quinta-feira, 10 de junho de 2010

Pablo Picasso, um pintor à esquerda

La suppliante, guache sobre madeira, 1937
Pablo Ruiz Blasco y Picasso é um dos pintores mais conhecidos no mundo. Mas como muitos de seus quadros (especialmente da fase cubista), ele tem muitas faces, várias delas não tão conhecidas do público. Filiado ao Partido Comunista Francês em 1944, foi um artista comprometido com os acontecimentos do mundo de sua época. É este Picasso que a Tate Gallery, em Liverpool, na Inglaterra, apresentará até 30 de agosto próximo. A exposição intitula-se “Paz e Liberdade”.

Pablo Picasso, nascido em Málaga, Espanha, passou por muitas mudanças durante sua vida. Mudou várias vezes de cidade, mudou da Espanha para a França (onde morreu em abril de 1973), mudou de esposas uma meia dúzia de vezes, mudou de ateliers e de estilos, mudaram suas condições de vida...

O que chama a atenção nesse pintor inquieto, e muitas vezes angustiado, é que cada grande mudança trazia reflexos diretos em seus trabalhos. Assim era ele, desde o começo do século XX, quando os tons de azul invadiram suas telas (período conhecido como a Fase Azul), provocadas pela dor do suicídio de seu grande amigo Casagemas, que levou Picasso a um período de depressão.

Por essa característica muito pessoal de Picasso, em quem os movimentos da vida conduziam seus pincéis, movimentaram-no também em direção ao comprometimento com a política de seu tempo. Em 1944, Pablo Picasso filiou-se ao Partido Comunista Francês, e esse período deixou marcas em sua pintura, como disse um dos curadores de sua exposição atual em Liverpool, Christoph Grunemberg. A filiação ao Partido Comunista foi a oficialização de sua relação com os comunistas, muitos dos quais artistas, e próximos a ele.
Picasso nunca vacilou em suas posições. Em 1936, o General Franco, através de um golpe militar, tomou o poder na Espanha, período que ficou conhecido como dos mais sanguinários da história espanhola. Pablo foi convidado a exercer a direção do Museu do Prado, mas recusou-se a isso, uma vez que se opunha ao golpe e ao governo de Franco. No começo de 1937, o pintor apresentou, em contrapartida, uma série de gravuras em água-forte intituladas “Sonho e mentira de Franco”.

Em 26 de abril de 1937, ocorreu o ataque aéreo nazista contra a cidade de Guernica, no país Basco. Era uma ação provocada pelo próprio Hitler em apoio a Franco. Picasso, então, pintou a “Guernica”, uma de suas obras mais conhecidas e que retratava os horrores vividos pela população da pequena cidade. Conta-se que numa das investidas dos soldados nazistas ao pintor, um deles teria perguntado a Picasso, apontando a imensa tela da “Guernica”: quem pintou este quadro? E Picasso respondeu: “Foram vocês!”

Em 1939, recebe a notícia da morte de sua mãe, mas não pode ir aos funerais por causa da Guerra Civil espanhola. Foi em homenagem a ela que, desde o princípio, Pablo assinava seus quadros com o sobrenome Picasso, herdado de sua mãe.

Durante a II Guerra Mundial, apesar das ameaças nazistas que pairavam também sobre ele, decidiu não sair de Paris. As autoridades alemãs negavam-lhe o direito de expor suas obras, e por algum tempo Picasso deixou de pintar.

Em 1945, já filiado ao Partido Comunista, Picasso empenhou-se em denunciar a violência das guerras capitalistas. Em 1945, pintou “O Ossuário”, denunciando o massacre nazista nos campos de concentração. Em 1951, pintou “Massacre na Coréia”, desta vez se colocando contra a invasão norte-americana. Como membro do PC, participou de diversos congressos internacionais e ganhou o Prêmio Lênin.

Nos anos da Guerra Fria, seus quadros mostram o sofrimento nos conflitos e seu permanente desejo de paz. Voltando seu olhar para a pequena ilha de Cuba, durante a conhecida Crise dos Mísseis, (que representou o auge da Guerra Fria entre EUA e URSS, quando o país soviético enviou mísseis de defesa para a ilha contra as ameaças de invasão norte-americana), Pablo Picasso pintou “O Rapto das Sabinas”, um quadro que representa a matança de mulheres e crianças. O que ocorreria, se uma invasão de soldados ianques tivesse acontecido.

Mesmo se afastando do PC na década de 60, sempre foi fiel às idéias do partido. Picasso já era um homem de posses, adquiridas com a venda de seus trabalhos, e com isso financiou e apoiou diversas causas humanitárias e de esquerda. Proferiu diversas conferências e era uma das personalidades mais importante na luta pela paz, nos tempos da Guerra Fria. É desta época seu famoso desenho de uma pomba branca, que virou símbolo universal da paz.

