François Cluzet e Omar Sy, atores do filme |
É um belo filme, do começo ao fim. A história, tocante.
Conta como Driss, um senegalês morador da periferia de Paris, consegue um
emprego de “tomador de conta” de um rico aristocrata, Phillipe, que ficou
tetraplégico após uma queda de parapente. O filme é baseado na história real
entre o milionário Phillipe Pozzo di Borgo e seu acompanhante, o argelino Abdel
Sellou.
O papel desempenhado pelo ator Omar Sy, que morou na
periferia de Paris assim como seu personagem Driss, traz à tona algumas
reflexões. Em primeiro lugar, como se trata de uma história de amizade onde se
cria uma profunda relação de confiança entre dois homens de duas classes tão
distintas, o grau de humanidade implícita nessa história é muito comovente. De
um lado, um negro pobre, que mora com a mãe e irmãos num pequeno cubículo de um
bairro da periferia. Sua mãe é faxineira em prédios de escritórios. Seu irmão
mais novo, traficante. Ele próprio, passou uma temporada no presídio por alguma
infração cometida anteriormente. Do outro, um homem rico, branco, que mora num
apartamento imenso e luxuosamente decorado, mas que está tetraplégico e
depende, assim, completamente dos cuidados de Driss.
O filme mostra, todo o tempo, as diferenças entre o mundo de
Phillipe – o dos ricos – e o mundo de Driss e sua família – os pobres.
Não indo muito longe na interpretação, me atenho ao que mais
me interessa desse roteiro. Além das evidentes diferenças entre os dois mundos,
o filme também mostra como existe uma lacuna muito grande dentro da cultura e
da arte, que também opera uma separação de classes. Intencionalmente ou não, o
filme ridiculariza a prática cultural burguesa: a arte contemporânea é um
embuste, uma forma a mais de investimento financeiro; as sessões de ópera e
música clássica, para platéias da elite “bem-arrumada” são, aos olhos de Driss,
pura chatice; os poemas que Phillipe (François Cluzet) costuma recitar, ele também ridiculariza. A
educação que o menino pobre e negro recebeu em sua escola não é a mesma
educação refinada do patrão Phillipe: o acesso à literatura, a museus, a
recitais de música, a assimilação dos símbolos da tradição cultural e artística
ocidental passaram bem longe da cultura “aprendida” por Driss na rua, nos
guetos, na luta pela sobrevivência.
Há uma cena em
que Driss acompanha Phillipe a uma galeria onde está havendo
uma exposição de arte contemporânea. Os dois param diante de uma tela em
branco, com uma mancha vermelha de tinta jogada na tela. Phillipe diz que
aquilo lhe transmite calma. Driss, gozador do modo de vida do patrão, lhe
garante que poderia fazer melhor do que aquilo. Uma atendente se aproxima e
anuncia o valor do quadro: mais de 40 mil euros! Driss não se conforma como
alguém pode pagar tão caro por uma tela branca manchada de tinta. O mesmo que
dizer que o mundo burguês de Phillipe tem também códigos culturais guiados pelo
valor monetário. Nesse mundo onde as regras de etiqueta tornam tudo uma
perfeita chatice, os valores subjetivos e as relações humanas estão também
submetidos ao poder do dinheiro. Driss parece mostrar a Phillipe que em seu
mundo falta naturalidade, espontaneidade e, num certo sentido, profundidade e
sinceridade nas relações.
Mas Driss resolve pintar um daqueles quadros. Se vale tanto
assim, não custa tentar. Phillipe, que já se divertia com esse ajudante que ia
contra as regras de seu mundo em todos os momentos, resolve sugerir a um amigo,
rico como ele, que comprasse o quadro de Driss por 11 mil euros. O amigo, um
investidor, não se arrisca a perder um provável grande negócio. Enquanto isso,
Driss e Phillipe se divertem. E nós, na platéia, nos divertimos com o ridículo
desses signos burgueses que incluem a chamada arte contemporânea. Que não diz
nada, não significa nada. Mas vale muito dinheiro!