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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O incansável artista Gustave Doré

Os Saltimbancos, Gustave Doré, 1874, óleo sobre tela
Gustave Doré
Paul Gustave Louis Christophe Doré é o nome completo do artista francês Gustave Doré. O Museu d’Orsay de Paris acabou de abrir uma exposição com uma parte de sua obra que ficará exposta de 12 de fevereiro a 11 de maio de 2014.

Gustave Doré é um dos mais prodigiosos artistas do século XIX. Com apenas 15 anos ele começa sua carreira de caricaturista e e, em seguida, de ilustrador profissional. Ao longo de sua vida ele também desenvolveu-se como pintor, aquarelista, gravador e escultor.

Com seu imenso talento, Doré passou por diversos gêneros que vão da ilustração satírica até às de história, assim como executou grandes e pequenas telas, fez gravuras, esculpiu. Como ilustrador, ele aceitou o desafio de ilustrar nada mais nada menos do que estes grandes autores: Dante Alighieri, Rabelait, Perrault, Miguel de Cervantes, Milton, Shakespeare, Victor Hugo, Balzac, Edgar Allan Poe… Por causa de sua prolífica carreira de ilustrador, Doré tem sido a referência até os dias de hoje não só para ilustradores, mas também para as diversas gerações de artistas dos Quadrinhos.


Ilustração para o "Inferno", de Dante Alighieri
Gustave Doré nasceu em Strasbourg, no nordeste da França, no dia 6 de janeiro de 1832 e faleceu em Paris no dia 23 de janeiro de 1883, de ataque cardíaco, com apenas 51 anos de idade. Seu pai era engenheiro e foi convidado a ir a Bourg-en-Bresse coordenar a construção de uma ponte. Levou junto sua família e matriculou o pequeno Gustave na escola local, onde ele logo cedo chama a atenção pelos seus desenhos e caricaturas. Quando tinha 12 anos, um gráfico local resolveu publicar suas primeiras litografias com o tema “Os Trabalhos de Hércules”. Em seguida, foi orientado a ir para Paris. A partir de 1847 ele começa a estudar no Liceu Carlos Magno. Ao mesmo tempo em que frequentava o colégio, Doré também fazia caricaturas para o “Jornal para rir”. Rapidamente ele se torna conhecido e participa com dois desenhos do Salão de 1848.

Mesmo com a imensa capacidade de trabalho de Doré, nem ele foi imune à acidez dos críticos de quem se considerava uma vítima, especialmente por causa de suas pinturas a óleo.


Ilustração para o "Paraíso Perdido" de Milton
Gustave Doré foi também um grande leitor, especialmente dos grandes autores da literatura que lhe despertavam a imaginação, criando universos próprios, como é o caso da Divina Comedia, de Dante, cujo “Inferno” recebeu suas melhores ilustrações. Mas também se interessou pelas Fábulas de La Fontaine, pelos contos de Perrault, o “Paraíso Perdido” de John Milton, o “Dom Quixote” de Cervantes, o livro de Victor Hugo “Notre Dame de Paris”, assim como diversas peças teatrais de William Shakespeare. E se debruçou sobre a Bíblia, criando para este livro sagrado dos cristãos ilustrações que até hoje povoam as mentes e as lendas da cultura popular.

Uma espécie de herdeiro de outro grande caricaturista, Honoré Daumier, Doré também se dedicou a satirizar a sociedade e a política. Com apenas 16 anos de idade, ele colabora com o “Jornal para rir”, um folhetim satírico que nasceu após a Revolução de 1848. Gustave Doré satirizava a todos e a tudo, desde os políticos, a burguesia, os próprios artistas. Tudo, sob seu desenho, se transformava em algo cômico..


"A prisão de Newgate", gravura
Ele também gostava muito de viajar pela Europa, especialmente para a Espanha e Londres. Na capital do império britânico que na época era a cidade mais rica do mundo ocidental, ele também se volta para a periferia da cidade, onde habitavam aquelas pessoas que viviam sob a mais completa pobreza. Ele fez uma série de desenhos intitulada “Londres: uma peregrinação”, publicada em livro após a guerra de 1870. Nessa série, Doré mostra as contradições de uma cidade próspera da era vitoriana, em que o luxo agredia os miseráveis, e a arquitetura parecia esmagar as pessoas. Lugar de residência da alta sociedade e da aristocracia inglesa, Londres também era o lugar dos pobres que viviam em seus pequenos cubículos, famintos e mal vestidos. O escritor inglês Charles Dickens descreveu muito bem como era esse ambiente naquela cidade rica. Na Espanha, atrás da terra de Dom Quixote, Gustave Doré foi procurar viver suas aventuras, buscando registrar como viviam desde dançarinos até os contrabandistas, mendigos e músicos.


