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terça-feira, 9 de julho de 2024

Tempo, vou te fazer um pedido!

 02/03/2023

Uma casa tem vida e construí-la é um processo de amadurecimento — do lar e de quem lá viverá. Na Ecomunidade, o terreno é aplainado; os alicerces logo serão fundados. E esta gravidez de habitar já está povoada de novas e velhas sensações.

O clima chuvoso não tem dado trégua. Desde novembro, praticamente todos os dias chove na região de Cunha. Desde leves e insistentes garoas até pancadas d’água rápidas e vultosas, ou mesmo chuvas tempestuosas que duram horas, deixando a terra encharcada. Enquanto isso, o projeto da minha futura casa foi se modificando, porque o ente “casa” é um ser vivo, se movimenta por dentro de mim e também no papel e no terreno real.

Mas antes é preciso dizer que nada do que sei agora, eu sabia há poucos meses. Por exemplo que, para dar vida ao projeto é preciso preparar a terra; o terreno deve estar moldado para ser uma base plana e sólida, onde o pedreiro vai escavar as valas para o alicerce, montar as sapatas, abrir as brocas, estender as vigas baldrame. Mas as chuvas vêm atrasando toda esta fase. O tratorista Bruno conseguiu, em um abrir de sol de dois dias, passar a máquina e deixar a terra aplainada. Fernando, o pedreiro que também é artista ceramista, pouco tem conseguido fazer com o trabalho de escavar as valetas. Ainda não chegou nas sapatas e nem nas brocas, porque… ah… as chuvas, as chuvas, as chuvas…

Enquanto isso, a área coletiva vem ganhando riquezas incríveis: temos três pontezinhas de madeira feitas por nossos amigos Dito e Rodolfo. Elas agora nos permitem atravessar os pequenos riachos e áreas encharcadas. Também chegou nossa energia elétrica: foi instalado um poste e um grande transformador. A distribuição através do terreno será feita por estes dias, uma rede elétrica interna da Eco Bem Viver, feita com postes de eucalipto tratado. Nossa horta coletiva já produz fartamente: abóbora, abobrinha, feijão, milho, melancia. Na terra fértil, a vida é um arrebentamento! Arrebata!

Pretendemos respeitar todas estas formas de vida, neste lugar que escolhemos para viver. Será um desafio? Sim, mas nossa disposição é radicalmente esta. Afinal, neste momento em que vivemos, é esta uma das grandes lições que nosso maltratado planeta está a nos mostrar: a cadeia imensa que envolve todas as formas de vida mostra como é importante o trabalho das abelhas, das formigas, dos fungos, dos sapos, das serpentes, das árvores, dos morcegos, dos arbustos, das gramíneas, de cada besouro grande ou pequeno que toda noite, no verão, “fica dando volta em volta da lâmpida”, dentro de casa.

Em apenas um ano já traçamos as ruas, definimos as cotas, roçamos, plantamos, colhemos, construímos. Temos uma pequena casa de dois cômodos, varanda e banheiro seco. Será nosso lugar de guardar ferramentas e beneficiar as coisas da horta na varanda. Nosso lago, que antes era um buraco informe, está cheio de água da chuva, ainda barrenta, mas que atrai os sapos e pequenas formas de vida. Consigo vê-lo no futuro: água limpa, espelhada, com peixinhos nadando, cercado de flores e pequenos lugares cobertos de plantas, criando sombras para os bancos onde nos sentaremos para contemplar essa beleza.

As primeiras duas casas em construção, a minha e a da Lumena, terão paredes de tijolo ecológico, o tijolo que não precisa queimar madeira, nem soltar fumaça. Também não precisa de todo o cimento da construção de alvenaria tradicional, onde se usa fazer chapisco e reboco. As paredes de tijolo ecológico, quando levantadas, praticamente já anunciam que a casa está pronta, e apenas precisa receber o telhado. Para o acabamento – esta fase da obra que deixa em pânico todos os que pensam em construir uma casa – estou pensando também em simplicidade e muita criatividade com pias, balcões, torneiras, cimento queimado, iluminação. Teremos um sistema de aproveitamento das águas das chuvas. Os banheiros terminarão num sistema biodigestor, assim como as águas “cinzas” serão reaproveitadas para as plantas que usam muita água, como as bananeiras.

