segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A política e os artistas

"A morte no sábado - homenagem a Vladimir Herzog",
óleo sobre tela, Antonio Amaral, 1975
A força das ideias gera a história, movimenta os povos, muda sistemas. Nas artes, inúmeros artistas não ignoraram o que aconteceu em seu próprio tempo, criando obras que foram testemunhos históricos e ao mesmo tempo marcos estéticos de suas épocas. Há relação, portanto, entre arte e política.

Vamos começar com um exemplo mais distante, mas que trouxe grande influência à nossa época e mesmo ao nosso país: na França do século XVIII, ideias as mais contraditórias disputavam espaço numa sociedade em ritmo de mudanças profundas em seu sistema político, econômico, social. Burgueses e aristocratas combatiam entre si os espaços de poder e de pensamento, enquanto que a grande maioria do povo vivia na pobreza. Os adeptos do velho regime se agarravam ferrenhamente ao passado; outros, inspirados pelos novos ideais carregavam novas bandeiras que balançavam ao sopro dos ventos de um mundo novo.

A Revolução Francesa marcou o fim desse "Ancien Régime" e dos privilégios da realeza e do clero. Até então o rei era o centro de toda a vida política e social na França. Os impostos cobrados ao povo eram extorsivos. A imensa maioria vivia na miséria, enquanto os membros da corte e do clero se refestelavam nos palácios. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, proclamou a igualdade dos direitos de todos diante da lei, além de defender direitos básicos dos cidadãos. Essa Revolução de 1789 marcou o início da era moderna e influenciou todos os recantos do mundo.


Marat assassinado, David
Em meio aos artistas, as discussões iam além de questões estéticas e as ideias dos adeptos do Romantismo já movimentavam os ateliês. Foi em meio a esse fervilhar de ideias que se destacou Jacques-Louis David (1748-1825). Envolvido totalmente com a Revolução Francesa de 1789, David pôs seu talento de pintor a serviço das causas revolucionárias, assim como foi fiel ao período napoleônico, declaradamente favorável a Napoleão Bonaparte. Mas na Revolução de 1789 alinhou-se aos jacobinos, a ala esquerda. Em 1793 apresentou o depois famoso quadro “Marat assassinado”, onde denunciava o assassinato do revolucionário e seu amigo Jean-Paul Marat.

Além de David, um outro artista francês se destacou como um pintor da Revolução: Eugène Delacroix (1798-1863), que já nasceu numa França renovada pela Revolução mas também era plugado a seu tempo, até mesmo pelo romantismo que o inspirava.


A Liberdade guiando o povo, Delacroix
Delacroix participou dos movimentos revolucionários de seu tempo ao pintar o célebre quadro “A Liberdade guiando o povo às barricadas”. A mulher que representa a Liberdade em sua tela é uma mulher do povo, com o peito nu e os cabelos ao vento. Diz Walter Friedlaender em seu livro “De David a Delacroix”: “De todas as obras de Delacroix, foi a única em que um conceito original e um verdadeiro sentimento contemporâneo se completaram de forma vigorosa”.


Aqui no Brasil, muitos foram os artistas que se envolveram com a política de seu tempo. Começando com Victor Meirelles (1832-1903) e Pedro Alexandrino (1856-1942), que pintaram grandes telas representando momentos épicos da história do nosso país, passamos pelos modernistas e chegamos a Candido Portinari (1903-1962), um dos nossos maiores pintores, que se envolveu diretamente com a política de seu tempo, sendo inclusive candidato a deputado federal nas eleições de 1945 e de 1947, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). São inúmeras as telas de Portinari com cunho político, especialmente aquela em que ele denuncia a miséria em que vivia grande parte do povo nordestino, “Os Retirantes”, que tem uma força expressiva muito tocante.

Mas para exemplificar com um artista mais próximo do nosso tempo, vamos destacar o paulista Antonio Henrique Abreu Amaral, que nasceu em 1935 e ainda vive em São Paulo. 

Antonio Henrique iniciou sua formação artística na Escola do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP, em 1952. Em 1956, foi estudar gravura com Lívio Abramo, um grande gravador brasileiro, que também se interessava muito pela política do nosso país. Em 1958, Antonio Henrique viajou pela Argentina e Chile, realizando exposições, ocasião em que conhece pessoalmente o poeta Pablo Neruda (1904 - 1973), que era comunista. 

