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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

É preciso festejar toda a Noite

"Primavera", Sandro Botticelli, 1478
Faltam poucos dias para o final deste ano difícil para o Brasil. Foi eleito um novo governo que ameaça todas as nossas vidas, de alguma forma. Um novo tempo sombrio parece se anunciar, como se atravessássemos uma bruma densa que nos leva à escuridão de uma longa noite.

Ameaças à liberdade, à democracia, aos direitos adquiridos, aos costumes. Métodos conservadores, moralistas e castradores parecem se erguer. Mas o Brasil - e o povo brasileiro - já se mostrou grande e atravessará essa escuridão, resistente. 

Nestes dias me caiu em mãos este poema, cujos primeiros versos publico abaixo. O poeta - Florus - escreveu essas linhas por volta do século II, em Roma. Era cristã. O mundo era outro. Outro mesmo! Ele usa a imagem da Primavera, como a deusa Vênus que, acompanhada de Cupido e das Ninfas, traz alegria - e prazer - para a terra. O poema é uma Ode ao Amor e ao Erotismo. Não há palavras meias para descrever a beleza dos acasalamentos na natureza, há Poesia!

Trouxe-o aqui porque o poema também é um hino à Esperança!

Precisamos cantar bem alto a Esperança de que esta Noite irá passar e o Sol logo estará lançando seus primeiros raios de luz e cor sobre as nossas vidas, porque o atraso civilizatório não tem mais vez. O mundo gira e nos leva para à frente, na História.

O Sol há de brilhar mais uma vez, como diz o samba.

Acima, uma pintura de Sandro Botticelli, pintor italiano do século XV. É a mais pura ilustração do lindo poema de Florus.

A tradução foi feita por mim a partir de uma tradução em francês dos versos originais em Latim.

Boa leitura!

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A Vigília de Vênus
Florus, poeta romano do século II


Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

A primavera se abre, a primavera canta. Na primavera nasceu o mundo.
Na primavera conciliam-se os amores; na primavera os pássaros se acasalam 
e a floresta deposita sua cabeleira sob chuvas fecundantes.
Amanhã, sob a sombra das árvores, aquela que cria laços de amor
tecerá cabanas verdejantes com ramos de murta.
Amanhã, sentada em sublime trono, Dione proclamará suas leis.

Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

Um dia, como esse, com o céu tingindo tudo de vermelho, a massa
espumante do alto mar,
em meio a rebanhos azuis e cavalos marinhos,
surge Dione, como uma onda entre as ondas do mar.

Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

É Vênus que colore os anos com as gemas púrpuras das flores
quando os botões de rosas se abrem sob o sopro de Zéfiro,
ela que aquece os cálices para que se abram as flores. Da rosa luminosa
que sai da brisa noturna, ela espalha suas gotas úmidas
que, levadas por seu peso, brilham como lágrimas trêmulas.
Prestes a cair, aqui as redondas gotas se juntam para frear a queda.
Violetas, aqui estão as flores em seu pudor revelado:
o rosado que na plenitude das noites estreladas
abriu na aurora úmida seu manto de rosas virginais em botão.
A deusa ofereceu à aurora suas rosas virginais.
Nascida do sangue de Chipre e dos beijos de Amor
e de botões e de labaredas e do brilho violáceo do sol,
amanhã, esse véu flamígero que a cobre e a ruboriza
cairá, e sem pudor a rosa se abrirá.

Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

Ela, a Divina, enviou as ninfeias ao bosque de murtas.
O jovem se juntou às moças. Mas quem irá então acreditar
que Cupido dará trégua, se ele carrega suas flechas?
“Vamos, Ninfas, o Amor depôs suas armas, ele dará uma trégua.
É uma ordem, ele deverá vir desarmado! Ele recebeu ordem de chegar nu!
Para que não fira ninguém com seu arco e flecha e sua tocha.
Mas mesmo assim, Ninfas, tomai cuidado porque Cupido é belo!
E mesmo sem armas, ele é perigoso!"

Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

Vênus te envia essas inocentes moças.
Não te pedimos mais que isto: vai, virgem Delia,
sem ensanguentar os bosques com tuas caçadas selvagens,
deixa as sombras verdejantes se estender sobre as flores que te vestem.
Vênus, ela mesma, gostaria de te pedir para… mas pode ela ferir teu pudor?
Ela, ela gostaria muito que tu viesses, se isso for do teu agrado, Virgem.
Tu ouvirás os Coros durante três noites de festa,
entre as multidões, atravessando os bosques
sob coroas de flores, entre as cabanas de murtas.
Nem Céres, nem Baco, nem o deus dos Poetas faltarão.
É preciso festejar e velar com cantos toda a noite.
Que Dione reine sobre as florestas! E tu, Délia, venha!

Ame amanhã aquele que jamais amou;
e quem amou, ame ainda mais amanhã.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Preparando a primavera

Les Nymphéas, de Claude Monet, 1920-1926, óleo sobre tela, 602x219cm, Museu de l'Orangerie, Paris
As torrentes e os rios degelam de repente
Primavera em fulgor ressurge sem tardança!
No campo aflora em tudo alegria e esperança
enquanto o velho inverno, extênue e decadente
às ásperas montanhas se recolhe e lança
com os estertores finais, nos ares regelados
granizo em profusão que toda a terra envolve.
Cobrem-se verdejantes e distantes prados
com branca e pura neve e o sol logo a dissolve
tudo renasce e vibra com força e fantasia
Natureza rebenta em cores e poesia
E como nesse campo existem poucas flores
Enfeita-se com vestes humanas multicores.

Contempla desta altura a toda imensidade
e observa ao longe em direção à cidade
do vão da porta escura, em grande confusão
surge uma colorida e ávida multidão
Todos querem o calor do sol com ansiedade...
(...)
(O Fausto, de Goethe)

E eu vou, por aqui, preparando-me para uma primavera interrompida por um outono, que virá em poucos dias... Interrompendo a estação das flores, vou subindo para o norte hemisférico em busca das cores. Um frio um tanto a mais, mas o aquecimento interno que eu preciso. Cá embaixo, ao sul do equador, as flores estão chegando. Lá em cima, ao norte, cores me apontam novos rumos. Moças com brincos de pérola me indicam um mergulho em tubos de tinta e em pinceis de marta e mangouste que atravessarão as minhas mãos. Vou me banhar com aquelas cores seculares e profundas. Eu volto.

Monet pintando à beira da floresta, tela de John Singer Sargent, pintor realista, 1885