terça-feira, 31 de julho de 2012

Caravaggio e seus seguidores


São Jerônimo escrevendo, 1605-06, Galeria Borghese, Roma


O Museu de Arte de São Paulo – MASP – inaugura a partir desta quarta-feira, dia 1 de agosto, a exposição “Caravaggio e seus seguidores”. Serão 7 pinturas do mestre do Barroco e mais 14 de alguns de seus seguidores, os chamados pintores caravaggescos. Esta mostra já passou por Belo Horizonte, na Casa Fiat de Cultura.
Segundo o portal do MASP, a mostra será dividida em três grupos, que passam por diversas fases da vida do pintor italiano: os trabalhos consagrados e conhecidos, as novas descobertas, e obras que ainda não se garante que foram pintadas por ele. De qualquer maneira, é a maior mostra em solo brasileiro da obra deste grande pintor que segundo um de seus principais estudiosos e responsável por divulgá-lo no Ocidente, Roberto Longhi, tinha uma “verdadeira obsessão” por pintar a realidade.
A primeira vez que quadros de Caravaggio chegaram ao Brasil, foi em 1954, na comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo, e vieram três pinturas: “Sacrifício de Isaac”, “Ceia em Emaús” e “David com a cabeça de Golias”. Em 1998, vieram duas outras telas, também para o MASP: “Narciso” e “Os Trapaceiros”.
Desta vez serão sete, o que já é uma boa mostra da capacidade pictórica deste que foi um dos grandes revolucionários da pintura ocidental, influenciando gerações de pintores de todos os cantos do mundo. Gigantes do tipo de Rembrandt, Vermeer, Velázquez, Van Dyck, José Ribera, Gustave Courbet, só para citar alguns, não fariam o que fizeram sem Caravaggio. Não existem mais de 70 obras de Caravaggio no mundo e elas estão espalhadas em pequenas quantidades por diversos museus importantes, mas se concentram basicamente na Itália.
Segundo os organizadores desta exposição, foram dois anos de negociação com museus italianos para que as obras fossem liberadas. Entre elas, “São Jerônimo que escreve”, da Galeria Borghese de Roma; “São Francisco em meditação”, do Palazzo Barberini também de Roma; e a “Medusa Murtola”, de colecionador privado. Em Belo Horizonte só foram mostradas seis pinturas dele, porque a sétima, “São João Batista alimentando o cordeiro” somente chegou ao Brasil no mês de julho.
Entre os caravaggescos, estarão: José RiberaArtemísia Gentileschi, Orazio Gentileschi, Simon Vouet, entre outros. Até o final desta semana, estarei publicando aqui neste blog um estudo que estou fazendo sobre o livro de Roberto Longhi, Caravaggio, da editora Cosac Naify, abordando mais especialmente a atração que o mestre tinha a respeito de se manter fiel à realidade. Caravaggio foi também por isso um dos grandes inspiradores dos pintores realistas que lhe seguiram os passos.
No prefácio do livro, apresentado por Lorenzo Mammi, ele explica que Roberto Longhi produziu textos e organizou exposições com a finalidade de tornar Caravaggio conhecido no Ocidente. Mas antes, a literatura voltada para o estudo das artes já havia reconhecido nele “uma inegável eficácia e uma extraordinária habilidade na reprodução do real”. Em Caravaggio, como mostra Longhi – e falarei aqui – a luz é o guia de sua pintura, como se nada existisse a não ser o que “o raio luminoso desvela”, como observa Mammi.
Retrato de Caravaggio, por Ottavio Leoni, 1621
Caravaggio teve uma vida muito atribulada. Perdeu os pais quando ainda era criança, e passou a maior parte da sua vida em Roma. Ele teve um irmão, que se tornou padre e homem de letras, com quem Caravaggio quase não conviveu. Um dia, quando o pintor já era famoso em Roma e arredores, Battista, seu irmão, resolveu procurá-lo. E Roberto Longhi pergunta: “Quem poderá explicar por que, naquele certo dia, afirmando ser sozinho no mundo, ele negou, cara a cara, reconhecer o irmão padre, “homem de letras e bons costumes” que dizia ter vindo de tão longe para revê-lo?” Porque antes, desconhecido e na miséria, Caravaggio nunca recebera a visita do irmão.

Entre os 20 e os 30 anos de idade, Caravaggio atravessava, “por assim dizer, Roma inteira”. Brincava com seu cão preto, estudava seus quadros, jogava pela, frequentava as prostitutas, ia às tabernas onde tinha amigos “de todas as raças e extrações”, se embriagava de vinho e partia para as ruas em gritaria, lançando palavrões para a polícia, se envolvendo em brigas com seus rivais, jogando pedras na janela da senhoria. Os frequentadores das tabernas também eram os comerciantes de quadros, estudantes, livreiros, artistas, como o arquiteto Onorio Longhi, amigo íntimo de Caravaggio. Assim como Orazio Gentileschi, presente nesta exposição do MASP, que mais tarde muda-se para Londres e deixa a barba pontuda à la Van Dyck. Nas tabernas também iam os pintores franceses e flamengos que vinham a Roma estudar. 

