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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um olhar sobre os Impressionistas

Claude Monet: "Le bassin aux nymphéas, harmonie verte",1899
Era o dia de ver os Impressionistas.

O tempo está seco e quente demais para o inverno. O mês de agosto ainda não trouxe nenhuma frente de ar polar, como deveria acontecer. Nem mesmo frente fria tem aparecido por aqui. Mas o dia amanheceu claro, um sol que começa a deslocar seus raios de luz em direção à parede à direita da minha sala, como acontece todo ano quando estamos a um mês do fim do inverno. A primavera chega em setembro, mas já se podem ouvir sabiás cantando antecipadamente.

Autorretrato, Leon Bonat, 1855
A cidade amanheceu congestionada. Como sempre. A moça do rádio informa, monótona, que há mais carros na rua do que normalmente, “para o dia e para o horário”. Pontos de ônibus recebem pessoas às dezenas, desde às quatro horas da madrugada. Pessoas que vão trabalhar, que vão ao médico, que vão de um lado a outro, horas e horas de tempo gastos dentro dos ônibus, dos metrôs apinhados ou dos trens abarrotados. Mas mais abarrotadas estão as ruas: de carros com uma pessoa dentro.

Uma ou outra bicicleta se arrisca entre ônibus e automóveis guiados por motoristas tensos. Há uma bicicleta branca aqui perto, uma moça morreu. Um ônibus passou por cima. Dela e da bicicleta. Que está lá em sua branqueza, parecendo um fantasma, mostrando o quanto esta cidade é dura com os mais fracos.

Motoqueiros loucos, que nem cachorros, doidos para entregar suas encomendas, passam ziguezagueando entre os carros. Xingando e sendo xingados. O meu ônibus sobe a rua Teodoro Sampaio, devagar, cansado. O cobrador chama todas as mulheres de “minha linda”, “gata”, “amor”. E os homens de “amigão”, “queridão”... Ele procura sua cota de felicidade nesse mundão cão. As pessoas gostam: as mulheres sorriem, os homens se sentem parceiros. Nem tudo é selva em meio a tantas torres! Ou como dizia meu poeta Drummond “uma flor nasceu na rua!”

Retrato de Fernand Ralphen,
Auguste Renoir
Ônibus, depois metrô. Pessoas ainda indo pro trabalho. Toda hora há turnos de trabalho sendo iniciados nesta metrópole. O meu começa às 13h. Mas ainda é cedo e eu vou para o centro. No meio dessa confusão de pernas e braços que correm em todas as direções, me lembro de novo de Drummond: “Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.”

Chego no Centro Cultural Banco do Brasil. Há alguns oásis em meio a tanto deserto e de vez em quando uma brisa fresca sopra e nos permite respirar. Mesmo com a garganta seca.

Uma hora na fila. Leio “Zona Leste”, de Jeosafá Gonçalves. Converso um pouco com meu amigo. Ouço a conversa da senhora ao lado, tagarela, voz que arde nos nossos ouvidos. Meu amigo pára de ler seu “The Prince” de Maquiavel, pois a lenga-lenga da senhora tira a concentração. Conversamos mais um pouco. O mundo passa na calçada: pessoas no fluxo e no contrafluxo, indo trabalhar. Ou mesmo vagabundos que não tem pra onde ir. Todos passam ali. Olhamos calados. Nós somos todos eles.

Público na fila hoje, no CCBB
Dez horas, a porta grande se abre. Abre um mundo, um outro mundo. Os Impressionistas de Paris, do Museu d’Orsay que visitei algumas vezes, estão aqui à nossa frente, com suas cores claras, suas luzes quase nos incandescendo. O prazer estético vai aumentando. Paramos diante de Boldini e seu “Conde Robert de Montesquiou”, muito bem trabalhado, elegante. A pintura e a figura. Giovanni Boldini era grande retratista, tanto quanto John Singer Sargent. E Fantin Latour com sua “Família Dubourg”, pintada em 1878. Eu e meu amigo paramos em frente a esse quadro melancólico. “Parece uma família em luto”, disse ele. Concordei. As expressões nos rostos são pesadas. A pintura, perfeita. Ele era realista, como Gustave Courbet, que ele conheceu. E como Boldini e Sargent. E Carolus-Duran, um dos mestres de Sargent. Soube que Fantin Latour se casou com Victoria Dubourg, da família pintada por ele.

