados pelas ideias de intelectuais como Vissarion Belinsky e Nikolai Chernyshevsky, críticos literários que defendiam idéias liberais. Belinsky dizia que a literatura e a arte deveriam ter responsabilidade social e moral. Como a maioria dos eslavófilos - movimento que defendia a tradição e a cultura russa - Chernyshevsky apoiou ardentemente a emancipação dos servos realizada em 1861. Na época, haviam 20 milhões de pessoas vivendo como servos. Para ele, a servidão, a censura da imprensa e a pena de morte eram influências ocidentais. Ele mesmo tinha sido censurado em seus escritos, por causa de seu ativismo político. Chernyshevsky era considerado um socialista utópico. Escreveu bastante sobre o papel da arte, o que influenciou os artistas Itinerantes.

“Os Itinerantes” retrataram aspectos multifacetados da vida social, muitas vezes criticando as injustiças. Pintavam  não apenas os temas da pobreza, mas também a beleza do estilo de vida do povo; não só seu sofrimento, mas também a força de seus personagens. “Os Itinerantes” condenavam o poder aristocrático e o governo autocrático em sua arte humanista. Retrataram os movimentos de emancipação, a vida social-urbana e, mais tarde, usaram a arte histórica para retratar as pessoas comuns. Tiveram seu apogeu entre 1870 e 1880.

Em seu período de formação (1870-1890), “Os Itinerantes” desenvolveram um ponto de vista amplo para suas pinturas, com imagens realistas, mais naturais. Em contraste com a paleta escura tradicional de seus tempos de estudante da Academia, escolheram uma paleta mais leve, com uma maneira mais livre em sua técnica. “Os Itinerantes” eram a sociedade que unia os artistas mais talentosos do país, que incluía artistas da Ucrânia, Letônia e Armênia.

Numa rua de Moscou, Vasily Polenov,
óleo sobre tela, 1878
Entre os temas de “Os Itinerantes”, estava a pintura de paisagem, que floresceu nos anos 1870 e 1880. “Os Itinerantes” pintavam paisagens próximas; alguns entre eles, como Polenov, usava a técnica de plein-air (pintura ao ar livre). Dois pintores, Ivan Shishkin e Isaak Levitan, pintaram apenas paisagens da Rússia. Shishkin - outro paisagista - é considerado o "cantor da floresta" russa, mas as paisagens de Isaac Levitan são mais famosas e expressam seus intensos sentimentos de artista. Os pintores paisagistas russos desejavam explorar a beleza de seu próprio país e incentivar as pessoas comuns a amar e a preservar seus lugares. Levitan disse uma vez: "Só imagino tal graça em nossa terra russa, esses rios transbordantes que trazem tudo de volta à vida. Não há um país mais bonito do que a Rússia! Só pode haver paisagistas na Rússia". “Os Itinerantes” deram este caráter nacional para as paisagens, inclusive permitindo que pessoas de outras nações pudessem conhecer como era a paisagem russa. Estas paisagens são a concretização simbólica da nacionalidade russa. Após “Os Itinerantes”, a paisagem russa ganhou importância como uma espécie de ícone nacional.

Ao longo dos anos, a quantidade de pessoas que viam as exposições de “Os Itinerantes” cresceu muito na população do interior da Rússia. Mas não só, pois elas atraíram também a atenção dos mais acostumados a frequentar exposições, assim como da elite urbana. Fotógrafos criaram as primeiras reproduções das pinturas de “Os Itinerantes”, ajudando a popularizar as obras, que poderiam ser compradas. Revistas, como a Niva, também publicavam artigos ilustrados sobre as exposições.

A origem de seus membros era variada; alguns eram camponeses, outros da burguesia urbana, e havia até nobres, mas todos se moviam com o objetivo comum de mostrar a vida em seu país. Associavam assim um estilo basicamente realista, de qual foram os principais divulgadores, com uma base ideológica de fortes traços românticos, idealistas e nacionalistas.

