segunda-feira, 7 de abril de 2014

Zurbarán, mestre da idade de ouro espanhola

"Santa Cacilda", 1635, óleo sobre tela, 171 x 107 cm
O Palácio de Belas Artes de Bruxelas, Bélgica, apresenta atualmente uma exposição de obras do pintor espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664), um dos mestres do período conhecido como “século de ouro” espanhol. Esta é a primeira exposição na Bélgica de obras deste pintor.

"São Gabriel", 1631-1632
ost,146.5 x 61.5 cm
Francisco de Zurbarán é um dos grandes pintores do Barroco espanhol, assim como Diego Velázquez e Bartolomé Esteban Murillo. Sua obra, com tema de caráter essencialmente religioso, se caracteriza por seu realismo e sensibilidade poética. Considerado como um dos artistas pintores da “contra-reforma”, Zurbarán apresenta em suas telas a nova mentalidade que surgiu após o Concílio de Trento (1545-1563) que levou para a Espanha católica dos séculos XVI e XVII um vento de mudança, atingindo não somente as belas artes, mas também o teatro, a literatura e a música. Por isso, ao lado dessa mostra de obras de Zurbarán, o Palais de Beaux Arts de Bruxelas também está apresentando uma série de concertos musicais com composições da época.

A exposição faz um percurso cronológico da obra de Francisco de Zurbarán desde sua juventude em Sevilha até suas últimas pinturas realizadas em Madrid, mostrando como sua obra deu grande contribuição à história do Barroco espanhol. São 50 telas que vão de naturezas-mortas a grandes retratos de santos, dos quais quatro foram recentemente descobertos e seis foram restaurados há pouco tempo. É uma ocasião rara, dessas que não temos nunca aqui pelo Brasil, para se ver a obra de um dos grandes mestres espanhois, ao lado de Velázquez e Murillo.

A Contra-Reforma, movimento católico que se interpunha à Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero, impunha aos artistas a maneira como eles deveriam fazer sua pintura: “simples, diretas, exaltantes”. Era necessário trazer de volta a fé dos católicos que se via ameaçada pelas contestações da Reforma. Alguns padres diziam que era preciso representar Jesus e Maria com corpos perfeitos. Zurbarán foi obediente a estes ditames ao mesmo tempo em que expressava todo o seu prazer de pintar.

"Agnus Dei", 1635-1640, óleo sobre tela, 35x52cm
Alguns estudiosos de sua obra dizem que ele realmente pintava para que os fiéis retomassem seu fervor cristão, mas ao mesmo tempo há uma sensualidade impressa em seu trabalho.  Deus está nos detalhes: nas naturezas-mortas de extrema simplicidade onde parece ressoar uma presença, no rosto de sua Virgem em glória, na espessura dos tecidos e na complexidade infinita de suas dobras, na transparência de uma pele cor de leite, ou na cor de sangue do rosto de um santo, em um cabelo encaracolado e até mesmo na luz vermelha que emana da ferida de São Francisco de Assis. O pintor dá a mesma atenção a cada elemento de qualquer uma de suas pinturas, misturando, em paradoxo, os objetos simples de suas naturezas-mortas com os temas mais sagrados.

"Frei Jeronimo Perez", 1632-34,
ost, 193x122 cm
Francisco de Zurbarán nasceu em 7 de novembro de 1598, na pequena vila de Fuente de Cantos, em Badajoz, Espanha. Deve ter iniciado seus estudos de pintura ainda criança na oficina de Juan de Roelas, antes de ingressar no ateliê de Pedro Díaz de Villanueva em Sevilha, em 1614. Estudou lá até 1617, ano em que se casou e concluiu seus estudos. Mudou-se de Sevilha para Llerena, onde nasceram seus três filhos: Maria, Juan e Isabel. Juan foi pintor, como o pai. Em 1622 já era um pintor reconhecido em sua terra.