Homem com cinto de couro,
Gustave Courbet
Renoir, Toulouse-Lautrec, Degas, Monet e Manet estão ali ao redor de nós, com suas cores brilhantes, suas sombras coloridas, suas pinceladas que não buscam descrever nada, apenas mostrar o suficiente. As paisagens pintadas por eles, pelo interior da França ou à beira do rio Sena, parece que nos transportam para aqueles lugares de um tempo que já passou. Uma certa saudade nos toca de leve, como se conhecêssemos cada lugar daqueles, como se tivéssemos assistido pessoalmente o momento em que Monet pintou aquela paisagem com casas brancas de neve. Ou o momento em que Stanislas Lépine pintou aquela moça subindo uma rua de Montmartre com uma cesta de verduras nas mãos enquanto duas outras mulheres parecem negociar um litro de leite.

Paramos em frente ao “Homem com cinto de couro”, de Gustave Courbet. Observamos mais uma vez em detalhes todo o quadro, emoldurado lindamente. Era um dos autorretratos de Courbet, que fez tantos. Ele era realista, como Caravaggio. Ele certa vez alugou uma vaca e levou para dentro de seu ateliê em Paris. Queria pintar a vaca, com ela ali posando para ele. Do mesmo jeito que Caravaggio também alugou um carneiro dos bandos que atravessavam Roma à noite, levou para seu ateliê e pintou-o sendo alimentado por João Batista. Este quadro, para quem quiser ver de perto, está na exposição do Masp.

"Autorretrato com fundo rosa",
Paul Cézanne
Mas voltemos aos impressionistas. De vez em quando um retrato pintado por Renoir cruzava nosso caminho. Um menino sobre um fundo vermelho nos chamou a atenção. Seus olhos eram suaves, inteligentes. Como os olhos do “Autorretrato com fundo rosa” de Paul Cézanne. Esse olhar, profundo e indecifrável, sensibilizou o poeta Rainer Maria Rilke, que dele dissera:

“É um homem com o perfil direito voltado em 1/4 para nós, e que olha. Seus cabelos escuros, espessos, estão ocultos atrás das orelhas de modo que o contorno do seu crânio está à vista. E a grandeza, a incorruptibilidade desse olhar imparcial é confirmada de modo quase tocante pelo fato de que ele se representou a ele mesmo, sem nenhuma interpretação ou julgamento de sua expressão, com objetividade humilde, com a fidelidade e a curiosidade de um cão que se vê no espelho e diz: ‘Aqui tens um outro cão’.”

Sempre que vejo autorretratos pintados por esses artistas, fico pensando que eu posso estar olhando para um espelho: “Je est un autre”, como disse o outro poeta, Rimbaud, não é? Aquele velho desdentado que vimos passando lá em frente ao CCBB alheio àquela fila não é uma parte de mim mesma, dos muitos que habitam em mim? O olhar de Cézanne é o olhar do meu amigo de "alma inquieta" ao meu lado...

A Lavadeira, Paul Guigou
Dentro do CCBB as indicações nos levam às salas. Tudo está sob controle, as filas, as quantidades de pessoas que entram em cada sala, a temperatura, a umidade... Estava em 54%, disse um dos funcionários. Era uma exigência dos administradores do Museu d'Orsay: que se cuidasse muito bem dessas preciosidades aqui em nosso Brasil.

