"Rinoceronte", gravura de Albert Dürer, 1515 |
O Branco
Alguns podem ter dúvidas quanto a afirmar se o Branco é ou não uma cor. Mas para nossos ancestrais, não havia dúvidas quanto a isto: é uma cor. E não só isso, era uma das 3 cores básicas do sistema antigo, juntamente com o Preto e o Vermelho. O pigmento branco já era usado nas inscrições das cavernas paleolíticas e na Idade Média nos manuscritos. Tanto na pintura quanto na tintura de tecidos, há muito tempo só era considerado “incolor” algo para o qual não existia pigmento que pudesse ser utilizado para colorir.
Os antigos inclusive distinguiam dois brancos: o opaco e o luminoso. Em latim, eram eles: o Albus (o branco opaco, que depois ficou conhecido como Albumina) e Candidus (o brilhante, de onde curiosamente vem também a palavra “candidato” ou “aquele que veste uma roupa branca brilhante para se submeter ao voto de eleitores”). Mas nas línguas germânicas também existem duas palavras para designar o branco: o Blank (branco brilhante) e Weiss (branco opaco).
E aqui Pastoreau faz uma observação muito importante: antigamente, a distinção entre opaco e luminoso, entre claro e escuro, entre liso e áspero, entre denso e transparente era muito mais importante do que a diferença entre as diversas cores.
Ainda hoje relacionamos a palavra “branco” também à falta, à ausência, como por exemplo na expressão “deu um branco” para dizer que algo foi esquecido. Por outro lado, também ainda guardamos a ideia de que essa cor está associada à pureza e à inocência. E essa simbologia não está ligada apenas à tradição europeia, mas também à africana e à asiática. Em certas regiões mais frias do planeta, a neve ajudou a reforçar esse símbolo, uma vez que ela se espalha uniformemente pelos campos dando à natureza um aspecto monocromático.
"Rendição de Cornwalls em Yorktown", John Trumbull, 1797 |
O Branco também é o símbolo da virgindade da mulher, coisa que só passou a ter valor com a instituição do casamento cristão, lá pelo século XIII. O casamento era necessário por razões de herança, e a moça devia se manter virgem até ele para garantir que os meninos que gerasse fossem mesmo filhos do marido. Isso foi se tornando uma verdadeira obsessão, até o ponto que no século XVIII as moças precisavam exibir sua virgindade, como seu maior bem. Para isso elas deveriam se vestir de branco no dia do casamento. O costume de usar branco no vestido de noiva dura até nossos dias.
Além disso, era de bom tom que todos os tecidos que tocavam o corpo (de lençois a toalhas e as roupas de baixo) deveriam ser brancas, não só por razões de higiene mas porque ao lavar as roupas brancas elas nunca perdiam a cor. Mas essa prática também vem da Idade Média e seus tabus morais: era mais indecente uma pessoa ser pega com as roupas íntimas do que nua, e se essas roupas de baixo não fossem brancas, eram ainda mais indecentes.
Um outro símbolo para a cor branca está relacionado à “luz divina”. Deus teria uma luz branca, assim como os anjos. O Branco também é considerado a segunda cor de Maria, a mãe de Deus (a primeira é o azul). Nos rituais religiosos - de quase todas as práticas religiosas, do catolicismo ao candomblé) - a cor branca está muito presente. O Branco é também a cor dos fantasmas, como um eco do mundo dos mortos. Os espectros e aparições, desde a Roma antiga, são descritos como brancos.
Até mesmo na ciência mais moderna, o branco aparece, como na teoria do big bang, a explosão inicial que deu origem ao mundo, que é representado por um clarão de luz branca. Porque o branco também seria a luz primordial, o começo dos tempos.
O Preto
Assim como o Branco, o Preto às vezes não tem sido considerado como uma cor. Mas fazia parte da tríade de cores do sistema antigo, como já falamos várias vezes.
A cor preta está carregada de aspectos simbólicos de cunho negativo: a morte, o luto, as trevas, o medo, o pecado, ao inferno, aos mundos subterrâneos. Mas há também, diz Michel Pastoreau, um Preto mais respeitável: o da temperança, da humildade, da austeridade, como foi imposto pela Reforma e como era representado nas vestes dos monges beneditinos. Mas também - e isso alcança nossa época atual - é a cor da autoridade, das vestes dos magistrados e dos automóveis que transportam chefes de estado. Além disso, conhecemos este outro lado do preto, a cor do chique e do elegante.
