segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A gente não quer só comida

Nestes dias finais de campanha eleitoral, em que a realidade da eleição da primeira presidenta do Brasil – Dilma Roussef – se torna a cada dia mais presente, a gente aproveita este momento para lançar algumas sementes que podem tornar nosso futuro mais colorido. A gente quer falar aos candidatos progressistas.

Pintura de Hans Holbein (1497-1543)
A gente? A gente é artista, a gente é essa gente que faz arte, que é também agente de transformação: trans-Forma-Ação. A gente pega o mundo, a gente age: a gente pinta, a gente canta, a gente dança, a gente ensaia, a gente treina, a gente declama, a gente escreve, porque “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e Arte”*!

A gente está espalhado pelo Brasil a fora, Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão; Pernambuco, Goiás, Rio, Bahia. A gente mora nos confins do Tocantins, habita as beiras dos pantanais. A gente se espalha pelos pampas, pelas praias, entre as serras, até dentro do mato. A gente é moreno, a gente é misturado, a gente borda e pinta. A gente é torrado de sol, banhado de mar, ou pálido de garoa. A gente habita morros e condomínios, a gente se mistura nas areias cariocas ou nas paulistas avenidas. A gente é nordestino, sulista, nortista, a gente é brasileiro. A gente é artista. A gente faz cultura. A gente quer falar!

- A gente quer o direito de pintar, de desenhar, de esculpir e DE EXPOR em TODAS as galerias e museus do Brasil, com todas as nossas cores, nossos quadros, nossas tintas, nossos estilos!

- A gente quer exposições de arte em TODO o Brasil, festivais, concursos, competições de arte. A gente quer mais museus, a gente quer mais galerias, mais pinacotecas. A gente quer democratizar o direito de fruição das artes para TODOS. A gente não quer continuar sendo expurgado do mercado pelo mercado. A gente quer que o Estado brasileiro incentive TODAS as formas de manifestação artística, todas as estéticas. A gente grita: “fora o pensamento único onde predomina o conceitual e a abstração. Arte é mais!”

- A gente quer financiamento do Estado para que surjam mais ateliês de arte, mais galerias, mais espaços artísticos, mais exposições.

- A gente quer democratizar as mostras de arte vindas do exterior para todos os Estados brasileiros, para que todo o Brasil possa ver as grandes obras dos grandes mestres de fora.

- A gente tem música na alma, a gente quer compor, a gente quer tocar, a gente quer cantar toda a música possível para TODA a multidão de brasileiros, se tivermos milhares de espaços pelo Brasil a fora. A gente quer cantar em grupo, em banda, ou sozinho.

- A gente quer trocar, a gente quer mostrar, a gente quer intercambiar nossas diferentes formas e expressões artísticas, em múltiplos encontros, seminários, conferências, congressos, convescotes, autos, seja o que for que junte gente. E junte a gente.

- A gente quer meios de reprodução para a arte que permita a todos o acesso à arte. A gente quer que todos os brasileiros tenham direito ao direito fundamental de todos de ter acesso a toda forma de arte, de poder se enriquecer espiritualmente com a arte.

- A gente quer suplantar a forma de cultura de massa, imposta pela tv, que homogenisa tudo. A homogeneidade é um crime contra a diversidade cultural da humanidade e do povo brasileiro. A gente não é só um, a gente é multidão, a gente é arco-íris.

- A gente não quer só ouvir no rádio música estrangeira, a gente quer usar todos os espaços para todos os artistas brasileiros, de norte a sul, sem predominâncias regionais. A gente é gente em todo o Brasil.

- A gente quer banda larga para todos, para todos os artistas populares, para todos os pontos de cultura, para todas as tribos cidadãs.

- A gente quer mais aulas de História da Arte, a gente quer mais aula de Arte, a gente quer mais arte nas escolas públicas e privadas. A gente quer escolas de qualidade, a gente quer professores bem pagos, bem formados, empenhados.

- A gente quer mais bibliotecas, amplo acesso aos livros, livros a preços populares, livrarias populares para todo lado, feiras de livro, concursos literários, incentivo à prosa, incentivo à poesia.

- A gente quer teatros, salas de encenação, incentivo aos existentes e à criação de novos grupos de teatro, com formação de atores e diretores. A gente quer balé, a gente quer dançar, a gente quer sambar, a gente quer rir. A gente, que é palhaço, a gente quer circo, a gente quer praça, a gente quer trapézio, a gente quer lona, a gente quer público, e gente pra rir ainda mais.

- A gente quer fazer e ler poesia, quer mostrar nossos versos, nossas rimas, nossos livros. A gente quer publicar nossos livros de prosa e poesia.

- A gente quer fotografar, filmar, fazer roteiro, a gente quer fazer cinema. A gente quer mais espaço para o cinema brasileiro, um cinema criativo, não simples imitação de padrões impostos. A gente quer que funcione o sistema de distribuição dos nossos filmes.

