domingo, 7 de abril de 2013

Diário de Madrid IV




 A Plaza de España é um imenso espaco aberto para onde os madrilenhos costumam ir. Há grandes bancos de pracas feitos de madeira, mais convidativos neste frio, e muitas arvores que estao ainda sem nenhuma folhinha. Parece que nos séculos XVII e XVIII ela estava rodeada de quarteis para proteger o Palácio Real que fica perto.

Mas durante a ditadura do general Franco ela ganhou mais espaco e ele costruiu la um edificio de 26 andares, entre 1947 e 1953, o chamado Edificio España. Há uma torre principal ladeada por duas outras menores. A construcao em si é feia, pesada. Mas já deve ter sido pior quando ela dominava a Plaza. E quando Franco dominava a Espanha. Ao lado, do outro lado da rua, tem outra torre, muito alta, que os madrilenhos apelidaram de "la jirafa", pois parece um imenso pescoço em meio aos prédios baixos de Madrid, cujas construçoes nao passam de cinco, seis andares, na parte mais antiga principalmente.

Bem no meio da praça tem um monumento, uma espécie de obelisco, com uma estàtua de Dom QUixote e Sancho Pança, personagens famosos de Miguel de Cervantes. Vários turistas aguardavam sua vez de subir até lá e tirar fotos ao lado do imenso cavalo del glorioso caballero Dom Quixote de la Mancha.

Aqui em Madrid, muitos dos lugares, ruas e praças, lembrarm e homenageiam seus artistas locais. Há ruas, praças e estaçoes de metrô com nomes de Velázquez, Goya, Lope de Vega, etc. E hà muitos músicos tocando em toda parte. Grupos de artistas tocam peças clássicas com seus violoncelos, violinos, instrumentos de sopro. Em grupo ou sozinhos. Vi uma senhora bem idosa tocando seu violino, executando mùsicas lindíssimas, enquanto as pessoas iam depositando suas moedas na caixa do violino em frente a ela. Talvez seja uma aposentada de alguma orquestra sinfönica? Vai saber...

Eles tocam em todos os lugares, inclusive nas estaçoes de metrô e até dentro dos trens. Em uma estaçao, enquanto eu ia subindo a escada (quase nao existem escadas rolantes) ouvi um som diferente: era um homem negro, provavelmente africano, sentado sobre um grande atabaque, fazendo a percussao. Um boné servia-lhe de lugar para recolher as moedas dos passantes.

Fui até o Palácio Real, uma construçao imensa carregada de história da Espanha. O jardim em frente a ele é bem grande, bem cuidado, com árvores verdes que nao consigo identificar, um tom de verde bem forte. O chao é de terra, mas tudo muito limpo, muito cuidado, muito simètrico. A simetria em excesso as vezes nao é tao bonita... Parece fria. Lembrei-me da gravura de Francisco Goya "Os sonhos da Razao criam monstros". O General Franco criou o monstro fascista que matou milhares de espanhois. E muitos desses monstros aindam assustam os sonos daqueles que ainda estao vivos e se lembram muito bem daqueles tempos horriveis, quando os espanhois passavam fome, roubavam-se uns aos outros, como me contou certa vez uma vieja española ao meu lado numa viagem de aviao.

Na Plaza de España està acontecendo estes dias uma Feira com barracas que vendem bijouterias, echarpes, roupas, artesanato, bolsas de couro e comidas de outros paìses. Mas a maioria è do Marrocos. Hà bolsas, mochilas e valises de couro meio rùsticos mas de qualidade muito boa. Tambem tem uma barraca com coisas da Rússia e diversos souvenirs da ex-URSS. A moña que atendia estava ao celular falando em russo, mas respondia em espanhol quando lhe perguntei "los precios".

Subi a Gran Via e fuia para a Plaza Callao. Outra manifestaçao acontecia lá. Desta vez era um grupo de teatro que encenava um pequeno sketch para denunciar a situaçao dos que vivem sem teto, largados nas ruas de Madrid. E com este frio! Imagina no inverno! Muitos deles devem morrer, mesmo tendo os albergues noturnos da prefeitura, para passar a noite. Lembrei-me que passei por vàrios deles aqui. Acompanhei a encenaçao até o fim, com uma boa quantidade de pessoas assistindo. Ao final todos aplaudimos os atores demoradamente. Em apoio aos que vivem na rua.... Estas pessoas miseràveis, famintas e sujas sao tao merecedoras de cuidados como qualquer cidadao. Mas como em qualquer cidade do mundo, neste sistema capitalista, muitas vezes o poder público - e as elites - preferiam varrê-los para longe como lixo....

