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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Luz, o princípio da cor - parte VI - Preto e Branco

"Rinoceronte", gravura de Albert Dürer, 1515
Encerrando esses resumos sobre as cores, tendo como base o livro “Le petit livre des couleurs” de Michel Pastoreau, vamos ao Branco e ao Preto.

O Branco


Alguns podem ter dúvidas quanto a afirmar se o Branco é ou não uma cor. Mas para nossos ancestrais, não havia dúvidas quanto a isto: é uma cor. E não só isso, era uma das 3 cores básicas do sistema antigo, juntamente com o Preto e o Vermelho. O pigmento branco já era usado nas inscrições das cavernas paleolíticas e na Idade Média nos manuscritos. Tanto na pintura quanto na tintura de tecidos, há muito tempo só era considerado “incolor” algo para o qual não existia pigmento que pudesse ser utilizado para colorir.

Os antigos inclusive distinguiam dois brancos: o opaco e o luminoso. Em latim, eram eles: o Albus (o branco opaco, que depois ficou conhecido como Albumina) e Candidus (o brilhante, de onde curiosamente vem também a palavra “candidato” ou “aquele que veste uma roupa branca brilhante para se submeter ao voto de eleitores”). Mas nas línguas germânicas também existem duas palavras para designar o branco: o Blank (branco brilhante) e Weiss (branco opaco).

E aqui Pastoreau faz uma observação muito importante: antigamente, a distinção entre opaco e luminoso, entre claro e escuro, entre liso e áspero, entre denso e transparente era muito mais importante do que a diferença entre as diversas cores.

Ainda hoje relacionamos a palavra “branco” também à falta, à ausência, como por exemplo na expressão “deu um branco” para dizer que algo foi esquecido. Por outro lado, também ainda guardamos a ideia de que essa cor está associada à pureza e à inocência. E essa simbologia não está ligada apenas à tradição europeia, mas também à africana e à asiática. Em certas regiões mais frias do planeta, a neve ajudou a reforçar esse símbolo, uma vez que ela se espalha uniformemente pelos campos dando à natureza um aspecto monocromático.

"Rendição de Cornwalls em Yorktown",
John Trumbull, 1797
A bandeira branca que até hoje utilizamos como símbolo para “paz”, para marcar o fim de um conflito vem sendo uma prática que remonta à Guerra dos Cem Anos, que ocorreu entre os séculos XIV e XV. O Branco em oposição ao Vermelho da guerra.

O Branco também é o símbolo da virgindade da mulher, coisa que só passou a ter valor com a instituição do casamento cristão, lá pelo século XIII. O casamento era necessário por razões de herança, e a moça devia se manter virgem até ele para garantir que os meninos que gerasse fossem mesmo filhos do marido. Isso foi se tornando uma verdadeira obsessão, até o ponto que no século XVIII as moças precisavam exibir sua virgindade, como seu maior bem. Para isso elas deveriam se vestir de branco no dia do casamento. O costume de usar branco no vestido de noiva dura até nossos dias.

Além disso, era de bom tom que todos os tecidos que tocavam o corpo (de lençois a toalhas e as roupas de baixo) deveriam ser brancas, não só por razões de higiene mas porque ao lavar as roupas brancas elas nunca perdiam a cor. Mas essa prática também vem da Idade Média e seus tabus morais: era mais indecente uma pessoa ser pega com as roupas íntimas do que nua, e se essas roupas de baixo não fossem brancas, eram ainda mais indecentes.

Um outro símbolo para a cor branca está relacionado à “luz divina”. Deus teria uma luz branca, assim como os anjos. O Branco também é considerado a segunda cor de Maria, a mãe de Deus (a primeira é o azul). Nos rituais religiosos - de quase todas as práticas religiosas, do catolicismo ao candomblé) - a cor branca está muito presente. O Branco é também a cor dos fantasmas, como um eco do mundo dos mortos. Os espectros e aparições, desde a Roma antiga, são descritos como brancos. 

Até mesmo na ciência mais moderna, o branco aparece, como na teoria do big bang, a explosão inicial que deu origem ao mundo, que é representado por um clarão de luz branca. Porque o branco também seria a luz primordial, o começo dos tempos.

