terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Espaços de exposição

Confesso que ando com muita preguiça de escrever neste começo de ano... Faz parte da minha onda atual, mais parecida à maré mansa, àquelas praias sem onda onde a gente pode nadar e boiar por horas, sem nenhum sobressalto. Não que eu não esteja em atividade; pelo contrário, cada pedaço de tempo do meu dia tenho usado lendo, estudando, pintando, trabalhando... Alterno isso com longas horas de sono e ausência. Movimentos de fluxo... e de refluxo... como o mar.

Mas hoje tive vontade de tecer uns comentários, de trás da minha preguiça. É que me perguntaram se é fácil expor em galerias de arte no Brasil... Tive que responder, à contragosto, porque esse assunto também me dá muita preguiça! (Devo estar parecendo Macunaíma que vivia repetindo: "Ai que preguiça!")

Galerias. Em geral são espaços fechados, não só fechados no sentido arquitetônico do conceito. Há alguns, inclusive, que mais lembram bunkers, aquelas estruturas fortificadas e feitas para serem resistentes às armas de guerra. Conheço duas galerias assim, uma na Vila Madalena, outra na avenida Rebouças. Mas há outras um pouco mais simpáticas, quando se vê da rua. Da rua. Até você entrar e se deparar com um sujeito - ou uma sujeita - que vai lhe medir dos pés à cabeça e te ignorar assim que sua "medição" descobrir que você não tem onde cair morto, quanto mais algum recurso para adquirir alguma das "obras" ali expostas...

Galerias não são para os "fracos". Há exceções, claro. Mas aqui em São Paulo não conheço nenhuma, mesmo que aberta a conhecer, caso exista. O modus operandi da velha elite paulistana, mesmo a mais metida a intelectual, ainda se espalha por vários espaços culturais desta cidade, impondo seus gostos, sua estética, seus padrões, seu mercado de arte... Que não é para muitos, pois é para POUCOS!

Fora do Brasil, a situação é outra, pois onde há valorização da cultura e das artes, há infinidades de espaços onde cabem muitos. Mesmo aqui em nossa latina América: em Buenos Aires as galerias se espalham pela cidade e elas são espaços mais democráticos do que aqui. Ah o Brasil... quando chegará a nossa vez? Sinto dizer que está cada dia mais distante a nossa vez... Ando mal humorada - nestes tempos bizarros - e preguiçosa de escrever.

Dito isto, respondi com uma careta: não, não mesmo! A não ser que você faça parte da "galera": a mesma que se autodenomina "artista" porque recria e regorgita conceitos robotizados aprendidos de professores de artes conceituais nas nossas academias que são os mesmos que mandam nas galerias, nas exposições, nas bienais, incentivando experimentações ad nauseam, dentro dos mesmos velhos paradigmas das experimentações artísticas que já tem uma idade de pelo menos 100 anos, quando o mundo era outro mundo, e os artistas mais sérios, porque sabiam o que faziam quando se rebelavam contra o status quo... Hoje o "chique" é ser do status quo da arte dita "contemporânea", embebida em jogos sujos de poder. De todos os tipos dos podres poderes...

E viva a arte e os artistas contemporâneos, que somos todos nós, incluindo nós os da pintura figurativa e realista. Nós que preferimos - enquanto uivam as matilhas - ir estudando a pintura clássica com seus grandes mestres, para aprender deles - nessa timeline que já possui mais de 500 anos! Nós, os que não se contentam somente com a superfície da expressão individual em detrimento do aperfeiçoamento pessoal. Porque o conhecimento - o aprendizado dos instrumentos do ofício - não é só o manejar dos pinceis e o escolher das cores, mas o mundo que tudo isso nos abre: nos enriquece como seres humanos, além de tudo.

"O ateliê do pintor", Gustave Courbet, 1854-55, Museu D'Orsay, Paris

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Processo criativo

Estou em meio a um processo de trabalho criativo que se intensificou neste começo de ano, e a tendência é aumentar nos próximos meses. No momento certo, direi do que se trata. Por enquanto, vou organizando meu tempo entre o trabalho formal e este trabalho intenso no ateliê em casa. Das horas que me sobram para pintar - poucas por dia, por causa do trabalho formal - faço com elas uma espécie de interferência no tempo: se são 4 ou 5 horas por dia, elas serão usadas até à medula, com isso exercitando meu poder de foco e minha disciplina. E esticando o "tempo" ao máximo.

Meu mergulho agora é nesse outro mundo - o da criação - e não posso sair dele por nada deste mundo. Para ele, levei os livros que preciso ler e escolhi o primeiro do ano para reler, "O Estrangeiro", de Albert Camus, livro que me permite continuar mergulhada, porque ele em si é um grande mergulho na crueza da vida. Na sequência, e na mesma direção, vou reler pela undécima vez "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Estes são duros livros, que escancaram coisas da alma na nossa cara, e por isso me permitem não me perder, não perder de vista meu trabalho, meu foco. E vou lendo, na calma, "Brasil, uma biografia", de Lilia Schwarcz, para manter meu umbigo conectado às profundezas do meu Brasil.

O processo criativo é muito exigente, seja para nós como artistas seja como pessoas. Ele exige que se abra a alma, que se a rasgue também. Exige uma dedicação que jamais pudemos ter sobre algo ou alguém: "Este trabalho deve ser sua prioridade absoluta"; como um amante ciumento e autoritário, ele ocupa nossas mentes, nossos pensamentos, as batidas do nosso coração... Somente desse jeito o mundo - e a vida - vão mostrando seus sinais: imagens, cores, sons, luzes, palavras, sombras, texturas, símbolos, sonhos que antes pareciam não fazer muito sentido, agora adquirem um sentido novo. Aproveitável ou não. Mas no navegar desse imenso mar, qualquer onda ou pequena marola, ou uma montanha de água, faz sentido. E por isso é preciso estar atenta para não perder nenhum insight. Por isso, é bom anotar imediatamente o que for pensando, imaginando, sonhando, vendo, intuindo...

No cavalete, vou pintando a ideia, burilando-a, esculpindo-a, amadurecendo-a… Às vezes o trabalho rende num frenesi intenso, e a satisfação que isso dá não tem nada que possa descrever! Outros dias, o modo é mais lento, mais duro, mais nebuloso. As cores parecem brigar com você, até mesmo o pincel. A cadeira, a mesinha de apoio, a terebentina... Os olhos choram, vem desespero... Mas não se pode parar...

Como disse Picasso, quando a inspiração chegar, quero que ela me encontre trabalhando!

Porque processo criativo - como bem disse Fayga Ostrower - é sobretudo TRABALHO! Que envolve: pintar, errar, acertar, tentar, recomeçar; envolve também escrever, ou conversar consigo mesma, ou com alguém, para colocar em palavras coisas que não é muito do reino das palavras... Esse processo envolve desenhar bastante, fazer croquis, estudos diversos, para ir experimentando se esta ideia funciona, SE ela é viável e COMO é viável…

Pode até mesmo exigir movimentos, como viagens a algum lugar onde se possa ter uma visão melhor daquela ideia. Pode significar mais encontros, mais conversas de botequim com seu melhor amigo... Mas para mim o momento agora é de isolamento, do claustro necessário para o êxtase do encontro com a Musa, que só se deixa ver aos que trabalham intensamente... As possibilidades são TODAS; tenho que levar em conta TODAS!

É um processo onde algo toma vida dentro de nós e vai tomando forma fora de nós, simultaneamente. É o mais próximo que sinto também de uma embriaguez...