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quarta-feira, 8 de abril de 2015

Desenhos gestuais

Parte do aprimoramento técnico do pintor é a prática diária do desenho. Isso faz uma enorme diferença para a pintura, pois se sabe que por trás de uma grande obra de arte há um edifício técnico e teórico muito consistente.

Abaixo, uma amostra dos meus últimos estudos:














segunda-feira, 21 de julho de 2014

À maneira de Degas - I

Para comemorar os 180 anos do nascimento de Edgar Degas, um dos grandes artistas franceses do século XIX, contemporâneo dos pintores impressionistas, trago aqui um resumo do que sobre ele disse o poeta Paul Valéry em seu livro “Degas dança desenho”, publicado em 1938. Edgar Degas - registrado como Hilaire Germain Edgar de Gas - foi um pintor, desenhista, gravador e escultor francês, nascido em Paris em 19 de julho de 1834.


"Autorretrato com jaqueta verde", Degas, 1855
Valéry, logo no início do livro, explica que não pretende escrever exatamente uma biografia de Degas, pois “o que me importa em um homem não são os acidentes, nem seu nascimento, nem seus amores, nem suas tristezas, nem quase nada do que é observável pode me servir”. Assim como também não pretendo, com este resumo, dirigir meu olhar para esses detalhes de sua vida pessoal, coisa que já foi feita antes aqui neste blog e que pode ser lido aqui.

Meu recorte é coerente com meu pensamento sobre arte. Pincei do texto de Paul Valéry aquilo que pode reforçar a minha visão sobre o pintor e sua obra, no sentido de que ela pode ficar mais compreensível com esses adendos retirados do texto do poeta francês. O recorte também vem do prazer que sinto em saber que Edgar Degas caminhava no mesmo sulco daqueles que se inspiravam no caminho dos grandes mestres.

Degas, o pintor, era absolutamente voltado para seu ofício, que era praticamente o único objeto “de seus pensamentos”. Valéry mostra, em diversos momentos, como nessa sua atitude de profundo devotamento ao caráter mais “científico” do fazer artístico, ele se tornara indócil às críticas, às teorias e aos modismos e superficialidades que já se faziam presentes em seu tempo. Não tinha a menor vontade de agradar a quem quer que fosse. Conhecia muita gente, mas faltava-lhe paciência para contatos sociais, pois era “grande polemista e argumentador terrível, particularmente excitável sobre assuntos de política e de desenho”. Chegava mesmo a ser conhecido como uma pessoa “intratável”, apesar de ter lá seus momentos “encantadores”.


Desenho de Edgar Degas
Seu ateliê, quando Valéry o conheceu, era um cômodo comprido, cheio de janelas de vidro em um dos lados, vidros sujos de poeira, que a luz externa atravessava. O ambiente era um amontoado de coisas úteis a um pintor: cavaletes com desenhos a carvão, uma bailarina de cera, uma mesinha estreita repleta de caixas, frascos, lápis, pedaços de giz pastel e todo tipo de “coisas sem nome que sempre podem servir”. Observando aquela “bagunça” abençoada, Paul Valéry reflete:

“Ocorre-me por vezes de achar que o trabalho do artista é um tipo muito antigo de trabalho; o próprio artista é uma sobrevivência, um operário ou artesão de uma espécie em vias de extinção, que fabrica fechado em seu quarto, usa procedimentos muito pessoais e muito empíricos, vive na desordem e na intimidade de suas ferramentas, vê o que quer e não o que o cerca, usa potes quebrados, sucata doméstica, objetos condenados…”


Pintura de Degas
E mais à frente:

“Até aqui, o acaso ainda não foi eliminado dos atos; o mistério, dos procedimentos; a embriaguez, dos horários; mas não garanto nada.” Em relação ao que viria a ser o futuro, quando essa ideia de artista-artesão foi se tornando uma raridade...

No fim de sua vida, Degas ficou cego. Vivia num apartamento cuidado por uma velha empregada e se alimentava de comidas quase sem tempero, pois temia as obstruções intestinais. Seu quarto dava a impressão, conta Valéry, de que o pintor não ligava para mais nada na vida, com móveis velhos, uma escova de dente ressecada em um copo. Degas idoso vestia calças largas, sempre abertas na frente, calçava chinelos. “Ei-lo velhote nervoso - conta o poeta - quase sempre sombrio, por vezes sinistro e tristemente distraído, com recargas repentinas de furor ou de espírito, impulsos ou impaciências infantis, caprichos…” E cego.

Edgar Degas participou do movimento “naturalista” que influenciou a cultura francesa do seu tempo. Era do círculo de escritores como Émile Zola, Edmond de Goncourt, Louis Edmond Duranty e Théodore Duret. Do seu lado, era um desenhista incansável, insistente, exigente consigo mesmo. Adorava o trabalho tanto de Jean Dominique Ingres como o de Eugène Delacroix. Explorava com seus olhos atentos e seus lápis precisos o “espetáculo da vida moderna”. O fervilhar de interesses que tomava conta da Paris daqueles tempos era acompanhado de perto por ele.


