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terça-feira, 25 de abril de 2017

Vassily Surikov, pintor da história russa

Dando prosseguimento aos textos sobre a arte e a cultura russas, nos próximos posts apresentaremos quatro pintores: Vassily Surikov, Mikhail Vrubel, Valentin Serov e Isaac Levitan que, junto com Ilya Repin (LEIA AQUI), foram grandes precursores dos movimentos estéticos do século XX na Rússia.

"A tomada da torre de gelo", Surikov, óleo sobre tela, 282 x 156 cm, 1891
"Uma pintura é um poema sem palavras."
(Horácio)

Vasily Ivanovich Surikov é considerado o maior pintor histórico da Rússia. Ele executou desde telas históricas a centenas de retratos, estudos e esboços. Mas era principalmente um mestre nas composições monumentais. No final do século XIX, os movimentos em prol da Rússia e de sua cultura, levaram os pintores a executar telas em grande formato, que retratassem grandes eventos e grandes personagens de sua história.

Autorretrato, Surikov, 1887
Surikov nasceu em Krasnoyarsk, na Sibéria, em 24 de janeiro de 1848. De uma família cossaca (kazak em russo, que significa "homem livre, aventureiro" era um povo que vivia nas estepes russas), seus antepassados participaram de levantes na Sibéria e no rio Don, ao sul da Rússia. Ele tinha muito orgulho desta origem. Escreveu: "Eu sou completamente cossaco e com um pedigree que vem de mais de duzentos anos!" Seu pai era um apaixonado por música, tocava guitarra com excelência e era considerado o melhor cantor amador na cidade. Sua mãe tinha refinado gosto artístico também. Portanto, ele cresceu em um meio muito favorável para a arte, e desde muito cedo começou a desenhar.

Seu professor de desenho na escola do distrito de Krasnoyarsk, Grebnev, foi seu primeiro grande incentivador e apoiou seu desejo de se tornar pintor. Com a morte de seu pai em 1859, Surikov precisou trabalhar como funcionário de um escritório, para sustentar sua família. Mas seus desenhos atraíram a atenção do governador de Krasnoyarsk, que enviou sua indicação para o conselho da Academia de Artes de São Petersburgo. A resposta foi positiva, mas ele não receberia uma bolsa de estudos. Um rico dono de uma mina de ouro em Kuznetsov, amante de arte e colecionador, ofereceu-se para pagar por seus estudos e manutenção.

Em dezembro de 1868, Surikov partiu em uma longa viagem a cavalo para a capital, acompanhando um carregamento de mercadorias. Na capital russa ficou estupefato: “Chegando a Moscou, aquele centro da vida nacional, eu imediatamente entendi o meu caminho”, escreveria ele mais tarde.

Já como estudante da Academia, Surikov não se importava muito com a vida noturna da cidade e se concentrou firmemente em aprender pintura, trabalhando dia e noite para dominar essa profissão muito desafiadora, em especial a pintura histórica. Em 1870 já estava trabalhando em sua primeira pintura autoral: “Vista do monumento a Pedro, o Grande na Praça do Senado em São Petersburgo”

Surikov fez grandes progressos na Academia, extraindo o máximo benefício de suas aulas. Ele era especialmente talentoso com a composição de seus quadros, tanto que passou a ser chamado de "compositor" por seus colegas. Em suas composições, o expectador se sentia como parte de suas imensas telas históricas.

"Suvorov cruzando os Alpes",
Surikov, óleo sobre tela,
1899, 373 x 495 cm
Vassily Surikov foi aluno de Pavel Chistyakov, que treinou muitos mestres da arte russa. Com ele, Surikov executou uma série de composições sobre temas clássicos e também uma representação do início da história da Rússia “O julgamento de um príncipe” (1874). Em abril de 1875, participou da competição por uma medalha de ouro com o quadro “O Apóstolo Paulo expondo o dogma do cristianismo a Herodes, Agripa, sua irmã Berenice e o procônsul romano Festo.” Em termos de composição, a pintura segue os cânones acadêmicos, mas já se via o interesse do artista pela psicologia de seus personagens. Mas ele não ganhou a medalha.

Graduando-se com honras em 1875, Surikov recebeu o prêmio de uma viagem de dois anos ao exterior, pago pelo Estado. Ele recusou, pedindo em troca uma autorização para pintar os murais para a catedral de Cristo Salvador em Moscou. Esta encomenda lhe rendeu muito dinheiro e foi a única que recebeu ao longo da vida.

Em 1877, Surikov estabeleceu-se em Moscou. Em 1878, se casou com Elizaveta Share. Sua tranquila vida familiar e a relativa segurança material lhe permitiram pintar cenas da história russa. Produziu algumas obras-primas como “A Manhã da execução do Streltsty”, “Menshikov em Beryozovo” e “A boiarda Morozova”.

Retrato de Surikov,
por Ilya Repin
Vassily Surikov foi o primeiro de 'Os Itinerantes' a combinar os ideais nacionais com o desejo de expressar esses ideais. Para ele, a maior representação da beleza podia ser encontrada na Sibéria, com toda a sua severidade, com seus costumes às vezes cruéis, com seu povo corajoso e sua velha Rússia.