Quando viveu em Sevilha, esta cidade contava com 53 conventos, que foram os grandes mecenas dos pintores. Em geral eram muito rígidos com relação à composição e à qualidade das obras que contratavam. Exigiam até que se não estivessem de acordo com o agrado dos religiosos, os quadros seriam devolvidos. Nessa época, padres e freiras espanhois estavam convencidos de que a beleza era um estimulante para a elevação da alma. Eram pessoas em geral cultas e eruditas com gostos bastante refinados para as obras de arte.

Zurbarán foi contemporâneo e amigo de Velázquez, e se inspirava muito nas pinturas de Caravaggio. Aos 29 anos já era considerado um mestre e era tratado como o “Caravaggio espanhol”. Conta-se que nas invasões napoleônicas na Espanha, muitos de seus quadros foram levados para a França. Sobre esse pintor tenebroso de fé atormentada, escreveu o poeta francês Théophile Gautier, em 1845:

“Monges de Zurbarán, brancos cartuchos que, na sombra
passais silenciosos sobre as lousas dos mortos
murmurando o “Pater” e as “Ave” sem nome
Que crime expiais para tanto tormento?
Fantasmas tonsurados, verdugos pálidos…
Para tratá-los assim que foi feito de teu corpo?”

"São Francisco de Assis fora da sepultura", 1635,
óleo sobre tela, 205 x 113 cm 
"Copo de água com rosa", 1630, óleo sobre tela, 21 x 30cm

"Taças e vasos", 1633, óleo sobre tela, 46x84 cm

segunda-feira, 31 de março de 2014

Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare

Autorretrato de Eugène Delacroix como Hamlet.
Junto com a celebração de 450 anos do nascimento de William Shakespeare, o Museu Delacroix, em Paris, expõe obras de Eugène Delacroix, numa mostra intitulada “Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare”. A exposição vai do dia 26 de março até 31 de julho de 2014.
“Selvagem contemplador da natureza humana”, segundo as palavas de Delacroix, Shakespeare teve um lugar particular na criação do artista. Por isso, o Museu Delacroix está apresentando pela primeira vez um conjunto de litogravuras da série “Hamlet”, assim como as pedras onde Delacroix desenhou seus originais.
"Hamlet e Horacio diante dos coveiros",
litogravura de Delacroix
Pintor culto, grande leitor de literatura, Eugène Delacroix também era um assíduo frequentador do teatro. Entre os anos 1820-1830, quando houve um renascimento da cena teatral em Paris, Delacroix, além de frequentar as peças, também passou a estudar as novas teorias que surgiam em relação ao papel do ator. Novas peças de Diderot foram encenadas. Em seu jornal, Delacroix não deixa de comparar as habilidades do ator com aquelas do pintor: “A execução na pintura deve sempre considerar a improvisação, e aqui está um ponto de convergência com o que faz um ator no teatro”.
Em setembro de 1827, o jovem Delacroix assiste a uma das representações da peça “Hamlet” no teatro Odeon, onde a célebre atriz inglesa Harriet Smithson fez o papel de Ophelia, e deixou o público francês impressionado com sua representação. Ele tinha acabado de chegar de uma viagem de Londres junto em visita a seus amigos pintores Thales e Newton Fielding.
A morte de Polonius, Ato III, Cena IV,
litogravura de Delacroix
O fascínio de Delacroix pela figura de Hamlet, um príncipe sensível e atormentado, foi profunda. Desde o começo dos anos 1830 ele tinha tido a ideia de consagrar a este personagem da peça de Shakespeare uma série de litogravuras, como o fez para ilustrar a tradução francesa do “Fausto” de Goethe em 1827.
Então o Museu Delacroix está trazendo ao público a oportunidade de ver de perto o conjunto de pedras litográficas desenhadas pelo artista, assim como as pranchas impressas por ele. Neste ano de 2014 se completam 450 anos do nascimento de William Shakespeare e esse museu celebra, desta forma, esta efeméride tão importante para o mundo do teatro e da literatura. As obras de Delacroix expostas desta vez raramente têm sido expostas.
"Romeu e Julieta no túmulo dos Capuleto", pintura de Delacroix