Ou seja, o pintor Caravaggio era um homem inquieto, desassossegado. Mas que foi capaz, sozinho, de resistir a um período em que todos deveriam se submeter aos gostos da época, inclusive pictóricos. Por isso ele foi além, foi gênio e revolucionou a arte da pintura.

A curadoria da exposição é de Fábio Magalhães, museólogo; Giorgio Leone, do Patrimônio Histórico do Polo de Museus de Roma; e Rosela Vodret, do mesmo órgão italiano.

Saiba mais aqui.

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CARAVAGGIO E SEUS SEGUIDORES
De 2 de agosto a 30 de setembro de 2012
MASP: Avenida Paulista, 1.578
Aberto de terça a domingo, das 11h às 18h
Às quintas-feiras, das 11 h às 20h
Entrada: R$ 15,00 – GRÁTIS ÀS TERÇAS-FEIRAS
São João Batista alimentando o cordeiro
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quarta-feira, 25 de julho de 2012

Os Impressionistas

"Impressão do nascer do sol" de Claude Monet, 1872, pintura que inaugurou o Impressionismo
Enquanto aguardamos a inauguração da exposição “Paris: Impressionismo e Modernidade” aqui em São Paulo, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), marcada para iniciar a partir da primeira semana de agosto, faço algumas reflexões sobre o Impressionismo, movimento artístico que influenciou a arte do século XX. Fui buscar informações sobre eles especialmente no livro do professor Carlos Cavalcanti História das Artes, de 1983, assim como nos dois volumes Impressionismo, da Taschen, publicado em 2011.

No século XIX houve, na Europa, uma aceleração da revolução industrial iniciada no Reino Unido em meados do século XVIII. Eram profundas mudanças tecnológicas que traziam  impacto muito grande sobre as relações econômicas, políticas e sociais, influenciando todas as áreas e trazendo uma nova visão sobre o mundo. Vale destacar, no campo da pintura, que a indústria química inventou os tubos flexíveis de tintas a partir de meados do século XIX.

A nova mentalidade começava a ser marcada por uma visão científica do mundo, que concebia a matéria - e a história - com dinamismo. Foi o período em que surgiram as ideias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), a filosofia materialista-histórica de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), os estudos microbiológicos de Louis Pasteur (1822-1895), além das descobertas “da eletricidade, do rádio e das ondas hertzianas”. Assim como avançavam as pesquisas científicas no campo da ótica, da luz e da cor. Os artistas também propunham mudanças na maneira de pensar a pintura.

Na França, ainda predominava a arte acadêmica, ou Neoclássica, apegada ao passado e a seus símbolos. O modelo era o greco-romano e os artistas eram levados a pintar os grandes feitos dos poderosos, na pintura de história. Mas no começo do século XIX, novas ideias começam a despontar entre artistas e intelectuais europeus, inicialmente voltados para uma visão romântica da natureza. A vigência do pensamento neoclássico, por sua frieza e rigidez, incomodava certos artistas, e eles partiram para criar obras onde os valores emocionais e individuais fossem enfatizados, em detrimento da mentalidade que buscava imitar os valores estéticos voltados para o passado. O movimento que ficou conhecido como Romantismo marcou presença nas artes europeias, especialmente entre 1820 e 1850.

Na vida política da Corte, alterações também estavam ocorrendo, especialmente após a Revolução Francesa de 1789. Os adeptos do Antigo Regime defendiam os privilégios da nobreza e do clero. Do outro lado, estavam aqueles que defendiam novas formas de vida econômica, social e política e propunham uma mudança de rumos na França. Por isso, desde o fim do século XVIII e durante todo o século XIX os franceses passaram por várias revoluções e modificações na vida do país.

Gustave Courbet: O desesperado
(autorretrato), 1843-45
Na pintura surge o Realismo, como consequência de todo esse novo quadro. Gustave Courbet inaugura uma exposição, em 1855, paralela à promovida por Napoleão e em protesto por ter sido recusado na mostra oficial. À sua exposição, Courbet denomina: “Du Réalisme”, com isso inaugurando nova etapa na pintura francesa. Esse movimento defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, observa Cavalcanti. O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”.

Mas o realismo não era um movimento novo. Ao longo da história, desde seus primórdios, o homem tem se alternado em várias fases realistas. Carlos Cavalcanti diz que a primeira delas vem desde os tempos remotos da pintura nas cavernas da era chamada Madaleniana, ou idade da pedra lascada. Depois, houve uma fase realista grega e romana. Mas com o advento do misticismo medieval, o realismo perdeu espaço para as abstrações da fé cristã. Depois, com o Renascimento, novos artistas realistas apareceram, muitos deles influenciados pelas novidades pictóricas de Ticiano e Rubens. Mais especialmente realista foi a arte Barroca, cujo maior nome é o de Caravaggio, na Itália; de Rembrandt, na Holanda; de Velázquez, na Espanha.

