domingo, 7 de abril de 2013

Diário de Madrid IV




 A Plaza de España é um imenso espaco aberto para onde os madrilenhos costumam ir. Há grandes bancos de pracas feitos de madeira, mais convidativos neste frio, e muitas arvores que estao ainda sem nenhuma folhinha. Parece que nos séculos XVII e XVIII ela estava rodeada de quarteis para proteger o Palácio Real que fica perto.

Mas durante a ditadura do general Franco ela ganhou mais espaco e ele costruiu la um edificio de 26 andares, entre 1947 e 1953, o chamado Edificio España. Há uma torre principal ladeada por duas outras menores. A construcao em si é feia, pesada. Mas já deve ter sido pior quando ela dominava a Plaza. E quando Franco dominava a Espanha. Ao lado, do outro lado da rua, tem outra torre, muito alta, que os madrilenhos apelidaram de "la jirafa", pois parece um imenso pescoço em meio aos prédios baixos de Madrid, cujas construçoes nao passam de cinco, seis andares, na parte mais antiga principalmente.

Bem no meio da praça tem um monumento, uma espécie de obelisco, com uma estàtua de Dom QUixote e Sancho Pança, personagens famosos de Miguel de Cervantes. Vários turistas aguardavam sua vez de subir até lá e tirar fotos ao lado do imenso cavalo del glorioso caballero Dom Quixote de la Mancha.

Aqui em Madrid, muitos dos lugares, ruas e praças, lembrarm e homenageiam seus artistas locais. Há ruas, praças e estaçoes de metrô com nomes de Velázquez, Goya, Lope de Vega, etc. E hà muitos músicos tocando em toda parte. Grupos de artistas tocam peças clássicas com seus violoncelos, violinos, instrumentos de sopro. Em grupo ou sozinhos. Vi uma senhora bem idosa tocando seu violino, executando mùsicas lindíssimas, enquanto as pessoas iam depositando suas moedas na caixa do violino em frente a ela. Talvez seja uma aposentada de alguma orquestra sinfönica? Vai saber...

Eles tocam em todos os lugares, inclusive nas estaçoes de metrô e até dentro dos trens. Em uma estaçao, enquanto eu ia subindo a escada (quase nao existem escadas rolantes) ouvi um som diferente: era um homem negro, provavelmente africano, sentado sobre um grande atabaque, fazendo a percussao. Um boné servia-lhe de lugar para recolher as moedas dos passantes.

Fui até o Palácio Real, uma construçao imensa carregada de história da Espanha. O jardim em frente a ele é bem grande, bem cuidado, com árvores verdes que nao consigo identificar, um tom de verde bem forte. O chao é de terra, mas tudo muito limpo, muito cuidado, muito simètrico. A simetria em excesso as vezes nao é tao bonita... Parece fria. Lembrei-me da gravura de Francisco Goya "Os sonhos da Razao criam monstros". O General Franco criou o monstro fascista que matou milhares de espanhois. E muitos desses monstros aindam assustam os sonos daqueles que ainda estao vivos e se lembram muito bem daqueles tempos horriveis, quando os espanhois passavam fome, roubavam-se uns aos outros, como me contou certa vez uma vieja española ao meu lado numa viagem de aviao.

Na Plaza de España està acontecendo estes dias uma Feira com barracas que vendem bijouterias, echarpes, roupas, artesanato, bolsas de couro e comidas de outros paìses. Mas a maioria è do Marrocos. Hà bolsas, mochilas e valises de couro meio rùsticos mas de qualidade muito boa. Tambem tem uma barraca com coisas da Rússia e diversos souvenirs da ex-URSS. A moña que atendia estava ao celular falando em russo, mas respondia em espanhol quando lhe perguntei "los precios".