De cima para baixo, mais impressionistas; os conhecidos e aqueles dos quais nunca ouvi falar, como Paul Guigou e sua “Lavadeira”. Os impressionistas estavam voltados para a luz. Era a luz que importava. De jeito diferente do de Rembrandt, Vermeer, Caravaggio, Tiziano... As sombras impressionistas são coloridas. Nada de preto em quase nenhum lugar. A não ser nas roupas das moças dos cabarés de Paris, lindas em sua feminilidade livre, expostas aos olhos e aos braços dos freqüentadores do cabaré Chat Noir, ou do Moulin Rouge, ou do Moulin de La Galette... Ao alcance da palheta de Toulouse Lautrec.

“Conde Robert de Montesquiou”,
Giovanni Boldini
No piso do subsolo, os últimos quadros. Naturezas-mortas, uma de Courbet e outra de Fantin Latour, lindas demais de se ver! Nos perguntamos, eu e meu amigo: como pode ser que um homem preso tenha pintado aquelas flores tão claras, tão belas, num ambiente tão sombrio? Gustave Courbet pintou várias naturezas-mortas enquanto estava preso por seu envolvimento com a Comuna de Paris... Na sala derradeira, um Van Gogh que representa um bando de pessoas numa casa de dança em Arles, onde ele viveu. Paul Gauguin, Sisley, Pissarro... Quadros pontilhistas, quadros mais próximos aos próximos modernistas.

Acabou. Saímos de novo para as ruas, o sol já no zênite, fazia com que tudo parecesse uma imensa tela impressionista, impregnada de luz. Almoçamos no “Bancários”, restaurante à moda de antigamente quando o centro de São Paulo era lindo e leve. Mesas na calçada, bem forradas com toalhas brancas, lembrando os cafés de Paris... Brasileiramente, pedimos uma feijoada. A conversa era boa, a alma estava lavada. Os pulmões respiravam, os olhos “em festa”.

Eu estava feliz! Nós ficamos muito felizes ao passar por esses impressionistas! E desejamos que essa felicidade pudesse tomar conta da alma de todos os brasileiros que possam ver esta exposição...

A Arte faz isso com a gente: toca o coração...

Camponesas bretãs, Paul Gauguin

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Os Impressionistas

"Impressão do nascer do sol" de Claude Monet, 1872, pintura que inaugurou o Impressionismo
Enquanto aguardamos a inauguração da exposição “Paris: Impressionismo e Modernidade” aqui em São Paulo, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), marcada para iniciar a partir da primeira semana de agosto, faço algumas reflexões sobre o Impressionismo, movimento artístico que influenciou a arte do século XX. Fui buscar informações sobre eles especialmente no livro do professor Carlos Cavalcanti História das Artes, de 1983, assim como nos dois volumes Impressionismo, da Taschen, publicado em 2011.

No século XIX houve, na Europa, uma aceleração da revolução industrial iniciada no Reino Unido em meados do século XVIII. Eram profundas mudanças tecnológicas que traziam  impacto muito grande sobre as relações econômicas, políticas e sociais, influenciando todas as áreas e trazendo uma nova visão sobre o mundo. Vale destacar, no campo da pintura, que a indústria química inventou os tubos flexíveis de tintas a partir de meados do século XIX.

A nova mentalidade começava a ser marcada por uma visão científica do mundo, que concebia a matéria - e a história - com dinamismo. Foi o período em que surgiram as ideias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), a filosofia materialista-histórica de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), os estudos microbiológicos de Louis Pasteur (1822-1895), além das descobertas “da eletricidade, do rádio e das ondas hertzianas”. Assim como avançavam as pesquisas científicas no campo da ótica, da luz e da cor. Os artistas também propunham mudanças na maneira de pensar a pintura.

Na França, ainda predominava a arte acadêmica, ou Neoclássica, apegada ao passado e a seus símbolos. O modelo era o greco-romano e os artistas eram levados a pintar os grandes feitos dos poderosos, na pintura de história. Mas no começo do século XIX, novas ideias começam a despontar entre artistas e intelectuais europeus, inicialmente voltados para uma visão romântica da natureza. A vigência do pensamento neoclássico, por sua frieza e rigidez, incomodava certos artistas, e eles partiram para criar obras onde os valores emocionais e individuais fossem enfatizados, em detrimento da mentalidade que buscava imitar os valores estéticos voltados para o passado. O movimento que ficou conhecido como Romantismo marcou presença nas artes europeias, especialmente entre 1820 e 1850.