Amor sagrado e amor profano, de Ticiano, 1514:
Ticiano foi um dos mestres preocupados em estudar os efeitos da luz
O IMPRESSIONISMO

Pois bem. Segundo diversos historiadores, incluindo Carlos Cavalcanti, o movimento conhecido como Impressionista derivou diretamente do Realismo, cujos representantes maiores eram Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa e abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu se organizar contra as regras da academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes, que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. E vários deles em grande penúria, como Alfred Sisley, que morreu na miséria.

Pintura de Édouard Manet:
Claude Monet pintando em seu ateliê, 1874
 
Um dia, o pintor Manet teve a ideia de organizar uma associação profissional com os artistas que não encontravam espaço para expor. Pouco tempo depois, com diversos adeptos, nascia a Sociedade Anônima Cooperativa de Artistas Pintores, Escultores e Gravadores, cujo objetivo maior, segundo seus estatutos, era justamente promover exposições públicas de obras de seus associados. A primeira grande exposição coletiva foi inaugurada, então, no dia 15 de abril de 1874 nas salas do ateliê do fotógrafo Felix Tournachon Nadar (1820-1910).

Entre os primeiros expositores estavam: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e uma mulher, Berthe Morissot. Foram expostos 150 trabalhos.

Cavalcanti conta que Edmond Renoir, irmão do pintor, foi o encarregado de preparar o catálogo da exposição. E teria dito a Claude Monet que os títulos de suas obras eram monótonos, algo do tipo “Entrada da aldeia, saída da aldeia, manhã na aldeia...” Ao que Monet teria sugerido secamente que ele incluisse a expressão “Impressão”, que foi aceita e incluída no catálogo como, por exemplo, “Impressão do nascer do sol”.

A exposição não foi aceita pela crítica e pelo público, acostumados às pinturas da Academia. Os ataques dos críticos foram agressivos, chamando-os “falsos artistas”, “ignorantes” das regras da boa pintura e da verdadeira beleza.

Entre os críticos mais ferrenhos estava Louis Leroy, que era também gravador e paisagista. Ele escrevia para o jornal Le Chavirari, que tinha um viés humorístico e político e era bastante lido pela população parisiense. Ele escreveu, segundo consta no livro História das Artes:

“Selvagens obstinados, não querem, por preguiça ou incapacidade, terminar seus quadros. Contentam-se com uns borrões, que representam as suas impressões. Que farsantes! Impressionistas!”

Claude Monet: Jardim em Giverny, 1900
Logo, a expressão Impressionistas se popularizou nos círculos mais conservadores que usavam o termo para designar qualquer artista que eles considerassem medíocre. A primeira exposição dos “Impressionistas” durou um mês e foi um fracasso. Em 1875, a Associação resolveu abrir um leilão dos quadros no Hotel Drouot. Mas uma vez a reação contra eles foi dura e “os pregões do leiloeiro eram vaiados pelo público”, conta Cavalcanti.

Mas em 1876 veio a segunda exposição e desta vez resolveram usar o termo com que eram criticados, e deram como título da mostra: “Exposição dos Pintores Impressionistas”.

De 1874 a 1886, os impressionistas fizeram oito exposições em Paris, com mais adesões de outros pintores, entre os quais Paul Gauguin, que se juntou a eles. Aos poucos eles foram sendo respeitados, pela suas pesquisas em torno da luz e das cores. Na última coletiva de 1886, mais dois pintores se aproximaram do grupo: Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935). Estes dois resolveram aplicar em suas telas as descobertas científicas no campo da física e da química das cores, e com isso desenvolveram a técnica de pincelar que já tinha sido iniciada por Monet e Pissarro, que passou a ser chamada de pontilhismo. Van Gogh é um dos exemplos de pintores que usaram o pontilhismo em seus quadros impressionistas.

Após 1886, finalmente os impressionistas começaram a ser reconhecidos pelo público e pela crítica. Novas gerações de artistas aplicavam as mudanças iniciadas pelos seus antecedentes e desenvolviam novas formas de expressão artística. Degas, Monet e Renoir já eram admirados e respeitados.

Mas o que fizeram a mais os Impressionistas, em relação aos outros? Eles simplesmente introduziram na pintura “a observação direta da luz do sol”, conforme explica o professor Cavalcanti, e fixaram as mudanças sutis que a luz do sol produz nas cores do mundo em horários diferentes do dia. Eles retiraram seus cavaletes dos espaços fechados dos ateliês e foram pintar ao ar livre, e por isso foram sobretudo paisagistas. Enquanto os defensores da academia esbravejavam contra eles, diz Cavalcanti, “Claude Monet se imortalizava embriagando-se de luz”. E acrescenta que Monet dizia que não sabia fazer nada, “nem pensar”, quando o sol desaparecia.

