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sexta-feira, 22 de março de 2013

Camille Claudel


Desde que conheci, há algum tempo, a história da escultora francesa Camille Claudel, sempre que preciso falar dela isso me incomoda. Quando assisti, há muitos anos, o filme francês de 1988 “Camille Claudel”, senti mais do que incômodo, senti uma angústia que me fez nunca mais querer rever esse filme. Não é fácil olhar para uma mulher que sofreu tanto os preconceitos de uma época como ela e que sofreu as maiores dores da alma como ela. Fica difícil falar só de sua obra, uma escultura tão expressiva quanto tinha, por exemplo, uma outra mulher, a alemã Käthe Kollwitz. Não, não dá para falar somente de sua obra. Não dá para separar a obra da sua criadora. Não dá para separar a arte da vida.
Mas é preciso falar de Camille Claudel.


Neste ano de 2013, uma série de atividades estarão celebrando a obra desta grande escultora, resgatando sua imagem que durante muito tempo foi restrita à da louca que tinha sido amante de Rodin. Do final de março ao começo de junho, no Musée des Arcades no Hospital Central de Montfavet em Avignon, acontecerá a exposição de esculturas e pinturas com o título “Camille Claudel: de la grâce a l’exil - la femme, la folie, la creation” (Camille Claudel: da graça ao exílio - a mulher, a loucura, a criação). Além disso, há peças de teatro dedicadas a ela, inclusive aqui no Brasil, espetáculos de dança e um filme que está sendo lançado neste mês de março: “Camille Claudel, 1915”, do diretor Bruno Dumont, com a atuação da atriz francesa Juliette Binoche no papel de Camille.

Camille Claudel: busto de Rodin
Camille Claudel nasceu no dia 8 de dezembro de 1864 na pequena cidade francesa de Aisne. Ela passa sua infância em Villeneuve-sur-Fère. Era a primeira filha do casal Louis Prosper e Louise Athanaïse Cécile Cervaux. Antes dela, sua mãe teve um primeiro filho homem que morreu quinze dias após o nascimento. Após Camille, quatro anos depois, nasce Paul Claudel, que se tornou escritor e depois Louise Claudel, mais tarde musicista.


Alguns pesquisadores de sua obra e vida mais recentes destacam que desde cedo Camille começou a sentir a rejeição da própria mãe, que preferia ter tido um filho homem. Mas, do lado do pai, logo ele percebeu o grande talento da filha e foi sempre seu maior incentivador. É bom lembrar que no século XIX o mundo da arte era basicamente um mundo masculino. Às mulheres era sempre relegado um segundo lugar dentro das artes. As artistas que conseguiram se sobrepor pela qualidade do seu trabalho são raras, não só no século XIX, mas desde sempre na história da arte. Camille era uma escultora no nível da excelência de Rodin. Mas o mundo, durante muitas décadas, preferiu falar dela como de uma louca que tinha sido amante do mestre.
Camille: "Homem debruçado"
Mas voltemos à sua biografia. Seu pai, Louis Prosper, não mediu esforços para que sua filha se aperfeiçoasse na escultura, inscrevendo-a para estudar nas melhores escolas e cursos da época. Sempre com a discordância da mãe, que considerava tudo aquilo simples capricho da filha e que o pai gastava muito dinheiro com isso. Os biógrafos mais recentes destacam que Louise Cervaux foi quem internou a filha num manicômio, dias após a morte de seu pai.


Ainda menina, Camille já acalentava o sonho de ser uma escultora de sucesso. Aos 17 anos, resolveu ir embora de casa, para realizar seu sonho. Chegando em Paris, se matriculou na Academia Colarossi, uma escola voltada para formar escultores. Teve como mestres Alfred Boucher, inicialmente, e depois Auguste Rodin. Desta época é sua obra “Paul aos treze anos”.


Auguste Rodin, bem impressionado com o talento de Camille, admite-a como aprendiz em seu ateliê. Logo no início ela já se torna sua colaboradora, ajudando a executar a obra “Portas do Inferno” e o monumento “Os burgueses de Calais”. Camille fica durante vários anos trabalhando para seu mestre, por quem se apaixona. Ele lhe paga um salário de aprendiz, com o qual ela se mantém. As esculturas dos dois são muito parecidas e isso acaba aproximando-os mais.

Camille: "Paul aos 13 anos"

Começa então um caso de amor entre eles, mas Rodin não se separa de Rose Beuret, com quem era casado. Os sofrimentos de Camille, por causa disso, eram muito grandes! Acrescentava-se a isso o fato de, por ser mulher num meio artístico masculino que não admitia reconhecer seu talento, ela era acusada de copiar as esculturas de Rodin. Com o tempo, ela resolve se afastar dele, tanto pelo fato de Rodin ainda manter sua relação com outra mulher como porque queria continuar seu trabalho de escultora sozinha. Em 1898 rompe definitivamente com ele. Ela esculpe, nesse tempo, “A Idade Madura”, hoje exposta no Museu D’Orsay de Paris.

