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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Guerra e Paz, ainda mais atual

Paineis "Guerra e Paz", de Candido Portinari
Hoje, 8 de setembro, os paineis "Guerra e Paz" de Candido Portinari voltam a ocupar seu lugar dentro das dependências do prédio das Nações Unidas em Nova York.
Candido Portinari
João Candido, filho do pintor, em entrevista à BBC Brasil, diz que o quadro continua atualíssimo. Basta lembrar da guerra do Iraque e de outros conflitos atuais. "Agora, tenho que incluir a foto no menino sírio morto em uma praia turca", disse ele.
João também observa que o painel "Guerra" não traz imagens nem de armas, nem de tanques, nem de soldados. Candido Portinari preferiu focar-se nos sofrimentos que as guerras produzem nas pessoas; os mesmos que hoje podemos observar nas centenas de imagens dos imigrantes ao redor de países europeus, africanos e asiáticos. em busca de melhores condições de vida; ou mesmo em busca de "vida", como disse recentemente um dos refugiados africanos que foi acolhido em Portugal.
João Candido vai fazer um discurso por ocasião da reinaguração, hoje, por volta das 15 horas. Ele disse que pretende chamar a atenção para a "urgência de construirmos uma nova humanidade".
"Guerra e Paz" voltará a seu lugar no prédio da ONU após cinco anos de ausência, quando então foi exposto no Rio de Janeiro, aqui em São Paulo, em Belo Horizonte e em Paris. Quando passou pelo Rio, os paineis passaram por uma restauração. Os dois juntos têm 140 metros quadrados de área e pesam uma tonelada cada um.
João Candido Portinari
"Foi um milagre que permitiu realizar um sonho acalentado há muitos anos: que o público pudesse ver esta obra do meu pai. Ela fica em um local de segurança máxima onde é muito difícil ter acesso. Isso sempre me incomodou", diz João Cândido. "Guerra e Paz" foi visto por 360 mil pessoas nas cidades pelas quais passou.
A curadora da inauguração é a diretora de teatro Bia Lessa, que disse sobre o evento que ocorre hoje: "Assim como no quadro de Portinari, não vamos falar de uma violência de bombas e espingardas, mas do sofrimento trazido pela violência do cotidiano por meio de poemas de autores de diversas partes do mundo, por exemplo. Poder falar sobre guerra e paz neste momento é muito interessante. A reinauguração do quadro agora tem uma carga simbólica muito grande."
Os planos de João Candido para os paineis de seu pai são de que eles possam ser abertos à visitação, coisa que é dificultada por ficarem dentro das dependências do prédio da ONU. Mas ele vai tentar fazer com que sejam abertos para visitas ao menos uma vez por semana. "A ONU tem estrutura de vigilância para lidar com isso. Se houver vontade política…", diz João Cândido. "A missão brasileira está ajudando a viabilizar. Não posso prometer, mas estamos trabalhando muito para isso."
O mural "Guerra e Paz" foi inaugurado na sede da ONU, em Nova York, no dia 6 de setembro de 1956. Mas Candido Portinari não estava ausente, pois seu visto foi negado pelos Estados Unidos porque o pintor era ligado ao Partido Comunista do Brasil. Mas 60 anos depois, a reinauguração dos paineis contará com a presença de seu filho, João Candido.
Candido Portinari trabalhando na pintura dos paineis "Guerra e Paz"

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Minha arte, meu grito



Minha arte, meu grito!

Para se juntar ao grito de dor e desespero dos milhares de imigrantes que se movem hoje em dia pelo mundo, incluindo o Brasil, para onde estão vindo sírios, haitianos, bolivianos, africanos.

Em memória do bebêzinho de 3 anos que apareceu morto nas areias de uma praia ontem, ao lado de seu irmão de 5 anos de idade. Seu nome era Alyan Kurdi. Sua mãe também morreu afogada. Só seu pai sobreviveu.

Em sua memória, desenhei estes dois meninos acima. Também são imigrantes, como ele.

Olhe para esses olhos! Poderão ler a dor de seus pais.

Também copio abaixo as manchetes dos últimos meses. Leiam, uma a uma!

E pensem, pensem muito!