Degas: Escola de Dança, 1879
Ao contrário dos pintores acadêmicos que queriam despertar sentimentos e ideias edificantes quando pintavam telas com temas ou históricos, ou mitológicos, ou bíblicos ou alegóricos, os Impressionistas queriam somente mostrar os efeitos coloridos da luz solar sobre o mundo, observados diretamente. E Cavalcanti acrescenta:

“Como bons realistas, além de pintarem apenas o que viam , só pintavam o que estivesse recebendo direta ou indiretamente a luz do sol”.

Mas o autor observa que essa preocupação não era exclusiva dos impressionistas. Antes deles, Leonardo da Vinci (1452-1519) em seu “Tratado da Pintura” faz diversas observações sobre a luz do sol e seus efeitos na natureza. Assim como os pintores venezianos do Renascimento, em especial Ticiano (1477-1576) e Veronese (1528-1588), cujas telas eram repletas de cores que se derramavam em massas luminosas. Assim também foram os mestres holandeses Rembrandt e Vermeer. Assim foi o mestre espanhol Diego Velázquez, que inspirou Édouard Manet, Claude Monet e Auguste Renoir. Também Rubens, o mestre alemão, tinha se voltado para a luz. E os pintores do estilo rococó, franceses e italianos; assim como os paisagistas românticos ingleses, como William Turner.

Mas os Impressionistas foram originais em suas concepções sobre o desenho, a cor e a luz, que eles sistematizaram em princípios básicos da nova forma de pintar. São eles, segundo numerou Carlos Cavalcanti:

Pintura de John Singer Sargent:
Claude Monet pintando, 1885
1 - A cor não é uma qualidade absoluta; a ação da luz modifica as cores constantemente;
2 - Não existe Linha na natureza. A linha é uma abstração mental criada para representar o que vemos;
3 - A sombra não é preta, nem escura; é colorida e pode ser luminosa;
4 - Aplicação de contrastes de cores em complementaridade;
5 - As cores não devem mais ser misturadas na palheta, mas colocadas de uma forma que a visão ótica dê a configuração delas.

Mas nem tudo era paz entre os Impressionistas. Degas, por exemplo, continuou a afirmar o domínio do desenho sobre a cor, e se recusava a pintar ao ar livre. Sua sobrinha, Jeanne Smith, salienta que Degas tinha uma memória visual prodigiosa e ele poderia pintar no ateliê as paisagens que vira alguns dias antes. Renoir, por seu lado, deixou o movimento na década de 1880, voltando depois para ele e com isso nunca conquistou plenamente a confiança dos outros membros. Édouard Manet, um dos fundadores do grupo, se recusou a exibir o seu trabalho com outros impressionistas e preferia continuar tentando o Salão de Paris. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, o grupo é marcado pela saída de Cézanne, Renoir, Sisley e Monet, que abandonam o grupo e vão participar do Salão. Muitas disputas depois, o grupo dos impressionistas se separou em 1886, quando Signac e Seurat montaram uma exposição concorrente. Camille Pissarro foi o único artista que participou de todas as oito exposições do grupo.

Os Impressionistas mais conhecidos são: Fréderic Bazille (1841–1870); Eugène Boudin (1824-1898); Gustave Caillebotte (1848–1894); Mary Cassatt (1844–1926), Paul Cézanne (1839–1906); Edgard Degas (1834–1917); Armand Guillaumin (1841-1927); Claude Monet (1840–1926); Berthe Morisot  (1841–1895); Camille Pissaro (1830–1903); Pierre-Auguste Renoir (1841–1919); Georges Seurat (1859-1891); Alfred Sisley (1839–1899); Vincent van Gogh (1853-1890), entre outros.

Destes pintores, estarão em São Paulo e Rio, no CCBB, obras de Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard.

Além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo.

Édouard Manet: O Banho ou Desjejum na relva, 1863

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A noite escura da alma de Oswaldo Goeldi


 O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, está apresentando a exposição “Oswaldo Goeldi: sombria luz”, trazendo a maior retrospectiva da obra do artista do Rio de Janeiro. São cerca de 200 trabalhos que vão dos anos 1920 até sua morte em 1961.


Na tarde gelada deste último domingo, fui ver a exposição. Queria ver de perto as gravuras desse homem melancólico, solitário, que criava suas gravuras numa temática que ia na contramão dos modernistas brasileiros, seus contemporâneos, mais luminosos e coloridos. Oswaldo Goeldi mostra uma cidade do Rio de Janeiro noturna, deserta, habitada por figuras sombrias, sempre solitárias, e por gatos, cachorros, pássaros agourentos.

