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segunda-feira, 8 de julho de 2024

Rastros nas montanhas de Cunha

 27/11/2021


“Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar.” Há muito tempo atrás li, e não de todo entendi, este trecho do poema “Cantares” de Antonio Machado. É natural, já que há coisas que levam tempo para a gente entender, o tempo da experiência de vida. Mas antes de mais nada, é preciso ressaltar que este poeta espanhol, um quase desconhecido nas bandas de cá do Atlântico, foi vítima do fascismo espanhol, perseguido e exilado pelo governo assassino de Franco, que matou outro poeta, Federico García Lorca… Fascistas não suportam arte e artistas, como sabemos muito bem hoje em dia no Brasil governado por outro fascista, cujo nome é melhor nem dizer…

Mas lembrei desse poema porque eu havia sonhado um sonho que, por um tempo – meses -, estava envolto nas brumas da madrugada. Nem sempre a linguagem do sonho é clara. Quando sonhamos, vamos para os mundos dos símbolos, das imagens soltas na mente, das asas que nos permitem voar, da liberdade em sua maior acepção. 

Falo do sonho que estou vendo, desde setembro, se transformar em realidade, e por isso a frase que abre este texto faz todo o sentido. Desde o ano passado fui me movendo na direção de algo que me atraía, mas que ainda não tinha se tornado claro. Os passos já estavam deixando pegadas, indicando algum caminho que traria uma reviravolta em minha vida: os movimentos da terra redonda me levaram para ser parte da Ecomunidade Bem-Viver, um projeto que já estava em andamento, meticulosamente trabalhado e pensado por esse grupo de mulheres que é uma verdadeira riqueza! 

O grupo vem amadurecendo desde maio. Muitos chegaram, vários saíram, como na vida e na estação: “tem gente que chega pra ficar, tem gente que vai pra nunca mais, tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai e quer ficar, tem gente que veio só olhar, tem gente a sorrir e a chorar…!” (salve, Milton Nascimento e Fernando Brant!) Hoje somos doze, contando os casais. O sonho individual se tornou o sonho desta tribo que, sim, agora é bem real. 

Os passos seguintes têm sido dados para encontrar a terra onde teremos nosso chão, nosso terreiro, onde coisas irão acontecer. Por essas sincronicidades insuspeitadas que a vida em movimento vai trazendo, a ancoragem está se fazendo na região de Cunha, confluência de três grandes cadeias de montanhas: a Serra da Mantiqueira, a Serra do Mar e a Serra da Bocaina, três gigantes deusas cuja formação geológica vem sendo feita em milhões de anos. 

Muitos de nós já tinham ido ver outras inúmeras propriedades na região do Vale do Paraíba, desde Cunha, São Luís do Paraitinga, Lagoinha. Foram buscados também possíveis lugares como São Francisco Xavier e Monteiro Lobato, até Redenção e Natividade da Serra, todas cidades razoavelmente próximas a São Paulo, onde a maioria de nós vive atualmente. Essa busca por terra é bastante cansativa e dispendiosa. Diferente de procurar uma casa ou um apartamento, a terra precisa ser sentida, caminhada, verificada bem de perto porque muitos detalhes são importantes. Primeiro, a presença de água, depois a topografia do terreno, que precisa ter algum trecho plano, onde se possa construir casas. Há que se tomar cuidado com terras há muito tempo servindo de pasto para o gado, o que é bem comum nesta parte do interior de São Paulo. Ou terras com erosão. Dar preferência a um terreno que possua algum pedaço de mata, porque nossa ideia é plantar mais árvores, ajudar a terra a recompor sua flora e fauna. E há também que se considerar a dificuldade de acesso por estradas de terra. Ou seja, é necessário alguns critérios de escolha que torna, então, a busca um pouco mais complicada.