Após passar pelos EUA, em sua volta ao Brasil em 1960, Antonio Henrique Amaral conheceu artistas como  Ivan Serpa (1923 - 1973), Candido Portinari (1903 - 1962), Antonio Bandeira (1922 - 1967), Djanira (1914 - 1979) e Oswaldo Goeldi (1895 - 1961). Em 1964, houve o golpe militar que instaurou no Brasil uma Ditadura Militar que perseguiu muitos artistas e intelectuais, prendendo, torturando e mesmo assassinando inúmeros brasileiros que se opunham àquele regime de falta de liberdade e que havia imposto uma censura muito grande que atingia também diretamente a o meio artístico.


Incomunicação, Antonio Amaral,
xilogravura
Com isso, Antonio passou a incorporar em seu trabalho artístico a temática social, denunciando também a falta de liberdade em que vivia o povo brasileiro, sob uma censura rígida e muita perseguição política. Em 1967, ele lançou um álbum de xilogravuras coloridas intitulado “O Meu e o Seu”, com apresentação do poeta Ferreira Gullar (1930) que à época também era militante comunista e também foi perseguido pela ditadura militar. Nesse album, ele sintetiza a questão do autoritarismo político dos militares no poder.

Antonio Henrique Amaral começa a fazer uma série de pinturas com o tema das Bananas, entre 1968 e 1975, onde se vê claramente a metáfora da banana como crítica ao que estava acontecendo em nosso país. Um desses trabalhos apresenta uma banana cortada e envolta por um garfo, ambos amarrados por um grosso barbante. Nessa série de Bananas, o artista parece concentrar sua denúncia do momento político brasileiro sob o regime ditatorial militar: bananas apodrecidas, espetadas por garfos pesados parecem querer mostrar o que estava acontecendo nas prisões com a tortura cruel aos presos políticos.


Bananas, A. Amaral,
óleo sobre tela, 1970
A metáfora das bananas sempre foram usadas em diversos momentos da nossa história, desde a pintura “Tropical” de Anita Malfatti (1889-1964), passando pela “A Negra” de Tarsila do Amaral (1886-1973), e até “Bananal” de Lasar Segall (1891-1957). Na década de 1930 o compositor Braguinha explicitou na letra da música “Yes nós temos bananas”, de forma gaiata, a exploração das riquezas do Brasil por parte dos estrangeiros. Na década de 1940 Carmen Miranda balançava suas curvas nos Estados Unidos, criando a imagem caricata da latino-americana com seu chapéu excêntrico carregado de bananas e outras frutas. Ou seja, Antonio Henrique voltava à mesma metáfora para mostrar que o país da banana e do carnaval sofria com a ditadura militar.

Uma de suas pinturas mais explícitas é “A morte no sábado - homenagem a Vladimir Herzog”, na qual o artista denuncia o assassinato do jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog nos porões da ditadura dos generais brasileiros.

Antonio Henrique Amaral vive e trabalha em São Paulo.

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Alguns exemplos da arte política do artista:


A Grande Mensagem, 1966, Amaral, xilogravura

Campo de batalha 22, óleo sobre tela, 1974
Campo de batalha 3, óleo sobre tela, Amaral, 1973
Os metais e as vísceras I, óleo sobre tela, Amaral, 1975 
"Eu decido", Antonio Amaral, xilogravura, 1968
"Sem saída", xilogravura, 1967

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Impressão, sol nascendo

Impressão, sol nascente, Claude Monet, 1972
O Museu Marmottan-Monet de Paris, França, está festejando seus 80 anos expondo uma tela das mais importantes de sua coleção, a obra do pintor Claude Monet, intitulada “Impressão, sol nascente”. Realizada em uma manhã de 1872, ela é considerada uma espécie de “Gioconda” do Impressionismo.


Já faz quase 70 anos que o Museu Marmottan-Monet guarda cuidadosamente esta obra emblemática do Impressionismo, uma pequena tela de 50 x 65 cm que nem mesmo foi emprestada ao museu do Grand Palais para uma retrospectiva magistral que aconteceu em 2010. O Marmottan é um museu de caráter especial, uma vez que é ligado à Academia de Belas Artes e dirigido por um de seus membros, Patrick de Carolis, desde o ano passado (2013). Este museu possui uma especial coleção impressionista, assim como objetos e telas da época napoleônica, obras da Idade Média e do Renascimento, reunidos por diversos de seus doadores que pertenciam às famílias Marmottan, Monet, Wildestein, Morisot, Bellio…


Este quadro em destaque, o “Impressão, sol nascente” deve sua notoriedade às contingências históricas que lhe fizeram preciosa ao longo do tempo, assim como o mistério que envolve sua concepção e sua recepção, pois durante uns 50 anos era considerada com sarcasmo. Exposta pela primeira vez em 1874 no estúdio de Nadar, fotógrafo francês, na famosa primeira exposição “impressionista”, essa obra foi a que inspirou, num crítico de arte do jornal satírico “Le Charivari”, o qualificativo pejorativo de pintura “impressionista”. Louis Leroy, o jornalista, teria dito: “Impressão, eu estava seguro disso. Eu também disse isso a mim mesmo, pois fiquei impressionado, deve haver impressão. (...) Qualquer papel pintado em estado embrionário vale ainda mais do que esta marinha!” Com essa crítica, os artistas do grupo de Monet rapidamente tomaram a si o termo e se autodenominaram “impressionistas”.


