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domingo, 9 de setembro de 2012

Bienal do Ibirapuera num dia de sol quente


São sete telas "pintadas". Com água do mar...
Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Fotografias.

Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Fotografias.


Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Fotografias.

Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Fotografias.

Papeis canson mil-teintes enrolados na parede. Serpentinas. Portas velhas. Fotografias.

Tijolos enrolados em papel celofane. Roupas velhas. Vasos velhos. Fotografias.

Sete telas em branco “pintadas” com água do mar. Arcos com velas. Trouchas de pano. Fotografias.

Dois lados de uma cadeira. Rádio velho. Vídeos em salas escuras. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias. 

Trecos velhos. Usados. Roupas antigas, usadas. Vasos antigos. Desenhos de criança. Fotografias.

Duas salas com pinturas abstratas. Alguns desenhos experimentais. Fotografias.

Por que não chamar de Bienal Audiovisual?

E o imenso acervo cultural e histórico da humanidade?

Nada. Lixo. Alegria dos catadores, da reciclagem.

Uma sala inteira para um Artur Bispo, o Bispo da Arte Contemporânea... Ai de quem se atreve a falar mal de seus cacarecos, seus agrupamentos de botões de camisa, seus copos de alumínio pregados num saco de estopa! E ele nem tem culpa disso! Era um inocente, cuja percepção de mundo estava alterada. Vamos dizer em linguagem bem clara: sua visão de mundo estava embotada por uma esquizofrenia paranoica... Mas ai que medo de ser crucificada! Como assim, falar mal do Bispo???, diriam as mocinhas e moçoilos da FAAP-ECA....

Em 2010 fui a Berlim. Visitei a Bienal de Berlim. Dividida em cinco prédios diferentes em lugares diversos da cidade. O que vi aqui é o que vi lá: repetições de chavões duchampianos que devem fazer Duchamp se revolver em sua bem concreta tumba! Aliás, para ser coerente, Marcel Duchamp podia ter escolhido virar cinza, mas seu corpo deteriorou como qualquer corpo no cemitério de Rouen, na França. Bem concreta e realisticamente.


Mas voltando a Berlim: a Bienal de lá estava às moscas! Eu salvei a Bienal de Berlim 2010! Eu estava lá! Eu, uma brasileira, dei público e razão de ser à Bienal 2010 de Berlim! Não havia quase MAIS NINGUÉM! 


Em compensação, FILAS na região dos museus de Berlim: na Gëmaldgalerie, no Pergamon Museum, no Staatliche Museen, e até no DDR Museen, da ex- Alemã Oriental. Na Bienal de Berlim? Estava eu em quase todos os prédios onde o evento acontecia. E um ou outro gato pingado...

 

Hoje – 9 de setembro – havia uma fila enorme em frente ao MASP para ver “Caravaggio eseus seguidores”. Havia uma outra fila de quatro horas (!) de espera em frente ao CCBB para ver a exposição “Impressionistas do Museu d’Orsay”....

 

Amigos... não tinha fila alguma para entrar na Bienal, de graça!

 

Numa sala onde estavam penduradas sete telas em branco me deparei com uma senhora revoltada perguntando para outra: - você entendeu? A outra, coitada, gaguejava um pouco pra provar que entendeu o que não é para ser entendido. Me meti na conversa: vão ao Masp ver Caravaggio! A senhora que estava brava balançou a cabeça concordando imediatamente comigo.


Continuei meu périplo dentro do lindo prédio de Oscar Niemeyer.

 

Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Portas velhas. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias...

Como diria o poeta "Devo seguir até o enjôo?"


Sem mais palavras, cada um que tire a sua conclusão... É só ver as imagens.


