quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ma vie en rose...

Paris vista hoje de cima do Museu George Pompidou - 19out2011
Estou em Paris, desde ontem e por quinze dias, de onde estarei escrevendo, neste blog, minhas impressões, minhas experiências, minhas vivências nesta cidade que atrai desde sempre tanta gente, mas principalmente os artistas.


Para todo lado que se olha por aqui na Paris antiga, tudo cheira a Arte e a História. Cada paralelepípedo destas ruas, cada esquina - de Montmartre ao Quartier Latin - é testemunha de muita história dessa cultura tão rica e tão cara a nós, brasileiros, que devemos grande parte da nossa própria cultura ao povo francês; assim como tantos outros povos do mundo. Aqui aconteceu a Revolução Francesa, aqui aconteceu a Comuna de Paris. Aqui foi onde dezenas de pintores (além de outros artistas, obviamente) lançaram ao mundo suas cores e sua maneira de pintar. Aqui nasceu a Arte Realista de Gustave Courbet, aqui os fauvistas, os impressionistas, os cubistas... tantos "istas" passaram por aqui. Terra de Poussin, de Délacroix, de Jean Dominique Ingres, de Manet, de Renoir, de Toulouse-Lautrec... Terra de Baudelaire, de Zola, de Victor Hugo, de Gustave Flaubert, de Marcel Proust... Terra de Henri Matisse, Louis Aragon e André Fougeron. Terra escolhida por Picasso e Van Gogh. Terra metafórica de todos os que sonham com um mundo bom e bonito, para a imensa maioria... "Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé!"


Paris dos que sonham que um dia tudo vai ser bom para todos, o mundo vai ser de todos, tudo em comum... Ou, como bem lembrou meu amigo poeta Jeosafá Gonçalves, citando a música "La Boheme":


"Je vous parle d'un temps
que les moins de vingt ans
ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps là
accrochait ses lilas
jusque sous nos fenêtres..."


Allons-y!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Franz Hals, Rembrandt, Vermeer: mestres holandeses em busca da Luz

Vista de Delft, Jan Vermeer, óleo sobre tela, 98,5×115,7cm, 1660-61



Sintéticos; estudo minucioso e sistemático; pinceladas enérgicas; marcas evidentes do pensamento pictórico; soberano virtuosismo da técnica; domínio pleno do pincel; violentos contrastes de claro-escuro; apaixonada busca do movimento da Luz – assim poderíamos sintetizar o que foram esses três grandes mestres barrocos da pintura holandesa: Hals, Rembrandt, Vermeer.

O estilo Barroco, iniciado ainda na Itália renascentista, se espalhou por diversos países, e era o “espelho dos acontecimentos sociais, políticos, científicos, culturais e religiosos que agitaram profundamente o mundo europeu”, como fala a introdução do livro Barroco, da Visual Encyclopedia of Art. Acrescenta que a corrente inaugurada por Caravaggio impôs-se como uma revolucionária forma naturalista de pintar, e ele – Caravaggio – teve uma profunda influência sobre a arte holandesa, especialmente sobre os três pintores nos quais nos debruçamos neste texto. Havia diversos pintores "caravaggescos" em Utrecht, Holanda, que teriam trazido o estilo do mestre Caravaggio para os Países Baixos.

Após a Reforma protestante, iniciada pelos idos do século XVI com a publicação das 95 teses de Martinho Lutero, que se rebelava contra a doutrina da igreja católica, a Europa foi dividida, e pequenos países mais ao norte, como a Holanda, sofreram os efeitos dessa divisão. A Bélgica permaneceu católica, mas a região dos Países Baixos, que estavam sob o domínio de governantes católicos espanhóis, resolveu se rebelar contra seus governantes e sua religião oficial, aderindo ao Protestantismo.


Franz Hals: Dois meninos cantando
1625, óleo sobre tela, 76x52cm
Essa tendência “protestante” e rebelde foi evidente entre os pintores dos Países Baixos, como atesta Gombrich em seu livro A História da Arte. Lá, antes da Reforma, os pintores eram forçados a pintar sob a censura de cunho religioso. Com a Reforma, a pintura de retratos se desenvolveu. Mercadores e burgueses queriam ser pintados e levar seus retratos à posteridade, assim como agrupamentos sociais diversos, que solicitavam retratos em grupo. Isso garantia trabalho e condições de vida melhores aos pintores.