Meu dia encerrou na Calle Fuencarral, onde parei para ouvir três mùsicos excelentes cantando mùsicas dos Beatles.

* o teclado que estou usando nao me permite acentuar as palavras direito, por isso desculpem os erros.

sábado, 6 de abril de 2013

Diário de Madrid III

Estação Iglesia do metrô, com uma reprodução
de pintura de Joaquín Sorolla

O Museu Sorolla amanheceu me chamando. A ideia inicial era ir ao Prado, mas peguei o metrô em direção a Chamarti, estação Iglesia.

Antes entrei em um café, dos muitos que têm por aqui, e tomei um grande copo de café com leite e uma "media luna". No Brasil seria um pingado e um croissant. Os cafés de Madrid são variados em tempo e espaço. Aguns existem há décadas como o Café Gijón, que existe desde o começo do século XX. Ni verão, as cadeiras ocupam as calçadas, mas como ainda está muito frio eles se resumem ao espaço interno, quentinho, como em todos os lugares fechados, comuns em toda a Europa.

O frio hoje estava cortante. Fazia 10 graus me pleno meio dia! Esqueci minhas luvas no hotel e protegi minhas mãos nos bolsos do sobretudo. As mãos dóem neste gelo. E em Madrid venta muito.

A casa onde se localiza o Museu Sorolla é a casa onde ele viveu e trabalhava desde 1909, quando a comprou. É enorme! Uma bela casa e, segundo as informações que fui lendo enquanto o visitava, Joaquin Sorolla teve muita satisfação em comprá-la. Era resultado de seu trabalho. Realizava o sonho de instalar sua família, esposa e três filhos pequenos, num lugar confortável. Ele era bastante apegado a eles e sua ideia também era ter seu local de trabalho perto de sua família.

Um dos cômodos do Museu é onde estava seu ateliê. Uma sala bem ampla, com pé direito bastante alto e uma claraboia retangular no teto que lhe fornecia a luz natural necessária para trabalhar dentro de casa, quando o inverno - e o frio - chegavam. As paredes eram cheias de pinturas suas, alguns objetos adquiridos em lugares diferentes enfeitavam o lugar. Ele trabalhava simultaneamente em vários quadros e o tamanho do ateliê lhe permitia ter vários cavaletes.

Todos - todos! - os quadros de Joaquín Sorolla que eu somente conhecia de fotos estavamm lá, à minha frente, enchendo os meus olhos! Esses momentos são indizíveis! Nem sei como descrever direito o que sinto sempre que me encontro em frente a uma tela original de algum mestre. Me emociona. Me inquieta. Me silencia... Foi assim com muitos deles! Em Amsterdam, em Berlim, em Paris... até em São Paulo!

A entrada para o Museu Sorolla custa 3 euros. Em todas as salas da casa estão suas pinturas, e o Museu guarda o maior acervo de obras dele. Fui vendo os quadros, um por um, estudando.

Ateliê de Sorolla, hoje parte do Museu
A pintura de Joaquín Sorolla é caracterizada pelo uso de grossas camadas de tinta, os empastos. Ele não pinta os detalhes das cenas e figuras a não ser onde é muito necessário. Quanto mais áreas de sombra, ou segundos planos, menos detalhe. Mais concisão, mais simplicidade, tanto no uso da quantidade de tinta quanto nas pinceladas. Algumas devem ter sido feitas em três ou quatro passadas de pincel. Mas são fortes, firmes, encaixadas. Ele usava pinceis grossos, de pelo mais duro.

Nas inúmeras telas representando a praia, se vê que ele não ficava descrevendo nada em detalhes. Não desenhava as ondas, por exemplo. Aplicava camadas de empasto branco onde a luz era bem forte. Passava o pincel deixando verdairos nacos de tinta de valor alto (branco, branco-amarelo, branco-azul). Por isso suas telas brilham! Ele era fascinado pelo efeito da luz sobre as coisas.

Na segunda sala, tive que esperar um pouco. Havia uma senhora de meia idade com um grupo de uns 15 adolescentes e ela explicava os quadros de Sorolla para eles. Um por um. Parei para ouvir, se ela me permitia... Vi que fazia perguntas aos alunos, que respondiam um pouco tímidos. E ela continuava explicando. Se deteve bastante tempo nas telas "Após o banho" e "Clotilde na praia". Clotilde era a esposa de Sorolla. Fiquei pensando como é importante essa formação desde cedo na vida de um ser humano. Ensina-nos a ver o mundo com outros olhos. E a amar a pintura, os pintores, a arte. Enquanto a professora continuava falando, li sobre Sorolla em um dos paineis: "Seu deseo de captar la realidad tal qual la ve determina su manera de trabajar." O real é sua grande fonte de inspiração.