O Preto


Assim como o Branco, o Preto às vezes não tem sido considerado como uma cor. Mas fazia parte da tríade de cores do sistema antigo, como já falamos várias vezes.

A cor preta está carregada de aspectos simbólicos de cunho negativo: a morte, o luto, as trevas, o medo, o pecado, ao inferno, aos mundos subterrâneos. Mas há também, diz Michel Pastoreau, um Preto mais respeitável: o da temperança, da humildade, da austeridade, como foi imposto pela Reforma e como era representado nas vestes dos monges beneditinos. Mas também - e isso alcança nossa época atual - é a cor da autoridade, das vestes dos magistrados e dos automóveis que transportam chefes de estado. Além disso, conhecemos este outro lado do preto, a cor do chique e do elegante.

Existe então, um “mau” e um “bom” preto. Também para ele há duas palavras em latim: o Niger, que designa o preto brilhante e o Ater, o preto opaco. 


"Retrato de Martin Lutero", Lucas Cranach
Durante muito tempo foi uma cor de difícil fabricação. Ainda hoje é uma cor muito difícil de se conseguir a não ser recorrendo a produtos caros como o marfim calcinado (que dá o Black Ivoire).  Aqueles que são fabricados a partir de resíduos de fumaça, não são densos o suficiente.  Isto explica porque até ao final da Idade Média o Preto é bastante raro nas pinturas, em especial as de tamanho grande. Até mesmo nas iluminuras ele aparece em pouca quantidade. Mas os tintureiros italianos dos fins do século XIV conseguem progredir na fabricação de gamas de preto.

A Reforma Protestante declara guerra às cores mais vivas - como já vimos antes - e prega a ética da austeridade. Com isso, o Preto se torna a cor da moda não somente entre os sacerdotes, mas também entre reis e príncipes. Costume que dura até hoje. Assim como o Azul, o Preto está presente nas cores das roupas que exigem sobriedade e elegância.

A bandeira negra já foi símbolo dos piratas, que significava a morte. Mas também, depois do século XIX, era a cor da bandeira anarquista. O contraste preto e branco está muito presente em muitos aspectos de nossa cultura. Mas nem sempre foi considerado o par de opostos mais explícito. Antigamente, as cores opostas eram o Preto e o Vermelho.

Como exemplo dessa evolução, Michel Pastoreau conta um pouco da história do jogo de xadrez. Esse jogo teria surgido no século VI na Índia e comportava peças pretas e vermelhas. Adotado por persas e muçulmanos, este jogo chegou até à Europa por volta do ano 1.000 e os europeus mudaram as cores para brancos contra vermelhos. Foi no Renascimento que as peças e o tabuleiro de xadrez passaram a ser brancos e pretos.

Com o advento da imprensa e da gravura, pouco a pouco a oposição branco versus preto se impôs, assim como a Reforma já o tinha feito.

Seja qual seja o sistema de cores, sempre há um lugar para o branco e outro para o preto, nas extremidades. Por exemplo na palheta: Branco, Amarelo, Vermelho, Verde, Azul, Preto. Isaac Newton (como vimos no primeiro post sobre este assunto) estabeleceu um continuum de cores para o arco-íris: Violeta, Índigo, Azul, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho, excluindo, pela primeira vez, as extremidades preta e branca. Foi por isso que durante muito tempo essas duas cores estiveram fora do mundo das outras cores, especialmente no século XIX quando o preto e o branco é o mundo não colorido. A descoberta da fotografia que captava a luz num fenômeno bicromático reforçou esta ideia. A fotografia representou durante muito tempo o mundo em preto e branco, como a gravura. Com o desenvolvimento do cinema e da televisão que foram durante muito tempo preto e branco, nós acabamos nos familiarizar com esta oposição, diz Pastoreau. E dividimos também nosso mundo: em cores, de um lado; preto e branco de outro.