Há algumas semanas atrás, um jovem casal – ela bióloga, ele funcionário público – que já vivem na região de Cunha, aderiu ao nosso projeto, trazendo com eles muita experiência de vida no campo. E surpreendente sabedoria. Através deles soubemos de uma propriedade à venda que cumpria muitos daqueles requisitos. Depois de alguns encontros virtuais e presenciais, decidimos que valia a pena focar naquela região, pois Cunha possui, além de uma natureza muito rica, uma vida cultural bastante interessante. Os potenciais de realização de todos os nossos projetos são, então, muito viáveis por lá. Vários de nós somos artistas e também pretendemos incluir atividades desta área no projeto geral. 

Viajamos, então, para Cunha para visitar algumas propriedades, em dois grupos, dois finais de semana. Como a região é íngreme, é preciso tomar cuidado para que o terreno seja também habitável. Sob o sol ardente daquela primeira manhã de domingo, descartamos uma, nos encantamos por outra. No final de semana seguinte, os outros que não estiveram presentes nesta primeira visita, foram ver de perto o terreno. Somadas todas as vantagens, descartadas as desvantagens, algum passo mais concreto será dado em breve. De resto, uma vez feita a escolha, é tratar de trabalhar muito para criar nosso pequeno oásis, onde possamos desfrutar do contato com Pacha Mama, abrindo todas as possibilidades para que mais de nós também possam participar da consecução deste sonho coletivo, que inclui o conceito do “Bem Viver”, ou o “Sumak kawsay” da cultura indígena, neste caso a Inca.

Depois de subir uma parte do terreno, onde as montanhas em volta se abriram 360 graus, olhei também para o céu azul do meio-dia. Eu gosto muito de olhar para o céu à noite, desde sempre. Há algum tempo faço um exercício, dentro da minha imaginação, que às vezes me enche de encantamento (e um pouco de pavor) diante da imensidão do cosmos: me vejo aqui plantada em minhas pernas tocando a terra que habita um sistema de planetas que giram em redor do sol, que gira em torno de uma galáxia, que gira em torno de outro grupo de galáxias que boiam no infinito do universo, que mantém em ação forças poderosas que permitem a todos nós estar aqui neste planetinha da periferia da Via Láctea… Às vezes, diante disso tudo, meu coração acelera e eu sou só gratidão: à Força Gravitacional, à Força-Fraca, à Força-Forte, a esses movimentos de forças centrífugas e centrípetas, macro e microscópicas, que nos permitem estar aqui bem vivos.

Voltando pra terra, vejo que este projeto é de uma ousadia que não tem tamanho, é revolucionário! É uma proposta de viver fora dos valores que impregnam a sociedade de consumo. Este modelo está esgotado. É só olhar as estatísticas (quem precisa delas) para ver que o capitalismo está destruindo nosso planeta, que responde com alterações climáticas inesperadas. O aumento da temperatura da terra já é tão real que está matando formas de vida das mais diversas, mundo afora. Mas esse sistema também está matando de fome milhões de seres humanos, enquanto uma pequena elite oportunista (essa gente que gera a “feia fumaça que sobe apagando as estrelas”)  entope nuvens virtuais de bancos com suas moedas geradoras da desigualdade. Mais valia que houvesse mais igualdade… 

Mas “você, da aristocracia, que tem dinheiro mas não compra alegria” há de encontrar a resistência de muitos, porque felizmente somos multidão. Há muita gente por aí sendo atraída por novos padrões de existência, opostos ao sistema atual que ameaça a vida. Nós, desta Ecomunidade Bem-Viver, nos juntamos aos grupos, aos movimentos novos e ancestrais, que pretendem resgatar na prática os princípios de solidariedade, de reciprocidade, de respeito e cuidado com os seres humanos, mas também com a Natureza, com o planeta Terra, pois somos somente um dos fios que compõem essa gigante teia da vida. 