A obra-prima de Surikov, como é largamente considerada, “A boiarda Morozova”, está ambientada nas ruas da Moscou medieval. É uma pintura enorme - tanto em tamanho quanto em escala, ela tem as características de um mural. A construção pictórica desse trabalho lembra alguns dos grandes pintores monumentais italianos cujas obras Surikov tanto admirava, como Michelangelo, Tintoretto, Ticiano e, mais ainda, Veronese. 

Com Surikov a paleta de cores peculiares da arte bizantina é igualmente reavivada - os ricos marrons, vermelhos escuros e amarelos claros são os mesmos que encontraremos novamente no trabalho de Natalia Goncharova, anos depois. “Um ritmo de superfície decorativo e uma horizontal vigorosa são outras características comuns à arte russa, tanto antiga quanto moderna, e igualmente recuperadas pela primeira vez no trabalho de Surikov”, diz a escritora Camilla Gray.

Sua tela "A manhã da execução do Streltsy" (1878-81) representa um dos períodos mais cruciais da história russa, no episódio da luta pelo trono entre Pedro o Grande e sua irmã Sophia, cujo resultado foi a derrota dela. "Não foi a execução dos opositores que eu queria transmitir, mas a solenidade dos últimos minutos", escreveu Surikov sobre a pintura, que logo foi comprada por Tretyakov.

Em 1888 o artista sofreu um grave choque: sua esposa morreu. Desesperado com a perda trágica da mulher que ele amava, Surikov parou de trabalhar. Seu bom amigo Mikhail Nesterov mais tarde se lembrou: "... depois de uma noite tortuosa, ele se levantava de madrugada e ia fazer uma oração matutina. Lá, no silêncio da velha igreja, orava por sua falecida esposa batendo a testa ardente contra o chão de pedras frias. Então, chovesse ou fizesse sol, ia direto para o cemitério de Vagankovo ​​chorando no túmulo de sua amada, chamando-a e orando desesperadamente... "

"Pugachev",
desenho de Surikov, 1911 
Atendendo ao conselho de sua família, Surikov e suas filhas foram para Krasnoyarsk, na Sibéria. Escreveu: "Na Sibéria o povo é diferente do resto da Rússia: livre, corajoso... As montanhas são verdadeiras jóias... (...) A Sibéria me deu a inspiração para meus personagens históricos, com aquele espírito e força. Eu não compreendo as ações históricas sem povo, sem multidão ".

A tela "A tomada da fortaleza de gelo" (1891), a obra mais alegre do artista, que ele fez após três pinturas históricas, o ajudou a superar a dor e a adversidade. Nela, vê-se seu profundo amor pela vida.

Surikov passou vários anos trabalhando em seu grande último trabalho, a tela "Stepan Razin" (1907-10). Stepan Razin foi um cossaco, líder de um grande levante contra a nobreza e a burocracia do czar no sul da Rússia. Esta pintura lhe causou alguns problemas com os governantes, que a consideraram uma provocação.

Seu último trabalho foi “Pugachev”, mostrado acima num estudo feito em 1911, que mostra o líder de uma revolta camponesa do século XVIII preso.

Surikov morreu em 19 de março de 1916 e foi enterrado ao lado de sua esposa no cemitério de Vagankovo, em Moscou.


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Referências bibliográficas:

- Gray, Camilla. O grande experimento. Arte russa. 1863-1922. São Paulo: Worldwhitewall Editora Ltda, 2004
- Site: russiapedia.rt.com
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"A manhã da execução de Streltsy", Surikov, 1881,
óleo sobre tela, 218 x 379 cm
"Stepan Razin", Surikov, óleo sobre tela, 1909-1910

"A boiarda Morozova", Surikov, óleo sobre tela, 1887, 587 x 304 cm
"A conquista da Sibéria por Yermak", Surikov, 1895, óleo sobre tela, 599 × 285 cm

"O cavaleiro de bronze", Surikov
"Vista do monumento a Pedro na Praça do Senado em S. Petersburgo", Surikov, óleo sobre tela, 1870

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pequena história do autorretrato - parte I

"Narciso", Caravaggio, óleo sobre tela, 1594-96, 
Ao longo da história da arte, os artistas têm se dedicado - uns mais outros menos - a se autorretratarem. São conhecidos os muitos autorretratos de Rembrandt van Rijn, o grande pintor holandês. Pode ser puro interesse em sua própria imagem, pode ser algum tipo de narcisismo, pode ser simplesmente não ter um modelo ali na frente a não ser o próprio rosto do pintor, o autorretrato tem uma longa história.

Capa do livro
Em 2011, procurando aleatoriamente algum livro na seção de artes de uma livraria em Paris, um título me chamou a atenção: “Histoire de Moi - histoire des autoportraits”, de Yves Calméjane. Comecei a ler alguns meses depois, fiz muitas anotações, guardei. Tão bem guardado, que somente nestes dias encontrei novamente minhas anotações e então vou fazer o que já devia ter feito: transformá-las em textos para este Blog.