Subi a Gran Via e fuia para a Plaza Callao. Outra manifestaçao acontecia lá. Desta vez era um grupo de teatro que encenava um pequeno sketch para denunciar a situaçao dos que vivem sem teto, largados nas ruas de Madrid. E com este frio! Imagina no inverno! Muitos deles devem morrer, mesmo tendo os albergues noturnos da prefeitura, para passar a noite. Lembrei-me que passei por vàrios deles aqui. Acompanhei a encenaçao até o fim, com uma boa quantidade de pessoas assistindo. Ao final todos aplaudimos os atores demoradamente. Em apoio aos que vivem na rua.... Estas pessoas miseràveis, famintas e sujas sao tao merecedoras de cuidados como qualquer cidadao. Mas como em qualquer cidade do mundo, neste sistema capitalista, muitas vezes o poder público - e as elites - preferiam varrê-los para longe como lixo....

Meu dia encerrou na Calle Fuencarral, onde parei para ouvir três mùsicos excelentes cantando mùsicas dos Beatles.

* o teclado que estou usando nao me permite acentuar as palavras direito, por isso desculpem os erros.

sábado, 6 de abril de 2013

Diário de Madrid III

Estação Iglesia do metrô, com uma reprodução
de pintura de Joaquín Sorolla

O Museu Sorolla amanheceu me chamando. A ideia inicial era ir ao Prado, mas peguei o metrô em direção a Chamarti, estação Iglesia.

Antes entrei em um café, dos muitos que têm por aqui, e tomei um grande copo de café com leite e uma "media luna". No Brasil seria um pingado e um croissant. Os cafés de Madrid são variados em tempo e espaço. Aguns existem há décadas como o Café Gijón, que existe desde o começo do século XX. Ni verão, as cadeiras ocupam as calçadas, mas como ainda está muito frio eles se resumem ao espaço interno, quentinho, como em todos os lugares fechados, comuns em toda a Europa.

O frio hoje estava cortante. Fazia 10 graus me pleno meio dia! Esqueci minhas luvas no hotel e protegi minhas mãos nos bolsos do sobretudo. As mãos dóem neste gelo. E em Madrid venta muito.

A casa onde se localiza o Museu Sorolla é a casa onde ele viveu e trabalhava desde 1909, quando a comprou. É enorme! Uma bela casa e, segundo as informações que fui lendo enquanto o visitava, Joaquin Sorolla teve muita satisfação em comprá-la. Era resultado de seu trabalho. Realizava o sonho de instalar sua família, esposa e três filhos pequenos, num lugar confortável. Ele era bastante apegado a eles e sua ideia também era ter seu local de trabalho perto de sua família.

Um dos cômodos do Museu é onde estava seu ateliê. Uma sala bem ampla, com pé direito bastante alto e uma claraboia retangular no teto que lhe fornecia a luz natural necessária para trabalhar dentro de casa, quando o inverno - e o frio - chegavam. As paredes eram cheias de pinturas suas, alguns objetos adquiridos em lugares diferentes enfeitavam o lugar. Ele trabalhava simultaneamente em vários quadros e o tamanho do ateliê lhe permitia ter vários cavaletes.

Todos - todos! - os quadros de Joaquín Sorolla que eu somente conhecia de fotos estavamm lá, à minha frente, enchendo os meus olhos! Esses momentos são indizíveis! Nem sei como descrever direito o que sinto sempre que me encontro em frente a uma tela original de algum mestre. Me emociona. Me inquieta. Me silencia... Foi assim com muitos deles! Em Amsterdam, em Berlim, em Paris... até em São Paulo!

A entrada para o Museu Sorolla custa 3 euros. Em todas as salas da casa estão suas pinturas, e o Museu guarda o maior acervo de obras dele. Fui vendo os quadros, um por um, estudando.

Ateliê de Sorolla, hoje parte do Museu
A pintura de Joaquín Sorolla é caracterizada pelo uso de grossas camadas de tinta, os empastos. Ele não pinta os detalhes das cenas e figuras a não ser onde é muito necessário. Quanto mais áreas de sombra, ou segundos planos, menos detalhe. Mais concisão, mais simplicidade, tanto no uso da quantidade de tinta quanto nas pinceladas. Algumas devem ter sido feitas em três ou quatro passadas de pincel. Mas são fortes, firmes, encaixadas. Ele usava pinceis grossos, de pelo mais duro.