Existe então, um “mau” e um “bom” preto. Também para ele há duas palavras em latim: o Niger, que designa o preto brilhante e o Ater, o preto opaco.
"Retrato de Martin Lutero", Lucas Cranach |
A Reforma Protestante declara guerra às cores mais vivas - como já vimos antes - e prega a ética da austeridade. Com isso, o Preto se torna a cor da moda não somente entre os sacerdotes, mas também entre reis e príncipes. Costume que dura até hoje. Assim como o Azul, o Preto está presente nas cores das roupas que exigem sobriedade e elegância.
A bandeira negra já foi símbolo dos piratas, que significava a morte. Mas também, depois do século XIX, era a cor da bandeira anarquista. O contraste preto e branco está muito presente em muitos aspectos de nossa cultura. Mas nem sempre foi considerado o par de opostos mais explícito. Antigamente, as cores opostas eram o Preto e o Vermelho.
Como exemplo dessa evolução, Michel Pastoreau conta um pouco da história do jogo de xadrez. Esse jogo teria surgido no século VI na Índia e comportava peças pretas e vermelhas. Adotado por persas e muçulmanos, este jogo chegou até à Europa por volta do ano 1.000 e os europeus mudaram as cores para brancos contra vermelhos. Foi no Renascimento que as peças e o tabuleiro de xadrez passaram a ser brancos e pretos.
Com o advento da imprensa e da gravura, pouco a pouco a oposição branco versus preto se impôs, assim como a Reforma já o tinha feito.
Seja qual seja o sistema de cores, sempre há um lugar para o branco e outro para o preto, nas extremidades. Por exemplo na palheta: Branco, Amarelo, Vermelho, Verde, Azul, Preto. Isaac Newton (como vimos no primeiro post sobre este assunto) estabeleceu um continuum de cores para o arco-íris: Violeta, Índigo, Azul, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho, excluindo, pela primeira vez, as extremidades preta e branca. Foi por isso que durante muito tempo essas duas cores estiveram fora do mundo das outras cores, especialmente no século XIX quando o preto e o branco é o mundo não colorido. A descoberta da fotografia que captava a luz num fenômeno bicromático reforçou esta ideia. A fotografia representou durante muito tempo o mundo em preto e branco, como a gravura. Com o desenvolvimento do cinema e da televisão que foram durante muito tempo preto e branco, nós acabamos nos familiarizar com esta oposição, diz Pastoreau. E dividimos também nosso mundo: em cores, de um lado; preto e branco de outro.
Mas o Preto e o Branco era um par de cores que muito interessaram a um pintor como Rubens, que possui tantas telas bem coloridas. Dizem que ele empregou em sua oficina uma equipe de gravadores para reproduzir seus quadros em preto e branco, observa Pastoreau. Durante muito tempo se pensou que na arte grega antiga imperava o preto e o branco. Quando se descobriu que os templos gregos e romanos antigos eram coloridos, a primeira reação foi de repulsa, como se isso diminuísse o valor histórico, cultural e artístico da arte antiga. Parece que para ser “sério”, diz o autor francês, se exige que seja em preto e branco…
No cinema temos também um exemplo disso, diz ele. Na década de 1920 a tecnologia em cores já poderia ser implantada mas não o foi e não só por razões econômicas. Vários moralistas da época achavam que os filmes eram coisas fúteis e indecentes, ainda mais seriam se as imagens fossem em cores. Da mesma maneira, Henry Ford - o da fábrica de automóveis norte-americana - que era um protestante puritano, se recusou a fabricar carros que não fossem pintados de preto, mesmo quando a concorrência começou a fabricar e a vender carros de outras cores.
Mas, para concluir, novamente reconhecemos, em nossos tempos atuais, que o Preto e o Branco formam cores juntos com todas as outras. E estão presentes de volta à palheta dos artistas.
"Vaso romano com alho e cebola", David Leffel |