Muito triste e decepcionada por ter descoberto que não tinha passado de uma aventura na vida de Rodin, ela passa a alimentar um sentimento estranho e duplo por ele: amor e ódio. Enquanto isso trabalhava e vivia na mais completa solidão. Mas nunca conseguiu se desligar emocionalmente dele. Um amigo, Eugène Blot, resolve organizar duas exposições com as obras dela, pensando em obter com isso o reconhecimento público para ela, assim como um apoio financeiro. Seu trabalho foi bem recebido e muito elogiado pela crítica. Mas ela já estava doente e já não dava mais bola aos elogios. Lembranças ruins do passado não paravam de atormentá-la, misturando sentimentos em relação à rejeição de sua mãe e ao abandono do homem que ela amava, Auguste Rodin. Em seus delírios, ela achava que Rodin iria roubar suas obras e expô-las como suas. Já estava paranóica e esquisofrênica. Chorava muito frequentemente e falava em suicídio. Seu abatimento físico e psicológico eram muito grandes.

Camille: "Abandono"
No dia 3 de março de 1913, seu pai, a pessoa a quem ela tinha sido mais ligada em sua vida, morre. Camille piora de sua depressão e numa crise de fúria começa a gritar e quebrar tudo à sua volta. Sua mãe a interna no dia 10 de março, apenas uma semana após a morte de seu pai, no manicômio de Ville-Evrard. Com o advento da I Guerra Mundial ela foi transferida para o hospital de Montdevergues, onde ela viveu os últimos 29 anos de sua vida. Camille Claudel morreu com quase 79 anos de idade, no dia 19 de outubro de 1943.

Podemos pensar nela hoje não só como uma grande artista, mas como uma heroína, uma mulher com a coragem de enfrentar um tempo pleno de preconceitos contra as mulheres. Mas sua fortaleza escondia uma grande fragilidade e Camille pagou com sua própria saúde, física e mental, os percalços de sua vida.

Camille Claudel: "Idade Madura", Museu d'Orsay, Paris

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um Museu para as Artistas

Pintura da holandesa Clara Peeters, de 1611, uma representante da arte barroca europeia

Existe em Washington, DC, Estados Unidos, um Museu Nacional, único no mundo, dedicado exclusivamente a reconhecer as contribuições das mulheres artistas. O National Museum of Women in the Arts (NMWA) foi criado em novembro de 1981 como uma empresa privada sem fins lucrativos.

Durante toda a história da arte, pouco se ouve falar de artistas do sexo feminino. Mas elas existiram em grande número!

É o que mostra a coleção permanente do Museu, composta por mais de 3.000 obras de artistas desde o século 16 até o presente. São pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e muitos outros trabalhos em papel. A coleção representa uma ampla gama de estilos dessas artistas, que vão desde Lavinia Fontana, pintora italiana do século XVI até Käthe Kollwitz, gravadora alemã do século XX, sem falar nas artistas mais recentes e contemporâneas. O Museu também tem várias importantes coleções especiais, incluindo a joalheria em prata feita por mulheres ourives inglesas e irlandesas dos séculos XVIII e XIX.

Museu Nacional das Mulheres Artistas,
Washington DC, EUA
A história do museu está ligada a dois estudiosos e pesquisadores da arte norte-americanos: Wilhelmina Cole Holladay e Wallace F. Holladay. Nos anos 1960 eles começaram sua coleção de obras de arte e se interessaram pelo debate em torno da sub-representação das artistas mulheres e de vários grupos raciais e étnicos em coleções de museus e exposições de arte.

Por mais de 20 anos os Holladays foram em busca da arte feita por mulheres. Foi a partir de 1980, que Wilhelmina Holladay começou a dedicar suas energias e recursos para a criação de um museu que iria mostrar mulheres artistas e suas obras.

Em 1983, adquiriram um prédio onde funcionou um antigo Templo Maçônico, que foi remodelado e adaptado para funcionar um museu de arte. Em 1987, o Museu Nacional de Mulheres Artistas foi aberto com a exposição inaugural “Mulheres Artistas norte-americanas” do período de 1830 a 1930. Essa mostra teve a curadoria da historiadora de arte e militante feminista Eleanor Tufts, que fez pesquisas sobre trabalhos produzidos por artistas mulheres nos EUA.

Importância

Pintura de Lavia Fontana,
Itália, século XVI

“Se fosse costume enviar as meninas para a escola e ensinar-lhes as mesmas matérias que são ensinadas aos meninos, elas aprenderiam tão plenamente quanto eles e entenderiam as sutilezas de todas as artes e ciências.”

Esta frase foi dita em 1405 por Christine de Pisan, filósofa e poeta, nascida em Veneza, Itália, em 1364. Ela morreu no mosteiro de Poissy, na França, por volta de 1430. Christine de Pizan é considerada a primeira mulher dedicada à literatura de língua francesa e viveu de seu trabalho como escritora. Era muito erudita, acima da média de mulheres e de homens de sua época. Compôs desde tratados de política e filosofia, assim como poemas. Retirou-se para um convento no final da vida.