Como é um tema bastante vasto, mais uma vez vamos dividir este tema em vários pedaços de texto, para não cansar o leitor, seguindo a ordem do livro de Yves Calméjane, mas procurando retirar dele apenas a essência do que seja importante para este Blog. Se o leitor quiser se aprofundar, pode adquirir o livro pela internet, importando-o (referência bibliográfica segue abaixo).

Tão velha quanto a primeira sombra projetada sobre o chão, tão velho quanto a água da fonte onde homens e animais mataram sua sede e onde se reflete a sua imagem, o autorretrato é o fundador do pensamento – esta afirmação é de um dos primeiros teóricos da arte e pensador do Renascimento Leon Battista Alberti, que escreveu em 1435 em seu tratado “De Pictura”: “O inventor da pintura pode ter sido esse Narciso que foi transformado em flor, porque se é verdade que a pintura é a flor de todas as artes, então a fábula que se conta sobre Narciso é muito conveniente à pintura. O que é realmente pintar, se não a arte de beijar a superfície de uma fonte?”

Cézanne também dizia que “pintar é pensar com um pincel na mão”. 

Um dos diversos autorretratos de
Rembrandt van Rijn
No caso do autorretrato, o que se pergunta o pintor quando se vê diante do espelho: quem sou eu? Como é minha imagem, quando outros me vêem? O que dizem meus olhos sobre mim? Enfim, uma infinidade de respostas são possíveis a outro tanto de infinitas perguntas. No fundo, o que busca o artista quando se pinta a si mesmo: ou a fascinação com seu próprio retrato ou a desnudação de seu próprio ser. Sempre se volta ao jogo de Narciso e se dá vida ao velho mito: Narciso, o ser prisioneiro de sua imagem descoberta no reflexo no lago de águas tranquilas e frias. Sigmund Freud elaborou o conceito ligado a este mito, o de que o Narcisismo, mesmo que faça parte da constituição psicológica de cada um de nós, levado ao extremo gera sujeitos voltados para seu próprio umbigo. Nada que seja alheio à própria imagem pessoal, desperta interesse. 

Mas olhar para a própria face também significa se conhecer a si mesmo. Ver-se de perto, olho no olho. Se desnudar. Neste sentido, podemos nos lembrar de um outro mito, o de Mársias, o músico grego que ousou desafiar o deus Apolo e teve sua pele arrancada, seu corpo exposto literalmente.

“Nós somos convidados em efeito a não mais somente ver um ser que se adora e se perde em si mesmo, mas ao contrário, um buscador de identidade, que quer se conhecer a si mesmo, despreocupado com os ecos do mundo”, observa Calméjane. Na verdade há duas espécies de sujeito narcísico: um apaixonado pela própria imagem; outro fascinado pelo mistério de seu ser. Todos os mortais comuns como nós levamos conosco algum desejo de imortalidade.

Umas das características da pintura do autorretrato é de ser uma prática cultural, diz o escritor francês. Nós não encontramos autorretratos nem no mundo hebraico, nem no mundo árabe, nem no indiano. Na China e no Japão ele apareceu mas muito recentemente. É, pois, uma prática do mundo ocidental, advinda da cultura greco-romana. Concluímos: num mundo globalizado como o nosso atual, estes - e outros - valores da cultura ocidental se espalham por todos os cantos. Nunca se produziu tanto autorretrato como nos dias atuais, com a profusão de selfies e as auto-exposições nas janelas abertas das redes sociais.

Desenho na caverna de Lascaux, França
Os primeiros retratos humanos nasceram no fundo das cavernas, “o útero da arte”. No dia 12 de setembro de 1940, quatro garotos descobriram inscrições que datam de mais de 17 mil anos, na caverna de Lascaux, considerada por um padre (Henri Breuil, grande arqueologista e especialista em Pré-História), a “capela sixtina do paleolítico superior”. Eram desenhos que representavam seres humanos e animais. Também foi encontrado um verdadeiro bouquet de mãos humanas situado a 7 metros de altura, que datam de 12 mil anos, e foi descoberto por Luc-Henri Fage e Michel Chazine nas ilhas Keneeng, em Bornéu, Indonésia.

Há 12 mil anos, no período Neolítico, teve lugar a sedentarização do homem, surgindo novas profissões: os caçadores-coletores se transformam em agricultores e começam a construir suas moradias. Desenvolve-se a religião xamânica ou totêmica, que se manifesta através de esculturas ligadas a práticas rituais funerárias. A arquitetura e o artesanato nascem. Criam-se imagens de ídolos e deuses.

Na Grécia nasce a filosofia e o autorretrato.

A arte grega se desenvolve levando em conta a medida do homem como referência para todas as coisas, conceito que influenciou os artistas do Renascimento. Os gregos não separavam ciência e filosofia: Pitágoras, Thales, Heráclito, Parmênides, Zenon, Protágoras, Górgias, Sócrates e Demócrito foram pensadores que se sucederam entre os séculos VI e IV a.C. Eles sondavam o mundo que os cercava e lançaram as bases do pensamento ocidental. Foi em Atenas que apareceu uma das primeiras experiências de Democracia, onde “cada cidadão tinha a sua cota de poder”.