Na noite escura da alma de Goeldi, ele só escavava suas madeiras baseado em traços, poucos, que fossem suficientes para mostrar ruas e casas iluminadas por postes de luz fraca, ou pelo céu cuja fosforescência partia de baixo para cima. Algumas de suas xilogravuras são, mesmo assim, luminosas. A luz parece explodir de um ponto qualquer, mas todo o resto está imerso na mais profunda escuridão.
São pequenas as xilogravuras de Goeldi. Alguns dos traços de sua goiva são muito tênues, finíssimos, mas que dão a configuração necessária ao que ele quer mostrar, seja um rosto triste contra a luz de um poste, seja um pequeno gato preto deitado num muro. Ele é econômico nos traços: nada de linhas desnecessárias, o observador que complete a imagem em sua mente. Há seres solitários lá, bichos abandonados assim como as pessoas caminhando sozinhas por ruas escuras, observadas por gatos, urubus, cães.
Autorretrato
Depois de uma hora observando de perto o trabalho deste artista, uma certa melancolia acaba nos invadindo também. E acabamos nos questionando: por que ele era tão triste, tão solitário? Que caracterizava sua personalidade? Que experiências de vida ele viveu? Por que sua cidade nada tem de luminosa? Cadê o sol em sua vida?
Oswaldo Goeldi pode ser caracterizado como um artista expressionista, movimento artístico que teve lugar especialmente na Alemanha, no começo do século XX. O Expressionismo foi uma espécie de projeção da subjetividade, baseada numa reação emocional. Os sentimentos angustiados do artista expressam um real deformado, que ele mostra de forma intensa em sua arte. A visão é pessimista, o mundo ameaçador.

Paulo Venancio Filho, especialista na obra de Goeldi e curador da exposição diz, no livreto que fundamenta a mostra, que a proximidade do artista gravador com o expressionismo “é inequívoca, artística e existencial”. Goeldi trazia à tona um lado obscuro do Brasil, um país de tantos contrastes, principalmente sociais. Nada há nele que mostre a face conhecida de um Brasil ensolarado, luminoso, mas – acrescenta Venancio – Goeldi “com os recursos limitados da xilogravura e do desenho a lápis ou carvão, mostrou que sob a luz solar havia um mundo em desassossego e desajuste”.
Oswaldo Goeldi trabalhava sozinho em seu ateliê que era em seu próprio quarto. Morou muitos anos, os últimos de sua vida, na casa de uma casal de amigos, situada no Leblon, na época um bairro simples do Rio. Segundo sua sobrinha-neta, Lani Goeldi, ele se sentiu atraído pelo expressionismo desde que conheceu a obra de Vang Gogh (1853-1890) e Edvard Munch (1863-1944). “Foi dentro dessa linha que ele construiu seu trabalho”, diz ela.
Oswaldo Goeldi em seu ateliê
Mas ele se identificou principalmente com a obra de Alfred Kubin (1877-1959), de quem se tornou amigo. Kubin foi um escritor, desenhista, gravador e ilustrador austríaco. Seus traços também são expressionistas.
Otto Maria Carpeaux (1900-1979), jornalista, ensaísta e crítico literário brasileiro (austríaco de nascimento), disse de Oswaldo Goeldi:
“A arte de Goeldi sempre me lembrou um recurso raro da dramaturgia: o monólogo, que é, por definição, uma arte silenciosa. As figuras, nas suas sombras, parecem cercadas pelo silêncio e pela solidão; esses homens irremediavelmente perdidos e esses bichos abandonados em meio a paisagens suburbanas em decadência. Quando muito, seus pescadores à beira-mar chegam a ver, na hora da madrugada, um sol terrível que se levanta vermelho no horizonte. O resto é noite. Temos que penetrar no sentido dessa escuridão que assombra o mundo de Goeldi”.

Biografia
Oswaldo Goeldi nasceu em 1895 no Rio de Janeiro. Seu pai era o naturalista suíço Emílio Goeldi. Logo após o nascimento do menino, seus pais se mudaram para Belém do Pará, onde Emílio Goeldi foi fazer pesquisa em Zoologia e Botânica. Com seis anos de idade, Oswaldo foi estudar na Suiça. Mas cedo abandonou os estudos politécnicos para ingressar na Escola de Artes e Ofícios de Zurique. Também não concluiu sua formação lá. Continuou estudando sozinho e fez sua primeira exposição individual na cidade suíça de Berna, onde conheceu o trabalho de Alfred Kubin, com quem se corresponderá durante décadas.
Goeldi volta para o Brasil em 1919. A I Guerra Mundial havia acabado, mas a Europa ainda sofria as consequências, inclusive psicológicas, dos horrores causados pela guerra. Aqui no Brasil, ele vai trabalhar como ilustrador de livros e periódicos. Em 1930 lança seu álbum “Dez gravuras em madeira”, com prefácio de Manuel Bandeira. Participou da Bienal de São Paulo e de Veneza, ganhou prêmios e projeção nacional e internacional. Foi também professor da Escola Nacional de Belas Artes.

Lani Goeldi diz que ele vivia “à margem das convenções sociais e familiares. Nunca dividiu suas preocupações, nem seus anseios, nem com os poucos amigos que tinha”. Nunca se casou, não teve filhos.
Morreu no dia 16 de fevereiro de 1961, no Rio.
O poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968) assim falou do amigo:
“A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos – arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora”.