Uma mãe pobre londrina
Por tudo isso Gustave Doré também é considerado um dos grandes cronistas dos anos 1840-1880. Ele expõe as condições sociais em que viviam seus contemporâneos. Uma gravura, como “A prisão de Newgate”, que foi copiada por Van Gogh, é o retrato mais sombrio de como era a vida prisional na época. A guerra de 1870 foi para ele também tema para um grande número de telas. Como exemplo, a tela “O Enigma”, de 1871, que se encontra no Museu d’Orsay. Pintada no calor da guerra franco-prussiana, ela é testemunha dos momentos sombrios em que viviam os franceses.

Doré foi também pintor. Suas telas com temas religiosos parecem apresentar seu próprio catecismo. Também se dedicou à pintura histórica, sempre com seu modo pessoal de ver as coisas, que oscilava entre o olhar romântico e o simbolismo que impregnava sua alma. Mais tarde na vida, ele se dedicou também a pintar paisagens.

Depois dos 45 anos, ele se voltou também para a escultura, de forma autodidata. Sempre demonstrando uma certa característica teatral, que inclusive lhe rende o reconhecimento de ter sido um dos precursores do cinema.

Uma informação bem interessante - e útil - para quem desenha. Gustave Doré se orgulhava de ter feito, até os 33 anos de idade, mais de 100 mil desenhos! E ele mesmo reinvindicava para si o mérito de ser um dos maiores desenhistas de seu século. Alguém contesta?

Abaixo, mais algumas obras desse grande artista:


Ilustração para o livro "Orlando Furioso" de Ludovico Ariosto
O Enigma, gravura feita durante a guerra franco-prussiana
"Estocada", gravura feita na Espanha
O fidalgo Dom Quixote de la Mancha, ilustração para o livro de Miguel de Cervantes

Chapeuzinho Vermelho, dos contos de Charles Perrault

terça-feira, 4 de junho de 2013

Zumbis

Ontem à noite, 3 de junho, após um dia inteiro de chuva, com tempo bastante frio, aconteceu o vernissage da exposição intitulada "KEEP WALKING DEAD", organizada pelo Studio de Arte Plein Air, em São Paulo. O tema central é o do mundo das trevas onde habitam os zumbis, que perambulam mortos-vivos por mundos escuros, bizarros, desérticos, lunáticos. Um tema bastante recorrente no mundo dos quadrinhos e dos games, por exemplo.


O Plein Air Studio ontem no vernissage
Mas o mais bacana disso tudo foi ver tanta gente lá! Pelos meus cálculos, umas 200 pessoas devem ter passado pelo atelier de Alexandre Reider, Marcus Cláudio e Charles Oak. Enquanto uns passavam observando as obras expostas, pequenos grupos se formavam, as conversas eram animadas, os encontros prazerosos. Márcia Agostini, minha amiga pintora, me apresentou ao Marcus e ao Reider e fui vendo o quanto são tão boas essas oportunidades de juntar gente em torno da arte e o quanto é importante que os artistas figurativos continuem cada vez mais juntos mostrando suas obras, mesmo que à margem da "conceituada" e conceitual arte contemporânea. Não deixa de ser um grande momento de resistência a esse sistema aí, dominante nas artes plásticas atualmente.

Mas se tanta gente enfrentou frio e chuva ontem para ir ver esta exposição de arte figurativa, deve ser um sinal de que a bela e grande pintura está bem viva e com bastante fôlego para sobreviver, ainda por muito tempo, aos maus profetas que vaticinaram que a pintura havia morrido. Também disseram - os arautos da morte - que a arte estava morta, que a história estava morta, que o socialismo estava morto. Bem diz Affonso Romano de Sant'Anna que o século XX foi o século da morte, real e anunciada.