Nas inúmeras telas representando a praia, se vê que ele não ficava descrevendo nada em detalhes. Não desenhava as ondas, por exemplo. Aplicava camadas de empasto branco onde a luz era bem forte. Passava o pincel deixando verdairos nacos de tinta de valor alto (branco, branco-amarelo, branco-azul). Por isso suas telas brilham! Ele era fascinado pelo efeito da luz sobre as coisas.

Na segunda sala, tive que esperar um pouco. Havia uma senhora de meia idade com um grupo de uns 15 adolescentes e ela explicava os quadros de Sorolla para eles. Um por um. Parei para ouvir, se ela me permitia... Vi que fazia perguntas aos alunos, que respondiam um pouco tímidos. E ela continuava explicando. Se deteve bastante tempo nas telas "Após o banho" e "Clotilde na praia". Clotilde era a esposa de Sorolla. Fiquei pensando como é importante essa formação desde cedo na vida de um ser humano. Ensina-nos a ver o mundo com outros olhos. E a amar a pintura, os pintores, a arte. Enquanto a professora continuava falando, li sobre Sorolla em um dos paineis: "Seu deseo de captar la realidad tal qual la ve determina su manera de trabajar." O real é sua grande fonte de inspiração.

Alguns dos pinceis que Sorolla usava
Mas voltando a analisar a pintura deste artista, vi que na tela "Maria en la playa de Biarritz", por exemplo, o ponto de interesse é a luz forte que bate sobre as ondas. O vestido dela está na sombra, sem maiores detalhes. Seu rosto é sereno e monocromático. Uma parte do seu vestido é esvoaçante e a luz bate forte sobre ele e brilha. Assim como sobre seu chapéu. Mas a luz forte mesmo é mostrada sobre camadas grossas de tinta branca que representam as ondas. Lindo de se ver! Na outra tela "La bata rosa o despos del baño", ele pintou nacos de luz sobre as roupas do casal. E mais uma vez dá para ver: quanto mais sombra, menos necessidade de tinta.

Fiquei bastante tempo na sala onde era seu ateliê. Fotografei os cavaletes (dois), os pinceis, a caixinha onde ele guardava as tintas. Ainda tem algumas bisnagas de tinta dentro, bem usadas, espremidas. Pelas mãos de Joaquín Sorolla! Os pinceis... fiquei um tempo observando os pinceis. São grossos, pelo grosso, talvez de orelha de porco? Parece... Nada de cerda fina, delicada. Tinta também dois "tentos", um pauzinho que usamos para ajudar a segurar a mão quando precisamos ser certeiros em alguma pincelada.

Passei para onde antes era uma antesala da casa. Nesse espaço estão suas pinturas feitas no jardim de sua casa. Sorolla cuidou detalhe por detalhe dos jardins. Desde os pequenos pedaços de cerâmica decorada que ele encomendou no Marrocos, até as plantas e as flores. Muitas delas viraram seus modelos e aparecem em seus quadros. Ali, li este poema de Juan Ramón Jiménez, "Mariposa de luz":

Mariposa de luz,
la belleza se va cuando yo llego
a su rosa.

Corro, ciego, traz ella...
la medio cojo aquí y allá...

Sólo queda en mi mano
la forma de su huida!

Ainda escreverei sobre essa experiência de contato com o real. Tão sutil, tão passageira quanto um segundo que passa e quase não se alcança, a não ser em alguns momentos de beleza... Mas isto é assunto para depois.

"Rosas blancas en el jardín de mi casa", Sorolla
Encontrei na sala seguinte um jarro com flores do qual eu fiz uma cópia em pastelo no ateliê de Maurício Takiguthi! Fiquei feliz em ver ali, à minha frente, um quadro que eu estudei profundamente, o "Rosas brancas en el jardin de mi casa". Da casa de Sorolla... E eu estava lá, na casa de Sorolla e em frente ao quadro!