Os próximos passos prometem muito, pois o sonho poderá se tornar real em breve. Já estamos com os pés na estrada…

O começo da mudança

27/11/2021

Era dia 30 de junho de 2020 e eu estava na janela do nono andar do meu apartamento, ouvindo a TV informar que 1.280 pessoas já tinham sido mortas pela Covid-19 em nosso país. Estávamos entrando no quinto mês da pandemia no Brasil e dois cientistas – que acompanhei atentamente nos meses da primeira onda – garantiam que mais mortes viriam pela frente, muitas. Oitocentas mil, um milhão, talvez mais, talvez pouco menos. Olhei pra dentro de casa, era seguro meu pedaço de mundo, minhas quatro paredes. Olhar para fora era ver o perigo lá fora, rondando: um desgraçado ser microscópico que de tão pequeno podia entrar goela abaixo, nariz a dentro e ir invadindo pulmões e sistemas vitais. Travei a respiração, fechei a janela, sentei no sofá, voltei a respirar. Desliguei a televisão e fui pintar meu medo, numa tela que já havia sido iniciada.

Tarde já da noite e o sono não vinha. Liguei a TV de novo, cliquei no aplicativo do Youtube, e avistei uma senda: comecei a dar passos naquela direção que ia me levando virtualmente para mais perto dos passarinhos, das árvores, dos bichos, do galo cantando às cinco da manhã, galo solar anunciando o astro-rei. Em meio àquilo fui vendo gente junta reunida e fui me vendo no meio dessa gente que ainda não precisava, como agora, usar máscaras para se proteger umas das outras. Tempos passados, gente reunida. As velhas tribos em volta da fogueira voltavam a animar minha alma… Anima da mente…

Desliguei a TV, abracei meu travesseiro e me permiti uns minutos a mais de voo do pensamento. Rezei a música do Gil, antes de adormecer: “Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei! Transformai as velhas formas do viver. Ensinai-me, ó pai, o que eu ainda não sei… Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei…”

O dia seguinte amanheceu e o primeiro pensamento eclodiu: – Pra mim chega, vou procurar minha tribo e meu mato!

Mas esse encontro não se faz de uma hora para outra. É preciso pensar, repensar, sentir, procurar. É preciso sonhar muitas vezes, contemplar várias luas, e se perder e se achar, e desistir e ressignificar. É necessário elucubrar, devanear, e até deixar, de vez em quando, que o espírito da cachaça amarela eleve, junto com seus eflúvios, nossos sonhares, como uma fumaça que, subindo em arcos espiralados para o céu, toque o céu, e o céu devolva ao nosso cérebro-coração essas inspirações que surgem somente dessas emanações… “E que essa vida entre assim como se fosse o sol desvirginando a madrugada…”

Os choques de realidade no Brasil destes tempos são terríveis. Trágicos. Olhar para fora nos faz refletir: o que é pior, um micro-organismo impalpável que suspendeu a respiração de todos os humanos? Ou o fantasma bem palpável do fascismo mostrando as babas sangrentas de suas gengivas pustulentas, aliado da morte, irmão da mentira, que estraga toda espécie de vida? Falo isso e ouço a gargalhada cínica que somente Bolsonaro é capaz de dar, como atestou seu próprio rebento há poucos dias. “Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são…”, suspira Macunaíma de Mário de Andrade. Os males do Brasil são assim mesmo, no plural porque múltiplos.

Que preguiça do capitalismo! Essa praga em metástase, como reflete Ailton Krenak, que corrói o mundo inteiro, que destrói as vidas e o planeta. Que batiza com muito dinheiro o um-por-cento, e o resto de todos os outros que entrem na roda-viva da luta pelo ganho da existência. Cada um por si! Mas uma imensa parte desse “cada um” nem migalhas do bolo pode aproveitar… (“Ninguém come dinheiro”, diz o sábio Krenak) Capitalismo que gerou – entre tantas tragédias – a sanha competitiva entre as pessoas, acentuando o egoísmo, exacerbando o individualismo, criando aberrações chamadas de “meritocracia” e de “empreendedorismo”, jogando frágeis sujeitos nas corridas-malucas sobre bikes e motos, arriscando as vidas para dar conta de “uberizar” e “festifudizar” nossas vidas… Palavrões!