É assim a gravura do artista brasileiro Oswaldo Goeldi: mostra um mundo que ninguém quer ver, mas que está lá atrás das sombras, tão Real quanto o outro.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Paris: Impressionismo e Modernidade

Claude Monet: La Gare Saint-Lazare, 1877, óleo sobre tela, Museu d'Orsay, Paris

A partir do dia 4 de agosto o Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB – inaugura em São Paulo uma grande exposição com 87 obras de pintores impressionistas franceses, pertencentes ao Museu d’Orsay de Paris.
O CCBB, no texto apresentativo da mostra, afirma que esta será a primeira de muitas outras grandes exposições que a entidade cultural trará para o Brasil. E foi anunciada uma grande notícia para a vida cultural de São Paulo: em 2015 será inaugurado um grande centro cultural no local aonde funcionou durante décadas o Hospital Matarazzo, perto da Avenida Paulista, entre a rua Itapeva, Pamplona, Rio Claro e São Carlos do Pinhal. O projeto é do designer francês Phillipe Starck. O projeto deve abrigar um grande teatro, salas de cinema e espaços para exposições.
O Brasil começa agora a se tornar também um polo de atração para grandes exposições. Duas grandes mostras de arte que ocorreram aqui, trazidas pelo CCBB, colocaram o Brasil no ranking das exposições com maior público do mundo, pela revista The Art Newspaper: a de Escher, em 2011, com 381 mil visitas e a mais recente, sobre a Índia, com cerca de 400 mil visitantes.
A exposição "Paris: Impressionismo e Modernidade" pretende trazer para cá obras históricas importantes, entre outras: "La Gare Saint-Lazare" (1877) e "La Gare d’Argenteuil" (1872), de Claude Monet, o mesmo que pintou o primeiro quadro dito “impressionista” da história da arte.
Paul Gauguin: Les maules jaunes, 1889, óleo sobre tela
A exposição será organizada em seis módulos, apresentando aqueles pintores que permaneceram vivendo na cidade, especialmente em Paris, ou aqueles que resolveram ir viver no campo. Virão, entre outros: Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard, além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo nas artes.
Claude Monet: O tocador de pífano, 1866, 160x97 cm
óleo sobre tela
A tela O Tocador de Pífano (Le fifre), de Manet, será uma das grandes atrações da exposição. Essa pintura foi recusada no Salão Oficial de Paris, ainda sob a dominação do estilo neoclássico. Ela apresenta um menino humilde, dando a ele a importância que os membros da Academia oficial de Paris não aceitavam. O menino, um pouco manco, está tocando uma flauta de pífano e vestido com o uniforme dos filhos dos oficiais das tropas da Guarda Imperial de Napoleão III. As calças vermelhas com listras pretas, jaqueta preta com botões dourados, a faixa branca e o boné são característicos dos soldados. Considerando este tema comum, o júri do Salão oficial criticou o fato de Manet ter dado um formato grande como se ela fosse uma pintura histórica, e por ter feito o retrato de uma criança desconhecida, como se fosse de alguém famoso. Percebe-se, nesta tela que estará aqui no Brasil, a admiração que Manet tinha pela pintura dos mestres antigos, em especial, Diego Velázquez. O quadro é inspirado nos retratos de grande comprimento do pintor espanhol, como o de Pablo deValladolid, por exemplo, os dois contra um fundo neutro. O escritor Émile Zola escreveu um grande ensaio em defesa desse quadro.
Abaixo, a íntegra do texto disponibilizado no Portal do Museu d’Orsay, sobre a exposição:
Enquanto a velha Paris se apaga sob a influência do barão Haussmann, os pintores Jongkind e Lépine, Manet e Degas, Monet e Renoir, Pissarro e Gauguin, apaixonam-se pela cidade e pela sua vida frenética. Novos temas surgem para os artistas, com boulevards, ruas e pontes animados por um movimento incessante, jardins públicos, vibrantes mercados cobertos e a céu aberto, retraçados sob o céu cinza, bem como grandes lojas e vitrines, iluminadas a gás ou eletricidade, estações de trem, cafés, teatros e circos, corridas, sem falar dos bailes e noitadas mundanas...
Através destes lugares, os artistas pintam igualmente todas as camadas da sociedade: austeras famílias burguesas na obra de Fantin-Latour, burguesia mais elegante e frequentadora dos lugares da moda, moças da fina sociedade tocando piano em Renoir, prostitutas que rodam a bolsinha e sobre as quais artistas como Degas, Toulouse-Lautrec ou Steinlen lançam um olhar livre de qualquer julgamento moral e até empático, como em Toulouse-Lautrec.
Entretanto, a atração pela natureza e o desejo de fugir da cidade também se manifestam de modo imperativo... São os mesmos artistas que se voltam para os temas mais “naturais” das cercanias de Paris (Monet, Bazile, Renoir, Sisley para Fontainebleau, Monet para Argenteuil, Pissarro para Pontoise…). A busca por novas aventuras picturais conduz ao refúgio na região do Midi (Van Gogh, Gauguin e Cézanne) ou na Bretanha (Gauguin, Bernard), ao passo que os artistas do movimento Nabi privilegiam a intimidade de universos interiores.
Comissária: Caroline Mathieu, curadora chefe do Museu de Orsay

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O bóson de Higgs e a Arte pictórica: faça-se a Luz!

