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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os números da exposição de Escher e de museus brasileiros


Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo

Há dois meses, a revista britânica The Art Newspaper divulgou o resultado de uma pesquisa anual sobre o número de visitas a museus e exposições de arte mais visitados do mundo. Pela primeira vez, o Brasil ganha destaque entre as exposições e museus mais visitados do mundo, como a exposição “O Mundo Mágico de Escher” que atingiu um milhão de visitantes, somando Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.


CCBB, Brasília
Esta notícia é realmente surpreendente, mas – pode-se dizer – previsível, dentro do novo quadro político e social que atravessa o Brasil, desde que surgiu como uma das potências que crescem no mundo de hoje. O Brasil pós-presidente Lula, é o país onde o desemprego diminuiu, onde mais de vinte milhões de brasileiros tiveram alguma ascensão social, onde vemos aeroportos lotados de gente que “nunca antes na história deste país” tinha viajado de avião.


E é também, agora, o país onde seus museus passam a ser os mais frequentados do mundo!


Museu de Arte de São Paulo
As informações sobre o Brasil foram fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/Ministério da Cultura) à revista inglesa The Art Newspaper, especializada em artes. Claro está que o Museu do Louvre de Paris, o British Museum de Londres e o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque ocupam os três primeiros lugares, mas o Centro Cultural Banco do Brasil ocupa o 14º, à frente de museus como o Reina Sofia de Madri e o Tate Britain de Londres, só para ficar em dois exemplos.


Nosso país agora também é reconhecido como detentor de cinco dos museus de arte mais visitados do mundo: os CCBB do Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, o MASP e a Pinacoteca do Estado de São Paulo.


Pinacoteca de São Paulo
Essa pesquisa tem uma importância que não pode ser desprezada e só demonstra – mais uma vez – a altíssima importância que a Arte tem para as pessoas. Mesmo que apenas São Paulo, Rio e Brasília se destaquem nesse cenário mundial, é preciso reconhecer que os números da economia brasileira, favoráveis à prosperidade econômica de mais pessoas, sejam responsáveis pelo fato de que verdadeiras multidões queiram ir a museus e exposições, buscar preencher sua alma com o imenso prazer estético que as artes podem dar... Sim, o povo brasileiro é um povo que aspira crescimento econômico, mas aspira também a ver seu direito básico do acesso à cultura e às artes, garantido, incentivado, realizado!


Mais uma vez é preciso dizer que o governo brasileiro precisa – com urgência cada vez maior, dada a extrema importância das artes – investir mais do seu orçamento no setor! Fruição de Arte – da boa arte – não é um bem supérfluo ou destinado apenas aos endinheirados, ou a essa elite que se julga a única capaz de se emocionar com a 9ª Sinfonia de Beethoven ou com a música de Bach; ou com os quadros de Caravaggio, Rembrandt, Rubens, Cézanne; ou com as esculturas de Michelangelo, Bernini, Aleijadinho; ou com o teatro de Shakespeare, Molière e Artaud; ou com a literatura de Dostoievski, Goethe, Dante Alighieri, Balzac, Victor Hugo, Kafka; ou com a poesia de Camões, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Carlos Drumond de Andrade...


Para não esquecer dos "pequenos": Museu Histórico e
Artístico de São Luís do Maranhão
Mais uma vez: é Direito do cidadão e Dever do Estado o acesso à Cultura. Mais uma vez: a crescente privatização – que se vê – desses espaços de produção, fruição e consumo de arte, é prejudicial à democratização do acesso a elas, e precisamos ampliar cada vez mais as filas dos brasileiros nas portas de teatros, cinemas, casas de show, centros culturais, museus, bibliotecas!


Não podemos esquecer que o Brasil possui quase três mil municípios que não têm um único centro cultural, um único museu! E que, por esse e por inúmeros outros motivos, o Estado brasileiro precisa investir em Arte, e apoiar os artistas. 


Há milhões de músicos, atores, palhaços, cantores, cantadores, poetas, escritores, pintores, escultores, produtores de cultura espalhados por este imenso país sonhando com o dia em que a sua obra seja exposta de algum jeito à fruição pública e que ele – artista – veja que todo o esforço diário sobre o cavalete, o livro, a lona, o palco, a caneta... não foi em vão, pois chegou o grande momento em que ele pode abraçar e ser abraçado por seu povo, reconhecido pela beleza do que produz, pelo prazer que gera com o que cria, pela vida que dá, com a sua Arte.