Alguns dos pinceis que Sorolla usava
Mas voltando a analisar a pintura deste artista, vi que na tela "Maria en la playa de Biarritz", por exemplo, o ponto de interesse é a luz forte que bate sobre as ondas. O vestido dela está na sombra, sem maiores detalhes. Seu rosto é sereno e monocromático. Uma parte do seu vestido é esvoaçante e a luz bate forte sobre ele e brilha. Assim como sobre seu chapéu. Mas a luz forte mesmo é mostrada sobre camadas grossas de tinta branca que representam as ondas. Lindo de se ver! Na outra tela "La bata rosa o despos del baño", ele pintou nacos de luz sobre as roupas do casal. E mais uma vez dá para ver: quanto mais sombra, menos necessidade de tinta.

Fiquei bastante tempo na sala onde era seu ateliê. Fotografei os cavaletes (dois), os pinceis, a caixinha onde ele guardava as tintas. Ainda tem algumas bisnagas de tinta dentro, bem usadas, espremidas. Pelas mãos de Joaquín Sorolla! Os pinceis... fiquei um tempo observando os pinceis. São grossos, pelo grosso, talvez de orelha de porco? Parece... Nada de cerda fina, delicada. Tinta também dois "tentos", um pauzinho que usamos para ajudar a segurar a mão quando precisamos ser certeiros em alguma pincelada.

Passei para onde antes era uma antesala da casa. Nesse espaço estão suas pinturas feitas no jardim de sua casa. Sorolla cuidou detalhe por detalhe dos jardins. Desde os pequenos pedaços de cerâmica decorada que ele encomendou no Marrocos, até as plantas e as flores. Muitas delas viraram seus modelos e aparecem em seus quadros. Ali, li este poema de Juan Ramón Jiménez, "Mariposa de luz":

Mariposa de luz,
la belleza se va cuando yo llego
a su rosa.

Corro, ciego, traz ella...
la medio cojo aquí y allá...

Sólo queda en mi mano
la forma de su huida!

Ainda escreverei sobre essa experiência de contato com o real. Tão sutil, tão passageira quanto um segundo que passa e quase não se alcança, a não ser em alguns momentos de beleza... Mas isto é assunto para depois.

"Rosas blancas en el jardín de mi casa", Sorolla
Encontrei na sala seguinte um jarro com flores do qual eu fiz uma cópia em pastelo no ateliê de Maurício Takiguthi! Fiquei feliz em ver ali, à minha frente, um quadro que eu estudei profundamente, o "Rosas brancas en el jardin de mi casa". Da casa de Sorolla... E eu estava lá, na casa de Sorolla e em frente ao quadro!

Saí para o jardim. Quando cheguei lá, vi uma moça bem jovem, esculpindo uma miniatura no jardim, usando como modelo as esculturas que lá estão. Sentei-me embaixo de um caramanchão, onde tinham umas cadeiras. Peguei meu caderno de desenho e fiquei ali umas duas horas desenhando uma escultura do jardim. Os visitantes passavam, alguns olhavam meio rápido. Os europeus são muito discretos quando se trata de invadir a privacidade alheia. Acho que gosto de me sentir assim, deixada em paz, de vez em quando. Mas um deles ficou atrás de mim e vi que me fotografou desenhando, a mim e ao modelo que eu usava, um par de esculturas.

O jardim de Joaquín Sorolla
Em certo momento, a menina escultora passou por mim e me perguntou as horas. Três e quinze. Agradeceu e seguiu para dentro da casa. Continuei desenhando. E quando acabei ela tinha voltado ao seu trabalho, solitária no meio do jardim. Pensei em ir até ela, já que me perguntou as horas. Fui. Ela estuda escultura num ateliê de um escultor aqui em Madrid. Quase não conhece de pintura, disse. Mas gosta muito de Joaquín Sorolla. Me contou que faz esculturas a partir de modelo-vivo uma vez por mês no ateliê, para estudar a anatomia humana. Olhei para o rosto dela, bem jovem. Lembrei de Camille Claudel... Me despedi, agradeci e fui embora sem nem saber seu nome. Se um dia ela ficar famosa, será que vou lembrar do seu rosto?

Fui caminhando pela Calle Santa Engracia em direção ao metrô Cuatro Caminos. Uma rua bem larga e bonita. Chamartí deve ser um bairro bom de se viver. Passei por um colégio, Divina Pastora, bem na hora da saída dos alunos. Crianças de mãos dadas com pais e mães cruzavam por mim todo o tempo. Entrei no metrô, fui direto para a Plaza de España.

E como este post está ficando grande demais, deixo o resto para contar na próxima entrada.

Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, na Plaza de España