terça-feira, 13 de maio de 2014

O ofício da arte I

Igor Stravinsky, Mazé Leite
carvão sobre papel canson, 13 de maio de 2014
Igor Stravinsky cruzou meu caminho nestes últimos tempos.


Primeiro sketch
Primeiro, através de uma fotografia em preto e branco. Eu procurava referências para desenhar e entre diversas fotos estava um homem já idoso, de olhar triste e um tanto cansado. Fiz um primeiro desenho dele a lápis. Uns dias depois, a foto volta a aparecer de vez em quando em minhas mãos e me intrigar. Fui ouvir sua música, para entender aquele olhar.


Comecei com a "Sagração da Primavera", que ele fez em 1913 e que foi coreografado por um dos melhores bailarinos russos de todos os tempos: Vaslav Nijinski. Depois ouvi "Pássaro de Fogo", "Canção do Rouxinol"… E fui viajar para Montevideu.


No Teatro Solís, enquanto aguardava a hora para ouvir a palestra de John Maxwell Coetzee, fiquei um tempo na pequena livraria do teatro, fuçando os títulos. Cai nas minhas mãos o livro “El mensaje de Igor Strawinsky”, escrito por seu filho o pintor Théodore Stravinsky. Muita coincidência… Folheei o livro, comprei o livro e no dia seguinte comecei a lê-lo avidamente.


Ultimamente há um tema que vem me encucando e cruzando meus pensamentos: o tempo. Stravinsky apareceu nesse meio tempo… Vamos buscar os pontos de união.


O bailarino Nijinski no papel de
Petruska, balé de Stravinsky
Já encontrei logo de cara um frase sua que dizia que a música, para ele, estava “destinada a instituir uma ordem nas coisas, e essa ordem compreende sobretudo uma ordem entre o homem e o tempo”. Pois é…


Entre a música e a pintura há inúmeros pontos em comum, inclusive vários termos, como cromatismo, contraponto, ritmo. Claro que uma pintura é algo que se constrói com as mãos, pinceis e tintas e seu resultado final é feito para ver. A música se faz com as mãos, compondo ou tocando um instrumento, e é feita para ouvir. Alguns ousam buscar relações entre esses dois instrumentos humanos de percepção, podendo “ouvir” algo em uma pintura ou “ver” alguma imagem ao ouvir uma música. Mas não vamos entrar por aí, por enquanto.

O objetivo deste e do próximo post é falar do livro que comprei em Montevideu, o “El mensaje de Igor Strawinsky”.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Vento sul

Coetzee é triste. 

Eu fui vê-lo na segunda, aqui em Montevideo, prêmio nobel que é, escritor grande que é. Mas ele não riu; Coetzee não sabe rir, eu acho. 

Não riu quando a mulher negra, embaixadora da África do Sul, leu a imensa lista de títulos que ele recebeu.

Não riu quando o ministro da Educação e Cultura do Uruguay lhe entregou uma medalha e nem fez nenhum movimento facial quando a "intendenta" (a prefeita) de Montevideo lhe entregou a medalha de visitante ilustre.

Não riu quando recebeu palmas do público; nem na entrada, nem na saída.

Coetzee é triste.

Passei toda a semana com a tristeza de Coetzee refletida em meu coração. Hoje é sexta e a tristeza de Coetzee também virou minha tristeza.

Fazem 5 dias que estou por aqui pelas terras uruguaias. Conheci Montevideo e Colonia del Sacramento. Andei 3 horas de ônibus entre as duas cidades, ida e volta. Eu vi em Colonia as marcas das lutas entre espanhois e portugueses pela posse da cidade e das terras. E das vidas das gentes que viviam au bord do Rio de la Plata...


O Uruguai é triste; assim como a Argentina; assim como o Brasil. O samba é triste, o tango é triste...

Somos povos formados por povos que vieram de suas terras porque estavam pobres, desempregados ou ameaçados pelas guerras. Portugueses, espanhois, italianos, alemães, franceses, armênios, outros. Os índios que cá estavam foram dizimados. Os africanos que para cá vieram, foram sequestrados de seus países, de suas aldeias.

Acho que Coetzee sabe disso. E por isso também ficou triste.

Penso nisso neste fim de tarde frio à beira do Rio de la Plata. O vento sul açoita as águas e meus cabelos. Mas meus pensamentos não param de pensar o quanto Coetzee é triste! 


Robert Walser
Ontem comprei e comecei a ler "O ajudante" de outro ser ainda mais triste que Coetzee, que indicou: Robert Walser. Robert Walser foi internado num manicômio e parou de escrever. Na Suiça, seu país. Perguntaram por quê. Ele respondeu: estou aqui para ser louco, não para escrever. Coetzee que contou... E contou que Walser morreu congelado na neve, com 65 anos. Um cara que não se encontrava; um outsider do mundo; um que fugiu de sua terra pra ser gente lá fora. E eu que fugi da minha terra...

Acho que eu também sou triste, como o Coetzee e como o Walser. E como o Brasil e o Uruguai, e a América Latina...

Há uns anos, numa outra tristeza à beira-mar, escrevi isso aqui que renasce de novo nas movimentações congelantes deste outro vento sul do sul...

Vento Sul

O céu é cinza e o vento é sul
e o mar murmura remotas canções
em ondas que me aquecem
neste entardecer tão frio...

O vento fustiga as aves
escondidas pelos rochedos,
encolhidas, no cais resistente
ao vento e às ondas.

Bandeiras desfraldadas se enfurecem
ao sopro atroz desse vento sul,
como meu pequeno barco entre o mar e o céu
à deriva entre rajadas e espumas.

Sons diversos são tangidos pelo vento:
sonoridades marinhas, aquáticas, oceânicas
me invadem e em meu coração formam acordes
nas cordas daquele violão...

O mar é cinza, o céu é cinza e o vento é sul
e eu mergulho nessas ondas espumantes
volto ao vento, à minha torre, à espreita
daquela primeira estrela

que virá, apesar do gris do céu
do gris do mar
e do vento sul...