29 de agosto de 2021, o sonho se desenrola. Entro em uma rede social e uma das bolhas às quais pertenço pisca uma pequena luz. Eu estava em Tatuí, visitando pessoas queridas, quando resolvi olhar para o pequeno lume que me piscou/pescou: um anúncio chamava “pessoas esquerdistas, defensoras da natureza, dos animais e da vida coletiva” a se juntar numa eco-comunidade. Havia uma reunião naquele dia, virtual, às 19 horas. E eu fora de casa, com internet fraca… Paciência, um segundo contato era possível… Pronto! Passei todas as próximas horas, os próximos dias, habitando os redemoinhos dos meus pensamentos, enquanto ia visualizando a vida coletiva, a fuga da minha soledade, da vida cada vez mais trancada pela criaturinha terrível que agora já matou 600 mil brasileiros e cinco milhões de seres humanos mundo afora…

De vez em quando, neste último ano, descia para a rua, mais ou menos temerosa, mas protegida pela minha máscara. Ia ao supermercado, à farmácia, à padaria. Cruzava às vezes com pessoas que conheço de vista, nesta minha rua, há mais de quinze anos. Muitas delas, nestes quinze anos, compraram bengala, andador, contratou acompanhante. Via meu futuro passando ali a meu lado e o rechaçava! Eu é que não! É você “se olhar no espelho e se sentir um grandessíssimo idiota”! Mas “eu é que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes esperando a morte chegar”! Eu não! Quero encontrar e viver junto com minha tribo, junto da terra, cuidando da terra, plantando água, árvores e nossos alimentos. Quero ajudar a criar uma nova cultura, permanente, permacultura. É minha forma de reafirmar que quero ser parte (como sempre busquei ser) daqueles que pensam “para além da linha-d’água” (mais uma vez gratidão, Krenak!).

No dia seguinte encaminhei minha adesão ao projeto coletivo “Ecomunidade Bem Viver”.

terça-feira, 26 de maio de 2020

TEMPO CINZA 10

Obra: VELHO NU AO SOL, Mariano Fortuny, 1863
São Paulo, a maior cidade da América do Sul, tem 25 mil pessoas morando na rua.

São crianças, são adolescentes, são mulheres, são homens. E uma grande quantidade de idosos.

Para eles, além de casa, falta tudo. E falta proteção contra o vírus que ameaça agora principalmente os mais pobres e os excluídos da vida.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

TEMPO CINZA 7

Todos os dias ela acorda e no minuto seguinte um calafrio percorre seu corpo: lá fora, na rua, o perigo ronda todas as vidas.

Perigo dividido por dois: um minúsculo organismo, que nem célula tem, a que deram um nome de laboratório, Covid-19, parecendo com aqueles nomes que os astrônomos dão a galáxias distantes no espaço-tempo, como M-31, NGC-292...

E o outro perigo, que também ronda invisível pelas ruas e avenidas, e que é tão mortífero - ou mais - quanto o primeiro. O nome que o classifica hoje virou não só sinônimo, mas adjetivo: fascismo.

Ela às vezes não tem vontade de sair da cama...

Obra: ANNABEL DORMINDO, Lucien Freud, 1988

TEMPO CINZA 6

Ontem o menino de 14 anos João Pedro Mattos foi assassinado pela PM do Rio.

No mesmo dia em que morreram de uma só vez quase 1200 brasileiros.

No mesmo dia em que o maldito presidente faz piada.

Meu abraço distante e minha solidariedade à família de João Pedro Mattos.

Obra: MÃE COM O FILHO MORTO, Käthe Kollwitz, 1903

TEMPO CINZA 5

Uma morte a cada 73 segundos...
Uma morte a cada 73 segundos...
Uma morte a cada 73 segundos...
Uma morte a cada 73 segundos...
a cada 73 segundos...

Passamos dos mil mortos em 24 horas...