Mas o Preto e o Branco era um par de cores que muito interessaram a um pintor como Rubens, que possui tantas telas bem coloridas. Dizem que ele empregou em sua oficina uma equipe de gravadores para reproduzir seus quadros em preto e branco, observa Pastoreau. Durante muito tempo se pensou que na arte grega antiga imperava o preto e o branco. Quando se descobriu que os templos gregos e romanos antigos eram coloridos, a primeira reação foi de repulsa, como se isso diminuísse o valor histórico, cultural e artístico da arte antiga. Parece que para ser “sério”, diz o autor francês, se exige que seja em preto e branco…

No cinema temos também um exemplo disso, diz ele. Na década de 1920 a tecnologia em cores já poderia ser implantada mas não o foi e não só por razões econômicas. Vários moralistas da época achavam que os filmes eram coisas fúteis e indecentes, ainda mais seriam se as imagens fossem em cores. Da mesma maneira, Henry Ford - o da fábrica de automóveis norte-americana - que era um protestante puritano, se recusou a fabricar carros que não fossem pintados de preto, mesmo quando a concorrência começou a fabricar e a vender carros de outras cores.

Mas, para concluir, novamente reconhecemos, em nossos tempos atuais, que o Preto e o Branco formam cores juntos com todas as outras. E estão presentes de volta à palheta dos artistas.


"Vaso romano com alho e cebola", David Leffel

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Peter Paul Rubens, um mestre para ser lembrado

Vênus e Adônis,  óleo sobre tela, 194x236cm, Metropolitan Museu of Art, New York, EUA 
Neste 28 de junho, tivemos motivos a mais para comemorar, além das nossas festas juninas: o aniversário de nascimento de um dos maiores pintores do Ocidente: Peter Paul Rubens, a quem Eugène Delacroix (pintor francês) deu o título de "o Homero da pintura".


Autoretrato, 1632
Rubens nasceu em 1577 na pequena cidade de Siegen, na Vestfalia, próximo a Colônia, cidade alemã. Para lá tinham fugido seus pais que apoiavam a independência dos Países Baixos da dominação espanhola, que perseguia os protestantes. Mas o exílio também foi provocado pelo fato de seu pai, Ian Rubens, ter sido amante de Ana de Saxônia, mulher de Guilherme I, e a punição era com pena de morte.


Rubens não tinha completado dez anos de idade quando seu pai morreu, ainda no exílio. Sua mãe resolveu voltar para Antuérpia (hoje na Bélgica), com seus dois filhos.


Desde cedo, Rubens queria pintar. Aprendeu desenho copiando as figuras que via numa bíblia. Passando por vários ateliês de pintores, onde estudo a técnica da pintura, foi admitido na Corporação dos Pintores de Antuérpia, como um dos mestres. E tinha somente 21 anos.


Aos 23, realizou seu sonho de ir para a Itália, apoiado por sua mãe. Em Veneza, copia Veronese, Tintoretto e Ticiano, de quem fez 21 cópias.


Em 1603, Rubens é indicado pelo duque de Mântua a quem se ligara, Vincenzo Gonzaga, para uma missão diplomática junto ao rei Filipe III da Espanha. Era o começo de sua vida política, do pintor que também sonhava com um mundo que vivesse em paz.


O Artista e sua mulher sob um caramanchão de
Madressilva, 1609-1610, óleo sobre tela, 174x143cm,
Alte Pinakothek, Munique, Alemanha
Em 1608, sua mãe adoece gravemente e ele volta para casa, nunca mais regressando à Itália. Ao chegar de viagem, sua mãe tinha morrido. Resolve ficar e trabalhar em sua cidade. No ano seguinte foi nomeado pintor da Corte e recebeu autorização para morar em Antuérpia. Logo, ele começa a receber uma quantidade tal de encomendas, que não conseguiria dar conta se não fosse a ajuda de seus alunos. Torna-se um homem rico, com a venda de seus quadros. Casa-se com Isabella Brant, de quem foi eterno apaixonado, tendo pintado o rosto de sua esposa em diversos quadros.


Rubens era famoso em toda a Europa. Pela França, Espanha e Inglaterra, seu trabalho era conhecido, admirado e solicitado. Para atender a tantas encomendas que chegavam de todos os lugares, ele tinha uma rotina de trabalho diária que começava às quatro da manhã e terminava às cinco da tarde. 