Na vida política da Corte, alterações também estavam ocorrendo, especialmente após a Revolução Francesa de 1789. Os adeptos do Antigo Regime defendiam os privilégios da nobreza e do clero. Do outro lado, estavam aqueles que defendiam novas formas de vida econômica, social e política e propunham uma mudança de rumos na França. Por isso, desde o fim do século XVIII e durante todo o século XIX os franceses passaram por várias revoluções e modificações na vida do país.

Gustave Courbet: O desesperado
(autorretrato), 1843-45
Na pintura surge o Realismo, como consequência de todo esse novo quadro. Gustave Courbet inaugura uma exposição, em 1855, paralela à promovida por Napoleão e em protesto por ter sido recusado na mostra oficial. À sua exposição, Courbet denomina: “Du Réalisme”, com isso inaugurando nova etapa na pintura francesa. Esse movimento defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, observa Cavalcanti. O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”.

Mas o realismo não era um movimento novo. Ao longo da história, desde seus primórdios, o homem tem se alternado em várias fases realistas. Carlos Cavalcanti diz que a primeira delas vem desde os tempos remotos da pintura nas cavernas da era chamada Madaleniana, ou idade da pedra lascada. Depois, houve uma fase realista grega e romana. Mas com o advento do misticismo medieval, o realismo perdeu espaço para as abstrações da fé cristã. Depois, com o Renascimento, novos artistas realistas apareceram, muitos deles influenciados pelas novidades pictóricas de Ticiano e Rubens. Mais especialmente realista foi a arte Barroca, cujo maior nome é o de Caravaggio, na Itália; de Rembrandt, na Holanda; de Velázquez, na Espanha.

Amor sagrado e amor profano, de Ticiano, 1514:
Ticiano foi um dos mestres preocupados em estudar os efeitos da luz
O IMPRESSIONISMO

Pois bem. Segundo diversos historiadores, incluindo Carlos Cavalcanti, o movimento conhecido como Impressionista derivou diretamente do Realismo, cujos representantes maiores eram Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa e abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu se organizar contra as regras da academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes, que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. E vários deles em grande penúria, como Alfred Sisley, que morreu na miséria.

Pintura de Édouard Manet:
Claude Monet pintando em seu ateliê, 1874
 
Um dia, o pintor Manet teve a ideia de organizar uma associação profissional com os artistas que não encontravam espaço para expor. Pouco tempo depois, com diversos adeptos, nascia a Sociedade Anônima Cooperativa de Artistas Pintores, Escultores e Gravadores, cujo objetivo maior, segundo seus estatutos, era justamente promover exposições públicas de obras de seus associados. A primeira grande exposição coletiva foi inaugurada, então, no dia 15 de abril de 1874 nas salas do ateliê do fotógrafo Felix Tournachon Nadar (1820-1910).

Entre os primeiros expositores estavam: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e uma mulher, Berthe Morissot. Foram expostos 150 trabalhos.

Cavalcanti conta que Edmond Renoir, irmão do pintor, foi o encarregado de preparar o catálogo da exposição. E teria dito a Claude Monet que os títulos de suas obras eram monótonos, algo do tipo “Entrada da aldeia, saída da aldeia, manhã na aldeia...” Ao que Monet teria sugerido secamente que ele incluisse a expressão “Impressão”, que foi aceita e incluída no catálogo como, por exemplo, “Impressão do nascer do sol”.

A exposição não foi aceita pela crítica e pelo público, acostumados às pinturas da Academia. Os ataques dos críticos foram agressivos, chamando-os “falsos artistas”, “ignorantes” das regras da boa pintura e da verdadeira beleza.