Obra: TRISTEZA, Paul Cézanne, 1867

TEMPO CINZA 4

Quando eu era criança, gostava das histórias que meu pai contava. Eram histórias do sertão, do povo do sertão, de um Brasil que ainda existe lá no fundão do Brasil. Uma delas, que nunca esqueci, foi a de um cachorro. Seu dono, parente de meu pai, havia morrido e sido enterrado num cemitério desses que nem muro têm, como a gente ainda vê no interior do país. Enterrado a sete palmos, com uma cruz de madeira e talvez alguma coroa de flores, naturais ou não. O cãozinho permaneceu vivendo na mesma casa, que também era sua, com os outros da família. Mas seu lado era junto do companheiro morto, e todas as noites e até o fim de sua pequena vida - disse meu pai - o cachorrinho seguia seu caminho até o cemitério e dormia a noite inteira sobre a cova de seu dono.

Então em homenagem aos animaizinhos que nesta pandemia estão ficando sós, vai esta pintura.

Obra: O LAMENTO DO CÃO PASTOR, Edwin Landseer, 1837

TEMPO CINZA 3

Hoje, domingo, amanhecemos oficialmente com mais de 15 mil mortos por Covid-19 no Brasil. Quinze mil mortos! Quinze mil vidas se foram em poucas semanas! Num país cujo presidente brinca com a morte, como um fascista!
Obra: NO LEITO DE MORTE, Edvard Munch, 1893


TEMPO CINZA 2

A pintura escolhida para hoje:
OS RETIRANTES, Candido Portinari, 1944
E com ela um pequeno trecho de outro grandemente triste retrato do povo brasileiro, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos:
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. (...) Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar (...)
Os infelizes brasileiros de sempre, historicamente os mesmos, que já vão nascendo "com cara de fome", estampados na arte de Portinari e Graciliano. E de Chico e de Caetano. Pobres, trabalhadores, favelados, pingentes, faxineiras, paus de arara, pedreiros, balconistas, boias-frias, índios e mulatos, malandros e bandidos, banidos quase todos, "quase todos pretos", aguardam cada qual seu momento de morte física, pois que há muito vivem como mortos para certa elite, certa classe média, certa gente escrota e vil.
Gente escrota e vil que elegeu um monstro, o Inominável genocida, assassino explícito, Ceifador maior de toda a nossa gente.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

TEMPO, TEMPO, TEMPO CINZA

Nestes tempos terríveis de Covid-19, tenho estudado e lido muito sobre as Belas Artes. Hoje, lendo Fayga Ostrower, me veio a ideia que passo a por em prática aqui, retomando meu trabalho neste blog. Talvez inspire, talvez deprima. Porque não trago imagens de alegria, mas pinturas com temas de morte, doença, fome, desemprego… toda essa desgraça que nos atinge. Começo com Courbet, pintor francês, de quem compartilho a admiração com meu amigo Henri, de Paris.

Aqui Courbet retrata uma cerimônia fúnebre, sem nenhum tipo de floreio mitológico ou religioso. Não há anjos, nem figuras alegóricas. Nada! A morte mostrada com sua cara, nua e crua. Pessoas estáticas, em silêncio, de luto. Atrás delas um horizonte tão pesado quanto os sentimentos das pessoas. É uma pintura de uma tristeza imensa, como são as fotografias dos buracos abertos no cemitério da Vila Formosa em São Paulo ou de algum cemitério de Manaus. Junto ao féretro, acompanhando tudo, um cãozinho, como é comum acontecer de aparecer, em qualquer circunstância de uma pequena cidade como Ornans, que visitei com meu outro amigo Pierre Ringot no ano passado… “Enterro em Ornans” é a melancolia destes dias em que milhares de pessoas estão sendo enterradas solitariamente. Ninguém querido dando o adeus final. Pessoas que nunca se viram em vida, dividindo a mesma vala comum dos desgraçados... Além do coveiro talvez um pequeno cão vira-lata apareça para a despedida... ou nem mesmo um cão...

ENTERRO EM ORNANS, Gustave Courbet, 1849