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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O grande Giovanni Boldini

Autorretrato, Giovani Boldin, óleo sobre tela, 1892
Assim como seu contemporâneo John Singer Sargent, (leia aqui), Giovanni Boldini é um pintor retratista de renome internacional, trabalhando principalmente em Paris e Londres. No início do século XX, é um dos retratistas mais proeminentes em Paris. Ele tem sido uma de minhas referências na pintura e por isso apresento aqui uma breve biografia deste grande pintor.

Giovanni Boldini nasceu em Ferrara, Itália, em 31 de dezembro de 1842. Foi o oitavo dos 13 filhos de Antonio Boldini e Benvenuta Caleffi. Seu pai era pintor acadêmico e restaurador. Diz-se que possuía grande domínio técnico e fez boas cópias de pinturas de Rafael e de outros pintores venezianos. Desde muito cedo, Giovanni recebeu de seu pai suas primeiras lições de desenho.

A partir de 1858, em sua cidade natal, tornou-se aluno do curso de pintura de Girolamo Domenichini (1813-1891) que, junto com Antonio Boldini foi o autor dos afrescos do Teatro Academico local. Boldini também teve a oportunidade de conhecer de perto a obra dos grandes pintores ferrarenses do período da arte italiana chamado de Quattrocento, como Dosso Dossi e Parmigianino.


Canal de Veneza com gôndola,
óleo sobre tela, 1899
Sua primeira obra importante foi “O quintal da casa paterna”, um óleo terminado em 1855. No final da década de 1850, Boldini já havia concluído um “Autorretrato com 16 anos” e retratos, como o de seu irmão “Francesco”, e de “Maria Angelini” e “Vittore Carletti”.

Em 1862, Giovanni Boldini se inscreveu na Academia de Belas Artes de Florença, tendo estudado com Stefano Ussi (1822 - 1901) e Enrico Pollastrini (1817 - 1876). Nesse período, junto com outros artistas florentinos, começou a frequentar o Café Michelangelo (onde também se reuniram os pintores do movimento Il Macchiaioli - leia mais aqui). Destes, conheceu Giovanni Fattori, Odoardo Borrani, Telemaco Signorini, Cristiano Banti, Montemurlo e Michele Gordigiani. Nesse período em Florença, Boldini será hóspede na casa da família Falconer. Numa casa de campo pertencente a esta família, ele pinta com têmpera a seco, entre 1867 e 1870, as paredes de uma pequena sala. A viúva de Boldini comprará esta casa em 1938; hoje ela abriga uma boa quantidade das obras do pintor.

Junto com Cristiano Bonti, Boldini vai a Nápoles em 1866. Fará vários retratos de seu amigo. No ano seguinte, junto com a família Falconer faz uma viagem à França e em Montercalo ele pinta o quadro intitulado “General espanhol”, que ele considera uma das melhores obras de sua juventude. Em Paris, acontecia a Exposição Universal e nosso pintor italiano conhece os franceses Edgard Degas (leia aqui), Alfredo Sisley e Édouard Manet.


Retrato de Marthe Bibesco,
Boldini, óleo sobre tela, 1911
 
Em 1870, convidado por William Cornwallis-West, que havia conhecido em Florença, passa uma temporada em Londres. O amigo lhe põe a disposição um estúdio no centro da cidade, frequentado pela alta sociedade. No final do ano, volta para Florença e, no ano seguinte, se muda para Paris. La conhece a modelo Berthe, com quem passa a morar. Um dos maiores marchands de Paris, Goupil, o contrata como pintor. Para ele já trabalhavam Mariano Fortuny (leia aqui) e Ernest Meissonier, além de dois outros italianos, Giuseppe Palizzi e Giuseppe De Nittis. Boldini pinta uma série de quadros.

Em 1874, expõe com muito êxito no Salão de Paris seu quadro “As lavadeiras”. Termina seu caso com Berthe e começa a se relacionar com a condessa Gabrielle de Rasty, de quem expõe um retrato no Salão de 1875. Em 1874 ainda, sua mãe morre e ele volta brevemente à Ferrara. Em 1876, faz uma viagem à Alemanha aonde conhece e faz um retrato do grande pintor alemão Adolph von Menzel (leia mais sobre ele aqui). Passando pela Holanda, viu de perto as obras de Frans Hals (mais aqui).