Entre os críticos mais ferrenhos estava Louis Leroy, que era também gravador e paisagista. Ele escrevia para o jornal Le Chavirari, que tinha um viés humorístico e político e era bastante lido pela população parisiense. Ele escreveu, segundo consta no livro História das Artes:

“Selvagens obstinados, não querem, por preguiça ou incapacidade, terminar seus quadros. Contentam-se com uns borrões, que representam as suas impressões. Que farsantes! Impressionistas!”

Claude Monet: Jardim em Giverny, 1900
Logo, a expressão Impressionistas se popularizou nos círculos mais conservadores que usavam o termo para designar qualquer artista que eles considerassem medíocre. A primeira exposição dos “Impressionistas” durou um mês e foi um fracasso. Em 1875, a Associação resolveu abrir um leilão dos quadros no Hotel Drouot. Mas uma vez a reação contra eles foi dura e “os pregões do leiloeiro eram vaiados pelo público”, conta Cavalcanti.

Mas em 1876 veio a segunda exposição e desta vez resolveram usar o termo com que eram criticados, e deram como título da mostra: “Exposição dos Pintores Impressionistas”.

De 1874 a 1886, os impressionistas fizeram oito exposições em Paris, com mais adesões de outros pintores, entre os quais Paul Gauguin, que se juntou a eles. Aos poucos eles foram sendo respeitados, pela suas pesquisas em torno da luz e das cores. Na última coletiva de 1886, mais dois pintores se aproximaram do grupo: Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935). Estes dois resolveram aplicar em suas telas as descobertas científicas no campo da física e da química das cores, e com isso desenvolveram a técnica de pincelar que já tinha sido iniciada por Monet e Pissarro, que passou a ser chamada de pontilhismo. Van Gogh é um dos exemplos de pintores que usaram o pontilhismo em seus quadros impressionistas.

Após 1886, finalmente os impressionistas começaram a ser reconhecidos pelo público e pela crítica. Novas gerações de artistas aplicavam as mudanças iniciadas pelos seus antecedentes e desenvolviam novas formas de expressão artística. Degas, Monet e Renoir já eram admirados e respeitados.

Mas o que fizeram a mais os Impressionistas, em relação aos outros? Eles simplesmente introduziram na pintura “a observação direta da luz do sol”, conforme explica o professor Cavalcanti, e fixaram as mudanças sutis que a luz do sol produz nas cores do mundo em horários diferentes do dia. Eles retiraram seus cavaletes dos espaços fechados dos ateliês e foram pintar ao ar livre, e por isso foram sobretudo paisagistas. Enquanto os defensores da academia esbravejavam contra eles, diz Cavalcanti, “Claude Monet se imortalizava embriagando-se de luz”. E acrescenta que Monet dizia que não sabia fazer nada, “nem pensar”, quando o sol desaparecia.

Degas: Escola de Dança, 1879
Ao contrário dos pintores acadêmicos que queriam despertar sentimentos e ideias edificantes quando pintavam telas com temas ou históricos, ou mitológicos, ou bíblicos ou alegóricos, os Impressionistas queriam somente mostrar os efeitos coloridos da luz solar sobre o mundo, observados diretamente. E Cavalcanti acrescenta:

“Como bons realistas, além de pintarem apenas o que viam , só pintavam o que estivesse recebendo direta ou indiretamente a luz do sol”.

Mas o autor observa que essa preocupação não era exclusiva dos impressionistas. Antes deles, Leonardo da Vinci (1452-1519) em seu “Tratado da Pintura” faz diversas observações sobre a luz do sol e seus efeitos na natureza. Assim como os pintores venezianos do Renascimento, em especial Ticiano (1477-1576) e Veronese (1528-1588), cujas telas eram repletas de cores que se derramavam em massas luminosas. Assim também foram os mestres holandeses Rembrandt e Vermeer. Assim foi o mestre espanhol Diego Velázquez, que inspirou Édouard Manet, Claude Monet e Auguste Renoir. Também Rubens, o mestre alemão, tinha se voltado para a luz. E os pintores do estilo rococó, franceses e italianos; assim como os paisagistas românticos ingleses, como William Turner.