Nessa Holanda livre, surgem estes mestres. Eles seguiram o caminho dado pela arte barroca, que teve uma rápida difusão por causa “da própria natureza dos estilos de arte, que sempre refletem ou traduzem as constantes transformações históricas e sociais por que estão passando as coletividades humanas”, na observação de Carlos Cavalcanti em seu livro Conheça os Estilos de Pintura.

As forças econômicas e sociais se desenvolviam na Holanda protestante. Esse país teve um crescimento grande do comércio, num momento em que a burguesia industrial e mercantil ascendia na Europa, tornava-se mais rica e poderosa, preparando-se para tomar o poder, o que aconteceu com as revoluções após o século XVIII. O Barroco, uma forma de arte onde o movimento predomina, era a representação do próprio dinamismo da sociedade que começava a surgir a partir da ascensão da burguesia.

Em meios às grandes mudanças que ocorriam desde o início do século XVII, vivem Frans Hals, Rembrandt  van Rijn e Johannes Vermeer.

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FRANZ HALS


Franz Hals: Palhaço com o alaúde, 1623-1624,
óleo sobre tela, 70x62cm Museu do Louvre, Paris


Ele nasceu por volta de 1580 e era da mesma geração de Rubens, o pintor belga. Seus pais tinham abandonado o sul da região, por terem aderido ao protestantismo, e foram parar na cidade holandesa de Haarlem. Gombrich diz que se sabe muito pouco sobre a vida de Halz, a não ser que teve uma existência precária, sempre endividado.

Mas sua pintura é leve e é livre. A burguesia rica de Haarlem, onde ele vivia, queria ser pintada, queria celebrar suas conquistas cívicas e militares. Frans Hals era o pintor perfeito para representar esse espírito da época, onde a vida parecia boa. Ele pintava homens e mulheres cheios de vida, sorridentes. Nada em sua pintura tem rigidez; muito pelo contrário, séculos antes do Impressionismo ele deu vigorosas pinceladas sintéticas que definiam o que precisava ser definido em uma pintura, como podemos observar claramente em suas telas.


Franz Hals: Grupo dos membros do Hospital Santa Elisabeth de Haarlem,
1641, óleo sobre tela, 153×252 cm



Mas Hals pintou muitos retratos de pessoas das mais diferentes classes sociais: burgueses ricos, mercadores, militares, comerciantes, advogados, funcionários públicos, músicos, cantores de rua, pescadores que “renderam muito pouco dinheiro a Hals e sua família”, como observa Gombrich… Mas Hals dava a esses rostos o tratamento do velho mestre Caravaggio, ou seja, eles eram realistas. Ele sabia como usar a Luz como um dos valores fundamentais para dar expressão às suas pinturas. Seus retratos apresentam pessoas vivas, humanas, em seus olhares cheios de vida e simpatia. Franz Hals teria se deixado influenciar pelos pintores caravaggescos de Utrecht, quando ainda era um estudante no atelier de Carel Van Mander.

Dá a impressão, ao ver algum de seus quadros, que a pessoa que vemos lá parece ser de alguma forma bem familiar a nós. Porque Frans Hals tinha essa capacidade de captar o momento expressivo, e eternizar aquilo, resolvendo em poucas pinceladas, que podem ser perfeitamente observadas.


Franz Hals: A cigana, 1628-30, 58x52cm, 
óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris
Heinrich Wölfflin, estudioso alemão, diz em seu livro Conceitos Fundamentas de História da Arte que esse tipo de pintura feita por Hals não pretende que o caminho do pincel pareça invisível, quando, com isso, perderíamos “o melhor” da tela. Não, essas pinceladas enérgicas e evidentes podem dar ao observador a possibilidade de acompanhar o “pensamento” pictórico do artista e com isso podemos medir o arrojo e a perfeição com que o artista dominava sua arte.

Era comum, entre os pintores da época, inclusive Rubens, compor a pose de seus retratados para dar-lhes dignidade. Mas Franz Hals não; ele colhia aquele momento em pinceladas audaciosas, pintando um cabelo despenteado, uma manga enrugada, um rosto marcado por uma expressão momentânea.

Na velhice, pobre, Frans Hals passou a receber uma pensão do Asilo Municipal de Velhos, cuja Junta foi pintada por ele. Morreu já bem velhinho, com mais de 80 anos de idade.