Nesse período, montou um atelier que era uma verdadeira fábrica de pinturas, com diversos discípulos e ajudantes, que o auxiliavam na execução das encomendas. Dois de seus discípulos se tornaram famosos como ele: Peter Brueghel, o Velho, e Anton Van Dyck.


Clara Serena Rubens, 1615-1616,
óleo sobre tela, 37x27cm, Museu de
Liechtenstein
Em 1626, sua esposa morre aos 34 anos de idade, deixando-o desesperado e sem rumo. Para fugir do sofrimento da perda de Isabella, ele ainda viaja mais, em missões diplomáticas, pela Espanha, França e Inglaterra. Era o período que ficou conhecido como a Guerra dos 30 Anos, guerra provocada por razões religiosas e comerciais. A luta da Igreja Católica contra a Reforma Protestante chegava a ser sanguinária. Rubens morreu antes de ver terminada a guerra entre esses países.


Rubens era - como descreve Gilles Néret numa biografia do pintor - um homem erudito, além de um humanista cristão. Apaixonado pela antiguidade clássica, ele também escrevia em várias línguas, incluindo latim, além de ser arquiteto amador. "O capelão da corte de Bruxelas - diz Néret - descreveu-o como 'o pintor mais culto do mundo".


Depois de Ticiano, o pintor que ele mais admirava era Caravaggio, de quem fez versões de pinturas. Em 1614 ele pinta a tela "A Sagrada Família", cuja Virgem foi inspirada no rosto de sua esposa, e o pequeno João Batista era o seu próprio filho, Albert. Essa pintura era a virada em direção a uma arte mais livre, mais madura. E mais barroca. Envolvido na luta contra a Reforma, ele, que era católico, tornou-se o grande pintor também do catolicismo. 


As Três Graças, 1639, óleo sobre tela, 500x617cm,
Museu do Prado, Madri, Espanha
Mas as figuras pintadas por ele possuiam uma extrema sensualidade e os corpos de nus femininos povoavam suas telas, com mulheres rosadas, rechonchudas, sensuais. Mesmo nas pinturas de inspiração bíblica ou clássicas, via-se a beleza dos corpos nus das mulheres flamengas.  "Suas madonas e santos estão demasiado próximos da carne a partir da qual foram pintados", diz  Gilles Néret, que também destaca várias características desse mestre do Barroco: efeitos dramáticos e grandiloquentes, apaixonado culto ao movimento, busca do dinâmico em suas enormes telas, onde cada face é expressiva. 


Ele não distingue muito Nossa Senhora da deusa Vênus. Seus corpos - mesmo os dos santos e anjos - são corpos "claramente habitados" e muitos haviam que se incomodavam com a nudez e com a "excessiva fisicalidade, pelo realismo imoderado: o grão perlado das dobras de carne roliça" das pinturas de Rubens. 


Esse autor ousa dizer que Rubens "foi quem melhor transmitiu as cores e textura do corpo humano". Podemos acrescentar que foi Rubens o grande pintor que deu ênfase ao corpo da mulher, mostrando-o ao mundo com toda a sua pureza, beleza e sensualidade. Isso em si já era contra os cânones anteriores da pintura, impostos pela Igreja Católica, que exigia que as mulheres fosse pintadas quase que totalmente cobertas, como santas. Fora o fato de que os modelos eram sempre masculinos, como em Michelangelo.


É interessante observar isso: Ticiano, Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer, Vélazquez... grandes mestres da pintura universal, têm uma coisa em comum além da excelência técnica: são pintores profundamente humanos e voltados à representação da figura humana de sua época. Entraram para a história não somente como grandes pintores, mas também como homens que, vivendo em um tempo específico, possuiam algo de revolucionário em seu tempo, trazendo e fazendo parte das mudanças que se operavam em seu mundo.


Quiçá os pintores de hoje fossem tão humanos assim...


Retrato de Susanna Fourment, 1625, óleo sobre tela,
National Gallery, Londres, Inglaterra