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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pão e Rosas para Todos




A galeria de exposições da Caixa Cultural, localizada na avenida Paulista em São Paulo, apresenta uma exposição com parte da obra gráfica do artista plástico brasileiro Carlos Scliar. A mostra iniciou no dia 9 de novembro e vai até o dia 8 de janeiro de 2012.


Auto-retrato com roupão listrado
Guache encerado / 54 x 40 cm
Paris, 1949 / coleção Michel Loeb
Essa exposição, bastante sintética, evidencia algo da atuação política e social desse artista gaúcho nascido em 1920. São algumas serigrafias, alguns desenhos que ele fez no período da II Guerra Mundial, na Itália; gravuras com temas gaúchos; telhados de casas de Ouro Preto; litografias, ilustrações, etc. São quase 100 obras que dão uma idéia do peso desse artista na arte moderna brasileira.


Carlos Scliar nasceu no dia 21 de junho de 1920 em Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. Foi desenhista, pintor, gravador, ilustrador, cenógrafo, roteirista e designer gráfico. Ao longo da vida, participou de muitas exposições no Brasil e no exterior. Como sempre preocupado com as questões sociais do povo brasileiro, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil e foi ativo militante de esquerda. Produziu cartazes, ilustrou livros e revistas com temática política e social.


Scliar sempre buscava inovar no uso dos materiais: fez gravuras, serigrafias, óleo, têmpera, guache, acrílica. Fez pinturas, ilustrações, murais. Foi um artista das artes gráficas também, fazendo capas de livros e revistas, ilustrações.


Carlos Scliar em sua primeira exposição,
antes de ir para a Guerra em 1944
Sua primeira participação em exposições foi em Porto Alegre, em 1935, na Exposição do centenário Farroupilha. Em 1938 participou da Fundação da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, que questionava os cânones da arte acadêmica e neoclássica que ainda influenciava a pintura brasileira, com origens na Europa. Em 1940 mudou-se para São Paulo e juntou-se aos artistas paulistas do Grupo Santa Helena e da Família Artística Paulista. Mas em 1944, convocado pela Força Expedicionária Brasileira, foi para a Itália, como soldado. Sua observação dos campos de batalha produziu desenhos onde ele retratou a si mesmo e aos outros soldados. Fez também croquis de casas e paisagens do norte da Itália. Uma parte desses desenhos está exposta na galeria da avenida Paulista.


Mas Carlos Scliar também participou ativamente de movimentos pela paz, inclusive em Paris, onde morou a partir de 1947. Inicialmente pensava em se instalar na capital francesa, mas logo percebeu que sua arte tinha uma profunda raiz na sua terra, o Brasil. Voltou para cá em 1950, indo primeiro para o Rio Grande do Sul, onde participou da criação do Clube de Gravura de Porto Alegre. Mas tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, sua atividade como artista foi intensa, inclusive nas artes gráficas. Fez ilustrações para romances de Jorge Amado, seu amigo, e para a peça “Orfeu da Conceição” de Vinícius de Moraes.


Desenho feito durante a guerra
na Itália
Depois de 1960 dedicou-se especialmente à pintura, realizando diversas exposições. Diz o texto do site do Instituto Carlos Scliar: “Os anos 60 fizeram aflorar um artista sensível, sintonizado com o seu povo e com o mundo em que vive. Sua formação humanista, o espaço cubista, a atmosfera metafísica de Morandi, o rigor do desenho perseguido nos clubes de gravura e uma espécie de sensibilidade "elliotiana"  a trabalhar com a noção do tempo de uma maneira dinâmica e questionadora, tudo isso foi formando, até o fim da vida, a personalidade do artista.”


Abaixo, alguns textos recolhidos no site do Instituto Cultural Carlos Scliar, que funciona em Cabo Frio, Rio de Janeiro, na mesma casa onde ele viveu até sua morte em 2001. Lá funciona uma espécie de casa-ateliê, onde crianças e adolescentes carentes têm aula de arte, artesanato e noções de marcenaria. Bem no espírito desse artista profundamente humano e envolvido com os problemas de seu tempo.


Os textos abaixo são de amigos, companheiros, camaradas, que falam desse artista de uma forma que pode nos dar uma ideia muito boa de quem era o artista e o homem Carlos Scliar.