Nessa fase de sua vida, Boldini já era muito solicitado como pintor de retratos. Em 1886, faz um retrato do compositor italiano Giuseppe Verdi, em óleo sobre tela. Dará esse retrato pessoalmente a Verdi sete anos depois em Milão. Mas, ainda insatisfeito com o resultado, faz um segundo retrato de Verdi em pastel, em apenas 5 horas. Este segundo, guardou-o consigo e o apresentou na Exposição Universal de Paris em 1889 e em 1897 participou com ele da I Bienal de Veneza. Em 1918, doou este trabalho à Galeria de Arte Moderna de Roma.


Retrato de Giuseppe Verdi,
Boldini, pastel sobre papel, 1886
Resolveu aumentar o tamanho de suas telas, por sugestão do pintor sueco Anders Zorn, a quem tinha conhecido em 1890 (leia sobre Zorn aqui).

Na primavera de 1900 ficou hospedado na casa da família Florio, em Palermo, Itália, para pintar o retrato da senhora Donna Franca. Esta pintura não agradou a seu marido, por causa do amplo decote e das pernas descobertas um pouco abaixo dos joelhos. Boldini adaptou-o ao gosto do marido. Esse quadro foi vendido em 1928 pela enorme soma de um milhão de liras. Anos depois foi roubado pelos ocupantes nazistas em Paris e levado para a Alemanha, onde sofreu sérios danos. Restauradores foram obrigados a cortar a parte inferior do quadro, porque estava totalmente destruída.

Quando começou a I Guerra Mundial, ele se muda para Nice - na Riviera francesa - junto com sua modelo Lina. Permanece lá até 1918, retornando a Paris. Já enfermo e com a visão debilitada, casa-se com Emilia Cardona em 29 de outubro de 1929, mas morreu dois anos depois, no dia 11 de janeiro de 1931. Tinha 89 anos de idade. Seus restos mortais foram trasladados à Itália, onde descansam junto com os de sua família, no cemitério de Ferrara.


Retrato de Adolph von Menzel, Boldini, óleo sobre tela
Após o banho, Boldini, óleo sobre tela
Rosa no vaso, Boldini, óleo sobre tela
Portrait of the Countess de Martel de Janville, Boldini, óleo sobre tela, 1894
Madame Rejane e seu cão, Boldini, óleo sobre tela, 1885

Homem na igreja, Boldini, aquarela, 1900
Retrato de um jovem, Boldini, óleo sobre tela
Retrato do artista Ernest Ange Duez, Boldini, óleo sobre tela
Ilha de San Giorgio em Veneza, Boldini, óleo sobre tela, 1872
John Lewis Brown com esposa e filha, Boldini, óleo sobre tela, 1890
Atravessando a rua, Boldini, óleo sobre tela, 1873-75

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Pobre Anteu!

"A terra, ou o combate de Hércules e Anteu", pintura decorativa do teto de uma das salas
do Museu do Louvre em Paris, de Auguste Couder (1790-1873)
 Estou quase concluindo a leitura de um livro do poeta francês Paul Valéry, intitulado “Degas danse dessin” (Degas dança desenho), publicado em 1938 em Paris. Valéry escreve sobre seu amigo o pintor Edgar Degas, o célebre pintor das bailarinas. De tão importante, farei um próximo post sobre este livro aqui neste Blog, pois Degas é um dos grandes mestres franceses, pela vida e pela obra.

Mas antes vou falar de Anteu, porque Anteu me tocou, ao ler o que dele falou Paul Valéry. 


Vaso grego antigo, representando
a luta dos dois gigantes
Dá para falar deste gigante da mitologia grega sob diversas formas e vou me focar na que mais me toca: ele não podia ser separado de sua mãe, a Terra; precisava ter seus pés todo o tempo tocando o chão, sob pena de morrer.