E ler o texto da apresentação. Assim, ó:

- Tema: A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
- ah, tá, intendi...
- Não, você não entendeu, deixa eu explicar. (leitura do texto do folheto):
   (preciso ler para poder te explicar, peraí). Mas presta muita atenção porque isso aí que é arte contemporânea: Assim (tipo aluno de certas faculdades lendo):
   "a Iminência é entendida como aquilo que está a ponto de acontecer..."
- ah sei sei (sinal de que não tá sabendo...)
- calma, deixa eu continuar: "... como o que está suspenso..."
- suspenso, intendi... Suspenso que nem corda, que nem fio de rede elétrica...
- Por aí, mas deixa eu terminar! Você não deixa!
- ...
- "... em vias de efetivação; a poética é entendida como discurso, aquilo que se expressa, que se cala..."
- oh!
- profundo, né?
- profundo! O quê mesmo?
- (volta a ler o texto) "... que se transforma e que ganha potência comunicativa por meio da linguagem das artes." (pronto, terminei)
- E o que isso quer dizer?
- Ah, meu, sei lá! Qualque coisa, intende?
- Intendo, intendo. Mas num intendi....
- É por aí mermo! Melhor assim: num intendê nada faiz parte...
- Beleza então....




Serviço:
30a. Bienal de São Paulo
De 7 de setembro a 9 de dezembro de 2012
Terças, quintas e sábados, domingos e feriados - das 9h às 19h
Quartas e sextas, das 9h às 22h
Fechado às segundas
Entrada: Grátis
Parque do Ibirapuera, portão 3

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Mandamentos e mistérios gozosos

Por que ninguém teve (ainda) a ideia de expor gavetas com restos mortais em pó de um Crematório?
(Foto do Crematório do cemitério Père Lachaise de Paris, outubro de 2011)
A revista Bravo do mês de outubro, publicou uma reportagem de capa cujo tema é a exposição que acontece na Fundação Bienal de São Paulo, "Em Nome dos Artistas – Arte Contemporânea Norte-Americana na Coleção Astrup Fearnley". Essa mostra reune 219 peças da coleção do Museu de Arte Moderna de Oslo, capital da Noruega. E traz "obras" de Damien Hirst, Jeff Koons e Cindy Sherman, entre outros.


A revista organizou sua apresentação, elencando 7 mandamentos "daquilo que se convencionou chamar de “arte contemporânea”". Continua o texto: "É interessante notar que uma exposição reunindo Van Gogh, Renoir e Degas em todo o seu esplendor e glória não seria possível. Simplesmente porque tais artistas não experimentaram, em vida, esplendor e glória comparáveis aos de Damien Hirst e Jeff Koons, para ficar nos dois mais ricos da constelação (...). Ricos no sentido monetário mesmo. Hirst é, sem sombra de dúvida, o ser humano que mais ganhou dinheiro com criação artística na história ocidental." (!)


"A arte contemporânea não é uma linguagem acessível às massas. Ela se escora em uma série de teorias e procedimentos tão complexos quanto o teatro experimental, o cinema alternativo e a música contemporânea. Só que, diferentemente do teatro experimental, do cinema alternativo ou da música contemporânea – que sobrevivem em ambientes restritos ou financiados por universidades –, ela gerou um circuito milionário. Entender essa relação estreita e amigável entre arte e mercado é essencial para compreender a produção atual. Daí a razão do primeiro mandamento." 


"Escultura" de Jeff Koons,
mas você pode achar algo
assim numa lojinha de
souvenirs...
1 - AMARÁS O MERCADO SOBRE TODAS AS COISAS - o norte-americano Jeff Koons, entre 1991 e 1992, foi casado com a atriz de filme pornô italiana Cicciolina, e fez uma série de pinturas, com cenas do casal tendo relações sexuais. Depois, resolveu ir para o mundo da escultura, quando sua peça ("isso" aí ao lado) foi vendida por 23,5 milhões de dólares na casa de leilões Sotheby’s de Nova York, tornando-o o artista mais valorizado do mundo. Em julho de 2008, outra obra dele foi vendida na casa de leilão Christie’s de Londres por 25,7 milhões de dólares.