A arte tem desempenhado um papel muito importante em nosso mundo, desde sempre. Mas em especial no século XVI, a sociedade aristocrática e eclesiástica europeia possuiu pintores homens altamente treinados, assim como gravadores e escultores, que tiveram como patronos líderes políticos e religiosos, além de intelectuais da época. No entanto, as mulheres que praticavam as artes plásticas eram limitadas a estudar com seus pais e esposos. Eram geralmente proibidas de praticar as técnicas de maior prestígio artístico, tais como pintura em afresco, ou estudar anatomia e perspectiva e outras informações necessárias para se obter sucesso como artistas profissionais. Além disso, não tinham, como os homens, liberdade para viajar, para conhecer outros países, estudar com os mestres italianos, por exemplo, como fizeram tantos artistas do sexo masculino, de variadas regiões do mundo.

"Retrato de mulher em vermelho",
pintura de Marianne Loir, França, séc. XVIII
A maioria dessas mulheres que pintavam, desenhavam e esculpiam eram em geral filhas ou esposas de artistas, com quem adquiriam as habilidades. Mas a elas só era permitido pintura de “estilo menor”, como paisagens, cenas de gênero, etc.
Mas no norte europeu, durante os séculos 16 e 17, por conta da religião calvinista e luterana, as artistas da Holanda e da Alemanha, especialmente, tinham algumas vantagens sobre as mulheres do sul. Um país mais voltado ao comércio, a Holanda especialmente se tornava uma nação poderosa, tendo vencido a Espanha, de quem se tornou independente, e mesmo a França, países de tradição monárquica e católica.

Na Itália, a Igreja Católica era a principal provedora da arte e pagava altas comissões aos trabalhos de artistas homens. A Igreja não aceitava a arte de mulheres. Mas no Norte da Europa, após a Reforma Protestante, as mulheres desempenharam um papel extremamente importante no desenvolvimento da vida e também da pintura, a partir de 1600.

Algumas delas, flamengas e holandesas, se tornaram tão proeminentes que conseguiam até ganhar a vida pintando naturezas-mortas e cenas domésticas, como é o exemplo de Rachel Ruysche e Judith Leyster.

Autorretrato de Rosalba Carriera
com sua irmã, Itália, século XVII
E Clara Peeters, que viveu entre 1594 e 1659. Ela foi uma pintora bastante ativa em sua época. Esta holandesa, precocemente começou a mostrar talento e entrou para a história da arte como uma das representantes da arte barroca europeia. Ela foi uma das precursoras da pintura de gênero holandesa.

Mas no sul da Itália, especialmente em Bolonha, surgiu também uma série de artistas notáveis. Bolonha tinha tradição de ser uma cidade com longa história de atitudes progressistas em relação às mulheres. Os registros mostram que 23 pintoras e pelo menos uma escultora estavam ativas em Bolonha entre 1500 e 1600. Entre elas, Lavinia Fontana, filha de um pintor de sucesso, que desenvolveu uma carreira ilustre como retratista. Elisabetta Sirani foi pintora de temas religiosos e mitológicos antes de atingir a idade de vinte anos.

Sem estender muito mais, na França do século XVIII, Rosa Bonheur se especializou na pintura de animais, apresentando uma técnica surpreendente. Ela nasceu em 16 de março de 1822 e foi uma pintora realista francesa, muito admirada em seu país, assim como na Inlgaterra e nos EUA.

Escultura de Camille Claudel
Camille Claudel, nascida em Paris em dezembro de 1864, foi uma grande escultora, aluna do escultor Auguste Roudin. Ela começou bem pequena ainda a se interessar em fazer esculturas, e recebeu muito incentivo de seu pai. Hoje ela é considerada uma das principais artistas francesas do século XIX.

Aqui no Brasil, as artistas mulheres também sofreram preconceito e discriminação, apesar de terem tido uma participação bastante razoável na pintura brasileira.

Sabe-se que muitas delas estudaram na Academie Julian, de Paris, a principal escola privada, em nível internacional, a aceitar mulheres como alunas a partir do final do século XIX. Berthe Worms, Nicolina Vaz, Julieta de França, Nair de Teffé, Georgina de Albuquerque, entre outras, foram estudar em Paris e tiveram sucesso em seu tempo, ganhando medalhas e prêmios. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, por onde passaram muitos importantes pintores da nossa história, entre os quais Candido Portinari, somente no final do século XIX passou a aceitar mulheres como estudantes.

Somente depois da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, é que a artista brasileira passou a ter seu lugar reconhecido. Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, as pioneiras do modernismo brasileiro, abriram caminho para todas as gerações de artistas seguintes.

Sabemos que neste primeiro semestre de 2011, com o apoio da presidenta Dilma, houve uma exposição de mulheres artistas no Palácio do Planalto. Pinturas, esculturas, obras em cerâmica, desenhos, gravuras, fotografias e tapeçarias feitos por artistas brasileiras como Tarsila do Amaral, Djanira, Anita Malfati, Georgina de Albuquerque, Noêmia Mourão, Collete Pujol, Lygia Pape, Mira Schendel, Tomie Ohtake, Edith Behring e Renina Katz.

Pintura de Rosa Bonheur, pintora realista do século XIX, França

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