A tela foi vendida no mesmo ano em que foi exposta para o colecionador Ernest Hoschedé, e revendida quatro anos depois, valendo quatro vezes menos. Adquirida por Georges de Bellio, ela foi doada em 1940, por sua filha, ao Museu Marmottan. Um ano antes, esse quadro e mais uma dezena de outros da coleção Bellio foi enviada secretamente ao castelo de Chambord, junto com outras obras do Louvre. Era tempo da II Guerra e o nazismo era um perigo em todos os aspectos da vida. Era necessário proteger essas obras. “Impressão, sol se pondo” ficou guardada nesse castelo durante seis anos, e foi enviada ao museu no fim de 1945. Com tanta história, essa tela acabou se tornando um mito. No dizer do crítico Roger Marx, “Impressão, sol nascendo” era "a esfera de fogo que vai para cima ou para baixo em um mar de névoa", e torna-se também, para os historiadores de arte, uma testemunha concreta do nascimento do Impressionismo.


A famosa cena, uma marinha ao alvorecer, foi pintada à beira do Havre, uma vila portuária situada a noroeste da França. William Turner, Eugène Boudin, Johan Barthold Jongkind, Gustave Courbet e o próprio Claude Monet pintaram essa visão matinal com tons crepusculares. “O sol sob a névoa e os mastros dos navios apontando para o alto”, é assim que Monet descreve esta tela 25 anos após sua execução. Os reflexos de um sol gordo, a sensação vaporosa, a luz pulverizada, o contraste entre verdes,cinzas e laranjas, a atmosfera ambivalente do limbo… dão a esta tela o valor de um símbolo de um período, o do Impressionismo, mas que já anuncia o Simbolismo.
Estudos de topografia, de astronomia e dos movimentos das marés e boletins meteorológicos da época, dão, segundo o professor de física e astronomia da Universidade do Texas, Donald W. Olson, a precisa data e hora em que Monet pintou este quadro: 13 de novembro de 1872, em torno de 07:35. Uma grande precisão para uma tela que não é nenhum pouco precisa...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Lise Forell: uma vida para a Arte




O Ateliê e Galeria Contraponto homenageiam a artista plástica Lise Forell com uma exposição de pinturas que marcam seus 90 anos de vida dedicados à arte. Com curadoria de Claudinei Roberto, a exposição constará de cerca de 25 pinturas realizadas em diversas fases da vida desta artista de origem theca. A abertura será no próximo dia 20 de setembro, sábado, a partir das 16 horas, com entrada livre.


Lise Forell nasceu na atual República Tcheca, em 1924. Estudou na Academia de Belas Artes de Antuérpia, na Bélgica. Em 1940, em plena II Guerra Mundial, embarcou com seus pais, em Marselha, na França, com destino ao Brasil, fugindo da perseguição nazista. O navio em que ela e seus pais se encontravam foi, entretanto, retido em Casablanca, no Marrocos, e seus passageiros transferidos para um campo de concentração no Saara marroquino. Um ano mais tarde, consegue escapar com a família para Cadiz e embarcar no navio espanhol Cabo de Buena Esperanza para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em setembro de 1941. Transferiu-se para São Paulo em 1942, onde passou a executar pinturas em vitrais para a empresa Conrado Sorgenicht. Há muitos anos, vem se dedicando à pintura e ensinando em seu atelier na Chácara Shalom, nos arredores de São Paulo.


Sobre ela, escreveu o jornalista, historiador e crítico de arte Pietro Maria Bardi: “No Museu de Arte se conserva um painel, nº 352, de Lise Forell, denominado ‘O Judeu Errante’, pela primeira vez exposta no XLIX Salão Nacional de Belas Artes em 1943. É, além de uma pintura expressa com patética força de sentimento, um documento notável, pois sublinha o evento mais degradante da humanidade do século XX. Sua autora, formada pela Academia de Antuérpia, veio jovem para o Brasil, naqueles tempos de perseguições, e aqui se radicou dedicando-se à sua arte, logo entrosada com a vida de nosso povo, conseguiu sucesso imediato, com sua disposição cordial. O sombrio e o pânico que sopravam na outra costa do Atlântico se desfizeram ao encontro das batucadas, da intensa impressão da favela, dos desprendimento com que a gente desenvolve sua vida alegre. Lise pintou com verve o Brasil, alcançando as cores dos diapasões mais brilhantes, construindo e imaginando suas cenas com o instinto que Gauguin chamava “Naiveté”, que não deve ser confundido com o trabalho cada vez mais numeroso dos primitivos”.