"Fidias mostrando o friso do Partenón a seus amigos", 1868,
pintura a óleo de Lawrence Alma-Tadema
Também na Grécia, Fídias – um dos maiores escultores conhecidos da antiguidade - realiza o primeiro autorretrato, e pagou um alto preço por isso, pois os gregos, seus contemporâneos, consideravam isso uma superestimação de si mesmo. Fídias, Péricles e Sócrates foram contemporâneos em Atenas, no séc. V a.C. conhecido como a Era de Ouro da Grécia. A Arte, o Poder e a Filosofia encarnados nesses três homens mostram que não surpreende que o verdadeiro nascimento do autorretrato, e então da afirmação do indivíduo, tenha acontecido na pátria da Democracia e da Filosofia. Mas foram todos os três repelidos: Fídias foi preso, Péricles morreu isolado de seus contemporâneos, enquanto Sócrates foi obrigado a tomar o veneno que lhe matou.

Fídias era também geômetra e foi capaz de controlar a perspectiva a tal ponto que ele deformou as colunas do Partenón para que, através de ilusão ótica, elas dessem sempre a aparência de equilíbrio, qualquer que fosse o ponto de vista. Acusado, portanto, de usar recursos destinados aos deuses com a finalidade de honrar a figura humana, Fídias foi levado à prisão, onde morreu.

Célebre mosaico bizantino
da Basílica de Santa Sofia,
em Constantinopla, atual Istambul,
Turquia 
Séculos depois ocorreu o declínio do Império Romano e o nascimento do Império Bizantino. Sucederam-se sociedades iconoclastas (que não permitiam o uso de imagens). No século VIII, o imperador Leão III suprime de seu palácio todas as representações de Cristo. O culto à imagem estava se excedendo, e ele o proíbe. Mas o Santo Sudário - pano onde se diz estar impressa a imagem de Cristo, por Ele mesmo - se mantinha muito bem guardado. Diz a fábula cristã que uma mulher chamada Verônica teria se apiedado do sofrimento de Jesus e teria lhe enxugado o rosto com um pano. Com isso, o rosto de Cristo teria ficado impresso no tecido. Foi o primeiro autorretrato da era cristã… Mas sobre esta mulher que virou santa na igreja, nada se sabe de biografia. Talvez tenha surgido de um certo jogo de palavras meio latino meio grego: “Vera” = verdade; “Icona” = imagem: Juntas, “verdadeira imagem” = "vera icona" = Verônica. Vai saber...

Em 743, após a morte de Leão III, seu filho o imperador Constantino, continua sua política iconoclasta ainda mais agressivamente. Ele convoca um concílio de bispos onde se estuda a dupla natureza de Jesus Cristo e manda condenar à morte quem possua ou venere um ícone. Houve uma verdadeira caçada e destruição de pinturas, mosaicos, relíquias e ícones durante todo aquele império. Mas havia o contraditório também. Outros pensadores cristãos diziam que as imagens podem levar o cristão a ter uma ideia da realidade “invisível”. São Teodoro Studita, um pensador da igreja bizantina, declara: “Através da imagem do Cristo, o invisível se faz ver”. Um argumento de inspiração nas ideias de Platão, que falava da imagem como símbolo de algo. Este monge foi preso e torturado por causa de suas ideias em favor das imagens.

Foi preciso aparecer uma mulher, mais tarde, para que se recuperasse o direito ao uso de pinturas de ícones. Irene, esposa de Leão IV, assume o poder após a morte do marido e, sendo favorável aos que defendiam o uso de imagens, convocou um concílio e inverte o jogo: agora é considerado um herege quem for contra o uso de imagens… Seguindo-se o império de Leão V o Armênio, volta-se a perseguição aos defensores das imagens. Mais uma vez uma mulher assegura o fim da iconoclastia: a imperatriz Theodora. Ela convoca uma missa solene na Catedral de Santa Sofia em 843 e restaura a ortodoxia no império Bizantino. Depois de mais de 100 anos de idas e vindas e de muito sangue derramado por causa da luta contra o uso de imagens, o ícone retoma seu lugar e começa a idade de ouro de Bizâncio…

O imperador Carlos Magno, na sequência, restaura o Império do Ocidente e durante seus 46 anos de reinado se produz o que ficou conhecido como o Renascimento Carolíngeo. Baseado numa enérgica reforma religiosa, o rei que nem sabia escrever, se ancora nas igrejas e conventos, onde o ensino se enraíza e se desenvolve. Houve um verdadeiro renascimento da literatura e das artes liberais, o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Foi aí o berço das primeiras universidades, como a de Oxford no Reino Unido. 