Mas eu dizia que minha casa é um ser vivo. Sua concepção inicial nasceu de uma conversa entre mim e meu amigo Victor, que é arquiteto e se dispôs a me auxiliar no projeto. Dias depois me apresentou sua ideia: uma casa grande, com uma grande sala redonda coberta por uma laje também redonda, onde eu poderia subir para pintar de dia e contemplar as estrelas de noite. Que encanto! Falei dela e dos efeitos que me causou em outro texto aqui. Passei três meses me imaginando dentro dela, adorando suas curvas que remetiam às curvas naturais, das árvores às galáxias. Mas a realidade foi me mostrando os limites desta construção: estruturar uma forma redonda, desde sua fundação, passando por suas paredes e todo o sistema de sustentação da grande laje é um processo muito difícil, que exige muito primor e custa caro.

Era começo de dezembro e chovia. E eu em São Paulo, esta ilusória zona de segurança. Sempre durmo bem, deito e adormeço. Mas isso começou a se alterar: ficava horas mudando de lado na cama, corpo irrequieto porque a cabeça estava longe dali. Descobri que o corpo dói e não encontra boa posição quando os pensamentos afastam a cabeça do corpo. Era preciso tomar uma atitude. Tomei. E o projeto da casa se movimentou: as paredes curvas se tornaram retas, a laje se transformou em telhado, a casa encolheu, ficou mais aconchegante. E eu voltei a dormir…

Por isso, ainda bem que choveu o tempo justo para que a casa fosse amadurecendo em mim. Como numa gravidez, vou pegando meu projeto nas mãos, afagando sua forma, redesenhando-a, me familiarizando com os lugares que vão ser criados, imaginando minha vida dentro dela, enfeitando-a, cuidando dela, ela cuidando de me dar abrigo e proteção. Já me sinto intrinsecamente ligada a esse ser que vai nascer.

Nessa gravidez, mil pensamentos ficam dando volta em volta de mim, como os besouros. Ideias surgem, algumas são afastadas; de outras, tomo nota. Sensações novas ou velhas me povoam, assim como emoções e lembranças. Todo este processo tem sido vivido com uma intensidade que eu nem sei… Dia desses me perguntaram: — em nenhum momento você tem dúvidas? Resposta: — sim, muitas vezes! Vez por outra acontece de o espaço-tempo parar, numa singularidade que é minha conhecida, e tremo diante da constatação de que mais uma vez farei uma inflexão importante em minha vida. Mas não tem mais volta. A escolha já foi feita e não há como voltar a uma vida que não faz mais sentido e nem à mulher que já não sou. São Paulo ficou grande demais para a menina que nasceu em Caruaru e que está envelhecendo… Por isso está chegando a hora de partir, a hora de mais uma vez queimar meus navios, voltar para casa. — Para a casa que ainda está em construção,  “voltar” para o futuro? — A meu ver, volto para mim mesma, a garotinha, filha, neta e bisneta de pessoas simples que viviam uma vida simples no sertão nordestino. Mas se às vezes me espanto e prendo a respiração, é só para que o pulsar da vida lateje com mais vigor. Sonhando para que, nesse ritmo, a vida seja mais poesia.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Rastros nas montanhas de Cunha

 27/11/2021


“Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar.” Há muito tempo atrás li, e não de todo entendi, este trecho do poema “Cantares” de Antonio Machado. É natural, já que há coisas que levam tempo para a gente entender, o tempo da experiência de vida. Mas antes de mais nada, é preciso ressaltar que este poeta espanhol, um quase desconhecido nas bandas de cá do Atlântico, foi vítima do fascismo espanhol, perseguido e exilado pelo governo assassino de Franco, que matou outro poeta, Federico García Lorca… Fascistas não suportam arte e artistas, como sabemos muito bem hoje em dia no Brasil governado por outro fascista, cujo nome é melhor nem dizer…

Mas lembrei desse poema porque eu havia sonhado um sonho que, por um tempo – meses -, estava envolto nas brumas da madrugada. Nem sempre a linguagem do sonho é clara. Quando sonhamos, vamos para os mundos dos símbolos, das imagens soltas na mente, das asas que nos permitem voar, da liberdade em sua maior acepção. 