No princípio, uma singularidade criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo. Uma explosão inicial detonou a luz! E a luz foi feita. E tudo foi criado a partir de então.


No último dia 4 de julho, noite memorável, uma notícia se espalhou pelos quatro cantos do mundo. E nem foi por causa da Libertadores. Nem foi por causa do lançamento do meu livro, evento muito importante. Mas foi porque a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) anunciou, em Genebra, a comprovação da existência de uma partícula, o chamado Bóson de Higgs, fundamental para que se possa entender a estrutura básica da matéria.


Essa partícula subatômica foi detectada dentro do Large Hadron Collider (LHC), o super-acelerador de partículas do CERN com 27 km de extensão, que fica na fronteira entre a Suíça e a França. E o bóson de Higgs foi fotografado pela maior câmera fotográfica do mundo. Sabemos que um dos objetivos desse grande acelerador de partículas subatômicas é o de recriar as condições que formaram o universo, a partir do modelo do Big Bang. O “Big Bang” é uma teoria científica que fala que o universo nasceu a partir da explosão de um ponto infinitesimal que se expandiu e criou o Espaço, o Tempo e a Massa existente no universo. E a nós, aos animais e às estrelas! Isso há 14/15 bilhões de anos atrás.


O bóson de Higgs foi confirmado com uma certeza de 99,99%, segundo relatório dos cientistas do CERN. Ela está associada a um 'campo' com o qual as outras partículas interagem (prótons, nêutrons, elétrons, quarks...), ganhando matéria. A interação entre as partículas subatômicas geram massa, e a massa, matéria. Mas há as que não interagem com o campo de Higgs, e essas não possuem massa. Estão destinadas a movimentar-se para sempre na velocidade da luz e são chamadas de Fótons, a unidade básica da luz.

O físico nuclear Peter Higgs
Peter Higgs, um tímido e calmo senhor de 83 anos, esperou quase 50 anos para ver sua tese comprovada, e apenas disse: “É agradável ter razão de vez em quando”. Ele é um físico escocês, atualmente professor emérito da Universidade de Edimburgo. Em 1964, Higgs previu teoricamente a existência do bóson que levaria seu nome, a também chamada “partícula de Deus”. Sua intuição dizia que deveria haver um campo de forças parecido com uma espécie de cola onde as partículas estariam imersas e em interação.


Essa tese deu início a uma verdadeira escola científica, unindo inúmeros físicos que apostavam na ideia de Peter Higgs. Todo um edifício teórico sobre a forma como as partículas criam massa e gera nosso universo visível surgiu a partir daí. Já está se dizendo que essa é uma das descobertas científicas mais importantes dos últimos 40 anos.


A descoberta do bóson de Higgs foi comemorada como a coroação de décadas de estudo de milhares de físicos e matemáticos que focaram seus esforços e suas vidas para entender de onde vem tudo o que existe, uma das grandes questões teóricas que o homem tenta resolver e que movem a ciência há séculos.


A longa espera terminou nesta quarta-feira, dia 4 de julho.

Retrato feito por Franz Hals
Mas o que tudo isso tem a ver com Arte? O que a descoberta de um físico nuclear escocês pode gerar de reflexões sobre a arte pictórica? E que lições podemos tirar daí?


Começando pela última pergunta. Durante 58 anos um homem levou sua vida de professor universitário e pesquisador, insistindo numa teoria. Sua intuição dizia que ele poderia estar certo, o que acabou sendo confirmado. Peter Higgs, como físico de altas energias, sabe que a nossa noção de tempo, o tempo linear, do cotidiano, é pobre. Num universo de 14 bilhões de anos, onde distâncias intergalácticas são medidas em anos-luz, 48 anos são nada. Quase nada também no movimento da história, mesmo que muito para uma vida humana.


Para a vida humana do sujeito que está agindo na superficialidade pragmática do dia a dia, 48 anos de estudo, de espera por algo, é quase insuportável. Mas há os Peter Higgs da vida, aqueles que pacientemente constroem tijolo por tijolo a sua obra. Debruçado sobre seus estudos, esses sujeitos não pensam em si enquanto egos a serem colocados acima de tudo, mas enquanto se esquecem de si e mergulham sobre seus suportes técnicos (ou suas teorias) vão simultaneamente se moldando na modelagem de seu objeto de estudo. Construir um edifício teórico não acontece do dia para a noite. Assim como desenhar e pintar não são dons milagrosos, mas frutos de anos e anos de dedicação, de esforço teórico e prático.

Alegoria da pintura, de Jan Vermeer
Mas o modo de vida deste tempo atual não suporta grandes esperas, e repudia aquilo que não seja instantâneo. Por isso, de vez em quando é necessário que nos calemos diante de um evento como este: a descoberta de uma partícula que gera a massa do universo e que nos remete às grandiosidades que muitas vezes esquecemos...