Saí para o jardim. Quando cheguei lá, vi uma moça bem jovem, esculpindo uma miniatura no jardim, usando como modelo as esculturas que lá estão. Sentei-me embaixo de um caramanchão, onde tinham umas cadeiras. Peguei meu caderno de desenho e fiquei ali umas duas horas desenhando uma escultura do jardim. Os visitantes passavam, alguns olhavam meio rápido. Os europeus são muito discretos quando se trata de invadir a privacidade alheia. Acho que gosto de me sentir assim, deixada em paz, de vez em quando. Mas um deles ficou atrás de mim e vi que me fotografou desenhando, a mim e ao modelo que eu usava, um par de esculturas.

O jardim de Joaquín Sorolla
Em certo momento, a menina escultora passou por mim e me perguntou as horas. Três e quinze. Agradeceu e seguiu para dentro da casa. Continuei desenhando. E quando acabei ela tinha voltado ao seu trabalho, solitária no meio do jardim. Pensei em ir até ela, já que me perguntou as horas. Fui. Ela estuda escultura num ateliê de um escultor aqui em Madrid. Quase não conhece de pintura, disse. Mas gosta muito de Joaquín Sorolla. Me contou que faz esculturas a partir de modelo-vivo uma vez por mês no ateliê, para estudar a anatomia humana. Olhei para o rosto dela, bem jovem. Lembrei de Camille Claudel... Me despedi, agradeci e fui embora sem nem saber seu nome. Se um dia ela ficar famosa, será que vou lembrar do seu rosto?

Fui caminhando pela Calle Santa Engracia em direção ao metrô Cuatro Caminos. Uma rua bem larga e bonita. Chamartí deve ser um bairro bom de se viver. Passei por um colégio, Divina Pastora, bem na hora da saída dos alunos. Crianças de mãos dadas com pais e mães cruzavam por mim todo o tempo. Entrei no metrô, fui direto para a Plaza de España.

E como este post está ficando grande demais, deixo o resto para contar na próxima entrada.

Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, na Plaza de España

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Diário de Madrid II

O urso com a árvore, símbolo da Espanha
Meu primeiro dia em Madrid rendeu muito. Apesar do cansaço de uma noite dentro do avião, fui caminhar. Minha amiga Susana, que está em Lisboa, me sugeriu um lugar para almoçar: o restaurante Miau na Plaza de Santa Ana, que tem um gatinho como logomarca. Em homenagem a meus gatos Xavier e Nestor, fui para lá. Passei pela Puerta del Sol, andei pelas ruas, caminhando e olhando tudo. Madrid é uma cidade linda. Lembra Paris em alguns lugares, mas há algo de diferente. A cidade não é muito grande e dá para andar a pé por aqui sem muitos problemas. A Plaza de Santa Ana, a Puerta del Sol, a Plaza Mayor, assim como o Museu do Prado e o Reina Sofia fica tudo meio perto...

Meu almoço: primero plato, una ensalada russa, mui buena y bien servida. Segundo plato, um peixe com salada de batata. Acompanhando, 2 taças de vinho da região de Rioja que, segundo outro amigo, Adalberto, parece que produz os melhores vinhos espanhois. Como postre (sobremesa), um pudim de leite com chantilly, enrome. Ao final um café. Preço de tudo isso? Onze euros somente!

Na Plaza Mayor, aglomerações de turistas. Nesta Plaza aconteceram grandes execuções públicas de bandidos, mas também de revolucionários. Aqui crepitaram as fogueiras e os julgamentos da Inquisição. É uma construção quadrada, com prédios de 3 andares colados uns nos outros. Há uma estátua equestre no centro, da qual eu fiz um sketch rápido. Enquanto desenhava, uma moça se aproximou e ficou me filmando enquanto eu desenhava. Não sei que lingua ela falava, não parecia espanhola. Ri para ela, que aprovou meu desenho. Nem posso posta-lo aqui agora, porque o cartão SD da minha câmera não está cabendo na entrada do netbook que estou usando...