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REMBRANDT VAN RIJN


Rembrandt: Autorretrato, 1658


Nasceu em 1606, sete anos após dois outros grandes pintores: Van Dyck, holandês, e Velázquez, espanhol. Era natural de Leiden, cidade que abrigava uma universidade. Conta-se que ainda criança ele abandonou os estudos para começar seu aprendizado como pintor.

Com 25 anos mudou-se para Amsterdam, onde estudou com Pieter Lastman, considerado o maior pintor de cenas históricas da Holanda. Lastman tinha vivido uns anos na Itália e havia conhecido as obras de Caravaggio. Com esses conhecimentos, Rembrandt voltou para Leiden onde abriu um atelier. Começou a sequencia de autorretratos que ele fez. Conta-se que ele usava dois espelhos para isso, e contorcia o rosto, criando expressões que ele pintava, em seu estudo pessoal. 

Também se sabe que ele dava grande importância ao teatro, e estimulava seus alunos a frequentarem eventos teatrais, para que estudassem os movimentos e as expressões dos atores em cena. Também diz-se que ele era um homem de profundas reflexões e sempre questionava o papel do pintor no mundo.

Rembrandt: Filósofo em meditação,
óleo sobre tela, 1632
Quando voltou a morar em Amsterdam, construiu rapidamente uma nova vida: tornou-se pintor de retratos, casou com uma moça rica, comprou uma casa, virou colecionador de obras de arte. Mas sua esposa morreu e ele, endividado, viu sua casa ser tomada pelos credores, assim como sua coleção de quadros.

Rembrandt pintou muitos autorretratos durante a sua vida, mostrando um rosto de “um ser humano real”, como observa Gombrich em A História da Arte. Não há sinal de que fizesse pose, ou que demonstrasse alguma vaidade com o próprio retrato, mas – continua Gombrich – “apenas o olhar penetrante de um pintor que examina atentamente suas próprias feições, sempre disposto a aprender mais e mais sobre os segredos do rosto humano”. Ele considerava uma pintura acabada “quando seu objetivo tinha sido alcançado”.


Rembrandt: Homem do capacete de ouro,
Gemäldegalerie, Berlim
Gombrich ressalta que, no interesse profundo que Rembrandt possuía em apreender a alma humana, “como Shakespeare, ele era capaz, por assim dizer, de penetrar fundo na pele de todos os tipos de homens, e saber como se comportariam em qualquer situação”.

Ele era sobretudo humano. As figuras representadas por ele são pessoas reais, com sentimentos que podem ser adivinhados. Ele era capaz de ver o mundo cotidiano da forma extraordinária que só o olhar aguçado do pintor possui. Um mundo que ele traduzia em massas de valores, de cores. Era o que ele fazia, assim como a escola que vinha desde Caravaggio: buscava a Luz, da qual foi mestre na observação, obtendo resultados que o colocam entre os maiores do mundo. 

Com isso, do fundo de telas onde o marron escuro predomina, surge uma figura humana, iluminada, grandiosa, muitas vezes salpicada com o dourado da luz que inunda tudo o que precisa ser inundado. A dramaticidade de muitos de seus retratos, inclusive seus próprio autorretratos, é fornecida diretamente pela maestria com que ele dominava a gradação necessária da luz para trazer um rosto à vida, à observação.

Rembrandt, à “semelhança de Caravaggio, também atribuía à verdade e à franqueza um valor mais alto do que à harmonia e à beleza”. Ele, como outros pintores holandeses do século XVII, diz Gombrich, descobriram “a beleza pura do mundo visível”. Eles já não estavam mais subordinados a pintar temas grandiosos, ou figuras proeminentes. A liberdade que a religião protestante lhes dava abria para eles possibilidades infinitas, a partir da simples percepção do mundo real.

Rembrandt, mesmo velho e empobrecido, continuava buscando novas formas de expressão em sua pintura. Morreu em 1669. Gérard de Lairesse, outro pintor holandês do período disse de Rembrandt: “Ele era capaz de fazer tudo o que a arte e o pincel podem realizar”.