Falo do sonho que estou vendo, desde setembro, se transformar em realidade, e por isso a frase que abre este texto faz todo o sentido. Desde o ano passado fui me movendo na direção de algo que me atraía, mas que ainda não tinha se tornado claro. Os passos já estavam deixando pegadas, indicando algum caminho que traria uma reviravolta em minha vida: os movimentos da terra redonda me levaram para ser parte da Ecomunidade Bem-Viver, um projeto que já estava em andamento, meticulosamente trabalhado e pensado por esse grupo de mulheres que é uma verdadeira riqueza! 

O grupo vem amadurecendo desde maio. Muitos chegaram, vários saíram, como na vida e na estação: “tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais, tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai e quer ficar, tem gente que veio só olhar, tem gente a sorrir e a chorar…!” (salve, Milton Nascimento e Fernando Brant!) Hoje somos doze, contando os casais. O sonho individual se tornou o sonho desta tribo que, sim, agora é bem real. 

Os passos seguintes têm sido dados para encontrar a terra onde teremos nosso chão, nosso terreiro, onde coisas irão acontecer. Por essas sincronicidades insuspeitadas que a vida em movimento vai trazendo, a ancoragem está se fazendo na região de Cunha, confluência de três grandes cadeias de montanhas: a Serra da Mantiqueira, a Serra do Mar e a Serra da Bocaina, três gigantes deusas cuja formação geológica vem sendo feita em milhões de anos. 

Muitos de nós já tinham ido ver outras inúmeras propriedades na região do Vale do Paraíba, desde Cunha, São Luís do Paraitinga, Lagoinha. Foram buscados também possíveis lugares como São Francisco Xavier e Monteiro Lobato, até Redenção e Natividade da Serra, todas cidades razoavelmente próximas a São Paulo, onde a maioria de nós vive atualmente. Essa busca por terra é bastante cansativa e dispendiosa. Diferente de procurar uma casa ou um apartamento, a terra precisa ser sentida, caminhada, verificada bem de perto porque muitos detalhes são importantes. Primeiro, a presença de água, depois a topografia do terreno, que precisa ter algum trecho plano, onde se possa construir casas. Há que se tomar cuidado com terras há muito tempo servindo de pasto para o gado, o que é bem comum nesta parte do interior de São Paulo. Ou terras com erosão. Dar preferência a um terreno que possua algum pedaço de mata, porque nossa ideia é plantar mais árvores, ajudar a terra a recompor sua flora e fauna. E há também que se considerar a dificuldade de acesso por estradas de terra. Ou seja, é necessário alguns critérios de escolha que torna, então, a busca um pouco mais complicada.

Há algumas semanas atrás, um jovem casal – ela bióloga, ele funcionário público – que já vivem na região de Cunha, aderiu ao nosso projeto, trazendo com eles muita experiência de vida no campo. E surpreendente sabedoria. Através deles soubemos de uma propriedade à venda que cumpria muitos daqueles requisitos. Depois de alguns encontros virtuais e presenciais, decidimos que valia a pena focar naquela região, pois Cunha possui, além de uma natureza muito rica, uma vida cultural bastante interessante. Os potenciais de realização de todos os nossos projetos são, então, muito viáveis por lá. Vários de nós somos artistas e também pretendemos incluir atividades desta área no projeto geral. 

Viajamos, então, para Cunha para visitar algumas propriedades, em dois grupos, dois finais de semana. Como a região é íngreme, é preciso tomar cuidado para que o terreno seja também habitável. Sob o sol ardente daquela primeira manhã de domingo, descartamos uma, nos encantamos por outra. No final de semana seguinte, os outros que não estiveram presentes nesta primeira visita, foram ver de perto o terreno. Somadas todas as vantagens, descartadas as desvantagens, algum passo mais concreto será dado em breve. De resto, uma vez feita a escolha, é tratar de trabalhar muito para criar nosso pequeno oásis, onde possamos desfrutar do contato com Pacha Mama, abrindo todas as possibilidades para que mais de nós também possam participar da consecução deste sonho coletivo, que inclui o conceito do “Bem Viver”, ou o “Sumak kawsay” da cultura indígena, neste caso a Inca.