Vi alguns mendigos na Plaza Mayor. E muitos artistas de rua em muitos lugares. Um deles era tenor e cantava uma ópera ao ar livre. Alguns passavam e depositavam suas moedas na caixinha em frente a ele. Outros tocavam sozinhos seu violão. Outros, cantavam em grupo. Um desses artistas de rua assustava os que passavam do lado. Só aparecia seu rosto, pintado com cores escuras como um personagem de filmes de terror e do seu lado uma cara de cão malvado, do outro uma cara de lobo assustadora. Aos desavisados que passavam muito perto, ele gritava e mexia as cabeças dos bichos, assustando as pessoas e fazendo rir os que assistiam à cena. Quando se depositava uma moeda em sua caixinha, se era homem, ele gritava mexendo as cabeças: Muchas gracias! Se era mulher, ele era mais suave... Muito engraçado!

Na Gran Via, às sete da tarde (ainda muito claro por aqui) vi minha primeira manifestação contra a crise: um grupo de uns cem espanhois faziam muito barulho e se transformavam em mil. Com cartazes atacando "banqueros y gobierno" gritavam: "Usted ahi mirando, también te estan robando!" Concordei com eles, fiquei um pouco observando a cena, vi que um carro da polícia acompanhava tudo de perto. Senhoras e senhores idosos também estavam lá e também gritavam: o velho e bom sangue espanhol! Acá y en esta lucha, somos todos hermanos! Contra el capitalismo!

Uns metros abaixo desta manifestação, na esquina da Gran Via com a Calle Fuencarral, onde estou hospedada, havia um outro mendigo: inteiramente vestido de palhaço, rosto pintado e nariz de borracha vermelho. Mas não ria nada. Cheguei perto e observei: era um senhor já idoso, se viam as rugas atrás da maquiagem... Seria um palhaço desempregado? Seu circo teria sido extinto e ele estava sozinho no mundo, sem seus companheiros? Deu vontade de saber sua história. Depositei uma moeda de 1 euro em sua caixinha. Ele falou um "Gracias" com voz baixa e cansada, sem se mover. Lembrei-me do filme de animação "O Ilusionista". Deu pena dos artistas sem trabalho... Deu vontade de chorar...

Academia Decinti

Ainda no Brasil eu tinha descoberto dois pintores daqui que mantém uma escola de arte no bairro de Chamarti. Peguei o metrô na estação da Puerta del Sol e desci quatro estações depois, na Iglesia, que também fica ao lado do Museu Sorolla, que irei visitar hoje. O ateliê não é muito grande, mas tinha umas dez pessoas trabalhando lá, junto com Alejandro, um dos professores. O outro é Oscar. Me apresentei e eles me receberam muito bem muito simpáticos. Conversamos bastante, ele me disse que seguem a estética da pintura espanhola e mais especialmente a de Joaquín Sorolla. Resultado da conversa: a partir desta segunda irei fazer um curso intensivo no ateliê deles, 4 horas por dia, de segunda a sexta. Ele me disse que irei utlizar uma palheta de cores primárias, mais preto e branco. Vou fazer a experiência de pintar sem tons de terra. Saí de lá muito feliz e com uma grande expectativa de estudar um pouco com eles aqui em Madrid!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Diário de Madrid I

Plaza Mayor, Madrid
Comecei uma viagem de 10 dias a Madrid, Espanha. Vim fazer estudos, desenhar e pintar. Fazer desenhos gestuais nos museus. Aprender com os mestres espanhóis, me embriagar com sua arte. Por isso, a partir de hoje, este blog será um relato desta viagem.

Primeiro relato, no avião:

dia 3 de abril, 17h
Estou sentada na segunda fila de um vôo da Iberia de São Paulo para Madrid. Acabei de resolver: meu blog nos próximos 10 dias será transformado em meu diário de viagem. Assim os que quiserem podem acompanhar diariamente aqui esta viagem que promete muito! É a segunda vez que vou a Madrid, a primeira em 2001. Eu era outra, meus olhos não viam o que hoje vejo.