"Samba", óleo sobre tela
Lise Forell participou de inúmeras exposições coletivas, entre as quais destacam-se: Museu de Arte de São Paulo (1971 e 1978); Grupo Nós, SP (1973, 1979 e 1988); Chapel Scholl, SP (1974, 1977 e 1978); Escola Suíça-Brasileira, SP (1977, 1979, 1993 e 1994); Briminghans of Art, Inglaterra (1975); Galeira Cravo e Canela, SP e Galeria Orixás, SP (1980); Galeria Jacques Ardies, SP (1981 e 1982); Galeria Samuel Wainer, Brasília (1986); Clube Transatlântico, SP (1989); Livraria Revisal, SP (1996); Atelier Pinski, SP (1997); Bienal Internalcional de Budejovice (2001); Galerie Kaplanka " Krumlov; Galerie Mesic de Budejovice; Galerie Zert, Colin (2002).


Entre as exposições individuais salientam-se: Galeria Pilão, SP (1972); Galerie Heide, Hamburgo, Alemanha e Galeria Heijo, SP (1974); Galeria 167, SP e Espaço Cultural Mercedez-Benz, SP (1975); Centro Cultural de Wilster, Alemanha; Galeira Armon e Galeria Alex Lezion, Israel (1977); Clube Naval Brasília, (1977 e 1778); Espaço Araras, SP (1978); Galeria Cléo, SP (1979); Galerie Bambu, Hamburgo, Alemanha (1980); Galeria do Consulado do Brasil em Berlim, Alemanha, (1981); Espaço Cultural Sambra, SP (1983 e 1985); Galeria Todarte, SP e Woman"s Club, SP (1984); Galeria Matalon, Los Angeles, EUA (1985); Chapel Art Show, SP (1986); Centro Cultural Brasília (1987); Credit Lionnais, Paris; Casa Antigua, SP (1990); Galerie Saint Romain, França (1991); Espaço Cultural do Banco do Brasil e Clube A Hebraica, SP (1992); Clube Transatlântico, SP (1998); Galerie Altestadt, Vaduz, Liechstenstein (2001); Espaço Cultural Judaico, Brno (2002); Espaço Cultural Einstein, SP; Galeria Futura, Praga, República Tcheca; e Galeria Mischa Marianske Lazne, República Tcheca (2003).

A exposição de pinturas de Lise Forell no Ateliê e Galeria Contraponto estará aberta ao público de 20 de setembro a 11 de outubro de 2014.

"Carnaval da fome", óleo sobre tela, 1983

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Tate Britain expõe William Turner

William Turner - The Blue Rigi, 1842 - Aquarela - 29,7 x 45 cm
Joseph Mallord William Turner, um dos nomes mais reverenciados da pintura inglesa do século XIX, está sendo homenageado com mais uma exposição de suas pinturas, no museu Tate Britain de Londres, entre 10 de setembro e 25 de janeiro de 2015.

Quando Turner tinha 60 anos de idade, em abril de 1835, visitou a Dinamarca, a Alemanha e a Holanda. No ano seguinte, foi para a França e Suiça, e em seguida Alemanha de novo, mais a Bélgica e a Itália. Sempre foi um incansável viajante e explorava a Europa como explorava suas pinturas: sozinho, fisicamente fragilizado e desenhando sempre. A esta altura de sua vida já não se preocupava mais com a venda de sues quadros, pois estava cercado de marchands que faziam isso por ele. Sem mais se preocupar com sua sobrevivência, Turner, já com 70 anos, se permitia experimentar, exercitar sua pintura, deixando obras inacabadas, mas sem jamais parar de se aprofundar em suas pesquisas como pintor. 

Ao mesmo tempo, o pintor sofria pesadas críticas, principalmente porque morava junto com Sophia Booth, sem ter se casado. A sociedade inglesa, conservadora demais, não aceitava os excessos de liberdade do artista, em sua vida e em sua obra, e por isso ele sempre era motivo de escândalo para os ingleses. Assim, numa pintura como “Sol poente sobre um lago”, um sol brando se reduz a uma espécie de bola esmagada, como uma goma de mascar, enquanto que “Praia de Brighton”, que abre a exposição do Tate reduz a paisagem marinha a quatro retângulos e uma área plana de cores batidas anunciam o “Impressão: nascer do sol” de Claude Monet, trinta anos mais tarde.