Na arte contemporânea, o mercado é uma poderosa fonte de validação artística de um trabalho. Calcula-se que no Brasil o montante de dinheiro que circula no mundo da arte seja da ordem de 300 milhões de reais por ano." Mas no mundo, segundo "levantamento da Tefaf (The European Fine Art Foundation), só em 2008, o total de vendas no mercado internacional atingiu 68,5 bilhões de dólares, sendo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são responsáveis por dois terços desse montante."


O inglês Damien Hirst, em 2008, por exemplo, colocou à venda na Sotheby’s, em Londres, 223 trabalhos recém-saídos do ateliê. Vendeu 97% (!) para, em sua maioria, investidores particulares, um total de 198 milhões de dólares. Dois anos mais tarde, o valor das peças vendidas despencou para 10% do total. "É óbvio que Damien Hirst criou uma bolha com a própria produção, usando um procedimento clássico do mercado de ações: vender o máximo possível na alta – e provocar uma baixa logo depois por causa da inundação do mercado com um mesmo tipo de produto. É como se Hirst dissesse que, num ambiente cada vez mais dominado pelo mercado, entender seu funcionamento é essencial para um artista. É como se sua bolha fosse, por si só, uma performance."


Serre um boi no meio e isso é arte,
como fez Damien Hirst, um dos
alunos da escola de Duchamp
2 - NÃO PRECISARÁS DOMINAR A TÉCNICA - Depois que o francês Marcel Duchamp (1887-1968) expôs um urinol como obra de arte, em 1917 (A Fonte), a concepção de que um artista precisa saber pintar, esculpir ou fotografar ficou definitivamente para trás." Muitos das "obras" desses artistas-para-o-mercado aí nem foram produzidas por eles. Mas o que importa é a "ideia". "Desde Duchamp, o que faz de alguém um artista são suas ideias, e não suas habilidades manuais", diz a revista Bravo.


E dá um exemplo local, como do artista paulistano Nelson Leirner, que foi tema de um documentário deste ano (Assim É Se Lhe Parece). Ele nunca pintou um quadro na vida. O que faz é se apropriar de objetos existentes e dar-lhes novo significado".


3 - APRENDERÁS A FALAR SOBRE SEU TRABALHO - "num mundo em que a ideia é tão ou mais importante do que a execução, dominar a palavra é tudo. Tanto que os artistas aprendem isso desde a faculdade. No departamento de artes plásticas da Universidade de São Paulo, os alunos passam pelas aulas ministradas por Ana Maria Tavares e Mario Ramiro, em que são incentivados justamente a falar sobre o próprio trabalho." (grifo meu)


4 - PERTENCERÁS A UMA GALERIA - Absolutamente necessário. Como quase todos os artistas de renome hoje passaram por uma faculdade de Belas Artes (o que evidencia que vivemos o tempo da Nova Academia - ou seja, isso daí é arte acadêmica), "imediatamente passam a integrar o elenco de alguma galeria. Muitos deles assinam contratos com endereços comerciais antes mesmo da formatura". Continua o texto: "A carreira de artista tem atualmente etapas tão bem definidas, e encontra-se tão escorada por marchands, colecionadores, leilões e exposições, que até perdeu um pouco do caráter aventureiro e um tanto arriscado que sempre a acompanhou".


"O diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Tadeu Chiarelli, vê no entanto essa presença forte das galerias no circuito como algo incômodo: “Pertencer a uma galeria virou sinônimo de ser bem-sucedido”. Porém o número de endereços que abrem a cada ano e o volume de dinheiro que negociam é tanto que foi criada em 2007 no Brasil a Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), uma iniciativa das próprias galerias para mapear esse setor. A presidente da instituição é Alessandra d’Aloia, também sócia-diretora da prestigiada galeria Fortes Vilaça, em São Paulo."