Depois de subir uma parte do terreno, onde as montanhas em volta se abriram 360 graus, olhei também para o céu azul do meio-dia. Eu gosto muito de olhar para o céu à noite, desde sempre. Há algum tempo faço um exercício, dentro da minha imaginação, que às vezes me enche de encantamento (e um pouco de pavor) diante da imensidão do cosmos: me vejo aqui plantada em minhas pernas tocando a terra que habita um sistema de planetas que giram em redor do sol, que gira em torno de uma galáxia, que gira em torno de outro grupo de galáxias que boiam no infinito do universo, que mantém em ação forças poderosas que permitem a todos nós estar aqui neste planetinha da periferia da Via Láctea… Às vezes, diante disso tudo, meu coração acelera e eu sou só gratidão: à Força Gravitacional, à Força-Fraca, à Força-Forte, a esses movimentos de forças centrífugas e centrípetas, macro e microscópicas, que nos permitem estar aqui bem vivos.

Voltando pra terra, vejo que este projeto é de uma ousadia que não tem tamanho, é revolucionário! É uma proposta de viver fora dos valores que impregnam a sociedade de consumo. Este modelo está esgotado. É só olhar as estatísticas (quem precisa delas) para ver que o capitalismo está destruindo nosso planeta, que responde com alterações climáticas inesperadas. O aumento da temperatura da terra já é tão real que está matando formas de vida das mais diversas, mundo afora. Mas esse sistema também está matando de fome milhões de seres humanos, enquanto uma pequena elite oportunista (essa gente que gera a “feia fumaça que sobe apagando as estrelas”)  entope nuvens virtuais de bancos com suas moedas geradoras da desigualdade. Mais valia que houvesse mais igualdade… 

Mas “você, da aristocracia, que tem dinheiro mas não compra alegria” há de encontrar a resistência de muitos, porque felizmente somos multidão. Há muita gente por aí sendo atraída por novos padrões de existência, opostos ao sistema atual que ameaça a vida. Nós, desta Ecomunidade Bem-Viver, nos juntamos aos grupos, aos movimentos novos e ancestrais, que pretendem resgatar na prática os princípios de solidariedade, de reciprocidade, de respeito e cuidado com os seres humanos, mas também com a Natureza, com o planeta Terra, pois somos somente um dos fios que compõem essa gigante teia da vida. 

Os próximos passos prometem muito, pois o sonho poderá se tornar real em breve. Já estamos com os pés na estrada…

O começo da mudança

27/11/2021

Era dia 30 de junho de 2020 e eu estava na janela do nono andar do meu apartamento, ouvindo a TV informar que 1.280 pessoas já tinham sido mortas pela Covid-19 em nosso país. Estávamos entrando no quinto mês da pandemia no Brasil e dois cientistas – que acompanhei atentamente nos meses da primeira onda – garantiam que mais mortes viriam pela frente, muitas. Oitocentas mil, um milhão, talvez mais, talvez pouco menos. Olhei pra dentro de casa, era seguro meu pedaço de mundo, minhas quatro paredes. Olhar para fora era ver o perigo lá fora, rondando: um desgraçado ser microscópico que de tão pequeno podia entrar goela abaixo, nariz a dentro e ir invadindo pulmões e sistemas vitais. Travei a respiração, fechei a janela, sentei no sofá, voltei a respirar. Desliguei a televisão e fui pintar meu medo, numa tela que já havia sido iniciada.

Tarde já da noite e o sono não vinha. Liguei a TV de novo, cliquei no aplicativo do Youtube, e avistei uma senda: comecei a dar passos naquela direção que ia me levando virtualmente para mais perto dos passarinhos, das árvores, dos bichos, do galo cantando às cinco da manhã, galo solar anunciando o astro-rei. Em meio àquilo fui vendo gente junta reunida e fui me vendo no meio dessa gente que ainda não precisava, como agora, usar máscaras para se proteger umas das outras. Tempos passados, gente reunida. As velhas tribos em volta da fogueira voltavam a animar minha alma… Anima da mente…

Desliguei a TV, abracei meu travesseiro e me permiti uns minutos a mais de voo do pensamento. Rezei a música do Gil, antes de adormecer: “Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei! Transformai as velhas formas do viver. Ensinai-me, ó pai, o que eu ainda não sei… Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei…”

O dia seguinte amanheceu e o primeiro pensamento eclodiu: – Pra mim chega, vou procurar minha tribo e meu mato!