Estavam lá os pintores realistas Maurício Takiguthi, Paulo Frade, Gonzalo Cárcamo e o anfitrião Alexandre Reider. Além deles, outros expositores como Anderson Nascimento, Avelino, Canato, Celso Mathias, Charles Oak, Davi Calil, George Mend, Greg Tocchini, Julia Bax, Leo Dolfini, Maike Bispo, Marcus Claudio, Dwari, Nilo de Medinacelli, Rod Pereira e Rodrigo Idalino.

A exposição do Studio Plein Air traz obras de 16 artistas, entre pintores, quadrinistas e ilustradores, com tamanho padronizado em 30 por 60 cm. Também podem ser vistos os estudos preparatórios para os quadros e há cópias impressas em papel fotográfico no valor de trinta e cinco reais. No sábado, dia 8 de junho, das 11h às 16h haverá um bate-papo com alguns desses artistas e sessão de autógrafos para quem quiser e comprar os prints.

Exposição Keap walking dead
Abertura: 3 de Junho às 19:00
Período: de 4 a 21 de Junho
Local: Plein Air Studio
Rua Cristiano Viana 180

Mais informações:
contato@pleinairstudio.com.br

Abaixo, alguns dos trabalhos presentes na mostra:

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um poema de Maiakovski

Desenho baseado em fotografia de Alexandr Rodtchenko
Capa do livro

Há quase um ano, um amigo, Adalberto Monteiro, me fez um convite: apresentar um projeto gráfico e fazer ilustrações para o poema "Vladimir Ilitch Lenin", do poeta russo Vladimir Maiakovski. O projeto era grande: pela primeira vez, o poema estava sendo traduzido diretamente da língua russa para a nossa língua portuguesa, por Zoia Prestes, pedagoga e tradutora brasileira com formação acadêmica em Moscou.

Aguardei a tradução ficar pronta para começar a trabalhar, mas depois de alguns dias de pesquisa, já havia resolvido a direção que tomaria: iria me inspirar na estética da Vanguarda Russa. Inclusive para homenagear o próprio Maiakovski que era parte ativa dos grandes artistas e intelectuais que formaram um movimento de modernização da vida russa: adeptos da Revolução Socialista de 1917, eles conjuminaram suas pesquisas e experiências artísticas com as ideias de um novo mundo que eram defendidas pelo líder do movimento operário, Vladimir Ilitch Lenin.

O poeta Maiakovski, carvão sobre papel cartão
Li o poema algumas vezes antes de começar a trabalhar. Acontece uma coisa com este poema, assim como com outros de Maiakovski. Entre eles o famoso poema ao Sol, onde ele criou a frase "Gente é pra brilhar", repetida por Caetano Velloso, nos bons tempos em que Caetano tinha esperança no futuro (pois o mundo que ele enxerga hoje é um mundo triste)...

Mas neste e em outros poemas do Maiakovski -  eu dizia - algo acontece: o poema vai crescendo dentro da gente, vai ocupando espaços, vai se avolumando, como se nos inflasse junto com ele. O resultado disso é que ao final da leitura já não somos mais do tamanho que éramos quando começamos a leitura. A gente alcança um tamanho maior. A gente se agiganta, porque a poesia de Maiakovski vai construindo edifícios dentro de nós...

O poema devia ser sobre a morte, sobre a morte de Vladimir Ilitch Lenin. Mas, longe disso, o poema trata de vida! É um poema sobre a Vida. Vida que ele inspira e que nos faz de novo erguer-nos sobre nossos pés - e nossas crenças - e dizer para nós mesmos, no mínimo: há algo muito grande aí atrás desses versos aparentemente desconexos. Talvez esse "algo" se chame Futuro e traga uma luz especial dentro dele...