Que mundo é este, que sistema de injustiça é este que abriu as portas para a morte de seres humanos que somente buscam desesperadamente melhores condições de vida? O nome disso é capitalismo.

Malditos sejam todos os que lucram com as guerras!


AS MANCHETES:


O corpo de um bebê morto encontrado na praia ontem
Um cargueiro abandonado em alto-mar se dirigia com 450 imigrantes a bordo
Outros 20 podem ter morrido
Pelo menos 29 imigrantes morreram de frio no barco
Outras 200 pessoas foram consideradas desaparecidas
Homem deposita flores sobre caixões de imigrantes que morreram
941 pessoas foram tiradas do mar
121 passageiros, dos quais dez morreram a bordo
Foram resgatadas ao menos 300 pessoas, entre elas 30 crianças e uma grávida
480 imigrantes foram resgatados
400 pessoas foram consideras desaparecidas no mar Mediterrâneo
700 imigrantes que buscavam refúgio na Europa e seu barco naufragou na costa da Líbia
As equipes recuperaram 24 corpos
A maioria das pessoas que estavam na embarcação continua desaparecida
Ao menos três pessoas, incluindo uma criança, morreram
As equipes de resgate salvaram 28 pessoas e recuperaram 24 corpos
Nações Unidas afirmaram que mais de 800 pessoas devem ter morrido no naufrágio
Cerca de 600 imigrantes foram levados a centros de detenção
Mais de 700 pessoas morreram na pior tragédia do tipo
Cerca de 5.800 viajantes clandestinos foram resgatados neste final de semana
Um caminhão foi encontrado com os corpos de 71 refugiados
Mais de 2.500 pessoas morreram fazendo a travessia neste ano


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Portinari de todos os tempos

Estivador, óleo sobre madeira, coleção particular, Rio de Janeiro.
“E o homem de Brodósqui
não se esqueceu de Brodósqui”(Manuel Bandeira)

Cândido Portinari, o artista plástico filho de camponeses de Brodósqui, interior de São Paulo, nunca sai de cena. No Carnaval de 2010, a Escola de Samba União da Ilha do Governador estampou 24 desenhos do pintor em um de seus carros alegóricos, representações de Dom Quixote. Neste ano, os famosos paineis “Guerra” e “Paz”, instalados no edifício da ONU, em Nova Iorque, serão vistos finalmente no Brasil, em exposições que estão sendo preparadas. A Pinacoteca de São Paulo, além disso, apresenta uma exposição intitulada “Portinari na Coleção Castro Maya”.


Não fosse suficiente, hoje encontrei cinco quadros do pintor de Brodósqui no prédio da Bienal do Ibirapuera, São Paulo. Estavam em uma das galerias que participa da sexta edição da hiper-feira SP Arte, que reune neste ano 79 galerias. Portinari estava em meio ao cansativo carnaval de repetições de padrões atual: borrões, manchas, formas geométricas, objetos (como facas, serras, copos de vidro – o que você imaginar, ou não, estava lá...), quadriculados, reticulados, objetos kitsch, objetos multimidia, lembranças toscas de Andy Warhol, quadrados negros, barbantes trançados, acrílicos, cadeiras assinadas por designers da moda, muito plástico, peças decorativas estilo vintage, um bar onde se servia wiskies e champagnes finos (claro!), um café da grife starbucks com fila sempre grande, marchands, galeristas, negociantes, artistas, curiosos da mais pura elite, se cruzavam, trançavam entre os corredores das galerias desse mercado que se intitula “a maior feira de arte Moderna e Contemporânea do Brasil”... ufa! Foi duro caminhar para encontrar algumas pinturas dos modernistas brasileiros perdidos nessa selva minimalista.

Mas vamos a Portinari.

Cândido Portinari nasceu em 1903, numa fazenda de café aonde seus pais – camponeses italianos imigrantes – trabalhavam। Desde muito cedo, seu talento para o desenho sobressaiu e, incentivado por sua família, com apenas quinze anos de idade viaja para o Rio de Janeiro para estudar desenho e pintura. Iniciou no Liceu de Artes e Ofícios, passando depois para a Escola Nacional de Belas Artes.