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continua no próximo post
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Referência bibliográfica:
Histoire de moi - histoire des autoportraits, Yves Calméjane, Thalia Editions, Paris, 2006

terça-feira, 30 de junho de 2015

José Benlliure y Gil

La Barca de Caronte, José Benlliure y Gil, óleo sobre tela,103 x 176 cm, 1919
José Benlliure y Gil
Um dos pintores espanhois que conheci nesta minha última viagem à Espanha foi José Benlliure y Gil. Faz parte da coleção do Museu do Prado seu quadro “El descanso en la marcha”, pintado em 1876. Anotei seu nome e fui pesquisar sobre sua obra e história. Não temos muita coisa sobre sua biografia, mas é um pintor da geração espanhola do século XIX que vale a pena conhecer. Em especial pela pintura impressionante que está no topo deste post, "La barca de Caronte".

José Benlliure y Gil nasceu no pequeno povoado de Canyamelar, situado à beira mar, no município de Valencia, onde também nasceu Joaquín Sorolla, grande pintor espanhol. Ele nasceu no dia 30 de setembro de 1855, numa casa pertencente à família Beltrán, onde seus avós trabalhavam como caseiros. 

Filho de Juan Antonio Benlliure Tomás e Angela Gil Campos, ainda muito pequeno seus pais mudaram-se para uma rua baixa da cidade de Valencia, no bairro de Carmen, bairro de ruas e casas simples, onde José viveu sua infância. Sua família vinha de longa tradição artística. Seu irmão, Mariano Benlliure, se tornou um escultor de muito sucesso; seu outro irmão, Juan Antonio, aprendeu a pintar com José e também se tornou pintor.

Após seus primeiros anos de estudo escolar, foi matriculado na Escola de Belas Artes de Valencia, aos 14 anos, e passou a frequentar o círculo dos pintores que se reuniam em volta do ateliê de Francisco Domingo Marqués (1842-1920), de quem José Benlliure foi aluno.

"El tío José de Villar del Arzobispo",
1919, óleo sobre tela, 79 x 66 cm
Com 16 anos de idade apenas pintou os retratos dos filhos do rei Amadeo I de Saboya. Logo em seguida, com 17 anos, foi para Paris com um bolsa de estudos que ganhou da prefeitura de Valencia. Em 1876, com 21 anos de idade, ganhou uma medalha na Exposição Nacional de Artes com a obra “El descanso en la marcha” (ver abaixo). No mesmo ano, termina seus estudos na Escola de Belas Artes de Valencia.

Casou-se em 1880 com María Ortiz Fullana e muda-se para a cidade de Roma, na Itália, onde nasceram seus quatro filhos. Mais tarde, muda-se para a cidade de Assis, no norte da Itália. Em 1888 viaja pelo norte da África, passando por Argélia e Marrocos, onde se deixou influenciar pela cultura exótica e orientalista, o que era moda naquela época. Diversos outros artistas também tiveram esta influência, como Eugène Delacroix e Paul Gauguin, entre outros.

Em 1904 foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de Espanha em Roma, cargo que deixa em 1912 para se mudar definitivamente para sua terra, Valencia.

"El tío Maties", óleo sobre tela,
34 x 43 cm, 1900
Em 1919 foi nomeado presidente honorário do Círculo de Belas Artes e da Juventude Artística Valenciana, assim como “delegado regio” de Belas Artes daquela cidade. Em 1922, tornou-se diretor do Museu de Belas Artes e, de 1930 em diante, passou a ser o diretor da Real Academia de Belas Artes. 

José Benlliure y Gil foi bastante reconhecido em vida e muito respeitado em sua cidade, que lhe deu, em 1924, o título de “hijo predileto”. Ele também foi membro da prestigiada Academia Real de Belas Artes San Fernando de Madrid, onde estudaram grandes pintores espanhois.

José Benlliure y Gil faleceu no dia 5 de abril de 1937, deixando uma obra em que retratou os costumes do povo valenciano, assim como quadros com temas religiosos e retratos de eclesiásticos e burgueses. 

Benlliure tinha um estilo muito próprio e dava o mesmo tratamento a temas os mais simples e os mais grandiosos.

Graças a seu trabalho de documentar em pintura a vida dos valencianos, hoje é possível ver como era a vida naqueles tempos em sua região. Em suas telas aparecem personagens locais como “Tio Andreu de Rocafort” e o “Tio José de Villar del Arzobispo”, além de outros quadros.


El descanso en la marcha, 1876, óleo sobre tela, 118 x 168 cm
Autorretrato, José Benlliure y Gil
El tio Andreu de Rocafort, 99 x 68 cm, óleo sobre tela
Sacerdote revestido, óleo sobre tela, 85 x 63 cm
Na missa, 96 x 146 cm, óleo sobre tela
Retrato de Maria Ortiz em hábito de Monja, guache sobre cartão, 1887, 32 x 30 cm

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da cor - parte VI - Preto e Branco

"Rinoceronte", gravura de Albert Dürer, 1515
Encerrando esses resumos sobre as cores, tendo como base o livro “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos ao Branco e ao Preto.

O Branco


Alguns podem ter dúvidas quanto a afirmar se o Branco é ou não uma cor. Mas para nossos ancestrais, não havia dúvidas quanto a isto: é uma cor. E não só isso, era uma das 3 cores básicas do sistema antigo, juntamente com o Preto e o Vermelho. O pigmento branco já era usado nas inscrições das cavernas paleolíticas e na Idade Média nos manuscritos. Tanto na pintura quanto na tintura de tecidos, há muito tempo só era considerado “incolor” algo para o qual não existia pigmento que pudesse ser utilizado para colorir.