No processo de construção das ilustrações, pensei em homenagear alguns artistas russos. Alguns do final do século XIX, como Ilya Repin, pintor realista que me inspirou o desenho à direita. Outros do começo do século XX, como Natalia Gontcharova. Sobre uma de suas pinturas, fiz o desenho abaixo. Mas também fui buscar inspiração em outros como Malievitch, Vladimir Tatlin, Rodtchenko. Aqui, uma pequena parte do meu trabalho que está ilustrando o livro "Vladimir Ilitch Lenin".
Lançamento do livro
VLADIMIR ILITCH LENIN
Dia 5 de setembro de 2012, às 19h30
No Espaço revista CULT
Rua Inácio Pereira da Rocha, 400 Pinheiros - São Paulo

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O mural brasileiro de Paulo Werneck

São Paulo na tarde de ontem: Parque da Luz, centro.
Uma boa dica pra paulistano que tira férias em São Paulo: conheça São Paulo, o centro, a estação da Luz, a Pinacoteca, o Brás, a Mooca, o Mercado Municipal, a Rua São Bento, o largo do Arouche... Mas não vá de carro! A melhor coisa para quem mora e trabalha aqui é tirar férias do carro também, andar de metrô, de ônibus. Dessa forma se pode ver uma cidade que não é vista do mundo claustrofóbico do automóvel. As boas surpresas acontecem!

Foi assim que fui parar na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fui visitar a exposição "Paulo Werneck, Muralista brasileiro". A Pinacoteca vem trazendo a público um programa de exposições temporárias com a finalidade de apresentar a produção de artistas brasileiros que ainda não tiveram seus trabalhos devidamente reconhecidos ou estudados. Um desses artistas - um dos grandes criadores do período do Modernismo brasileiro - é o carioca Paulo Cabral da Rocha Werneck.


Paulo Werneck
Paulo Werneck nasceu em 29 de julho de 1907, nas Laranjeiras, Rio de Janeiro. Com apenas 20 anos de idade, iniciou sua carreira artística como ilustrador da revista A Época, dos estudantes de Direito da UFRJ, assim como se tornou ilustrador de diversos livros. E de revistas como Fon-Fon, Para Todos, Esfera, Diretrizes, Sombra, Rio Magazine e os seguintes jornais: A Esquerda, Diário de Notícias, A Manhã, Correio da Manhã, Tribuna Popular, Para Todos e o jornal Imprensa Popular, para o qual fez mais de 300 ilustrações.

Foi um desenhista e ilustrador incansável até 1928, quando aprendeu desenho de arquitetura com o arquiteto Celestino Severo de San Juan. Parte, dessa forma, a trabalhar com desenhos de perspectivas arquitetônicas, sendo o desenhista do projeto do arquiteto Marcelo Roberto para o prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), considerado o primeiro edifício modernista brasileiro, construído a partir de 1938.


Ilustração para o livro "Negrinho do Pastoreio"
Ainda em 1938, Paulo Werneck participa da I Exposição de Arte Social, organizada pelo Club de Cultura Moderna no Rio de Janeiro. A partir daí, se dedica também a ilustração de livros infanto-juvenis, como o Negrinho do Pastoreio da editora Civilização Brasileira, publicado em 1941.

De 1942 em diante, Paulo Werneck começa a realizar grandes paineis de mosaico para inúmeros edifícios e construções, inclusive residenciais, como o da casa de Juscelino Kubistchek, a pedido do arquiteto Oscar Niemeyer. Também para Niemeyer, ele produz os paineis de azulejos do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, que inclui a Casa do Baile, o Iate Clube e o Cassino, além da Igreja da Pampulha, também do arquiteto Niemeyer, de quem se tornou um grande amigo.


Igreja da Pampulha, de Niemeyer,
com painel de Werneck
Niemeyer, em seu livro "As curvas do tempo", de 1998, disse que "sempre que me permitem, convoco os artistas plásticos. Na obra do memorial da América Latina convoquei nove pintores e cinco escultores. Na da Pampulha, meu primeiro projeto, convidei Portinari, Ceschiatti e Paulo Werneck. Eram grandes artistas, bons amigos e, como é natural, a eles sempre recorri.

Foi como muralista que Paulo Werneck se destacou nas artes brasileiras, como dizia Darcy Ribeiro: "O Paulo não foi um pintor de cavalete de quadros. Ele emprestava sua arte às construções, com seus murais, dava dignidade às paredes... ”



Em Cataguases, Minas Gerais, participou da construção de um colégio secundarista junto com grandes artistas do modernismo brasileiro na década de 50: Oscar Niemeyer, Portinari, Burle Marx, Bruno Giorgi, Ceschiatti, Djanira e vários outros.Mas Werneck também estava atento às mudanças políticas que se operavam no Brasil. 