Até chegar o dia em que a Arte brasileira também estará no topo do mundo!


O ranking da revista The Art Newspaper

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O olhar necessário para a Cultura

Duas instituições oficiais brasileiras – o IBGE e o IPEA –, em parceria com o Ministério da Cultura, publicaram resultados de pesquisas sobre o consumo cultural do povo brasileiro, em 2007. O resultado mostrou como a injusta distribuição de renda no Brasil deixa a imensa maioria do povo sem poder ir ao cinema, ao teatro, ao museu, e sem acesso a livros. Mostra também como a Educação está intrinsecamente vinculada ao gosto e à fruição de cultura, pois quanto maior o grau de escolaridade, mais consumo cultural.

No final de semana de 16 e 17 de abril em São Paulo, durante 24 horas, mais de 4 milhões (!) de pessoas foram para o centro da cidade para se alimentar de arte, na Virada Cultural. Espalhados em diversos palcos, artistas de categorias as mais diversas tiveram como público verdadeiras multidões. Dois exemplos me tocaram especialmente: primeiro, no Pátio do Colégio – lugar histórico do centro de São Paulo – acontecia, no sábado à noite, dia 16, a apresentação do grupo de Ópera "Pagliacci" que, junto à Orquestra Sinfônica Municipal e ao Coral Lírico, encenou uma peça musical. Não sei dizer quantas pessoas cabem no Pátio do Colégio, mas estava absolutamente tomado de gente, em silêncio impressionante, olhos no palco e no telão da tradução do italiano para o português! Gente de todo tipo, todos juntos ouvindo a orquestra e a voz de tenores e sopranos. Segundo exemplo: no encerramento da Virada Cultural, na Praça da República, Paulinho da Viola atraiu uma multidão, que cantava e dançava sem parar. Mesmo nos dois momentos em que o cantor executou duas músicas instrumentais, o silêncio aqui também era tocante, encerrado apenas ao final das músicas quando a multidão aplaudia, gritava e assobiava. E voltava a cantar, junto com ele, os clássicos do samba bom de Paulinho da Viola.

Este é apenas um dos inúmeros exemplos que podíamos dar sobre a importância crucial das artes e da cultura na vida do homem. Se incluirmos todas as festas populares, os eventos folclóricos, as atividades artísticas que acontecem pelo Brasil a fora, chegaremos, com certeza, a números altíssimos.

Pois a ideia de que Cultura é algo supérfluo é totalmente enganosa diante das prioridades e da alocação real de recursos das famílias brasileiras. Uma importante constatação fez o IPEA: as famílias brasileiras em seu conjunto dispensam mais recursos de seu orçamento para a fruição de produtos culturais do que o governo gasta com Cultura! As classes A e B consomem 3,5% de seu orçamento com cultura; a classe C, 3,1%; e as classes D e E (onde se incluem os “miseráveis”) 2,3%. 

No Brasil, em 2010, o orçamento da União para a área chegou em torno de 1%, alcançando um patamar alto, se comparado com governos anteriores, como os de FHC, Fernando Collor, etc. Mas muitíssimo abaixo da importância que tem o setor para o desenvolvimento de qualquer povo e país. É sempre bom lembrar que Gramsci, um marxista bastante empenhado em destacar o papel que a cultura exerce na vida em sociedade, disse certa vez que nenhuma grande transformação política pode ser feita sem uma grande transformação cultural. 

Mas se o Poder Público ainda não se convenceu da importância que deve ser dada à Cultura, a empresa privada sabe. Diz a pesquisa do IPEA que o “desenvolvimento cultural tem seguido a direção da crescente privatização dos espaços de produção, fruição e consumo, da ampliação dos espaços de mercado e da relevância crescente da cultura transmitida por meios eletrônicos.” Por isso também, o consumo de bens culturais mantém relações estreitas com as desigualdades sociais. Pois se a maioria do povo não é “dotado de capital econômico” isso “implica alta probabilidade de desapossamento do gosto e dos hábitos de consumo de certos bens da cultura, ou seja, implica uma grande possibilidade de desapossamento cultural”, diz o IPEA. Um outro dado importante do IBGE: de 2003 a 2005 as empresas da área cultural tiveram um crescimento 19,4% superior ao total de empresas de outros setores. Entre 2005 e 2006, em consequência, o número de trabalhadores do setor cresceu 5,4%, contra os 2,4% de trabalhadores de outras categorias.

