terça-feira, 10 de maio de 2011

O cinema que resiste

Ontem à noite, no Espaço Unibanco, uma das mais importantes referências de sala de cinema de São Paulo, 260 pessoas lotaram a sala 1 para assistir ao filme "Botinas no Elevador", um curta metragem que tem a direção de João Luiz de Brito Neto.


O roteiro - de Edson Araújo Lima - conta alguns momentos da vida de João Luiz como militante político em pleno período de Ditadura Militar no Brasil. João era do Partido Comunista, além de já ser envolvido com o cinema e com os cineclubes de São Paulo.


O filme não é literal, mas apresenta de forma ágil e simbólica, um pouco do que foram aqueles anos de falta de liberdade, quando, mesmo assim, milhares de brasileiros pelo país a fora, resistiam. Muito morreram, muitos desapareceram, muitos foram torturados, presos, marcados. Ao final do filme, uma lista completa com todos os nomes dessas pessoas - verdadeiros heróis do povo brasileiro - que morreram e desapareceram. Também faz agradecimentos a dirigentes comunistas importantes, como João Amazonas, um dos principais líderes do Partido Comunista do Brasil.


Foi muito interessante - emocionante até - ver como o movimento do cinema independente, dessas pessoas que resistem, há décadas já, no movimento cineclubista de São Paulo, consegue reunir tanta gente numa segunda-feira às 21h30! Pessoas amantes do cinema, artistas, intelectuais, cineclubistas, atores, roteiristas, produtores culturais, estudantes universitários... todos estavam ali. E todos aplaudiram de pé - quando acabou o filme - a lista dos nomes de militantes de esquerda brasileiros mortos e desaparecidos da época da ditadura.


Mais uma vez mostra a necessidade, cada vez mais urgente, de o Poder Público investir, apostar mais nesses artistas brasileiros de todas as áreas que continuam produzindo arte, enriquecendo o imenso acervo nacional, na imensa maioria das vezes sem recursos financeiros, sem incentivo a não ser a sua imensa vontade individual de criar.

Mendigo contemporâneo do centro de São Paulo

Foto no viaduto Santa Ifigênia, centro de São Paulo, 8 de maio de 2011


Um homem pede esmolas no centro de São Paulo, pleno domingo de sol de outono. Um estranhamento ronda sua figura plástica, pictórica, coberta de uma mesma tonalidade marrom como sua pele. Sigo pelo viaduto Santa Ifigênia, mas meus pensamentos ficam lá com aquela figura.

O mundo que ronda esse homem transformou-se num grande mercado e ele tenta, lá do seu jeito torto e trágico, captar as sobras, os restos da Grande Feira deste mundo pós-moderno. O capitalismo passa como uma máquina monstruosa sobre esse homem, relegado à ignorância, à fome, ao abandono, à solidão mais absoluta de um homem só, sozinho contra um mundo!


O jovem mendigo (1645-1650), de
Bartolomé Esteban MURILLO (Sevilha, 1618 -1682)
Museu do Louvre-Paris-França
Um pintor espanhol do século XVII, Bartolomeu Esteban Murillo (1618-1682) também pintou um mendigo. No caso, um menino mendigo, um menino de rua, como tantos que havia na Sevilha desse tempo, quando a Espanha vivia sua Idade do Ouro.


O mendigo de Murillo é um garoto vestido com trapos, com os pés sujos, sentado no chão, sozinho no canto de um interior em ruínas. Ele parece ocupado em se livrar das pulgas que incomodam. 

Murillo escolheu, como artista, pintar os pobres de seu tempo. Ele se inspirou na pintura de Caravaggio, o mestre italiano. Como este, também inclui os contrastes violentos de luz e sombra que caem sobre suas figuras pintadas, que recuperam algo de sua dignidade de ser humano.

Mas o mendigo de São Paulo é sombrio naturalmente. Nada tem de gracioso, de harmônico, de digno. É mais um dos muitos que encontramos vagando pelo centro da cidade, expostos à fome, ao tempo, às drogas. Porque são mendigos de agora, mendigos versão contemporânea, sobrevivendo em permanente asfixia, numa rotina que se repete como os piores sonhos! Eles e seus pés andarilhos.
Desenho com lápis grafite, 2010