A noiva judia, Rembrandt, 1665-69, óleo sobre tela
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JAN VERMEER VAN DELFT


Moça com brinco de pérola, 1665,
Mauritshuis, Haia, Holanda
Ele nasceu em 1632 e quase nada se sabe de sua vida. Foi o segundo filho de Reynier Jansz, um comerciante de seda de Amsterdam. Depois que se casou, mudou-se para Delft, onde nasceu Vermeer. Lá, seu pai acabou trabalhando como negociante de arte e, com isso, mantinha relações com alguns pintores como Balthasar van der Ast, Pieter Steenwyck e Pieter Groenewegen. Eles podem ter sido a primeira influência recebida por Vermeer, que foi admitido como mestre na Guilda de São Lucas em 1653, uma espécie de organização de pintores, vidreiros e comerciantes de arte, além de outros profissionais artesãos. Sabe-se que para ser aceito nessa Guilda, a pessoa tinha que ter passado seis anos como aprendiz de algum artista reconhecido. Também fala-se que ele teria sido aluno de Carel Fabricius, um dos aprendizes de Rembrandt.

O Geógrafo, 1668-69
Vermeer casou-se em 1653 com Catharina Bolnes, cujos pais tinham uma boa situação financeira. Vermeer era calvinista e sua esposa católica. Por causa da rejeição da mãe dela ao casamento, fala-se que ele teria se convertido ao catolicismo e, em certo sentido, se rendido aos costumes da família de Catharina, com quem logo tiveram que ir morar. O casal teve 15 filhos, sendo que quatro morreram ainda bem novos.

Mas sabe-se muito pouco de sua vida e, olhando para suas pinturas o problema de saber quem era esse homem é ainda mais acentuado. Ele produziu muito pouco, em torno de 35 quadros, que ele pintava de forma lenta, metódica. Possuía uma incrível capacidade para sugerir formas e texturas, comunicando o máximo com o mínimo de pinceladas.

Sua metódica postura de estudioso mostrava a sua verdadeira paixão pelos efeitos provocados pela luz. “A característica mais notável de Vermeer é a qualidade da luz”, disse o crítico de arte francês do século XIX, Théophile Thoré.
Mas seu trabalho como pintor, nem de longe era suficiente para o sustento de sua grande família. Por isso, ele tinha uma segunda ocupação que parece ter sido a de negociante de arte, como seu pai, ganhando seu sustento vendendo os quadros dos outros mais do que os seus próprios. Mesmo assim ele sempre que precisava preencher algum formulário que lhe indagava sobre sua profissão, não titubeava e escrevia: “pintor”.


A carta de amor, 1669-70
A cada ano que passava, a situação de vida de Vermeer e sua família piorava. Tinha que recorrer frequentemente a empréstimos, o que aumentava mais suas dívidas. Em 1672 estourou a guerra entre a Holanda e a França, sendo que os soldados franceses avançavam em direção ao norte da Holanda. Os holandeses, para resistir à invasão francesa, romperam os diques, e extensas áreas de terra foram alagadas, incluindo uma parte de terra que pertencia à família de Catharina e que era uma fonte regular de renda para os Vermeer. Para piorar, ele não conseguia vender mais nenhum quadro. Anos depois sua esposa disse que por causa dessa guerra e das despesas grandes da família, eles se endividaram imensamente e com isso Jan Vermeer “caiu numa tal depressão e letargia que perdeu a saúde no espaço de um dia e meio e morreu”. Foi enterrado no dia 15 de dezembro de 1675, numa sepultura familiar, em Delft, cidade que ele nunca deixou.

Parece que, ainda em vida, Vermeer era muito conhecido pelos seus contemporâneos e apreciado como artista. Em 1696 houve um grande leilão que incluía quadros dele, cujos preços eram os mais altos de todos os outros artistas, o que demonstra sua popularidade como pintor.


Senhora escrevendo uma carta e sua criada, 1670
A pintura de Vermeer parece possuir uma certa intemporalidade. Sua forma de pintar é, por vezes, quase cristalina. Mas nessa quietude e luminosidade que invade espaços sombrios, podemos observar que ele se aproxima do “tenebrismo” de Caravaggio. Em sua época, a chamada pintura histórica, em voga, incluía os acontecimentos da Antiguidade Clássica, mas também os mitos e lendas de santos, e os temas bíblicos. Mas na segunda metade de 1650 ele voltou sua pintura para as cenas domésticas.