Mas neste momento lembro que estou indo para um país atingido por uma forte crise econômica nestes tempos. Quase 27% dos espanhóis estão sem emprego e em torno de 50% dos jovens até 30 anos não têm trabalho! Crise dura! Crise capitalista, mais uma. Como disse Marx no século XIX, o capitalismo não sobrevive sem crises. Ouvi falar no Brasil de que o número de suicídios aumentou, que a falta de perspectiva de melhora a curto prazo está angustiando esse povo. O que diria - e faria - Francisco Goya se vivesse nestes tempos e visse seu povo submetido a mais esse sofrimento? Iria para as praças e ruas, junto com a população, protestar, gritar, pedir o fim desse sistema injusto que privilegia somente as elites de todos os países.

Mas se isso continuar.... não sei não! O sangue espanhol quando esquenta, lembrou meu amigo Jeosafá, já moveu muitos mundos na terra espanhola. E irá mover de novo, se preciso for... Os tambores - ou melhor, as castanholas - já se aquecem por lá! Os capitalistas irão tremer quando este povo se levantar como "toros" em touradas!

Aqui no avião, cinco da tarde do Brasil, acabaram de nos servir uma ceia porque em Madrid já é hora de jantar, são 21 horas, e é para lá que estamos indo... Entonces acabamos de dar um salto de 4 horas no tempo! Um salto das 17h para as 21h e eu preciso dormir às 19h porque serão 23h, senão amanhã estarei exausta e preciso ir à Academia Decinti, de Oscar e Alejandro, com quem vou estudar um pouco de pintura...

Hasta luego!


domingo, 24 de março de 2013

Michael e Anna Ancher

Fotos do casal Anna e Michael Ancher (Museu Skagen)
Michael Peter Ancher foi um pintor dinamarquês. Ele é muito conhecido pelas suas pinturas de pescadores e outras cenas do porto dinamarquês da cidade de Skagen, uma pequena vila de pescadores localizada numa ponta de terra ao norte da Dinamarca, bem na convergência entre o Mar do Norte e o Báltico. Terras e mares muito gelados do norte europeu. Ele é um dos artistas mais populares em seu país, apesar de pouco conhecido, pelo menos aqui no Brasil.


Michael Ancher:
Retrato inacabado de Adrian Stokes
Michael Ancher nasceu no dia 9 de junho de 1849, em Rutsker, na ilha de Bornholm, que pertence ao reino da Dinamarca. Aos 16 anos ele trabalhava como caixeiro aprendiz e em suas horas livres desenhava e pintava. Por causa do seu talento, ele foi admitido na Academia Real Dinamarquesa de Arte em Copenhagen, onde estudou entre 1871-1875. Lá foi incentivado por seus mestres a se dedicar à pintura de gênero (um tipo de pintura de cenas da vida cotidiana, do mundo do trabalho e dos espaços domésticos). 

Um seu colega de curso, Karl Madsen, o convidou para ir conhecer a vila de Skagen. Nesta pequena vila, um grupo de pintores se reuniram numa associação que eles chamavam de Pintores de Skagen. Michael resolveu se mudar para lá e se junto ao grupo de pintores, cujo ponto de encontro acontecia no Hotel Brondums, onde eles conversavam, discutiam suas ideias, mostravam seus trabalhos. Lá, Michael conheceu Anna Brondum, a filha do dono do hotel, com que se casou. Anna também era pintora.


Michael Ancher: O Afogado, 1891
Em 1879, Michael Ancher começa oficialmente sua carreira de pintor com o quadro “Será que ele vai sobreviver ao gelo?”, que representa um grupo de pescadores na praia, olhando para algum ponto no mar, preocupados com algum companheiro que ainda está no mar. Michael Ancher foi um pintor realista e as composições de suas obras são impressionantes. A Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes dava bastante ênfase ao estudo da composição. Três outros de seus quadros de pescadores bastante conhecidos foram pintados entre 1883 e 1896: “Bote salva-vidas”, “Tripulação a salvo” e “O afogado”. 