A exposição em Liverpool mostra mais de 160 quadros, esculturas, desenhos e gravuras, além de fotografias, filmes e documentos. Essa mostra seguirá em setembro para Viena, Áustria. Um dos objetivos dos curadores é mostrar um Picasso diferente do que a mídia costuma apresentar como mulherengo e gênio compulsivo. A ideia é mostrar que por trás desse grande pintor havia um grande homem muito preocupado em dar sua contribuição como artista na resolução dos problemas de seu tempo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Uma Bienal de Artes que quer ser política


A 29ª Bienal de Artes de São Paulo, que já está em processo de organização, será inaugurada no dia 25 de setembro e estará aberta ao público até o dia 12 de dezembro de 2010, apresentando trabalhos de 148 artistas de várias partes do mundo, com ênfase para os latino-americanos.

Em entrevista coletiva concedida na manhã desta terça-feira, 1º de junho, a equipe de curadores liderada por Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, apresentou aos jornalistas presentes a proposta temática para a próxima Bienal de Artes de São Paulo. A intenção é fazer da 29ª Bienal, uma exposição de artes política.

Moacir dos Anjos – pernambucano do Recife e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco desde 1990 – ressaltou que a ideia de fazer dessa Bienal de 2010 uma exposição que tenha essa conotação política, deve-se ao fato de ser necessário resgatar o entendimento tradicional na relação que sempre existiu entre Arte e Política.

Mas não no sentido, diz ele, de que a arte seja um mero transmissor de conhecimento, como o é a filosofia, a ciência ou a religião. “O que interessa é afirmar a potência da arte como fator que pode criar um conhecimento novo sobre o mundo, de como ela própria pode nos fazer ver o mundo de uma maneira diferente, pela capacidade que a arte tem de fazer política”.

Moacir também salientou, em seu discurso inicial, a necessidade de se rever e ampliar o conceito do que seja contemporâneo, como “não só aquilo que é feito no tempo corrente mas como aquilo que, seja quando for feito, não importa quando tenha sido feito, nos ensina a cerca do nosso mundo.” Contemporâneo, para ele, seria, então, “tudo aquilo que nos faz compreender melhor a complexidade do mundo atual.”

Uma outra intenção dos organizadores desta Bienal também é o de dar uma ênfase maior a artistas brasileiros e latino-americanos, com o objetivo de ampliar o conhecimento da arte que se faz na América Latina, e de como tem se dado essa relação entre arte e política que define a cara do nosso continente. O Brasil desponta como liderança internacional, disse Moacir, e por isso desta vez trazemos tantos artistas brasileiros (praticamente um terço dos expositores).

Agnaldo Farias – o outro curador e atualmente professor da FAU/USP – disse que a preocupação da equipe de curadores não é fazer simplesmente uma exposição, mas dando a ela esse caráter político, não poderia “ser eminentemente contemplativa”, sendo fundamental “privilegiar o encontro, o intercâmbio, o contato entre as pessoas”, além de “recuperar uma tradição que este pais já teve: do debate, do encontro, da troca, e de uma certa celebração da política”.

Citando escritores profundamente ligados à cultura brasileira, como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, Farias disse também que a ideia de recuperar o debate entre arte e política, é mostrar ao público “o poder da linguagem, a força da poesia e da produção artística, com a potência transformadora que ela possui”.

A 29ª Bienal trará este ano 148 artistas, sendo quase a metade de brasileiros e latino-americanos. Além dos espaços destinados à apresentação das obras, a Bienal também contará com seis espaços, que estão sendo chamados de terreiros, usando os 30 mil metros quadrados de área disponíveis no Pavilhão do Ibirapuera.

A ideia dos “Terreiros”, para os organizadores, é dar o tom de celebração da política, “uma vez que o terreiro, na cultura brasileira, é um espaço entre o sagrado e o profano, um espaço da troca, da festa, mas também da resistência”, completou Agnaldo. Citando um samba de Assis Valente que diz “meu povo tão cansado de sofrer, inventou a batucada pra deixar de padecer. Salve o prazer, salve o prazer”, ele disse que a celebração da política, para ele, é a celebração do encontro.

Nesses terreiros acontecerão atividades paralelas à exposição, e terão programação diária que incluirá filmes, música, poesia, dança, performances, debates, com a participação de atores de outras linguagens artísticas, como o teatro, a literatura e o cinema.

A 29ª Bienal também pretende realizar uma aproximação com a Educação, fazendo todo um trabalho que inclua 400 mil alunos da rede pública e privada de ensino, mobilizando para isso 40 mil professores. O objetivo, segundo os curadores, é fazer com que a exposição ultrapasse o prédio físico da Bienal e alcance o maior público possível. Para isso também será inaugurado um site específico para a exposição. Esse projeto congrega vinte e duas instituições de artes de São Paulo e atuará na formação dos educadores que guiarão os visitantes na Mostra.

Os custos de produção desta versão de 2010 foi cotado em cerca de 30 milhões de reais, com o “apoio fundamental” do Ministério da Cultura, disse Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

Espera-se, desta forma, que a instituição dê a volta por cima do vazio que foi se criando em torno desse evento bi-anual, cujo ápice de crise se deu por ocasião da 28ª Bienal, em 2008, intitulada de Bienal do Vazio. Trazendo como mote um verso de um poema de Jorge de Lima “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, pode ser que o vazio – e o esvaziamento – da Bienal de Artes de São Paulo, seja preenchido por esse mar político. Espera-se.