5 - PARTICIPARÁS DE FEIRAS DE ARTE - São umas 30 feiras internacionais de arte contemporânea no mundo, mais de duas por mês. Negócios muito rentáveis rolam por lá.


6 - CONHECERÁS CURADORES - ah.... os curadores! Não é possível viver sem eles! Enquanto o tradicional papel da crítica teve seu papel diminuído, "os curadores são os novos críticos". Continua Bravo: "São eles que selecionam artistas e suas obras para exposições que pretendem oferecer um panorama da produção atual e, dessa forma, atribuem leituras para esses conjuntos. Os curadores apresentam temas, sugerem relações entre criadores e apontam também revelações da área. Inclusive para galeristas e colecionadores. “Hoje até as feiras de arte têm curadores. O que antes era Igreja e Estado agora se mistura. Bienais e feiras têm muitas vezes conceitos tão próximos que ficam muito parecidas”, diz um deles, Cauê Alves.


7 - VIVERÁS COMO UMA CELEBRIDADE - Como já dizia o pop Andy Wahrol,cada um deve buscar seus 15 minutos de fama. Os "artistas deixaram de ser figuras por trás de suas obras e estão cada vez mais à frente delas. O público quer saber como se vestem, com quem circulam, o que bebem, como bebem".

Então junte-se uma boa faculdade que ensine a nova forma de fazer arte, renda-se às regras do mercado, tenha-se uma boa ideia ("boa" no sentido disso daí), circule-se por esses circuitos sociais onde impera a futilidade (e muita grana!), dê-se um jeito de ser celebridade (mesmo que por 5 minutos), e pronto! Seu reino individual está garantido!


Cemitério Père Lahaise, Paris, outubro de 2011

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Bienal de Artes que se diz política

Foi inaugurada em São Paulo, no último dia 25 de setembro, a 29ª Bienal Internacional de Artes, no pavilhão do Ibirapuera. A mostra estará aberta ao público até o dia 12 de dezembro de 2010, com obras de 159 artistas de várias partes do mundo, sendo 52 brasileiros.


Neste domingo chuvoso e frio de 26 de setembro, fui visitar a 29ª Bienal de Artes de São Paulo. Como ainda estava cedo, uma meia dúzia de pessoas entrou no prédio, após uma revista rigorosa de seguranças postados na entrada. A moça que portava um scanner ameaçador, pediu: “pode abrir sua bolsa?” Eu perguntei: “por que? Para ver se eu não estou trazendo um spray comigo?” Enquanto examinava minha bolsa, respondeu: “Ordens da direção”. Entrei no prédio e fui refletindo, em estado de choque: Bienal da violência? Na noite anterior um rapaz tinha invadido uma instalação e deixado lá uma frase de protesto: “Liberte os urubu!” (sic)

Mas o tema escolhido para este ano é “Arte e Política”. Segundo os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, a ideia de fazer dessa Bienal de 2010 uma exposição que tenha essa conotação política, deve-se ao fato de ser importante “resgatar o entendimento tradicional na relação que sempre existiu entre Arte e Política.”

Arte e política?
Mas é necessário esclarecer que o entendimento que os curadores desta Bienal têm da relação arte-política está longe de ser tradicional. Diz Agnaldo Farias: “Nossa ideia é criar um conceito-arquipélago, sem bordas nítidas. Queremos escapar de uma noção literal do binômio “arte e política”, associada a uma tradição realista, e recuperar uma outra compreensão, de uma arte mais experimental, que ataca no âmbito da linguagem, levando a novas formas de sociabilidade e de compreensão do objeto artístico.” Então... como diz a música “Bienal” do Zeca Baleiro, “minha mãe não entendeu o subtexto/ da arte desmaterializada no presente contexto/ reciclando o lixo lá do cesto/ chego a um resultado estético bacana...” E fazemos um esforço honesto de compreensão dessa verborragia que mais parece ter sido construída com o intuito de atrair de novo as atenções para uma entidade que se esvazia ano a ano.