Os antigos inclusive distinguiam dois brancos: o opaco e o luminoso. Em latim, eram eles: o Albus (o branco opaco, que depois ficou conhecido como Albumina) e Candidus (o brilhante, de onde curiosamente vem também a palavra “candidato” ou “aquele que veste uma roupa branca brilhante para se submeter ao voto de eleitores”). Mas nas línguas germânicas também existem duas palavras para designar o branco: o Blank (branco brilhante) e Weiss (branco opaco).

E aqui Pastoreau faz uma observação muito importante: antigamente, a distinção entre opaco e luminoso, entre claro e escuro, entre liso e áspero, entre denso e transparente era muito mais importante do que a diferença entre as diversas cores.

Ainda hoje relacionamos a palavra “branco” também à falta, à ausência, como por exemplo na expressão “deu um branco” para dizer que algo foi esquecido. Por outro lado, também ainda guardamos a ideia de que essa cor está associada à pureza e à inocência. E essa simbologia não está ligada apenas à tradição europeia, mas também à africana e à asiática. Em certas regiões mais frias do planeta, a neve ajudou a reforçar esse símbolo, uma vez que ela se espalha uniformemente pelos campos dando à natureza um aspecto monocromático.

"Rendição de Cornwalls em Yorktown",
John Trumbull, 1797
A bandeira branca que até hoje utilizamos como símbolo para “paz”, para marcar o fim de um conflito vem sendo uma prática que remonta à Guerra dos Cem Anos, que ocorreu entre os séculos XIV e XV. O Branco em oposição ao Vermelho da guerra.

O Branco também é o símbolo da virgindade da mulher, coisa que só passou a ter valor com a instituição do casamento cristão, lá pelo século XIII. O casamento era necessário por razões de herança, e a moça devia se manter virgem até ele para garantir que os meninos que gerasse fossem mesmo filhos do marido. Isso foi se tornando uma verdadeira obsessão, até o ponto que no século XVIII as moças precisavam exibir sua virgindade, como seu maior bem. Para isso elas deveriam se vestir de branco no dia do casamento. O costume de usar branco no vestido de noiva dura até nossos dias.

Além disso, era de bom tom que todos os tecidos que tocavam o corpo (de lençois a toalhas e as roupas de baixo) deveriam ser brancas, não só por razões de higiene mas porque ao lavar as roupas brancas elas nunca perdiam a cor. Mas essa prática também vem da Idade Média e seus tabus morais: era mais indecente uma pessoa ser pega com as roupas íntimas do que nua, e se essas roupas de baixo não fossem brancas, eram ainda mais indecentes.

Um outro símbolo para a cor branca está relacionado à “luz divina”. Deus teria uma luz branca, assim como os anjos. O Branco também é considerado a segunda cor de Maria, a mãe de Deus (a primeira é o azul). Nos rituais religiosos - de quase todas as práticas religiosas, do catolicismo ao candomblé) - a cor branca está muito presente. O Branco é também a cor dos fantasmas, como um eco do mundo dos mortos. Os espectros e aparições, desde a Roma antiga, são descritos como brancos. 

Até mesmo na ciência mais moderna, o branco aparece, como na teoria do big bang, a explosão inicial que deu origem ao mundo, que é representado por um clarão de luz branca. Porque o branco também seria a luz primordial, o começo dos tempos.

O Preto


Assim como o Branco, o Preto às vezes não tem sido considerado como uma cor. Mas fazia parte da tríade de cores do sistema antigo, como já falamos várias vezes.

A cor preta está carregada de aspectos simbólicos de cunho negativo: a morte, o luto, as trevas, o medo, o pecado, ao inferno, aos mundos subterrâneos. Mas há também, diz Michel Pastoreau, um Preto mais respeitável: o da temperança, da humildade, da austeridade, como foi imposto pela Reforma e como era representado nas vestes dos monges beneditinos. Mas também - e isso alcança nossa época atual - é a cor da autoridade, das vestes dos magistrados e dos automóveis que transportam chefes de estado. Além disso, conhecemos este outro lado do preto, a cor do chique e do elegante.

Existe então, um “mau” e um “bom” preto. Também para ele há duas palavras em latim: o Niger, que designa o preto brilhante e o Ater, o preto opaco. 


"Retrato de Martin Lutero", Lucas Cranach
Durante muito tempo foi uma cor de difícil fabricação. Ainda hoje é uma cor muito difícil de se conseguir a não ser recorrendo a produtos caros como o marfim calcinado (que dá o Black Ivoire).  Aqueles que são fabricados a partir de resíduos de fumaça, não são densos o suficiente.  Isto explica porque até ao final da Idade Média o Preto é bastante raro nas pinturas, em especial as de tamanho grande. Até mesmo nas iluminuras ele aparece em pouca quantidade. Mas os tintureiros italianos dos fins do século XIV conseguem progredir na fabricação de gamas de preto.