O relatório do IBGE lembra que nas duas últimas décadas do século XX Cultura deixou de ser sinônimo de Belas Artes e luxo acessível a uma elite, para ser encarada como direito humano que pertence a todos. E acrescenta que “mais recentemente, a palavra “Cultura” como termo e como conceito, passou a ser incorporada às cartas constitucionais da maior parte dos países latino-americanos”.

Apesar de terem se passado quatro anos da divulgação dessas pesquisas, elas mantém sua atualidade, porque esses números lançam sobre o governo a responsabilidade imensa de tentar diminuir a desigualdade social, também na área da cultura. Dilma Roussef tem falado em erradicação da miséria; não podemos esquecer que acabar com a miséria econômica passa por também acabar com a miséria cultural, e passa por propiciar, à ampla maioria da população, o direito básico e fundamental da fruição de Cultura.

É muito preocupante, portanto, que neste ano de 2011 o governo vá pagar 230 bilhões de reais de juros a banqueiros, a tal dívida pública! Esse montante é quase 15 vezes maior do que o que deve ser destinado ao Bolsa-Família e quase seis vezes maior do que os 40,1 bilhões de reais destinados ao PAC. Para piorar a situação atual, no recente corte de 50 bilhões feitos pelo governo, nos gastos públicos, a Cultura é um dos setores duramente atingidos.

Essa situação só agrega mais injustiça social, pois os mais ricos podem continuar indo a shows, ao teatro, ao cinema e podem comprar livros, enquanto que a imensa maioria do povo ainda está longe disso, como se vê na pesquisa “O Consumo Cultural das Famílias Brasileiras”, do IPEA: 

- das pessoas das classes D e E, 92% nunca vão a shows, 95% nunca alugam filmes, 83% nunca vão ao cinema, 92% nunca vão ao teatro e 75% nunca leem nada (nem livro, nem revista, nem jornal)! A maior forma de fruição cultural da maioria das famílias brasileiras vem – pasme-se! – da televisão!

Um país com 5.565 municípios (censo do IBGE de 2010), possui 2.953 municípios que não têm um único centro cultural, um único museu ou cinema! 84,6% das cidades brasileiras não têm órgãos exclusivos para gerir cultura e só 4,2% possuem uma Secretaria de Cultura!

Além disso, se convive com uma produção simbólica que circula em aura de raridade, não pela sua raridade e genialidade intrínseca, mas em razão da falta de apoio institucionais consistentes. Nesse cenário, o bem cultural distante e produzido por especialista ganha um encanto que permite tanto sua sacralização quanto seu desprezo, dada a dificuldade para entendê-lo”, acrescenta o estudo do IPEA (grifo meu). Onde espaços públicos de cultura são escassos e pouco acessíveis e os deslocamentos confusos, desorganizados e caros, resta outra alternativa do que a telinha e o plim-plim?

É preocupante saber que o consumo cultural das classes D e E, e mesmo da C, é pouquíssimo direcionado às belas artes e às letras! Pois isso mostra que bens culturais estão fortemente submetidos à extrema desigualdade de renda, às desigualdades de escolarização e à desigualdade de acesso a equipamentos públicos que ofertem bens culturais variados. Para completar o índice das desigualdades: o que dizer de um povo cujo público consumidor de livros reside em 90% nas classes A e B? E que 75% das classes D e E não leem sequer jornal ou revista, quanto mais livros? E que apenas 42% dos pobres têm mais de 10 livros em casa (incluindo aí livros didáticos e religiosos)?

É necessário pensar a política cultural brasileira a partir de uma ênfase que seja inovadora, para propor rumos diferentes que levem nosso povo a um outro padrão de vida econômico, social e cultural. Para um necessário salto de civilização, a cultura concorre em muito! Proponho, em face disso, um olhar reflexivo maior – e mais frequente – sobre a vida cultural do povo brasileiro.

Estudantes de escola pública visitam exposição de pinturas
de Anita Malfatti, no CCBB, em Brasília, 2010