Obviamente em 1843 ainda não havia surgido a pintura abstrata. O próprio termo não significava nada e era impensável para um pintor da geração de William Turner. Ele se fixava sempre no mundo a seu redor, assim como nas pesquisas em sua pintura. Pintou desde mitos greco-romanos até as cerimônias religiosas de Veneza, os fenômenos naturais e as paisagens de seu país, como se fizesse tudo explodir em luz e cores.

Mesmo em idade avançada, Willian Turner continua desenhando com minúcia desde cenas bíblicas a paisagens. Já usava óculos de grau para poder enxergar melhor e desenhar, mas a imprecisão da vista já cansada leva-o a experimentar ainda mais a luz e a cor em seus quadros, feitos a óleo ou em aquarela. Romântico puro, ele coloca seus sentimentos pessoais sobre o mundo real. E pinta. 

Até sua morte, em 1851, Turner buscou a luz, e a descobriu muitas vezes.

Algumas das obras que estão expostas no Tate Britain:

William Turner - Ancient Rome; Agrippina Landing with the Ashes of Germanicus, 1839
- óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm

William Turner - Goldau, with the Lake of Zug in the Distance - estudo feito por volta de 1842-3, caneta, aquarela, lápis - 22,8 x 29 cm

William Turner - Fishermen on the Lagoon, Moonlight, 1840 - aquarela, 19 x 28 cm

William Turner - Returning from the Ball (St Martha), 1846 - óleo sobre tela, 61 x 92,4 cm

William Turner - The Visit to the Tomb, 1850  óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm


William Turner - Peace, Burial at Sea, 1842 - óleo sobre tela, 87 x 86 cm

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sol da minha vida

"Por do sol em Mont Majour", Van Gogh, 1888
Tem dias que a melhor coisa do mundo é um bom poema! Há uns 25 anos atrás uma amiga me deu de presente um poema de Maiakovski, este que publico abaixo. O poema iluminou minha alma então... Hoje, sem sol em São Paulo, nada melhor do que chamar o Sol para iluminar o dia:


"A aventura insólita que viveu V. Maiakóvski quando de sua estada na Datcha"


"Semeador ao sol", Van Gogh
O ocaso ardia em cento e quarenta sóis.
Em julho deslizava o verão,
fazia calor,
o calor ardia.
Assim era na datcha.

A colina de Púchkin acorcundava-se
na montanha de Akulov,
e ao pé da montanha
havia uma aldeia,
encurvada de tetos de cortiça.
E atrás da aldeia
havia um buraco,
e para esse buraco, com certeza,
descia o sol, toda vez,
lentamente e fielmente.


E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se o sol escarlate.


E dia após dia a enfurecer-me terrivelmente
isso começou.

E assim uma vez enfureci-me tanto
que tudo desbotou de medo,
à queima-roupa eu gritei ao sol:

- "Desce!
chega de vadiar nesse calor tórrido!"
Eu gritei ao sol: - "Parasita!
Tu estás aconchegado nas nuvens,
mas aqui, sem saber quando é verão e quando é inverno
é um tal de 'senta! desenha cartazes!’"
-  "Ouve, testa de ouro,
que tal deixar os negócios de lado
e vir tomar um chá comigo?"


O que eu inventei! Estou perdido!
Para mim, de boa vontade,
ele mesmo,
abrindo seus largos passos-raios
vem à terra.

"Girassois no vaso", Van Gogh
Quero não mostrar meu susto
e dou uns passos para trás.
Seus olhos já estão no jardim.
Já está atravessando o jardim.
Pelos postigos, pelas portas,
pelas frestas entrando,
a massa do sol desaba,
irrompe;
reconduzindo o fôlego
disse com voz de baixo:

- "Eu rechaço meus fogos
pela primeira vez desde a criação.
Tu me chamaste? Manda vir o chá,
poeta, manda vir a geleia!"


Com lágrimas nos olhos devido ao calor
eu perdi a cabeça
e disse a ele – olhando para o samovar:
- "E então, astro, senta!"

O diabo atiçou minha ousadia
a gritar com ele, – e eu, confuso,
sentei no cantinho do banco
com medo que a coisa fosse piorar.
Mas uma estranha claridade do sol
emanou – e esquecendo
qualquer solenidade, sento a falar
com o Astro calmamente.


Disso, daquilo, falo eu,
de como a Rosta me comeu a mordidas.
E o Sol: - "Bem, não te aflijas,
olha para as coisas simplesmente!
Ou pensas que é fácil para mim brilhar? Vamos, experimenta!
E aí vais – é preciso ir,
vais e brilhas, ao mesmo tempo!"