Niemeyer, Scliar e Vinícius de Moraes
Oscar Niemeyer:


"Scliar é um querido amigo. Um companheiro dos velhos tempos do Café Amarelinho, do PCB, da luta política que sempre nos comoveu. E ele, como eu, a seguir os acontecimentos sem recuos, sem temores, consciente de que a miséria nos cerca e que ao lado dela, dos nossos irmãos mais pobres, devemos caminhar. Esse é o lado humano do nosso camarada. O outro, que o ocupou também inteiramente, é o de sua carreira, artista plástico, de pintor de talento, que hoje, passados tantos anos, é por todos admirado."


"É sempre bom falar dos amigos, e, quando se trata de um velho e querido companheiro como Carlos Scliar, é melhor ainda. Dizer como é importante este grande brasileiro, voltado para sua pintura a vida inteira, mantendo-a – tão vasta – dentro da unidade e no nível superior por todos procurados. E, principalmente, lembrar como se faz atuante e solidário diante desta miséria, deste mundo injusto em que vivemos."


Scliar e Jorge Amado
Jorge Amado:


“Já se passaram mais de quarenta anos do primeiro impacto sofrido por mim ao contemplar em São Paulo trabalhos de quem era então quase um menino, apenas um adolescente, recém-chegado do Rio Grande do Sul com telas e pincéis, uns olhos claros e ternos, o coração pleno de sonhos, um caráter já inflexível, o dom da amizade, o talento incomum. Eram uns quadros enormes, ambiciosos, ninguém poderia ficar indiferente ante tanta força, tamanha decisão, a vocação definitiva de um pintor que ali estava ainda em gestação, aquela presença que não podia deixar a mínima dúvida sobre o dia de amanhã. (...)
Humanismo, eis a palavra que resume o trabalho de Carlos Scliar, no qual a beleza se supera a cada pincelada."



Vinícius de Moraes:


"Para Scliar a vida conta em seus mínimos detalhes. Pode ele não ser talvez - por se tratar de artista notavelmente equilibrado - um participante desabrido, no sentido picasseano, pois em Scliar a coragem de viver é sempre amenizada por uma grande ternura por tudo o que existe. É difícil encontrar criatura menos egoísta. (...) Sua arte traduz um refinamento orgânico, fruto de sua evolução como homem; constitui uma síntese sem perda de substância. (...) Buscando extrair dos objetos (que são, ademais de criação do homem, seus melhores amigos) o máximo de sua essencialidade, Scliar revela de saída, para quem souber ver, toda a pureza de seu humanismo dialético, do seu intenso mas disciplinado amor pelo homem através do que o homem cria com suas próprias mãos. (...) Como se o pintor oferecesse ao homem, seu semelhante, certos segredos e nuanças de sua própria obra que este, sempre voltado para o prosaismo do seu cotidiano, não pudesse ou não soubesse mais ver.


Num meio artístico aloprado como o nosso, a coerência de Scliar como pintor é admirável. E a coisa linda também nesse poeta do objetivo é que o sucesso e a prosperidade em nada afetaram o seu angelismo, em nada comprometeram a sua inata disciplina e frugalidade. Eu, simplesmente, gosto de Scliar, isso é tão simples. E independente da grande admiração que tenho por ele."


Jaguar:


"Só respeito pintor que saiba desenhar. Picasso e Matisse eram desenhistas geniais. Dos vivos, o inglês David Hockney, pintor da minha predileção, é um desenhista excepcional. Portinari desenhava paca, Sagall também. Misturar cores para dar um efeito bonito é fácil, mas desenhar, eu diria, à maneira de Noel, é que é o X do problema. Essa volta toda foi para falar do Scliar, que sabia tudo de pintura e foi  embora no fim de abril."


Clarice Lispector:


"Nenhum pintor é obrigado a ser inteligente. Mas Carlos Scliar é, e muito. Ele diz, por exemplo, que se considera um homem rico de tudo o que os outros construíram para ele. E só espera poder retribuir (com arte). Uma frase que define Carlos Scliar é uma que ele me disse há anos: 'Gostaria que meus quadros incutissem esperança e força a todos.


A obra de Scliar oferece-nos, assim, uma tranqüila reedificação do mundo, um espetáculo de ordem, onde o visual tangencia um rigor quase matemático, um pré-modo de ser, uma espécie de assembléia-geral."