Michael Ancher: "Será que ele vai sobreviver ao gelo?"
Ancher teve uma formação acadêmica, como era muito comum naquela época, inclusive aqui no Brasil, mas o casamento com Anna, uma pintora realista, fez com que sua arte fosse na direção da pintura figurativa mais moderna, a arte realista, que na França teve como grandes nomes Gustave Courbet e Camille Corot, de algumas décadas antes. Michael Ancher pintou uma obra figurativa moderna monumental, “O Batismo”. Um dos pintores mais admirados e preferidos por Michael Ancher era o holandez Rembrandt van Rijn.

Anna e Michael moravam numa casa que era ao mesmo tempo seu estúdio, onde trabalhavam. Sua residência definitiva foi comprada em 1884 e em 1913 um grande ateliê foi construído junto à casa. Helga, sua filha, havia nascido em 1883. Quando ela faleceu, em 1964, a casa e o ateliê, com todos os objetos da família, foram transformados numa Fundação. Depois tudo foi reformado e restaurado e em 1967 foi inaugurado o Museu Fundação Helga Ancher. O mobiliário é todo original e as pinturas de Anna e Michael preenchem as paredes do prédio, assim como as de diversos outros pintores de Skagen que participavam de seu círculo de amigos.

Michael Ancher morreu no dia 19 de Setembro 1927.


Michael Ancher: Pescadores
Anna Ancher


Michael Ancher: Anna
retornando do campo
Anna Kirstine Brøndum Ancher, nasceu em Skagen no dia 18 de agosto de 1859, onde viveu toda a sua vida até 1937.

Ela era filha de Ane e Erik Brondum, que eram donos de um hotel e uma mercearia. Ela ainda era criança, quando pintores começaram a chegar em Skagen. Eles vinham se reunir no hotel de seu pai e ela observava seus trabalhos e conversas com muito interesse. Começou a desenhar e pintar.

Em 1878 ficou noiva de Michael Ancher, com quem se casou em 1880. O casal viveu em Skagen todo o resto de suas vidas.

Anna Brondum Ancher desenvolveu sua carreira artística em um tempo em que era raro uma mulher se dedicar a isso. Assim como aconteceu com Camille Claudel, de quem falamos no post anterior. Por causa de ser mulher, Anna não teve acesso a nenhum estudo de aperfeiçoamento na Academia. Mas chegou a ter aulas de pintura em Paris no ateliê de Pierre Puvis de Chavannes, e depois em Copenhagen no ateliê de Wlliam Kyhn, que criou um curso só para mulheres. Ela estudou lá de 1875 a 1878 e seu professor - com a visão machista da época - assim que soube da gravidez de Anna recomendou que ela guardasse sua maleta de tintas e se dedicasse às tarefas domésticas...


Anna Ancher: Sol na sala azul
Mas Anna não o obedeceu e teve o apoio do marido. Ela já tinha participado de uma exposição em 1880 em Copenhagen e foi bastante admirada, sendo em seguida bastante reconhecida como pintora. Anna Ancher retratou a vida doméstica, os interiores das casas, mulheres e crianças. Suas telas são plenas de cor e luz, objetos maiores de seu interesse como pintora. Por isso, sua pintura tem muita semelhança com as pinturas impressionistas francesas, especialmente.

O seu quadro “Luz na sala azul” mostra também a sua pequena filha Helga sentada na sala azul do Hotel Brondums onde sua avó, Ane, muitas vezes gostava de se sentar. Anna pintou vários quadros com esta cena de sua mãe sentada nessa sala. Como se vê, o jogo de luz projetada na parede azul torna o quadro muito luminoso. A luz do sol na parede traz o mundo exterior para dentro da casa. Sua mãe, Ane, era muito religiosa e conservadora, mas mesmo assim apoiou os projetos artísticos da filha, concordando inclusive que ela fizesse um curso particular de pintura em Copenhagen.