- A gente quer preservar nossa memória cultural: nosso folclore, nossas festas, nossos reizados, nossos blocos, nosso samba, nosso bumba-boi, nossas violas, nossas rezas, nossos cantos, nossas danças, nossos cordéis, nossos terreiros, nossas toadas, nossas emboladas, nossos sanfoneiros, nossos repentes, nossos raps, nossos artesãos, nossos bonecos, nossas caretas, nossas máscaras, nossos carnavais, nossas feijoadas, nossa cachaça, nossos trajes, nossas bombachas, nossas galinhadas, nossos forrós, nossos são joãos, nossos jogos de futebol, nossas gravuras, nossa pinturas, nossas folias, nossas alegorias, nossas alegrias!

Para fazer um país rico, próspero, há que se voltar com todos os olhos para a vida cultural brasileira e permitir a este povo criativo que surja com suas cores, com seu canto, com sua raça, com sua graça. Pois o ser humano sempre quererá ser maior do que é, sempre se voltará contra as próprias limitações, sempre terá o anseio de tudo querer e tudo poder.

Avançamos muito, enquanto Brasil no governo do presidente Lula, mas podemos ir ainda mais longe. Podemos suplantar todas as incertezas quanto ao dia de amanhã que rondou sempre a gente brasileira, criando um novo país em que todo o povo também tenha tempo, disposição e desejo de se por em contato mais íntimo com a Arte, em todas as suas formas de manifestação.

Pois o ser humano “sempre necessitará da arte para se familiarizar com a sua própria vida e com aquela parte do real que a sua imaginação lhe diz ainda não ter sido devassada.” (Ernst Fischer)

A gente quer a vida como a vida quer*!

* trechos da música Comida, composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

As Bienais de Arte

No dia 25 de setembro próximo, será aberta ao público a 29ª Bienal de Artes de São Paulo. Um pouco antes, em uma série de três dias consecutivos, haverão sessões abertas à imprensa e a convidados especiais, bem de acordo com o glamour que faz o gosto de certa elite. Não importa muito as obras lá expostas, importa bastante  circular pelas rodinhas que se farão, ser visto, ver as tais celebridades.


Estive no final de julho, começo de agosto, em Berlim, Alemanha. Um dos lugares de visita programados era a Bienal de Artes de Berlim. Fui em quatro dos seis prédios que abrigam a Bienal de lá, concentrados basicamente no bairro Kreuzberg. A Bienal alemã neste ano resolveu homenagear o pintor realista alemão do século XIX Adolf Menzel, cujas obras ocupavam grande parte do espaço da Old National Galery.


Mas também fui ver o que se expunha nos outros cinco lugares que formam a Bienal. No primeiro, um prédio velho, deteriorado, mal cuidado, abrigava uma parte bem grande dos expositores. Estranhei ao chegar ao local. Não tem fila??? Incrivelmente vazio, durante toda a minha visita aos quatro andares encontrei com não mais do que dez pessoas! Completamente diferente dos museus que expõem pinturas e esculturas dos mestres, lotados de gente, com filas permanentes nas entradas, os prédios da Bienal estavam vazios, entregues às moscas. Literalmente. Jovens provavelmente ligados ao mundo da arte contemporânea alemã, faziam as vezes dos seguranças, tomavam conta das salas. Sentados, lendo algum livro para passar o tempo, pareciam se surpreender quando avistavam alguém chegando para ver o que estava exposto.


E o que estava exposto mostrava o que o poeta Afonso Romano de Sant'Anna já falara antes sobre as bienais de arte: uma instituição que está falindo. Muitas fotografias, ao invés de pinturas, o que me fez pensar que alguém deve estar sentindo falta de arte figurativa, já que há tanta fotografia - figurativa! - para se ver! Além de fotografias, vídeos, em salas mal instaladas, mostravam pequenos documentários: entrevistas de europeus com pobres negros africanos, como se sua pobreza fosse algo tão exótico que era necessário saber como se vive se sendo tão pobre; cenas de sexo explícito; duas velhinhas brigando; alguma manifestação em algum canto da Europa, como um momento de espetáculo. 

Era isso a Bienal de Berlim. Ah, sim, esqueci... Havia instalações, claro! As famosas e ultra-repetitivas instalações conceituais que nada mais apresentam de novidade, e nem de longe arranham a criatividade inicial de um artista como o russo Vladimir Tatlin, do começo do século XX. Instalações repetitivas, como disse, e um tanto quanto melancólicas. Mas talvez a melancolia fosse minha... realmente Arte, como eu compreendo, não havia naquela Bienal de Artes de Berlim. Que, diga-se enfaticamente, não se interessa (parece) pelo estado glamouroso que tanto excita a elite que vai à Bienal de São Paulo. Em Berlim, pelo menos, a Bienal não tem glamour. Nenhum!


Aqui? Veremos! Muito provavelmente não será muito diferente do que vi pela cidade alemã. A diferença da Bienal de São Paulo é mesmo que ela se torna um encontro de beldades artísticas ou não, repleta de holofotes sobre os curadores, que não se cansam de se apresentar à mídia. Uma Bienal Política? Veremos!