Quatro anos depois, começa a inscrever seus trabalhos em eventos de artes, até que conquista, em 1928, um prêmio que lhe daria uma bolsa de estudos em Paris, para onde viajou e permaneceu de 1928 a 1930. Foi fora do Brasil que Portinari descobriu o povo brasileiro, assim como uma nova expressão plástica, tão característica deste pintor, o efeito da deformação em seus quadros. Feita a escolha estética, ele também fez a escolha social, optando por pintar o povo e o trabalhador brasileiro.

Em 1945, Cândido Portinari se filia ao Partido Comunista, e participa de uma exposição de artes para arrecadação de fundos para o PCdoB. Lança-se candidato a deputado federal por São Paulo e, em 1947, tendo perdido a eleição, lança-se candidato novamente, desta vez a senador. Não foi eleito por uma margem muito pequena de votos, o que poderia significar que sua não-eleição foi garantida através de fraude. Ainda em 1947, com as ameaças sofridas por seu Partido e por ele próprio, por parte do governo de Gaspar Dutra, passa uma temporada no Uruguai. Ele fora intimado a depor várias vezes na polícia, por causa de um inquérito aberto contra os intelectuais que lecionavam na Escola do Povo, do PcdoB, fundada em 1946.

Portinari trabalhou intensamente até o fim da sua vida. Inúmeras exposições dentro e fora do Brasil, requisitavam sua participação. Pintou inúmeros retratos, telas, painéis e murais, como o faziam os muralistas mexicanos, como Diego Rivera. O personagem principal de seu trabalho é o negro, a mulher, o mulato, o índio, a criança, os retirantes, os trabalhadores, os camponeses, pintados como gigantes que guardam uma força que é muito maior do que eles e que poderá ser usada (no dizer de Annateresa Fabris, estudiosa do pintor) “em seu proveito, quando o homem alienado tomar consciência de sua escravidão”. Suas obras eram vistas e admiradas até mesmo pelas camadas mais populares, que se viam retratadas em seus quadros, cuja temática era declaradamente social e enraizada na realidade brasileira.

Respeitado internacionalmente, foi convidado a pintar dois paineis gigantes que decoram o prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque, cuja inauguração se deu em setembro de 1957. Ele também teve duas mostras individuais nos EUA, uma em 1947 (“Portinari of Brazil”) e uma outra em 1959, na Galeria Wildestein, também em Nova Iorque. Mas sua militância comunista foi a desculpa que o macartismo, já então predominante naquele país, deu para que ele tivesse seu visto de entrada nos EUA negado, em todas essas ocasiões. A inauguração dos dois grandes paineis “Guerra” e “Paz”, inclusive, deu-se sem a presença de seu criador.

Portinari era profundamente ligado a seu tempo. Tendo participado ativamente do processo de modernização do seu país, era um artista que buscava um papel para a sua arte, acima de tudo em termos humanistas. Em 1953, numa conversa com o poeta Vinícius de Moraes, ele explica: “Não pretendo entender de política. Minhas convicções, que são fundas, cheguei a elas por força da minha infância pobre, de minha vida de trabalho e luta, e porque sou um artista. Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo”.

É a carência desse sentido humano da arte que pude ver nas obras expostas pelas 79 galerias de arte da SP Arte 2010, neste fim de semana. Enquanto observava por um momento o público que transitava no prédio da Bienal, pensei que alguma coisa de muito grave está ocorrendo hoje quando essa arte aí expressa de fato o que o poeta Ferreira Gullar previu ainda nos primeiros anos da década de 60: “A arte pela arte coincide sempre com a crise dos valores de uma civilização. (…) é a idealização da impotência”. Uma arte de uma sociedade esquisitamente narcísica: tem medo da própria imagem!

Cândido Portinari morreu em fevereiro de 1962, após realizar mais de cinco mil trabalhos entre desenhos, pinturas, murais, painéis, esboços e até ilustrações. Morreu intoxicado por suas próprias tintas. Considerado o maior entre os maiores pintores brasileiros, sua obra permanecerá falando através dos tempos, de um Brasil que se forma através das mãos de seu povo e de seus artistas.