"Vamos, poeta,
vamos raiar, vamos cantar
no mundo de trastes cinzentos.
Eu, Sol, verterei o que é meu,
e tu, o que é teu, os versos".


A parede das trevas,
a prisão da noite,
sob o sol caíram, ambas,
de versos e  luzes uma profusão
brilha a toda!


Brilhar sempre,
brilhar em toda a parte,
até ao dia em que a fonte da vida se esgote,
brilhar –
e é tudo!
É o nosso lema – meu e do sol!


Menina à beira mar, de Joaquín Sorolla

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"Arte é saber e fabricação"

Claudio Strinati, historiador e crítico italiano, conhecido internacionalmente, concedeu uma entrevista a seu conterrâneo Claudio Bernabucci, que foi publicada esta semana no site da revista Carta Capital, que reproduzimos aqui neste Blog.


Claudio Strinati

Claudio Strinati, o entrevistado, nasceu em Roma em 1948, é pós-graduado em história da arte. Foi professor de História da Arte no ensino médio público entre 1971-1973. Seu campo de estudo é principalmente dirigido aos pintores dos séculos XVI e início do século XVII, especialmente Caravaggio. Strinati tem sido curador de inúmeras exposições e eventos culturais na Itália e no estrangeiro, com exposições de Caravaggio, Raphael, Ticiano. Autor de inúmeros artigos científicos sobre o tema da arte em jornais e revistas italianos, como os “Bollettino d’ Arte”, “Storia dell’Arte”, “Prospettiva”, “Antichità Viva”, “La Repubblica”, “L'Espresso” e “Art-Dossier”. Atualmente ele se dedica principalmente a escrever sobre Arte.