Ilustração do jornal Tribuna Popular,
cuja uma das capas foi ilustrada por ele
para saudar um comício de Luís Carlos
Prestes em Salvador, na Bahia
Diz o arquiteto e artista plástico Carlos Martins (também curador desta exposição) que Paulo Werneck era "partidário dos movimentos contrários ao crescente avanço nazifascista, e sua produção, por todos os conturbados anos 30, vai refletir suas preocupações para com uma sociedade mais justa e digna. (...) Ao evitar uma representação de cunho didático, vai registrar a relação do homem com o meio urbano e industrial, as manifestações e festas populares, as lendas e tradições regionais, sempre com um olhar idealizado e otimista."

Era um nacionalista militante. Durante mais de 20 anos, Werneck ilustra inúmeros jornais e revistas do Rio de Janeiro. Era sua maneira pessoal de participar das mudanças políticas que estavam em curso no Brasil. 
Seu atelier, no bairro das Laranjeiras no Rio, era também um ponto de encontro dos companheiros de Werneck, militantes, como ele, do Partido Comunista do Brasil. Paulo Werneck foi desses artistas que, não satisfeito apenas com sua vida pessoal e artística, resolve ser um ator também das lutas pela liberdade e pela democracia. E pelo socialismo.

Werneck "marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais", diz o catálogo da exposição, que é também uma iniciativa da família do artista, que faleceu em 1987, doente de câncer.


Esta exposição é um dos primeiros resultados do Projeto Paulo Werneck que quer preservar e divulgar a obra desse artista que marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais.

A exposição vai até o dia 7 de julho de 2011, na Pinacoteca de São Paulo.

A exposição na Pinacoteca de São Paulo.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Cinema e Arte no Baixa Augusta

Um grupo de artistas: cineclubistas, documentaristas, escritores, poetas, cantores, músicos e artistas plásticos se reunem toda quinta-feira na sede do Cineclube Baixa Augusta, na Rua Augusta, São Paulo. Usando como pano de fundo filmes históricos do cinema brasileiro, discutem experiências, pontos de vista, cultura, história, literatura, belas artes, poesia. Numa quinta-feira, assiste-se a um filme. Na quinta seguinte, encontram-se para conversar sobre o filme.

Começamos com o filme O ÉBRIO, clássico filme brasileiro de 1946, da diretora Gilda de Abreu, com Vicente Celestino no papel principal. Ele vive o personagem Gilberto SIlva, jovem do interior que vem à cidade grande e sofre todos os obstáculos possíveis até se formar em medicina. Torna-se rico e cantor famoso, além de médico, e acaba sendo traído pelos parentes e pela esposa. Desiludido, torna-se um bêbado mendigo, vagando pelas ruas da cidade.

Para ilustrar a conversa desta quinta-feira, 10 de março, brinquei um pouco com desenhos à carvão com a figura de Vicente Celestino em "O Ébrio." Assim como meu amigo João Pinheiro, ilustrador, começou a fazer uma história em quadrinhos, cuja primeira página pode ser vista aqui.

carvão sobre papel canson, 2011
carvão sobre papel canson, 2011

carvão sobre papel canson, 2011
carvão sobre papel canson, 2011
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Programação deste semestre:

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Elifas, o ilustrador da história recente do Brasil


“Elifas Andreatto foi o grande artista
que soube dar forma ao conteúdo
dos anos difíceis da ditadura”.
(Raimundo Pereira, jornalista)

O Memorial da Resistência de São Paulo, local que guarda a memória dos anos trevosos da ditadura militar brasileira, e que funciona no mesmo local onde estava assentado o esquema repressivo do DOPS paulista, está apresentando até outubro próximo uma exposição do grande artista Elifas Andreatto. A exposição intitulada “As Cores da Resistência” apresenta cerca de 100 trabalhos, entre capas de discos, cartazes de peças teatrais, fotos de jornais e de cenários criados pelo artista nos últimos 45 anos.

Elifas AndreattoEram os idos de 1979/80. Eu era ilustradora do material de propaganda do movimento estudantil de São Luís, e arriscava ilustrações também em materiais de divulgação do movimento de resistência à ditadura naquela época, quando morava na capital do Maranhão. Procurava expressar em meus traços tanto a denúncia da falta de liberdade em meu país, que perseguia artistas, estudantes, intelectuais, gente do povo e militantes políticos, como queria mostrar nas páginas do jornalzinho da Comissão Pastoral da Terra o sofrimento e a miséria do povo, especialmente dos camponeses. Foi quando vi pela primeira vez um trabalho do Elifas Andreatto, o ilustrador-mor de toda a história brasileira do período da ditadura militar.