O “objeto artístico”, no caso desta Bienal, é basicamente centrado na fotografia. Andando-se pelo pavilhão entremeado de pequenos ambientes fechados, e do que os curadores chamam de “terreiros”, o público se depara com uma quantidade enorme de fotografias, isoladas, agrupadas, formando conjuntos grandes ou pequenos. Há também espalhados em espaços apropriados, os vídeos, que apresentam temas os mais variados, desde pequenos documentários e assuntos non-sense a um vídeo do cineasta francês Jean-Luc Godard. E instalações diversas espalhadas pelo prédio, de artistas nacionais e estrangeiros.

A representação internacional de artistas segue, basicamente, o mesmo perfil. Traz do norte-americano Joseph Kosuth, criador e teórico importante da arte conceitual, à fotógrafa Nan Goldim, também dos EUA, que influenciou toda a fotografia praticada a partir dos anos 1980 (inclusive a de moda), ao chinês Ai Weiwei.

No caso deste chinês, sua obra – um conjunto de cabeças de animais estranhos espetadas em suportes que lembram troncos estilizados – foi colocada estrategicamente no hall de entrada do prédio. No site da Fundação Bienal, ele é apresentado como um chinês nascido na China socialista, mas que se exilou “voluntariamente por um período em Nova York, o que alargou seu repertório conceitual, visual e histórico”, segundo a organização da Bienal que acrescenta que seu “Circle of Animals” lá exposto tem um “forte valor simbólico e material que apropriam e ressignificam objetos”. Pois é.

Além dos espaços destinados à apresentação das obras, a Bienal também conta com seis espaços, que estão sendo chamados de terreiros, usando os 30 mil metros quadrados de área disponíveis no Pavilhão do Ibirapuera. A ideia dos “Terreiros”, para os organizadores, é dar o tom de celebração da política, “uma vez que o terreiro, na cultura brasileira, é um espaço entre o sagrado e o profano, um espaço da troca, da festa, mas também da resistência”, disse Agnaldo Farias, o curador. Tentando examinar os tais “Terreiros”, cheguei à conclusão que mais uma vez o discurso se coloca na frente da arte: terreiros conceituais. Mãe Menininha do terreiro do Gantois jamais poderia reconhecer na megalomania conceitual desses gestores de arte atual, o bom e velho terreiro dos brasileiros.

Mas estão presentes também artistas da arte contemporânea nacional, como Cildo Meirelles, Hélio Oiticica, Artur Barrio, Antônio Dias e o performático Flávio de Carvalho. A presença das xilogravuras de Oswaldo Goeldi chega a ser uma dissonância em meio à monotonia do que se apresenta nesta mostra. O artista cearense Efrain Almeida também está presente, com uma instalação composta de cinco autorretratos esculpidos em madeira, postos em pedestais desproporcionais ao tamanho deles. Mesmo se mantendo dentro da tradição cultural nordestina, sua linguagem artística (como gostam de falar os arautos da arte contemporânea) se atualizou ao ponto de ele já ter participado de várias bienais internacionais. No corpo das figuras, com machetaria, fez tatuagens de carcarás, urubus, cactos e símbolos do cangaço. Mas ele diz uma frase que reflete bem como é a vida do artista da região nordeste, especialmente: “Nascendo onde nasci, em contexto de poucas possibilidades, fazer arte é atitude política”. Concordo.

Atitude política que tentou passar o Ministro Juca Ferreira no dia da inauguração da 29ª Bienal. O Ministro, cujo Ministério da Cultura foi um dos grandes patrocinadores da mostra deste ano de 2010 (o governo federal repassou À Fundação Bienal aproximadamente R$ 46 milhões), elogiou o esforço dos diretores da Bienal em recuperar administrativamente essa instituição, que foi deixada bastante endividada após o fracasso da 28ª Bienal, que ficou conhecida como a Bienal do Vazio. O Ministro, referindo-se ao tema “Arte e Política”, disse: “ouso dizer, que é impossível separar arte e política. Apesar de tantas interpretações possíveis para definir esta relação. (...) A Política entendida aqui como a arte da convivência coletiva com nossos impasses e virtudes, mas também a busca coletiva de soluções para os problemas de todos nós. A Política como campo privilegiado das negociações sociais e do exercício de poder compartilhado, como uma arte de exercício do conhecimento e revelação de possíveis mundos.”