Nenhum dos quadros da fase de "pintura de gênero" representa uma cena muito importante, do ponto de vista temático. A maioria representa pessoas simples, dentro de suas casas, em geral solitárias, costurando, tocando algum instrumento, lendo cartas, estudando. Sua verdadeira obsessão era a Luz, que invadia os ambientes através de janelas abertas, muitas vezes janelas de vidro, como a dizer que ao abrir-se para o mundo, nada pode impedir que a luz tome conta e banhe tudo de cor. E com isso todos os objetos e figuras humanas compõem um conjunto inseparável.

Vermeer usava também cores brilhantes, assim como o azul intenso que aparece em diversas de suas obras. Nada se sabe sobre desenhos, estudos preparatórios. Mas sabe-se que ninguém no século XVII utilizou, como ele, de forma tão exuberante, o pigmento que era dos mais caros na época: o lápis-lázuli, o ultramarino natural. Mas também usava os terras e ocres de forma luminosa. Podemos dizer que Vermeer pintava com a luz, seu objeto de perseguição e de desejo era a luz. Ele tinha estudado textos de Leonardo da Vinci que diziam que um objeto sempre reflete a cor do objeto adjacente e por isso nenhum objeto é visto puramente em sua cor local. Ele foi também o grande mestre da composição, empregando divisões equilibradas das superfícies e tinha domínio perfeito da perspectiva. Para ele a geometria tinha um papel importante na composição.

Talvez por nunca ter saído de sua cidade natal, Delft, Vermeer se manteve desconhecido até o século XIX. O pintor realista francês Gustave Courbet foi exatamente buscar a fonte de sua inspiração na obra dos pintores holandeses, dos mestres que mostravam o mundo, mesmo em suas cenas cotidianas, com a riqueza do tratamento da síntese que absorviam do real. Um desses mestres descobertos por ele era Johannes Vermeer.
A arte da Pintura, 1665-1666, Jan Vermeer, óleo sobre tela, 120x100 cm,
Kunsthistoriches Museum, Viena, Áustria
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Obs.: Todas as imagens acima estão em alta resolução. Basta um clique nelas para que possam ser vistas mais de perto.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Em nome dos outros artistas

Enquanto certa elite local festeja a presença em terras paulistanas dos cadáveres de Damien Hirst ou se excita diante das fotopornôs de Jeff Koons e sua Cicciolina libidinosa (além de outros objetos que o crítico francês Jean Clair chama de “lixo”), o Metropolitan Museum of Art de New York apresenta outro tipo de obra de arte e de artista. A elite a que me refiro é esta, a tupiniquim, que acaba de dizer que São Paulo chegou ao “primeiro mundo” (nada mais fora de moda…) porque trouxe nomes do mercado da arte dos Estados Unidos (exceto Hirst, que é inglês) para comemorar os 60 anos da Fundação Bienal de São Paulo…


Mas vamos ao artistas que interessam…


O  Museu norte-americano foi para o outro lado e, ao invés de mostrar lixo como arte (mesmo que reconheçamos que se trata de um lixo muito caro, como os cadáveres de Hirst), resolveram abrir as portas do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque para apresentar diversas exposições com artistas do nível do holandês Franz Hals, por exemplo, além de desenhos chineses da dinastia Ming, de pinturas hindus e de caricaturas feitas por desenhistas que vem desde Leonardo da Vinci ao caricaturista norte-americano David Levine.


Autoretrato, Franz Hals

Franz Hals

Este artista nasceu entre 1580 e 1583, nos países baixos, região onde hoje fica a Holanda. Teve dois filhos com a primeira esposa, que faleceu em 1616, e mais oito filhos com a segunda. Destes filhos todos, cinco seguiram a carreira do pai e também se tornaram pintores. Após a Queda de Anvers, sua cidade natal, tomada pelas tropas espanholas, se refugiou em Haarlem, onde viveu o resto da vida.


Por volta de 1600 começou sua aprendizagem na pintura, no atelier de um outro flamengo que emigrou, Carel Van Mander, um pintor maneirista. Mas desde seus primeiros quadros, Hals mostra semelhança com os pintores caravagescos de Utrecht (influenciados pelo italiano Caravaggio). O estilo de Franz Hals influenciou de uma forma marcante, mais de dois séculos depois, o pintor realista Gustave Courbet e também os impressionistas como Van Gogh, Monet e Manet.