Era um cartaz da UNE, pelo ensino público e gratuito, de 1979. Olhava dezenas de vezes para aquele menino pobre, mal vestido, quase sem rosto, cujas perninhas magras estavam desenhadas com tanto realismo que imediatamente se podia reconhecer o estado de abandono e miséria em que se encontrava o povo brasileiro. Era o próprio retrato de um menino nordestino, magro, moreno, faminto e sem escola. E tinha sido feito por um artista do Paraná, a quem a partir de então eu passei a admirar e que me inspirou tantas vezes.

Fui ao Memorial da Resistência ver de perto seu trabalho. Nele podemos ver nada mais nada menos do que a história recente do Brasil contada por um artista ex-camponês, ex-operário. Talvez seja por isso que ele soube refletir tão bem o momento histórico que o Brasil atravessava, nos árduos anos do regime militar. Luís Inácio Lula, falando de Elifas, disse que se o artista tivesse continuado na fábrica, seria hoje um peão de respeito. Mas preferiu o pincel e o lápis, e disse Lula, quando ainda nem era Presidente da República: “Por onde passo, em cada canto deste país em que há alguém lutando por um Brasil mais justo, encontro Elifas nas paredes, um elo entre os primeiros embates e a utopia que continuamos perseguindo.”

Elifas nasceu no Paraná. Era filho de uma família de camponeses muito pobres. Tendo vindo para São Paulo no começo da adolescência, Elifas era obrigado a uma jornada diária dura para ajudar a sustentar sua mãe e seus cinco irmãos. Até que foi trabalhar numa fábrica de fósforos na Vila Anastácio, onde os papéis de embrulho, em suas mãos, viravam cenários para os bailes dos operários. Em seguida, seus primeiros trabalhos de ilustração foram feitos no jornalzinho da empresa. Aprendeu tardiamente a ler e escrever, e a crescer dentro do seu trabalho de artista. Fez inúmeras capas de discos, dezenas de cartazes, tanto para o teatro quanto para o movimento de resistência à ditadura, outras inúmeras ilustrações para diversos órgãos, participou da redação dos jornais alternativos Opinião e Movimento, fez capas para a antigamente respeitável revista Veja, capas que fizeram história do design de capas, trabalhando junto com Pedro de Oliveira, também artista gráfico e militante do PCdoB até hoje.

A arte de Elifas Andreatto também reflete profundamente a alma cultural do povo brasileiro, alma presente nos versos de Chico Buarque, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, e tantos outros artistas da música e do teatro que tiveram o privilégio de contar com o talento ilustrador deste artista. Sua leitura da cultura brasileira é visceral, oscilando entre a suavidade e a sensibilidade de um retrato de Clementina de Jesus, por exemplo, até a agudeza dramática das cores que ele escolheu para denunciar a morte de Wladimir Herzog ou a figura pendurada num pau de arara, denunciando a tortura política nos porões da ditadura. Ou os meninos pobres iluminados por estrelas cadentes em seus tantos cartões de natal. Elifas possui “um olho extraordinário para ver seu povo” – todo o povo brasileiro mesmo, pois brasileiro tem todos os sobrenomes do mundo – e passar para o papel sua alma, sua cor (do povo), seu momento e movimento, diz o cartunista Ziraldo.

Para concluir, vale à pena transcrever um trecho do que Elifas escreveu sobre seu papel de artista, na abertura do livro “Impressões”, que trata de sua vida e obra:

“Esta é a minha satisfação: minha arte se liga à história da minha vida, das vidas assemelhadas à minha, e serve para contar o que eu e pessoas semelhantes a mim entendemos seja o mundo, a justiça e a liberdade. Assim deve ser entendida essa trajetória: ela é a soma das impressões fixadas no papel, ao longo de um caminho que começa no Paraná e que não sei onde termina. O que aprendi como autodidata, coloquei a serviço do que acreditava e jamais traí minhas crenças nem as troquei pela melhor oferta.”