Mas esses “possíveis mundos” – ou a probabilidade de todos os mundos e ideias artísticas possíveis – não estão presentes nesta Bienal. Com exceção de uma rara tela de pintura, das gravuras de Goeldi e dos desenhos de Gil Vicente, não se encontram presentes outras linguagens das artes plásticas, especialmente a figurativa, considerada pelo sistema de arte atual, como coisa do passado.

A Bienal e seus escândalos

Gil Vicente e FHC
Como não poderia deixar de ser, esta versão da mostra que ocorre a cada dois anos em São Paulo, está tendo seus momentos de polêmicas que tomam as páginas dos jornais e os programas televisivos.

A série de desenhos intitulada “Inimigos", do pernambucano Gil Vicente, causou polêmica antes mesmo de ser exposta. Nela, o artista retrata a si mesmo matando personagens famosos como Fernando Henrique Cardoso e Lula. Uma semana antes da abertura da Bienal, a OAB-SP divulgou uma nota em que se coloca contra a exposição da série, "por fazer apologia ao crime".

Em entrevista a estudantes uma semana depois, Gil Vicente disse que escolheu os personagens, de acordo com sua repulsa pessoal. Ele desenhou-se a si mesmo portando na mão um revólver apontado para figuras públicas, colocando Lula em pé de igualdade com FHC e George W. Bush. No caso de Lula, Gil Vicente aparece de pé atrás do Presidente, que se encontra amarrado a uma cadeira, indefeso, com uma faca contra seu pescoço. Vicente disse que os desenhou por compreender “muito intensamente a impossibilidade de mudança no mundo, e que, qualquer tentativa seria abafada.” Com toda a certeza, os torturadores do regime militar e os inimigos atuais do Presidente do Brasil teriam adorado ver Luís Inácio sendo torturado, mesmo que em efígie, e ameaçado de morte. Como isso pode contribuir para uma reflexão entre arte e política, a não ser incitando sentimentos de ódio e violência?

Violência também presente sutilmente numa outra obra, a instalação “Bandeira Branca” de Nuno Ramos. Movimentos em defesa dos animais e defensores dos direitos dos animais se puseram a postos para boicotar a bienal que aprisiona, em nome da “arte”, três urubus vivos. Mas o ato mais contundente contra essa instalação foi cometido pelo jovem pichador Rafael Augustaitiz, ou Rafael Pixobom, como é conhecido. Ele rasgou um lado da tela protetora da instalação e escreveu com spray: “Solte os urubu!” Foi preso. Entrevistado sobre o assunto, Nuno Ramos disse que não ia prestar queixa contra o rapaz, mas que achou um absurdo pois “a Bienal é um momento em que o público abre a cabeça” (sic!).

Obra de Roberto Jacoby
Outra obra que deu assunto para jornalistas de plantão foi a proibição, por parte do Tribunal Regional Eleitoral, da exposição da obra “A alma nunca pensa sem imagens”, do artista argentino Roberto Jacoby, declaradamente fã de Lula e do PT. A iniciativa de consultar o TRE partiu dos próprios curadores da Bienal, segundo Jacoby. Ele apresentava duas fotos gigantes, uma do José Serra num zoom carrancudo e outra da Dilma Roussef exultante com um chapéu de couro colorido com as cores da bandeira de Pernambuco. Além disso, o argentino trouxe uma equipe de auxiliares argentinos, todos vestidos com camisetas vermelhas com a inscrição “Brigada Argentina por Dilma”, estampada em amarelo. Pronto! A Bienal política não pode induzir pessoas a pensar em eleições presidenciais... Mas a mesma Bienal defende um quadro onde o autor quer matar o Presidente Lula...