Petrus Scriverius, 1626
Hals é mais conhecido por seus retratos da burguesia e dos cidadãos ricos da época, mas também retratou diversas pessoas de origem social diferente: militares, comerciantes, advogados, funcionários públicos, músicos, cantores de rua, pescadores… Seus rostos – como fazia Caravaggio – não eram idealizados, mas mostravam as expressões faciais de cada um. Pintor barroco, ele pintou com um realismo intimista e radicalmente livre.


Contemporâneo de outro pintor holandês também barroco e também com viés realista, Rembrandt, Franz Hals se distinguia dele pelos efeitos de luz e sombra em suas telas. Mas os dois são especialistas em pequenos toques com tinta na tela, que são suficientes para produzir efeitos de luz e de sombra, sem cair no detalhismo dos pintores mais voltados para a pintura linear.



Paisagem chinesa
A Arte do desenho no século XVII chinês

O período abordado por esta exposição vai de 1368 a 1644, quando houve o colapso da dinastia Ming e a conseqüente conquista da China por tribos nômades. Este foi um dos períodos mais traumáticos da história chinesa, mas permitiu surgir uma onda de artistas que se destacaram nessa época. Na exposição estão presentes mias de 60 pinturas de paisagens e caligrafias que demonstram um estilo bem pessoal dos artistas dessa época, como Huang Daozhou, Hongren, Shanren Bada (Zhu Da), e Shitao. Suas pinturas demonstram as condições emocionais em que viviam os artistas sob o poder invasor, suportando condições muito severas de vida, pressões psicológicas de toda ordem (pois eles se mantinham fieis aos seus antigos governantes) e muitos deles buscaram refúgio em meio à natureza, que retrataram com paisagens muitas vezes duras, densas. Mas esses artistas usaram a pintura e a caligrafia como forma de se expressarem, com isso desenvolvendo uma técnica e um estilo que influenciam a pintura chinesa até os dias de hoje.



Gushtasp mata o dragão: Página de um manuscrito Shahnama Mestre do Shahnama Jainesque
Pintores mestres da Índia

Abrangendo o período que vai de 1100 a 1900, portanto oitocentos anos da pintura hindu, que tem sido classificada de acordo com os diversos estilos regionais, e também dinásticos, com ênfase no tema e conteúdo narrativo. São 220 trabalhos selecionados a partir dos 40 maiores pintores indianos, alguns dos quais estão sendo identificados pela primeira vez.






Caricatura e sátira de Leonardo a Levine


Desenho de Leonardo da Vinci
A exposição explora o desenho como caricatura e sátira em suas diversas formas a partir do Renascimento italiano até o presente, elaborado principalmente a partir do rico acervo desse material no Departamento de Desenhos e Gravuras do Museu, que contém  – entre tantos – desenhos, por exemplo, do italiano Giovanni Paolo Panini (1691-1765).


Inclui desenhos e gravuras de Leonardo da Vinci, do francês Eugene Delacroix, do espanhol Francisco Goya, do também francês Henri Toulouse-Lautrec, assim como obras de artistas mais frequentemente voltados ao humor, como James Gillray, Thomas Rowlandson, Honoré Daumier, Al Hirschfeld e o norte-americano David Levine. Muitas destas caricaturas nunca foram exibidas antes, sendo, por isso, pouco conhecidas do público.


Quer dizer... dentro da lógica da elitezinha local, o "primeiro mundo" está escolhendo mesmo é ver Arte.



Caricatura sobre a guerra portuguesa, 1831-1834, de Honoré Daumier

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

30 mil acessos completados!

30 MIL ACESSOS EM 1 ANO E 5 MESES!


Este blog fala de Arte há pouco mais de um ano, mais precisamente desde abril de 2010. São 17 meses de vida de um espaço onde o assunto é um só: Artes Plásticas.


Temos tido uma boa repercussão do que aqui se publica: comentários que são postados, e-mails que são enviados, incentivos de amigos, sites de parceiros que nos procuram propondo parcerias... além de saber que os textos deste blog têm servido para auxiliar estudantes e professores em seus trabalhos sobre o tema da Arte. Textos livres, diga-se de passagem... Quem quiser copiar que copie, porque estas ideias devem ser mesmo espalhadas o máximo possível. Este blog também me rendeu um convite: escrever um livro para professores de Arte do ensino médio, que sirva como um guia para suas aulas. A ideia está sendo gestada...