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Leia a entrevista abaixo, feita a Claudio Bernabucci, que é formado em Ciência Política na Universidade La Sapienza e foi funcionário da ONU e da prefeitura de Roma.
CartaCapital: Podemos afirmar que a arte contemporânea representa uma bolha especulativa, como aquelas da finança internacional, com cotações extravagantes que nada têm a ver com os reais valores?
Claudio Strinati: De fato, existem no mundo da cultura pessoas que consideram a arte contemporânea como mera especulação, mas eu não tenho a mesma opinião, por um motivo bem preciso: porque acredito que a arte contemporânea não existe e não existe uma única definição dela. Arte contemporânea é, por princípio, aquela que se faz no nosso tempo. Essa arte tem de tudo: tem o nada, mas também existem manifestações de grande qualidade – no cinema, no teatro, na música, que até prova em contrário também são artes. Não podemos medir tudo pela mesma bitola. Não concordo com a condenação indiscriminada da arte do nosso tempo.
CC: Justamente. Então vamos restringir nossa reflexão às artes plásticas, objeto das maiores críticas.
Autorretrato de Rembrandt
CS: Se você se refere ao fato de que hoje, no campo das artes figurativas, se produz uma quantidade inacreditável de coisas feias e molestas, eu concordo. Mas isso é ligado a uma produção muito mais ampla em relação ao passado. Nos séculos anteriores, a produção artística era quase exclusivamente europeia, e a profissão de artista plástico era exercida por poucos milhares de pessoas, entre os quais os grandes mestres eram minoria. Hoje no mundo existem milhões de artistas figurativos. Quando o número de artistas era menor, os péssimos se notavam menos... Na imensa quantidade de trabalhos dos nossos dias, orientar-se é mais difícil. Existe enorme quantidade de material considerado artístico que não é válido e não pode ser definido como arte contemporânea.
CC: Parece que as artes plásticas da contemporaneidade não são bem-vistas. O grande público fica atônito perante os excessos muitas vezes extravagantes que são oferecidos nas exposições.  Ao contrário de outras artes – como a música, por exemplo –, o artista plástico parece amiúde desligado dos dramas do mundo em que vive, para representar sensibilidades que não estabelecem relacionamento profundo com o público, e este reage sentindo-se enganado. Como se explica esse desencanto?
CS: Arte plástica é visão, e o homem vive de experiências estéticas, mas hoje vivemos em um mundo onde essas experiências são contínuas e frenéticas, através de imagens de alta qualidade transmitidas por tevê, cinema, fotos, vídeos e até vitrines de loja. Antigamente, ao contrário, a experiência de visão da humanidade era só a arte figurativa: quadros e esculturas nas igrejas e nos palácios ou nos raros museus. Essas obras continuam sendo produzidas, mas são relativizadas pelas experiências estéticas do outro tipo. Nos dias de hoje, o artista oferece a “tradicional” obra plástica que chega ao usufruidor no final de um processo que lhe é estranho. Pensamos no desenfreado interesse pelo futebol: a visão de uma partida tem valor estético maravilhoso, e o espectador de tevê vive uma experiência envolvente e fascinante. Por outro lado, percorrendo uma exposição de arte contemporânea, o visitante não tem tempo para aprofundar o conhecimento da história nem o processo criativo do artista, bombardeado como é por mensagens estéticas muito mais intensas e diretas. Então, é comum considerar aquela “arte” como um imbróglio.
CC: Com base nessa descrição, como se explicam então as cotações milionárias de artistas contemporâneos que, vendendo prateleiras com pílulas ou outras extravagâncias, suscitam tantas controvérsias? Nesse caso, me parece que a fama deles é muito pouco merecida e os valores artísticos expressados, questionáveis.
"Retrato de Simonetta Vespucci",
de Sandro Botticelli
CS: Você se refere a um fenômeno que sempre aconteceu na história da arte, mas só os especialistas sabem disso. Por exemplo, Mr. Saatchi (homem de negócios e colecionador britânico) está para Damien Hirst (aquele que vende prateleiras com pílulas) exatamente como Lorenzo di Pierfrancesco de’ Medici estava para Botticelli no século XV. O grande mecenas projeta em um artista seu próprio pensamento e suas próprias aspirações; sustenta-o, faz aumentar seus preços e o indica à sociedade como um modelo de referência, quando, na realidade, o modelo de referência é ele mesmo, o mecenas. A objeção poderia ser: mas Botticelli era um grande artista e Damien Hirst, não. Posso concordar, mas atenção: também no tempo de Botticelli muitos diziam que o autor da Primavera estava na primeira linha só por ser amigo dos Medici, que muito melhor do que ele era Perugino, por exemplo. Na arte, sempre existiu o sistema da amizade ou recomendação. Quando Enrico Scrovegni, o banqueiro paduano, decidiu pintar sua capela e a encomendou a Giotto, ele era o mecenas mais influente da sua época, o Saatchi dos anos 1300. Claro que Giotto era o maior pintor do século, mas é verdade também que foi imposto pelo seu patrocinador, que com seu dinheiro inflou muito o valor de suas obras.
CC: Essas considerações são convincentes, mas o juízo de valor é sempre legítimo. Tem valor quem vende caveiras com diamantes ou estátuas de cachorros de aço a peso de ouro?
Caveira incrustrada com diamantes,
de Damien Hirst
CS: Você quer me dizer que Damien Hirst é uma porcaria. Feitos os esclarecimentos acima, eu não tenho nenhuma dificuldade em concordar e afirmar que ele não é um grande artista, mas com isso não demonstramos nada, porque sempre vão existir outros com opiniões diferentes da nossa. O juízo sobre a obra de arte é muito difícil: o que hoje pode parecer banal poderá, dentro de 500 anos, parecer interessante, e vice-versa. De qualquer forma, o Hirst conseguiu um objetivo: estamos falando dele. No mundo de hoje, como no passado, isso é fundamental.
CC: O senhor não acha que o artista contemporâneo dedica à própria promoção muito mais tempo do que os artistas antigos, em detrimento da atividade estritamente artística?