A Reforma Protestante declara guerra às cores mais vivas - como já vimos antes - e prega a ética da austeridade. Com isso, o Preto se torna a cor da moda não somente entre os sacerdotes, mas também entre reis e príncipes. Costume que dura até hoje. Assim como o Azul, o Preto está presente nas cores das roupas que exigem sobriedade e elegância.

A bandeira negra já foi símbolo dos piratas, que significava a morte. Mas também, depois do século XIX, era a cor da bandeira anarquista. O contraste preto e branco está muito presente em muitos aspectos de nossa cultura. Mas nem sempre foi considerado o par de opostos mais explícito. Antigamente, as cores opostas eram o Preto e o Vermelho.

Como exemplo dessa evolução, Michel Pastoreau conta um pouco da história do jogo de xadrez. Esse jogo teria surgido no século VI na Índia e comportava peças pretas e vermelhas. Adotado por persas e muçulmanos, este jogo chegou até à Europa por volta do ano 1.000 e os europeus mudaram as cores para brancos contra vermelhos. Foi no Renascimento que as peças e o tabuleiro de xadrez passaram a ser brancos e pretos.

Com o advento da imprensa e da gravura, pouco a pouco a oposição branco versus preto se impôs, assim como a Reforma já o tinha feito.

Seja qual seja o sistema de cores, sempre há um lugar para o branco e outro para o preto, nas extremidades. Por exemplo na palheta: Branco, Amarelo, Vermelho, Verde, Azul, Preto. Isaac Newton (como vimos no primeiro post sobre este assunto) estabeleceu um continuum de cores para o arco-íris: Violeta, Índigo, Azul, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho, excluindo, pela primeira vez, as extremidades preta e branca. Foi por isso que durante muito tempo essas duas cores estiveram fora do mundo das outras cores, especialmente no século XIX quando o preto e o branco é o mundo não colorido. A descoberta da fotografia que captava a luz num fenômeno bicromático reforçou esta ideia. A fotografia representou durante muito tempo o mundo em preto e branco, como a gravura. Com o desenvolvimento do cinema e da televisão que foram durante muito tempo preto e branco, nós acabamos nos familiarizar com esta oposição, diz Pastoreau. E dividimos também nosso mundo: em cores, de um lado; preto e branco de outro.

Mas o Preto e o Branco era um par de cores que muito interessaram a um pintor como Rubens, que possui tantas telas bem coloridas. Dizem que ele empregou em sua oficina uma equipe de gravadores para reproduzir seus quadros em preto e branco, observa Pastoreau. Durante muito tempo se pensou que na arte grega antiga imperava o preto e o branco. Quando se descobriu que os templos gregos e romanos antigos eram coloridos, a primeira reação foi de repulsa, como se isso diminuísse o valor histórico, cultural e artístico da arte antiga. Parece que para ser “sério”, diz o autor francês, se exige que seja em preto e branco…

No cinema temos também um exemplo disso, diz ele. Na década de 1920 a tecnologia em cores já poderia ser implantada mas não o foi e não só por razões econômicas. Vários moralistas da época achavam que os filmes eram coisas fúteis e indecentes, ainda mais seriam se as imagens fossem em cores. Da mesma maneira, Henry Ford - o da fábrica de automóveis norte-americana - que era um protestante puritano, se recusou a fabricar carros que não fossem pintados de preto, mesmo quando a concorrência começou a fabricar e a vender carros de outras cores.

Mas, para concluir, novamente reconhecemos, em nossos tempos atuais, que o Preto e o Branco formam cores juntos com todas as outras. E estão presentes de volta à palheta dos artistas.


"Vaso romano com alho e cebola", David Leffel

segunda-feira, 24 de junho de 2013

200 mil acessos

Hoje - 24 de junho - este BLOG QUE FALA DE ARTE acabou de marcar os 200 mil acessos! Este é um espaço dedicado às Artes Plásticas, à História da Arte e às minhas visões pessoais sobre o assunto. Este blog tem sido útil em diversas escolas e faculdades de artes, auxiliando estudantes em suas pesquisas. Continuaremos com nosso trabalho teórico postando textos aqui neste blog, somente que de forma um pouco mais lenta, uma vez que a autora resolveu privilegiar agora seus horários mais livres à pintura do que ao estudo teórico. No entanto, sempre traremos as novidades do mundo das artes plásticas e, sempre que possível, nossas opiniões a respeito do mundo.