Desenho de Degas
Um outro poeta, Stéphane Mallarmé, fazia parte do círculo de relações de Degas. Os dois eram absurdamente diferentes: enquanto Mallarmé era uma personalidade doce, afetuosa, educada, Degas era deliberadamente duro, direto, bruto. Mas falava de Mallarmé de forma amável.

Quanto a Ingres, Degas não admitia críticas a seu trabalho, pois era para ele um gênio. Vivia repetindo frases que ouvira de Ingres:

- “O desenho não se encontra fora do traço, está dentro dele…”
- “Deve-se perseguir o modelado como uma mosca que corre sobre uma folha de papel.”
- “Os músculos são meus amigos, mas esqueci seus nomes.”
- “Faça linhas… Muitas linhas, ora de memória, ora de observação da natureza”.


Mais de Valéry sobre o desenho:

“Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a.

“Ou melhor, são duas coisas muito diferentes que vemos. Até mesmo o objeto mais familiar a nossos olhos torna-se completamente diferente se procurarmos desenhá-lo: percebemos que o ignorávamos, que nunca o tínhamos visto realmente. (...)

“(...) Não posso tornar precisa minha percepção de uma coisa sem desenhá-la virtualmente”.


Estudo de uma bailarina
A pintura de paisagem jamais seduziu Edgar Degas. “As raras que fez executou em seu ateliê e totalmente de memória”, diz Paul Valéry. Era o tempo em que os pintores impressionistas haviam abandonado seus ateliês e iam para o campo para pintar as paisagens e registrar a influência da luz do sol em diversos horários do dia, em diversas estações do ano. Como o fez Monet, Manet e tantos outros. Degas não; seu modo de vida e de ver a vida e a arte não combinavam com essas aventuras impressionistas ao ar livre.

Valéry, em diversos momentos em seu livro, explicita sua opinião sobre a pintura, que convergia para as opiniões de Degas. Para eles, “sensibilidade” e “técnica” possuem uma relação íntima e recíproca, uma não podendo abrir mão da outra. Elogia o modo tradicional de lidar com o ofício de artista-artesão: era preciso conhecer TUDO, todas as estruturas do trabalho. E criticava: quanto menos se estuda profundamente a parte técnica da pintura e do desenho, menos invenção e criação, pois isso significa “o abandono da ação do espírito na pintura em favor do divertimento instantâneo do olho.” Já no tempo de Degas e Valéry artistas se afastavam do esforço da boa execução de uma obra. Qualquer esforço para uma pintura simples os “exaure”, denuncia Valéry... 

Nada mais contemporâneo!


(continua num próximo post)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O sketchbook de Goya

Mendigo recostado, Goya
No livro que estou lendo, “Goya”, de Robert Hughes, a certa altura o autor fala do Caderno Italiano de desenhos que o artista espanhol carregou consigo e fez diversos registros em sua viagem pela Itália. Em sua época, nenhum artista que não fosse italiano ou que não tivesse tido uma formação naquele país era reconhecido na Espanha. Por isso, Goya foi para a Itália, seguindo os passos de gerações de artistas estrangeiros que iam se formar na “escola do mundo”, como era considerada a Itália “desde a época de Albrecht Dürer, no final do século XV”, observa Hughes.

Alegoria da Prudência
Esse “Cuaderno italiano” foi adquirido pelo Museu do Prado, de Madrid (Espanha) em 1993. Assim que veio a público, diz o Portal do Museu na internet, seu impacto foi grande não só entre os especialistas mas também entre o público geral. O Caderno de desenho de Goya tinha uma encadernação simples, assinada por ele várias vezes, tanto dentro quanto fora e tem um tamanho confortável para a pessoa carregar consigo. O papel, conforme informa o Museu, é de boa qualidade e apresenta uma espécie de marca d’água do famoso papel Fabriano, uma manufatura de papel italiana que vem desde o século XIV.

Nesse caderno, Goya fez os desenhos mais antigos que se conhece dele, inclusive desenhos preparatórios para pinturas que foram feitas na Itália ou imediatamente após sua temporada por lá. Além dos desenhos, como todo caderno de registro de artista que hoje são conhecidos como sketchbooks, Goya também fez anotações à mão como a lista de cidades por onde teria passado e até dados biográficos. Entre essas anotações o rascunho de uma carta a Mengs (pintor alemão), amigo do artista polonês Taddeo Kuntz com quem Goya compartilhou uma moradia em Roma. Nessa carta, Goya expressava sua vontade de voltar a Roma na companhia de Mengs. Também há a anotação do nascimento do seu primeiro filho, Antonio Juan Ramón y Carlos, no dia 29 de agosto de 1774. Ele teria anotado também: “me case el beinti cinco de Julio del año de 1773, y era Domingo / oy 15, de decienbre”.