Os acessos têm vindo de todos os cantos do mundo: Brasil, Portugal e Estados Unidos estão na frente entre os que acessam diariamente este blog. Fora eles, França, Alemanha, Argentina, Reino Unido, Itália, Espanha e até leitores de terras longínquas como os Emirados Árabes, a China e a Rússia têm passado por aqui! A facilidade de tradução online tem ajudado estas ideias escritas em minha língua-mãe a serem lidas por qualquer pessoa de qualquer outra língua, criando uma grande rede em torno da Arte.


Isso nos incentiva a continuar utilizando este Blog para divulgar não só meus estudos pessoais (desenhos e pinturas), mas principalmente minhas ideias sobre Arte. Tenho uma visão crítica sobre a arte que se produz nos dias de hoje; tenho uma visão crítica sobre o mundo de hoje; e uma coisa está diretamente vinculada à outra. Eu defendo explicitamente a pintura figurativa, em especial a Arte Realista, que é a que eu pratico; e não só eu, mas dezenas de pessoas que frequentam o Atelier de Maurício Takiguthi, aqui em São Paulo. Além de outros pelo Brasil e pelo mundo. Nisto eu não estou só!

Seguimos de perto mestres do passado, como Caravaggio, Rembrandt, Vermeer, Ticiano, Rubens, Velazquez, José Ribera, Gustave Courbet, Delacroix, entre outros, mas também acompanhamos com atenção os contemporâneos como Antonio Lopez, Lucien Freud (recentemente falecido) e os realistas norte-americanos, como Burton Silverman e David Leffel, além de outros.

Por tudo isso a orientação é: vamos continuar! E que venham os próximos 30 mil acessos! Bem vindos todos e obrigada a todos os que passeiam por estas páginas!


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Para comemorar aqui vão alguns estudos com pastel em tons de cinza:







sexta-feira, 23 de setembro de 2011

“Quando o tempo for propício” *

Há um costume entre as pessoas mais velhas de qualquer período histórico: um olhar para seu passado com certa melancolia, contaminada pelo sentimento de que “naquele tempo, sim, as coisas andavam melhores no mundo”...
Mas vamos e venhamos, vivemos num momento histórico privilegiado, por tantos desafios lançados às mentes humanas nestes tempos nebulosos. Há que se estar atento a cada movimento, quando nos encontramos em meio ao nevoeiro: um pode nos salvar; outro pode ser o fim. E as sereias cantam docemente, enganando até mesmo velhos marinheiros.
Tempo rico, tempo são. Tempo louco.
O mundo anda mal. Crise econômica generalizada atingindo principalmente os países ricos, como os EUA, onde hoje mais de 46 milhões de pessoas vivem na margem da pobreza. Em Nova Iorque de cada cinco, uma pessoa está nessa situação! Fora os cerca de um bilhão de seres humanos no planeta que ainda passam fome em pleno século XXI!
O mundo anda mal também nos aspectos, digamos, mais subjetivos. De uma subjetividade estranha, porque, de tão pesada, atinge a todos nós em pleno fígado. Todos nós??? De quem se trata esse “nós”? “Ele inclui bispos e gerentes de banco?” pergunta Terry Eagleton em seu livro As ilusões do pós-modernismo. Não, porque neste mundo de seres iguais uns são “mais iguais” do que os outros. Esses “mais iguais” são os promotores desse festival de estupidezes a que assistimos, que nós podemos intitular de “o mais novo pensamento dos novos capitalistas neoliberais e pós-modernos”:
- foi decretado que o sonho humano que animava milhões de pessoas pelo mundo não é mais possível: o Socialismo acabou;
Auto-retrato, de Egon Schiele
- foi instaurado o reino do individualismo e agora é o salve-se quem puder, cada um por si, deus contra todos;
- foi instalado o reino do Instantâneo, do Superficial, do Efêmero – contemporâneo do macarrão que se cozinha em 3 minutos e se come em um;
- foi decretada que a Quantidade (de dinheiro, de prazer, de consumo, etc) se sobrepõe à qualidade;
- está deliberado que a Aparência é um valor em si mesmo e que a Visualidade reina sobre qualquer conteúdo. Com isso procure-se qualquer clínica de estética e se re-estetize a você mesmo;
- foi decidido que a Globalização tem predominância sobre as regionalidades e as nacionalidades;
- foi deliberado que o indivíduo narcísico tem mais valor do que qualquer grupo ou coletividade; que do alto do seu posto, o Eu individual NADA PODE fazer para mudar o mundo e reinventar outra ordem social, porque “a história acabou”;
- foi decretado que a mídia é o grande porta voz dos discursos desconstrutores e reconstrutores do mundo, em afinidade com as ideias pós-modernas;
- está deliberado que a Arte Contemporânea continuará sendo a repetição de fórmulas que já duram cem anos, mas que são congruentes com esse espírito que de tão moderno chega a ser pós-moderno, em seus discursos sem sentido.
Porque está decretado que nenhum discurso mais precisa ter sentido, a linguagem está livre para-o-que-der-e-vier e qualquer um pode dizer o que quiser, na língua que desejar, porque TUDO o que importa é a expressão de qualquer discurso.
E também decretou-se que a Arte morreu. Depois re-decretou-se que tudo é arte, incluindo as secreções do corpo humano... Depois decreta-se que arte é discurso e que basta uma boa ideia e um bom curador para que qualquer coisa alcance o status de arte. Mas tem um detalhe importante: quem decide o que é Arte hoje é uma entidade denominada Mercado, porque tudo o que o homem produz nos dias de hoje só tem existência se se transformar na simbologia capitalista que produza mais-valia.
Os mais velhos podem ter alguma razão. Até há poucas décadas atrás (duas, no máximo) o mundo era mais simples: havia o sonho socialista, de um lado, e os que reagiam contra a ideia de que o capitalismo não era o melhor dos mundos: os reacionários.
Mas o capitalismo não é o melhor dos mundos: basta olhar para as ruas ocupadas por multidões sem rumo, engarrafadas, se movimentando em seus automóveis em direção... ao que mesmo? Depende. Pode ser até o shopping center ali da esquina!
Moça gorda, de Lucien Freud
Mas para “re-significar” (eles adoram essas expressões) o pobre coitado que está ali na luta pela sobrevivência, basta algumas horas de reconstrução da sua figura, enfumaçada pelo status quo