Muito obrigada às centenas de pessoas de todos os lugares do Brasil e de muitos outros países que acessam este BLOG QUE FALA DE ARTE frequentemente!

domingo, 29 de maio de 2011

Estudo de Arte Realista

Alguns dos que estudam Arte Realista com Maurício Takiguthi, em seu atelier
em São Paulo. Maurício é o de camiseta preta, frente ao cavalete.
Neste sábado à tarde, umas 20 pessoas se reuniram lá no Atelier Maurício Takiguthi, como fazemos uma vez por mês, para estudar mais um capítulo do livro de Heinrich Wölfflin, "Conceitos Fundamentais de História da Arte", desta vez sobre Pluralidade e Unidade na Pintura. Vimos como a pintura clássica era basicamente feita de partes autônomas dentro do quadro, não só pela diversidade de figuras mas também pela forma técnica da pintura, mais linear. Vimos como depois, no Barroco, as várias partes de uma pintura formam um todo único, sem ser possível deslocar um pedaço qualquer do contexto do quadro sem que a parte deslocada perca sentido. No Barroco (Caravaggio, Rembrandt, Rubens, Vermeer, Vélazquez...) é que podemos observar um entrelaçamento nas cores, uma espécie de espalhamento das massas, uma inter-relação entre todas as partes e figuras. O quadro, como um todo, conversa entre si.


Assunção de Maria, de Rubens
Mas Wölfflin alerta que isso não significa necessariamente um julgamento de valor, que um fosse superior ao outro, somente aponta que a Unidade estética do quadro surge como algo totalmente novo. Na pintura clássica as partes possuem uma função autônoma. Nesta pintura de Rubens (1577-1640) - ao lado - dá bem para ver que o quadro poderia ser dividido em dois, por exemplo, sem muito prejuízo do conjunto. E mesmo que os olhares se dirijam sobretudo para a figura de Maria no céu, os diversos personagens parece que não possuem relação entre si.


O que não é possível com este outro quadro, de Rembrandt (1606-1669) - abaixo - pois, como dá para ver, as partes se encontram interconectadas num todo indivisível e não seria possível destacar nenhum pedaço da cena, sem que ela sofresse prejuízo. Até mesmo no estudo de uma simples cabeça dá para se perceber claramente esses dois conceitos de unidade e de pluralidade dentro da História da Arte. E aqui vale lembrar que a Arte não se encontra separada do resto da vida, mas reflete as mudanças que vão ocorrendo no mundo e na sociedade ao longo do tempo. Até o pré-Renascimento, por exemplo, o poder da Igreja Católica influenciava diretamente a Pintura, com os padres dando as regras inclusive do uso das cores e fazendo uma grande diferenciação entre o mundo celeste e o mundo terreno. A partir do Renascimento, com o capitalismo mercantil trazendo mudanças profundas em todos os níveis, as coisas do céu foram perdendo importância e mesmo que os assuntos religiosos continuem sendo um tema na pintura, os seres humanos que aparecem nela já tem mais realidade e mais valor do que nas pinturas de períodos anteriores. Não dá mais para separar a terra e o céu. 


Nos detivemos também um pouco mais detalhadamente no estudo do quadro do grande pintor holandês Jan Vermeer (1632-1675) "Alegoria da Pintura", de 1666. O quadro é um grande exemplo de como um artista pode ser minucioso sem ser detalhista. Quando ampliamos ao máximo qualquer trecho dessa pintura vemos como Vermeer trabalhava com a ideia de que bastam pequenos toques do pincel, por exemplo, para dar o efeito desejado. Vermeer, assim como Rembrandt, são considerados pictóricos e não lineares, ou seja, dão preferência às massas de cor, aos valores, aos efeitos da luz. Um exemplo entre muitos em Vermeer: o lustre no alto da sala é trabalhado com muita minúcia em termos de uso da massa, do efeito da luz e da sombra, da massa que ultrapassa a forma, etc. Nos olhos e nos lábios da modelo, vemos como apenas pequenas pinceladas configuram a expressão doce e suave que ela aparenta. Isso mostra a diferença entre ser minucioso (na aplicação das regras da arte pictórica) e não detalhista.

Alegoria da Pintura, de Vermeer
Enfim, o estudo detalhado desta pintura, por si só, já serve como um curso inteiro sobre como funciona a pintura realista. Há uma profunda unidade na forma, nas cores, no tema, na composição, nos valores, na luminosidade.


Tributo à ética protestante do trabalho, de Jeremy Geddes
Um exemplo de pintura detalhista e linear é o do pintor hiper-realista contemporâneo Jeremy Geddes, um pintor australiano. Nesta tela a óleo pintada em 2009, que se intitula "A Tribute to the Protestant Work Ethic", podemos ver que: - é uma pintura linear, mais próxima da acadêmica; há uma preocupação muito grande em ser detalhista até nos mínimos efeitos; no conjunto do quadro, parece que o artista está mais preocupado em mostrar o quanto ele é bom. Diferentemente desse outro quadro de Vermeer, onde o pintor até aparece, mas de costas. O que importa não é ele, Vermeer, mas sim importa mostrar como a representação da realidade pode se dar de forma pessoal, suscinta, simples, elegante. 


Coisas como essas são bastante elucidativas de como a arte de uma época é o reflexo não somente daquele período histórico, mas mostra também o quanto um mestre é feito não somente de técnica, de execução perfeita, mas também de Pensamento, de Conceito, de Conhecimento. E de visão de mundo.


No Atelier de Arte Realista, em pleno século XXI, buscamos aprender a técnica do desenho e da pintura em profundidade, mas também nos interessa - a mim, pelo menos - compreender conceitualmente o que significa ser, hoje, uma pintora realista.