Esse tipo de caderno era chamado, em italiano, de taccuini, e era ao mesmo tempo caderno de desenhos, de memórias ou de anotações várias. Eles foram muito utilizados pelos artistas desde que o papel se expandiu, a partir do século XV. Em suas páginas, pintores e escultores tomavam notas e faziam esboços para suas obras.

O sketchbook de Goya consta de 172 páginas, onde faltam algumas e outras estão incompletas ou rasgadas. Algumas folhas estão manchadas de óleo, pelo seu uso no ateliê onde se usava óleo de linhaça ou de nozes, na mistura dos pigmentos na pintura. Para os desenhos, ele usou lápis preto, e sanguínea (uma espécie de giz avermelhado e que existe numa só dureza, diferentemente do grafite). As tintas são de bistre, de tom castanho luminoso, fabricado com restos de fuligem e de madeira queimada das lareiras, mas também pó de carvão.

O “Cuaderno italiano” de Goya também contém cópias de pinturas e esculturas que ele teria feito em Roma, como, por exemplo o desenho da primeira página, cópia de “Alegoria da Prudência” de Corrado Giaquinto, assim como o desenho do “Hercules Farnesio” e o “Torso de Belvedere” de Pierre Legros, o Jovem, que são afrescos da basílica de São João de Latrão.

As figuras desenhadas na primeira página apresentam imagens e composições que seguiam o estilo neoclássico dos artistas romanos do século XVIII. Também estão lá os rascunhos que Goya fez para a pintura “Aníbal que vê a Itália pela primeira vez a partir dos Alpes”, com a qual ele concorreu na primavera de 1771 em um concurso da Academia de Parma, para o qual ele não teve êxito, segundo nos diz Robert Hughes.

Nas primeiras páginas do caderno também tem anotações curiosas, inclusive em italiano, como: materiais de pintura que ele adquiriu, número dos papas até 1771, notas sobre máscaras de carnaval ou de personagens da Commedia dell’Arte, o que mostra que ele teria assistido em 1771 ao carnaval em Roma, assim como pode ter visto apresentações de humoristas italianos.

Na sua lista de cidades pelas quais teria passado, estão também as cidades de Toulon e Marseille, na França, por onde ele deve ter passado em seu regresso à Espanha. Ele anotou que algumas dessas cidades ele viu “por fora”, como Turim e Milão. Mas parou em Gênova, Bolonha, Parma, Pádua e Veneza. Florença não está em sua lista, assim como Nápoles. Ao fim da lista, Goya completou com a frase:  “y otras muchas q. no me acuerdo”.

Lista das cidades
Nesse mesmo caderno, Goya registrou, já na Espanha, as primeiras encomendas que recebeu  como a “Virgem del Pilar”, “Morte de São Francisco Xavier”, para o Museu de Zaragoza, assim como os importantes afrescos que fez para o mosteiro cartusiano conhecido como Aula Dei, de Zaragoza, em 1774. Robert Hughes diz que esses monges pertencem a uma ordem “silenciosa e enclausurada, e o mosteiro nega a admissão a mulheres, sob quaisquer circunstâncias. Visitantes masculinos são recebidos, mas em termos estritamente limitados - um pequeno grupo, uma vez por mês, durante cerca de uma hora”. E essas pessoas continuam a ir até o mosteiro, ainda hoje, para ver de perto esses afrescos de Goya, os primeiros de sua carreira.

As últimas páginas, que datam de 1790, mostram alguns esboços de figuras claramente feitos por uma criança, assinados por “Xavi”, que pode muito bem serem atribuídas a seu filho Javier Goya, nascido en 1784.
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O Museu do Prado destaca que esse “Cuaderno italiano” de Goya se enquadra dentro do apreciado gênero dos “cadernos de artista”, dos quais há muitos exemplares, desde o século XV, que permitem algum conhecimento sobre seus autores, como pensavam, como desenhavam, como viviam.

Esse caderno resume o que deve ter sido a vida de Goya. Nessas páginas estão refletidas sua personalidade simples, seu senso de humor e até seu perfeccionismo. Falou de seu casamento, de seus filhos, das cidades que conheceu. Fez anotações sobre arte, assim como sobre suas contas; uma receita para a fabricação de verniz; registros de pinturas que lhe chamaram a atenção. Em seus desenhos, vê-se como lhe interessava muito o estudo da anatomia do corpo humano, os drapeados dos tecidos, os gestos e os rostos. Mas também desenhou um gato em cima de um muro, uma cabeça de burro entrando por uma janela, figuras enigmáticas cobertas com mantos da cabeça aos pés e uma cabeça humana meio mosntruosa que parece vomitar algo.


Algumas destas páginas do sketchbook de Goya aparecem neste post, mas mais podem ser vistas diretamente no portal Goya en el Prado, do Museu do Prado.

Anotação sobre nomes de aglutinantes e pigmentos
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