Velho camponês, Vasily Perov,
óleo sobre tela, 1870
Encaravam seu trabalho como uma missão sagrada. Vladimir Stasov, um dos mais ardentes incentivadores do grupo, disse que "os artistas que desejavam se unir para reformar sua sociedade não o estavam fazendo com o propósito de criar belas pinturas e estátuas com a finalidade única de ganhar dinheiro. Estavam tentando criar um alimento para as mentes e os sentimentos do povo".

Com o sucesso do grupo, que em pouco tempo aglutinou a maioria dos melhores talentos da pintura russa de sua época, a academia já não podia mais ignorá-los, e não só sua influência estética se fez sentir no meio acadêmico, mas também diversos deles foram contratados como professores, como Ilya Repin.

Muitos deles haviam ingressado no grupo porque acreditavam que a arte precisava alcançar um público mais vasto, e que deveria servir como uma força para o avanço social e o combate às injustiças e preconceitos. Mas quando seus ideais foram abraçados pela academia, começou a perder a vitalidade contestadora dos primeiros anos e as pesquisas mais arrojadas começaram a ser banidas pelo próprio grupo, que fora, em sua origem, uma vanguarda rejeitada pela oficialidade. O ciclo se repetia. Então diversos membros deixaram o grupo para prosseguir de forma individual, com mais liberdade. Com o passar dos anos, a arte dos Itinerantes já não espelhava os novos tempos e as mudanças na sociedade, e seu realismo de cunho social foi suplantado pelo decorativismo art nouveau do grupo Mundo da Arte e pelas vanguardas abstratas do modernismo.

Mesmo assim sua proposta original voltou a ser prestigiada quando o governo revolucionário assumiu o poder e estabeleceu as diretrizes para a formação do Realismo Socialista, do qual os Itinerantes foram um precursor, e onde diversos de seus representantes encontraram espaço para continuar em atividade. O Realismo Socialista resgatou as ideias iniciais de “Os Itinerantes”, quando estes artistas estavam convencidos de seu papel social como artistas em um país onde tudo estava em processo de transformação. Da arte à política.

“Os Itinerantes”, ao longo dos anos, produziram mais de 3.500 pinturas que foram vistas por mais de um milhão de pessoas em um grande número de cidades. O grupo durou até 1923, quando muitos de seus membros passaram a integrar a Associação de Artistas da Rússia Revolucionária (AKhRR, sigla em russo).

Abaixo, algumas das obras representativas de "Os Itinerantes":

Os rebocadores do Volga, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1870-73

Procissão religiosa na província de Kursk, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1880–83

Resposta dos cossacos de Zaporozhian, Ilya Repin, óleo sobre tela, 1880-91
Vigília, Arkhip Kuindzhi, óleo sobre tela, 1905-1908
Sessão do Tsar Michael I com a Duma Boyarda, Andrei Ryabushkin, óleo sobre tela, 1893
Procissão de Páscoa, Illarion Pryanishnikov, óleo sobre tela, 1893
Campo de centeio, Ivan Shishkin, óleo sobre tela, 1878
Chuva na floresta, Ivan Shishkin, 1891
Sonhos, Vasily Polenov, óleo sobre tela, 1895
Retrato de Isaac Levitan, Valentin Serov, óleo sobre tela, 1893
Ponte na floresta, Rafail Levitsky, óleo sobre tela, 1895-96
Pobres recolhendo carvão, Nikolay Kasatkin, óleo sobre tela, 1894
Retrato de Vladimir Solovyov, Nikolai Yaroshenko, óleo sobre tela, 1892
Os cegos, Nikolai Yaroshenko, óleo sobre tela, 1879
Consertando a estrada, Konstantin Savitsky, óleo sobre tela, 1874
Cristo no deserto, Ivan Kramskoi, óleo sobre tela, 1872
Retrato de uma desconhecida, Ivan Kramskoi, óleo sobre tela, 1883