Mas esse encontro não se faz de uma hora para outra. É preciso pensar, repensar, sentir, procurar. É preciso sonhar muitas vezes, contemplar várias luas, e se perder e se achar, e desistir e ressignificar. É necessário elucubrar, devanear, e até deixar, de vez em quando, que o espírito da cachaça amarela eleve, junto com seus eflúvios, nossos sonhares, como uma fumaça que, subindo em arcos espiralados para o céu, toque o céu, e o céu devolva ao nosso cérebro-coração essas inspirações que surgem somente dessas emanações… “E que essa vida entre assim como se fosse o sol desvirginando a madrugada…”

Os choques de realidade no Brasil destes tempos são terríveis. Trágicos. Olhar para fora nos faz refletir: o que é pior, um micro-organismo impalpável que suspendeu a respiração de todos os humanos? Ou o fantasma bem palpável do fascismo mostrando as babas sangrentas de suas gengivas pustulentas, aliado da morte, irmão da mentira, que estraga toda espécie de vida? Falo isso e ouço a gargalhada cínica que somente Bolsonaro é capaz de dar, como atestou seu próprio rebento há poucos dias. “Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são…”, suspira Macunaíma de Mário de Andrade. Os males do Brasil são assim mesmo, no plural porque múltiplos.

Que preguiça do capitalismo! Essa praga em metástase, como reflete Ailton Krenak, que corrói o mundo inteiro, que destrói as vidas e o planeta. Que batiza com muito dinheiro o um-por-cento, e o resto de todos os outros que entrem na roda-viva da luta pelo ganho da existência. Cada um por si! Mas uma imensa parte desse “cada um” nem migalhas do bolo pode aproveitar… (“Ninguém come dinheiro”, diz o sábio Krenak) Capitalismo que gerou – entre tantas tragédias – a sanha competitiva entre as pessoas, acentuando o egoísmo, exacerbando o individualismo, criando aberrações chamadas de “meritocracia” e de “empreendedorismo”, jogando frágeis sujeitos nas corridas-malucas sobre bikes e motos, arriscando as vidas para dar conta de “uberizar” e “festifudizar” nossas vidas… Palavrões!

29 de agosto de 2021, o sonho se desenrola. Entro em uma rede social e uma das bolhas às quais pertenço pisca uma pequena luz. Eu estava em Tatuí, visitando pessoas queridas, quando resolvi olhar para o pequeno lume que me piscou/pescou: um anúncio chamava “pessoas esquerdistas, defensoras da natureza, dos animais e da vida coletiva” a se juntar numa eco-comunidade. Havia uma reunião naquele dia, virtual, às 19 horas. E eu fora de casa, com internet fraca… Paciência, um segundo contato era possível… Pronto! Passei todas as próximas horas, os próximos dias, habitando os redemoinhos dos meus pensamentos, enquanto ia visualizando a vida coletiva, a fuga da minha soledade, da vida cada vez mais trancada pela criaturinha terrível que agora já matou 600 mil brasileiros e cinco milhões de seres humanos mundo afora…

De vez em quando, neste último ano, descia para a rua, mais ou menos temerosa, mas protegida pela minha máscara. Ia ao supermercado, à farmácia, à padaria. Cruzava às vezes com pessoas que conheço de vista, nesta minha rua, há mais de quinze anos. Muitas delas, nestes quinze anos, compraram bengala, andador, contratou acompanhante. Via meu futuro passando ali a meu lado e o rechaçava! Eu é que não! É você “se olhar no espelho e se sentir um grandessíssimo idiota”! Mas “eu é que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes esperando a morte chegar”! Eu não! Quero encontrar e viver junto com minha tribo, junto da terra, cuidando da terra, plantando água, árvores e nossos alimentos. Quero ajudar a criar uma nova cultura, permanente, permacultura. É minha forma de reafirmar que quero ser parte (como sempre busquei ser) daqueles que pensam “para além da linha-d’água” (mais uma vez gratidão, Krenak!).

No dia seguinte encaminhei minha adesão ao projeto coletivo “Ecomunidade Bem Viver”.