Anna Ancher: Interior
Anna concentrou seus temas em cenas cotidianas, pintando pessoas ocupadas em seus afazeres domésticos, interiores, retratos de família, amigos e conhecidos. Em especial retratos de sua mãe. Mas pintou também pessoas pensativas, com o olhar distante, mas sempre telas luminosas, coloridas. Suas pinceladas são soltas, pictóricas.

O quadro “O luto” é o único de sua obra que não representa uma cena real. O quadro foi inspirado em um sonho que ela teve: ela está nua, de luto ao lado de uma cruz, no cemitério, e sua mãe a seu lado, já bem idosa. Poderia representar as diferenças entre mãe e filha. Sua mãe era muito religiosa, mas Anna, incluenciada pelas ideias revolucionárias de seus amigos artistas radicais e ateus, se via dividida entre esses dois mundos. No quadro essa divisão pode ser interpretada na mulher jovem e nua ao lado de uma mulher idosa e vestida.

Anna morreu no dia 15 de abril de 1935, em sua cidade natal.
Anna Ancher: Ane na sala azul

Joaquin Sorolla e os pintores escandinavos

Joaquim Sorolla é um pintor espanhol, cujo Museu Sorolla estarei visitando neste próximo mês de abril em Madrid e sobre o qual falarei bastante.

Mas fiz uma interessante descoberta enquanto estudava Anna e Michael Ancher: Sorolla foi influenciado pela pintura nórdica em suas obras.
Em 1889, a cidade de Paris celebra a Tomada da Bastilha com uma Exposição Universal. Foi o ano da inauguração da grande obra arquitetônica que até hoje é o maior ícone de Paris: a Torre Eiffel, concebida pelo engenheiro Gustave Eiffel. Mas nesse mesmo ano, um grupo de jovens pintores escandinavos expunha suas obras também na Exposição Universal, chamando a atenção de outros artistas e críticos, por causa da qualidade de seus trabalhos.

Claro que a França era o ponto de atração de artistas e estudantes de arte de todo o mundo naquela época e para lá também tinham ido muitos artistas e estudantes do Norte.


Joaquin Sorolla: Caminhando na praia, 1909
Sendo assim, esses pintores escandinavos que trouxeram suas telas em 1889 já haviam sido influenciados pela corrente francesa de pintura, em especial a chamada Escola de Babizon, com a pintura em plain-air e o realismo de Léon Bonnard, por exemplo. Quando estes pintores voltaram da França para a seus países, resolveram formar pequenos círculos fora dos centros urbanos maiores, como o fizerm o astistas franceses da Escola de Barbizon. E isso aconteceu na Noruega, Finlândia, Suécia e Dinamarca, terra de Michael Ancher.

Nessa exposição de Paris os maiores destaques foram: os dinamarqueses Michael Ancher, Viggo Johanssen e Peder Severin Krøyer; o norueguês Frits Thaulow; o sueco Anders Zorn e o finlandês Albert Edelfelt. Joaquin Sorolla ficou muito impressionado com a pintura destes artistas.

Sorolla estava passando férias em Assis, na Itália, acompanhado de sua mulher, Clotilde Garcia del castillo, com quem se casou um ano antes. Em seu retorno à Espanha, resolveram passar por Paris e foram visitar a Exposição Universal de 1889. Lá Joaquin Sorolla conheceu a nova pintura escandinava quando ele tinha ainda 26 anos e ainda estava se formando como artista. Sorolla, que já tinha muito interesse na arte realista, voltou para a Espanha bastante influenciado pela pintura desses artistas escandinavos. Podemos ver na obra de Sorolla o mesmo vigor dos pinceis, o colorido, os temas, a personalidade artística que se criou.

Mas falaremos de Joaquim Sorolla em breve, após minha visita a seu museu em Madrid.

Por enquanto, a minha felicidade está em ter descoberto a pintura do casal Michael e Anna Ancher.
Anna Ancher: Mulher de pescado costurando, 1890