CS: Posso dizer que Caravaggio dedicou muito tempo à sua promoção e era apoiado por um dos maiores patrocinadores de seu tempo: o mais rico banqueiro europeu dos anos 1600, Orazio Costa. Então, as diferenças entre passado e presente são relativas. O artista e escritor flamengo Karel van Mander, que em 1603 resolveu tentar a sorte em Roma, foi testemunha dessa realidade. Ele conheceu Caravaggio no auge da fama e escreveu sobre ele nos seguintes termos: “Personagem único no mundo, louco sem critério, mas verdadeiro prodígio na sua arte. Usa um método curioso: quando pinta se fecha no atelier, não come, não bebe, mas, acabada a obra, passa meses sem fazer nada, passeia pela cidade e encontra amigos”. Portanto, digo eu, Caravaggio dedicava muito tempo à sua promoção. Obviamente, não podemos comparar Caravaggio a Damien Hirst: o primeiro era um titã como artista, o segundo é medíocre. Mas: ambos chamaram muita atenção dos contemporâneos e foram muito malfalados por eles em termos artísticos. Hoje ninguém pode afirmar que Caravaggio não é um grandíssimo artista, mas só a história, com a prudente sedimentação da consciência crítica, confirmou esse julgamento. Por princípio, devemos afirmar que o ser humano tem inteligência e deve julgar. Então, esses raciocínios devem produzir uma lição: não devemos renunciar a expressar nossa avaliação sobre arte. Se consideramos que a maior parte da arte plástica da nossa época é um imbróglio, é justo pensá-lo e dizê-lo. Ao mesmo tempo, eu preciso ser prudente e não me arriscar a dizer que aquilo de que eu não gosto não é arte, porque a história poderá me desmentir clamorosamente.
CC: Vivemos em uma época de pensamento único, que tenta se impor em todos os campos...
CS: É o risco do achatamento conformístico que devemos evitar, para desenvolver a capacidade crítica também nas artes.
David, de Michelangelo
CC: Visitei recentemente a Academia de Florença e, depois de 30 anos, voltei a admirar o Davi de Michelangelo. Minha comoção chegou até as lágrimas e vivi uma experiência muito diferente de quando era mais jovem e mais leve. Pode a emoção ser uma chave para entender a verdadeira arte?
CS: Eu também acho que a autêntica guia da verdadeira arte é a emoção pessoal, acompanhada da confiança nos próprios sentimentos, sem preconceitos.  A espontaneidade tem de ser também educada através da cultura, que se acumula com o tempo, como aconteceu com você adulto ante o Davi. Às vezes, o ser humano parte de posições preconceituosas e acha que em determinadas situações não é possível provar emoções. Como no amor: há pessoas que não amam facilmente, não porque não encontram pessoas para amar, mas porque fazem resistência dentro de si. Não se abandonam ao sentimento. Mas, se conseguem fazê-lo, depois descobrem que a própria capacidade de amar pode ser estendida até a pessoas que achavam não merecer. Arte é a mesma coisa. Cuidamos das nossas emoções, esta é a lição. Entre as grandes virtudes do ser humano, há a espontaneidade, a sinceridade, a honestidade, que a arte pode exaltar.
CC: Voltamos à questão pedregosa da ligação entre dinheiro e artes plásticas. Os artistas plásticos mais famosos têm cotações impressionantes, cuja dinâmica se parece muito com os movimentos especulativos da bolsa de valores. Qual é sua opinião a respeito?
"Amor sagrado e profano", de
Giovanni Baglione
CS: O único consolo nessa situação é que, tanto na bolsa quanto na arte, quando os valores crescem de maneira hiperbólica, com certeza eles estão inflados e provavelmente cairão. Em geral, é inevitável que a arte chegue a valores muito elevados, porque tende historicamente a ser inflada. Também um quadro de Caravaggio custava uma fortuna e sabemos, por documentos históricos, que as obras de outros bons pintores da época, como Baglione ou Pomarancio, custavam dez vezes menos. As cotações de Caravaggio oscilaram muito nos séculos, confirmando que é difícil dar um valor absoluto à arte. O valor financeiro da arte é ligado a múltiplos parâmetros subjetivos e às épocas. Entendo a indignação, porque certos excessos são deploráveis, mas, infelizmente, cabem na realidade do nosso tempo.
CC: Três anos após a polêmica lançada internacionalmente pelo crítico francês Jean Clair, sobre o mercado da arte dominado por uma espécie de oligarquia artístico-financeira e a decadência da técnica nas artes plásticas, qual é seu posicionamento sobre essas questões?
CS: Continuo completamente de acordo com Jean Clair. A degradação da dimensão técnica é culpa grave de muitos artistas. Seja qual for a forma de arte, não é possível prescindir de formação e de atitude técnica. É verdade que alguns personagens subiram na escala do sucesso artístico sem ter essa capacidade, mas acho que um dia desaparecerão. Arte é saber e fabricação.
"No ateliê do artista", Henri Fantin-Latour
CC: Para demonstrar que o rei das especulações e das improvisações está nu, o senhor indica alguma solução?
CS: Eu não tenho receitas, mas acredito que a única saída seja a educação, a valorização das escolas. Em muitos países, graças à supremacia ideológica da tecnologia, essa possível solução é depreciada, infelizmente. A formação permite também à nossa mente exercitar-se de maneira livre, honesta e sincera. Este é o papel das escolas e dos centros de formação. A fórmula pode ser: valorizar a formação e os estudos – e a arte será mais apreciável.
CC: Vamos concluir com uma audaciosa referência ao papa Francisco, que recentemente falou sobre o demônio: ele declarou que nos dias de hoje o mal autêntico é o deus dinheiro. Podemos aplicar esse alerta a qualquer esfera da nossa existência. Também ao mundo da arte?
CS: O papa tem toda razão. Se é o valor material de uma obra que deve ser valorizado acima de tudo, não se vê mais a arte, porque o dinheiro gera cegos. Efetivamente, o demônio é aquele que esconde a verdade. A fé, a arte, a cultura nos fazem ver. Seguir a lição de Francisco faria muito bem a todos.


"Dante e Virgílio no Inferno", de William-Adolphe Bouguereau