Na lenda grega Anteu era filho de Poseidon (o Oceano) e de Gaia (a Terra). Ele habitava os desertos da Líbia, em uma caverna em cima de um monte, na região de Irasa, próximo ao Estreito de Gibraltar. Anteu havia prometido a seu pai, Poseidon, construir em sua honra um templo feito com todos os crânios dos humanos que atravessassem suas terras. Qualquer um que se aproximasse dele era vencido, pois Anteu possuía uma enorme força. Em suas lutas, cada vez que seu corpo era lançado contra a terra ele se levantava ainda mais firme, porque a Terra lhe restituía as forças.


Hércules e Anteu, gravura de
Gabriel Salmon (1485-1535), de 1528
Um belo dia surge em sua frente um outro gigante, Hércules. Na luta entre os dois, Anteu caiu três vezes por terra, mas isso só lhe fazia ainda mais forte. Hércules percebeu que quando Anteu caía, recuperava o vigor. O gigante, então, segurou Anteu pela cintura elevando-o para que não tocasse mais a terra. Com isso, Hércules manteve Anteu erguido no alto até que ele parasse de respirar. E ele morreu sem seu chão… Depois Hércules tomou para si a esposa do gigante morto.

Anteu foi sepultado na cidade de Tingis, que havia fundado, embaixo de um monte de terra. Conta a lenda que cada vez que se retirava alguma porção de terra da cova de Anteu logo começava a chover sem parar até que o buraco fosse fechado.

Essa lenda inspirou artistas ao longo da história, desde a antiga Grécia onde a luta entre os dois gigantes decoravam vasos e taças; na Idade Média, muitos desenhos foram feitos inspirados nessa fábula. E no século XVII o pintor espanhol Francisco de Zurbarán pintou um grande quadro intitulado “Hércules lutando com Anteu”.


"Hércules e Anteu", pintura
de Gregorio di Ferrari (1647-1726)
Para minha interpretação pessoal, essa é a história de todos os que são separados de sua terra, de todos os migrantes, dos quais faço parte, pois fui levada embora de Caruaru quando tinha 12 anos. Sair da terra natal para nunca mais voltar é a história de milhões de pessoas pelo mundo e de brasileiros como eu; e como eu sentem que uma parte de nós ficou para trás, de forma irrecuperável, enquanto carregamos dentro de nossas almas essa eterna sensação de deslocamento, de não-pertencimento a lugar nenhum, a gente alguma. 

Algo dentro de nós nos torna melancólicos por causa dessa separação que não tem volta. Mesmo se voltamos à nossa terra, já não somos nós, já não é ela a mãe, que agora se juntou a outro marido, o tempo que passou, que na lenda é o gigante Hércules. Quantas e quantas poesias, cordéis e canções foram feitas pelos meus conterrâneos nordestinos com esse tema da separação da terra natal! Desde a canção cantada por Luiz Gonzaga que vaticina: “Quem sai da terra natal em outro canto não para!” até o “Lamento sertanejo” de Dominguinhos, cujo refrão é cruelmente o retrato do que sentimos nós, os exilados: “Sou como rês desgarrada nesta multidão, boiada caminhando a esmo…” E o grande Graciliano Ramos que expressou os sentimentos inexpressáveis de quem vai embora, em seu livro “Vidas Secas”. 

Não, ninguém que não tenha vivido esta experiência é capaz de compreender profundamente a fábula de Anteu! Exatamente no momento em que ele é erguido e segurado acima do chão, separado de sua terra, e vai aos poucos vendo sua vida se esvair nessa agonia imensa de querer voltar a se sentir com os pés firmes sobre o chão, e sem poder…. esse momento de agonia, retratado no rosto da pintura de Gregório di Ferrari acima, é a agonia que toma conta do coração da gente que foi embora para sempre de sua terra… Esse sentimento permanece lá num recanto qualquer de nosso ser, como uma agonia. Eu saí de Caruaru; Caruaru não saiu de mim… Voltar jamais seria uma solução, pois o corte irremediável já foi feito!

E o mito se renova...


"Hércules lutando com Anteu", Francisco de Zurbarán, 136 x 153 cm, 1634