Diante da descoberta do bóson de Higgs, dá vontade de fazer eco ao que ele disse no dia 4 de julho: “É agradável ter razão de vez em quando”.


Vermeer demorava muito para pintar uma tela. Ele trabalhava lentamente e com muita meticulosidade, enquanto combinava cores de forma inimitável, perseguindo o movimento da luz que vai gerando as sombras, os espaços, a materialidade. Suas bordas não tinham borda. Elas se derramavam pictoricamente fazendo com que todos os objetos e figuras de seus quadros interagissem como o fazem as partículas subatômicas no Campo de Higgs. Com Vermeer, nada estaria mais separado. Quando fiz uma cópia do “Moça com brinco de pérola” em 2011, para mim foi uma descoberta maravilhosa: não há bordas duras em Vermeer, elas são suaves, quase nem existem, há interação pura entre elementos e cores do quadro.

Autorretrato, de Rembrandt
Rembrandt foi outro pintor holandês obcecado pelo entendimento de como a luz se derrama nas coisas, criando as sombras. Também ele pintava, não as coisas que seriam vistas por qualquer ser humano comum, mas pintava as relações entre as coisas, com a perfeita consciência de que a luz cria massas densas, matéria, que ele executava a partir de pinceladas pastosas, em camadas de massas com valores medidos pelos movimentos da luz. E nada de linhas. Massas. “Quando Rembrandt pinta um nu sobre um fundo escuro, a luminosidade do corpo parece emanar naturalmente do escuro do espaço”, diz Heinrich Wöllflin em Conceitos fundamentais de história da arte.


Caravaggio queria criar uma nova relação entre o espaço, as coisas e as figuras. Sua obsessão era a realidade. Como afirma Roberto Longhi, para ele “uma pedra não é menos importante do que um santo, porque não é menos real.” Na configuração dos santos e das pedras, prótons, nêutrons e elétrons interagem entre si e com o Bóson de Higgs, que lhes dão massa. Os mesmos componentes químicos que fazem um santo, fazem uma pedra. E a mesma luz que atravessa a mão estendida de Jesus se espraia nos rostos dos pecadores publicanos em seu quadro “O chamamento de Mateus”. Caravaggio queria representar os volumes que via em termos de planos de luz, com o furor de quem queria “alcançar o real”, como diz Longhi.

Detalhe: autorretrato em
As Meninas, de Velázquez
Franz Hals, com seu pincel inquieto, fazia com que suas obras exigissem a distância espacial para serem assimiladas, pois quando olhadas muito de perto, viam-se manchas, massas em correspondência, movimentos de cores e de valores que inebriavam a vista, como partículas de cores em interação eletromagnética se fundindo para configurar formas e figuras. Nada pode ser visto isoladamente, tudo está em relação, manchas, massas, cores, valores. Assim como ele, Van Dyck; assim como Van Dyck, Rembrandt; assim como Rembrandt, Velázquez.


Em Velázquez, cabelos, vestimentas, figuras, não são cabelos, vestimentas, figuras; são substâncias, são fenômenos luminosos, pictóricos. As massas claras e escuras se interpenetram. A ênfase, diz Wöllflin, está na luz. “Todos os contornos são imprecisos, as superfícies se furtam à tangibilidade e a luz flui livremente, como a correnteza que rompeu o dique”. Como a explosão cósmica inicial, que gerou o espaço, o tempo, a estrela, o planeta, o homem, o gato, a formiga, o pintor, a tela, o cavalete. Massas de matéria navegam imersas na escuridão do cosmos, alcançadas pela luz que desvenda a matéria, e o mundo, e tudo o que existe. Que existe por causa do bóson de Higgs.


Na arte pictórica, o universo está em interação permanente. Tudo interage com tudo todo o tempo. Nada está separado de nada. A harmonia do conjunto é gestada a partir desse aparente caos que confunde as mentes apressadas que olharem as telas de Franz Hals de perto.


Quando o artista norte-americano David Leffel (1931) viu as obras de Rembrandt pela primeira vez, ficou tão impressionado que resolveu dirigir seus estudos para os efeitos da luz sobre a realidade observada. E passou a ensinar que um pintor não pinta coisas, pinta a luz nas coisas. O artista pictórico não vê o mundo em detalhes separados, mas vê massas, planos, dimensões. Ele não pensa, quando vê um rosto humano, em termos de “olhos”, “nariz”, “boca”. Vê jogos de luz e sombra e massas em movimento. Em interação. É exatamente esse jogo das massas, no movimento entre a luz e a sombra, que vai dando materialidade ao quadro. Como as partículas vão se enchendo de Massa através da interação com o bóson de Higgs. E vão criando o mundo e tudo o que existe.


“É agradável ter razão de vez em quando”. Viva Higgs!

realismo
Detalhe de autorretrato, de David Leffel