- disponibilize-se salas de musculação; cirurgia plástica; lipoaspiração; rejuvenescimento; massagem; maquiagem definitiva; alisamento permanente; botox; alongamento de pênis; depilação masculina e feminina; vitaminas a, b, c do alfabeto inteiro disponíveis; cirurgias de redução do estômago crescido de quem comeu todas as calorias estimuladas pelas indústrias fornecedoras dos supermercados; drogas para dormir, ter tesão, turbinar o cérebro; revistas que dariam inveja ao famoso Jack, estripador: pernas, braços, barrigas-tanquinho, rostos esticados; bundas, coxas de gostosas e gostosos, cabelos loiros e pretos alisados, mais loiros do que pretos; toda a farmacologia disponível e pesquisada pela imensa indústria farmacêutica que promete o aumento da expectativa de vida... ufa! Para viver dez anos a mais nesse inferno?
Distante da ideia do coletivo, o indivíduo lançado ao seu mundinho umbilical pensa que, finalmente, no reino do “eu” ele vive no melhor dos mundos: pois “O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: Eu te darei tudo isto e tudo será teu, se prostrado me adorares!” Diz o espírito do mundo capitalista a quem quiser ouvir...
Primeiros dias da primavera, de Salvador Dali
Mas há uma saída. E ela é coletiva.
Há que se voltar mais uma vez para o Real, para o mundo, para a história, para o homem. “A Modernidade acreditava na história”, diz o poeta Affonso Romano, mas a pós-modernidade é essa ausência de qualquer celebração utópica. O mundo se transformou num grande mercado, ele acrescenta. Os movimentos transformadores do mundo são hoje desmoralizados e desmerecidos. Hoje não se incentiva o agrupamento, a coletividade. A noção de História se encontra confusa, assim como a noção de realidade objetiva tornou-se “suspeita”. O nevoeiro se espalhou por toda parte.


E alcançou até a arte. De tão nebulosa, ela nem precisa ser vista, basta crer, basta ter fé na intenção do artista e pronto. A Arte existe, se é discurso.
Mas, no entanto a Terra se move, como disse Galileu Galilei lá pelos idos de 1615...
E a nós, nos resta engendrar a subversão que porá tudo de pernas pro ar, “quando o tempo for propício”...
(Trecho de oração ao Tempo, Caetano Velloso)