Já no final da minha visita, resolvi entrevistar quatro pessoas, que me pediram para serem mantidas em segredo, porque são todas funcionárias terceirizadas da Fundação Bienal. Minha escolha por entrevistar trabalhadores da Bienal, e não o público presente, foi intencional. Elas não estão lá porque ouviram dizer que a Bienal está causando frisson pelas polêmicas do momento, mas porque lá trabalham. São eles: um bombeiro, uma segurança e duas monitoras.

Para os quatro, fiz a mesma pergunta: para você, isto que está exposto aqui é arte? A primeira reação de todos foi um sorriso de dúvida. Em seguida, palavras oscilantes tentando se posicionar. O bombeiro a princípio resistiu em responder, mas quando eu lhe dei minha opinião, ele disse: “olha, eles dizem que é arte. Mas eu não entendo isso. Não sei se é arte. Algumas coisas acho que são.” Enquanto a moça que fazia a segurança de um dos setores me disse: “Ah tem umas coisas bonitas, mas tem umas coisas feias... E esses urubus aí, eu não acho que é arte. Mas é que eu não entendo muito...”

Me dirigi às moças que fazem a monitoria e orientam o público sobre as obras. Minha pergunta as assustou um pouco, mas logo uma delas me respondeu: “Você sabe, né? Hoje em dia há um entrelaçamento muito grande entre as linguagens artísticas, que conversam entre si.” Questionei onde estava esse entrelaçamento, uma vez que o que eu via ali era tudo arte conceitual? É que hoje em dia, a arte visual está mais independente do desenho e da pintura. Ah, tá... respondi. Mas e você, me dê sua opinião pessoal, você realmente gosta disso que está aqui? Ela: “ah, eu não sei, assim, sabe, meu professor disse que a gente precisa abrir mão dos conceitos antigos para assimilar esse novo momento na arte”. E esse novo momento na arte não deixa mais ninguém ser desenhista e pintor? Ela me olhou, sorrindo, sem saber o que responder. Agradeci, saí.

Saí pensando o quanto seria bom se aquele prédio tão bonito, assinado por Oscar Niemeyer, fosse de fato pluralista e aberto a todas as linguagens das artes visuais. Um espaço, que é público, deveria ser mais democrático, mais aberto a artistas brasileiros e estrangeiros de todos os estilos. Quem sabe um dia poderíamos fazer uma grande Exposição de Artes realmente representativa de toda a arte que é feita neste país, em milhares de ateliês e por milhares de artistas solitários que lutam com muito esforço para sobreviver nesse mundo aí.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Uma Bienal de Artes que quer ser política


A 29ª Bienal de Artes de São Paulo, que já está em processo de organização, será inaugurada no dia 25 de setembro e estará aberta ao público até o dia 12 de dezembro de 2010, apresentando trabalhos de 148 artistas de várias partes do mundo, com ênfase para os latino-americanos.

Em entrevista coletiva concedida na manhã desta terça-feira, 1º de junho, a equipe de curadores liderada por Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, apresentou aos jornalistas presentes a proposta temática para a próxima Bienal de Artes de São Paulo. A intenção é fazer da 29ª Bienal, uma exposição de artes política.

Moacir dos Anjos – pernambucano do Recife e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco desde 1990 – ressaltou que a ideia de fazer dessa Bienal de 2010 uma exposição que tenha essa conotação política, deve-se ao fato de ser necessário resgatar o entendimento tradicional na relação que sempre existiu entre Arte e Política.

Mas não no sentido, diz ele, de que a arte seja um mero transmissor de conhecimento, como o é a filosofia, a ciência ou a religião. “O que interessa é afirmar a potência da arte como fator que pode criar um conhecimento novo sobre o mundo, de como ela própria pode nos fazer ver o mundo de uma maneira diferente, pela capacidade que a arte tem de fazer política”.

