O Museu de Arte Moderna de
São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, está apresentando a exposição “Oswaldo
Goeldi: sombria luz”, trazendo a maior retrospectiva da obra do artista do Rio
de Janeiro. São cerca de 200 trabalhos que vão dos anos 1920 até sua morte em
1961.
Na tarde gelada deste
último domingo, fui ver a exposição. Queria ver de perto as gravuras desse
homem melancólico, solitário, que criava suas gravuras numa temática que ia na
contramão dos modernistas brasileiros, seus contemporâneos, mais luminosos e
coloridos. Oswaldo Goeldi mostra uma cidade do Rio de Janeiro noturna, deserta,
habitada por figuras sombrias, sempre solitárias, e por gatos, cachorros,
pássaros agourentos.
Na noite escura da alma de
Goeldi, ele só escavava suas madeiras baseado em traços, poucos, que fossem
suficientes para mostrar ruas e casas iluminadas por postes de luz fraca, ou
pelo céu cuja fosforescência partia de baixo para cima. Algumas de suas xilogravuras
são, mesmo assim, luminosas. A luz parece explodir de um ponto qualquer, mas
todo o resto está imerso na mais profunda escuridão.
São pequenas as xilogravuras
de Goeldi. Alguns dos traços de sua goiva são muito tênues, finíssimos, mas que
dão a configuração necessária ao que ele quer mostrar, seja um rosto triste
contra a luz de um poste, seja um pequeno gato preto deitado num muro. Ele é
econômico nos traços: nada de linhas desnecessárias, o observador que complete
a imagem em sua mente. Há seres solitários lá, bichos abandonados assim como as
pessoas caminhando sozinhas por ruas escuras, observadas por gatos, urubus,
cães.
Autorretrato |
Depois de uma hora
observando de perto o trabalho deste artista, uma certa melancolia acaba nos
invadindo também. E acabamos nos questionando: por que ele era tão triste, tão
solitário? Que caracterizava sua personalidade? Que experiências de vida ele
viveu? Por que sua cidade nada tem de luminosa? Cadê o sol em sua vida?
Oswaldo Goeldi pode ser
caracterizado como um artista expressionista, movimento artístico que teve
lugar especialmente na Alemanha, no começo do século XX. O Expressionismo foi
uma espécie de projeção da subjetividade, baseada numa reação emocional. Os
sentimentos angustiados do artista expressam um real deformado, que ele
mostra de forma intensa em sua arte. A visão é pessimista, o mundo ameaçador.
Paulo Venancio Filho,
especialista na obra de Goeldi e curador da exposição diz, no livreto que
fundamenta a mostra, que a proximidade do artista gravador com o expressionismo
“é inequívoca, artística e existencial”. Goeldi trazia à tona um lado obscuro
do Brasil, um país de tantos contrastes, principalmente sociais. Nada há nele
que mostre a face conhecida de um Brasil ensolarado, luminoso, mas – acrescenta
Venancio – Goeldi “com os recursos limitados da xilogravura e do desenho a
lápis ou carvão, mostrou que sob a luz solar havia um mundo em
desassossego e desajuste”.
Oswaldo Goeldi trabalhava
sozinho em seu ateliê que era em seu próprio quarto. Morou muitos anos, os
últimos de sua vida, na casa de uma casal de amigos, situada no Leblon, na
época um bairro simples do Rio. Segundo sua sobrinha-neta, Lani Goeldi, ele se
sentiu atraído pelo expressionismo desde que conheceu a obra de Vang Gogh
(1853-1890) e Edvard Munch (1863-1944). “Foi dentro dessa linha que ele
construiu seu trabalho”, diz ela.
Oswaldo Goeldi em seu ateliê |
Mas ele se identificou
principalmente com a obra de Alfred Kubin (1877-1959), de quem se tornou amigo.
Kubin foi um escritor, desenhista, gravador e ilustrador austríaco. Seus traços
também são expressionistas.
Otto Maria Carpeaux
(1900-1979), jornalista, ensaísta e crítico literário brasileiro (austríaco de
nascimento), disse de Oswaldo Goeldi:
“A arte de Goeldi sempre me
lembrou um recurso raro da dramaturgia: o monólogo, que é, por definição, uma
arte silenciosa. As figuras, nas suas sombras, parecem cercadas pelo silêncio e
pela solidão; esses homens irremediavelmente perdidos e esses bichos
abandonados em meio a paisagens suburbanas em decadência. Quando muito, seus
pescadores à beira-mar chegam a ver, na hora da madrugada, um sol terrível que
se levanta vermelho no horizonte. O resto é noite. Temos que penetrar no
sentido dessa escuridão que assombra o mundo de Goeldi”.
Biografia
Oswaldo Goeldi nasceu em
1895 no Rio de Janeiro. Seu pai era o naturalista suíço Emílio Goeldi. Logo
após o nascimento do menino, seus pais se mudaram para Belém do Pará, onde
Emílio Goeldi foi fazer pesquisa em Zoologia e Botânica. Com seis anos de
idade, Oswaldo foi estudar na Suiça. Mas cedo abandonou os estudos politécnicos
para ingressar na Escola de Artes e Ofícios de Zurique. Também não concluiu sua
formação lá. Continuou estudando sozinho e fez sua primeira exposição
individual na cidade suíça de Berna, onde conheceu o trabalho de Alfred Kubin,
com quem se corresponderá durante décadas.
Goeldi volta para o Brasil
em 1919. A I Guerra Mundial havia acabado, mas a Europa ainda sofria as
consequências, inclusive psicológicas, dos horrores causados pela guerra. Aqui
no Brasil, ele vai trabalhar como ilustrador de livros e periódicos. Em 1930
lança seu álbum “Dez gravuras em madeira”, com prefácio de Manuel Bandeira. Participou
da Bienal de São Paulo e de Veneza, ganhou prêmios e projeção nacional e
internacional. Foi também professor da Escola Nacional de Belas Artes.
Lani Goeldi diz que ele
vivia “à margem das convenções sociais e familiares. Nunca dividiu suas
preocupações, nem seus anseios, nem com os poucos amigos que tinha”. Nunca se
casou, não teve filhos.
Morreu no dia 16 de
fevereiro de 1961, no Rio.
O poeta pernambucano Manuel
Bandeira (1886-1968) assim falou do amigo:
“A imaginação de Oswaldo
Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade
das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela
noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos –
arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um
poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma
personalidade monstruosa e aterradora”.
É assim a gravura do artista
brasileiro Oswaldo Goeldi: mostra um mundo que ninguém quer ver, mas que está
lá atrás das sombras, tão Real quanto o outro.