Moacir também salientou, em seu discurso inicial, a necessidade de se rever e ampliar o conceito do que seja contemporâneo, como “não só aquilo que é feito no tempo corrente mas como aquilo que, seja quando for feito, não importa quando tenha sido feito, nos ensina a cerca do nosso mundo.” Contemporâneo, para ele, seria, então, “tudo aquilo que nos faz compreender melhor a complexidade do mundo atual.”

Uma outra intenção dos organizadores desta Bienal também é o de dar uma ênfase maior a artistas brasileiros e latino-americanos, com o objetivo de ampliar o conhecimento da arte que se faz na América Latina, e de como tem se dado essa relação entre arte e política que define a cara do nosso continente. O Brasil desponta como liderança internacional, disse Moacir, e por isso desta vez trazemos tantos artistas brasileiros (praticamente um terço dos expositores).

Agnaldo Farias – o outro curador e atualmente professor da FAU/USP – disse que a preocupação da equipe de curadores não é fazer simplesmente uma exposição, mas dando a ela esse caráter político, não poderia “ser eminentemente contemplativa”, sendo fundamental “privilegiar o encontro, o intercâmbio, o contato entre as pessoas”, além de “recuperar uma tradição que este pais já teve: do debate, do encontro, da troca, e de uma certa celebração da política”.

Citando escritores profundamente ligados à cultura brasileira, como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, Farias disse também que a ideia de recuperar o debate entre arte e política, é mostrar ao público “o poder da linguagem, a força da poesia e da produção artística, com a potência transformadora que ela possui”.

A 29ª Bienal trará este ano 148 artistas, sendo quase a metade de brasileiros e latino-americanos. Além dos espaços destinados à apresentação das obras, a Bienal também contará com seis espaços, que estão sendo chamados de terreiros, usando os 30 mil metros quadrados de área disponíveis no Pavilhão do Ibirapuera.

A ideia dos “Terreiros”, para os organizadores, é dar o tom de celebração da política, “uma vez que o terreiro, na cultura brasileira, é um espaço entre o sagrado e o profano, um espaço da troca, da festa, mas também da resistência”, completou Agnaldo. Citando um samba de Assis Valente que diz “meu povo tão cansado de sofrer, inventou a batucada pra deixar de padecer. Salve o prazer, salve o prazer”, ele disse que a celebração da política, para ele, é a celebração do encontro.

Nesses terreiros acontecerão atividades paralelas à exposição, e terão programação diária que incluirá filmes, música, poesia, dança, performances, debates, com a participação de atores de outras linguagens artísticas, como o teatro, a literatura e o cinema.

A 29ª Bienal também pretende realizar uma aproximação com a Educação, fazendo todo um trabalho que inclua 400 mil alunos da rede pública e privada de ensino, mobilizando para isso 40 mil professores. O objetivo, segundo os curadores, é fazer com que a exposição ultrapasse o prédio físico da Bienal e alcance o maior público possível. Para isso também será inaugurado um site específico para a exposição. Esse projeto congrega vinte e duas instituições de artes de São Paulo e atuará na formação dos educadores que guiarão os visitantes na Mostra.

Os custos de produção desta versão de 2010 foi cotado em cerca de 30 milhões de reais, com o “apoio fundamental” do Ministério da Cultura, disse Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

Espera-se, desta forma, que a instituição dê a volta por cima do vazio que foi se criando em torno desse evento bi-anual, cujo ápice de crise se deu por ocasião da 28ª Bienal, em 2008, intitulada de Bienal do Vazio. Trazendo como mote um verso de um poema de Jorge de Lima “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, pode ser que o vazio – e o esvaziamento – da Bienal de Artes de São Paulo, seja preenchido por esse mar político. Espera-se.