Mas os Impressionistas foram originais em suas concepções sobre o desenho, a cor e a luz, que eles sistematizaram em princípios básicos da nova forma de pintar. São eles, segundo numerou Carlos Cavalcanti:

Pintura de John Singer Sargent:
Claude Monet pintando, 1885
1 - A cor não é uma qualidade absoluta; a ação da luz modifica as cores constantemente;
2 - Não existe Linha na natureza. A linha é uma abstração mental criada para representar o que vemos;
3 - A sombra não é preta, nem escura; é colorida e pode ser luminosa;
4 - Aplicação de contrastes de cores em complementaridade;
5 - As cores não devem mais ser misturadas na palheta, mas colocadas de uma forma que a visão ótica dê a configuração delas.

Mas nem tudo era paz entre os Impressionistas. Degas, por exemplo, continuou a afirmar o domínio do desenho sobre a cor, e se recusava a pintar ao ar livre. Sua sobrinha, Jeanne Smith, salienta que Degas tinha uma memória visual prodigiosa e ele poderia pintar no ateliê as paisagens que vira alguns dias antes. Renoir, por seu lado, deixou o movimento na década de 1880, voltando depois para ele e com isso nunca conquistou plenamente a confiança dos outros membros. Édouard Manet, um dos fundadores do grupo, se recusou a exibir o seu trabalho com outros impressionistas e preferia continuar tentando o Salão de Paris. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, o grupo é marcado pela saída de Cézanne, Renoir, Sisley e Monet, que abandonam o grupo e vão participar do Salão. Muitas disputas depois, o grupo dos impressionistas se separou em 1886, quando Signac e Seurat montaram uma exposição concorrente. Camille Pissarro foi o único artista que participou de todas as oito exposições do grupo.

Os Impressionistas mais conhecidos são: Fréderic Bazille (1841–1870); Eugène Boudin (1824-1898); Gustave Caillebotte (1848–1894); Mary Cassatt (1844–1926), Paul Cézanne (1839–1906); Edgard Degas (1834–1917); Armand Guillaumin (1841-1927); Claude Monet (1840–1926); Berthe Morisot  (1841–1895); Camille Pissaro (1830–1903); Pierre-Auguste Renoir (1841–1919); Georges Seurat (1859-1891); Alfred Sisley (1839–1899); Vincent van Gogh (1853-1890), entre outros.

Destes pintores, estarão em São Paulo e Rio, no CCBB, obras de Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard.

Além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo.

Édouard Manet: O Banho ou Desjejum na relva, 1863

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Paris: Impressionismo e Modernidade

Claude Monet: La Gare Saint-Lazare, 1877, óleo sobre tela, Museu d'Orsay, Paris

A partir do dia 4 de agosto o Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB – inaugura em São Paulo uma grande exposição com 87 obras de pintores impressionistas franceses, pertencentes ao Museu d’Orsay de Paris.
O CCBB, no texto apresentativo da mostra, afirma que esta será a primeira de muitas outras grandes exposições que a entidade cultural trará para o Brasil. E foi anunciada uma grande notícia para a vida cultural de São Paulo: em 2015 será inaugurado um grande centro cultural no local aonde funcionou durante décadas o Hospital Matarazzo, perto da Avenida Paulista, entre a rua Itapeva, Pamplona, Rio Claro e São Carlos do Pinhal. O projeto é do designer francês Phillipe Starck. O projeto deve abrigar um grande teatro, salas de cinema e espaços para exposições.
O Brasil começa agora a se tornar também um polo de atração para grandes exposições. Duas grandes mostras de arte que ocorreram aqui, trazidas pelo CCBB, colocaram o Brasil no ranking das exposições com maior público do mundo, pela revista The Art Newspaper: a de Escher, em 2011, com 381 mil visitas e a mais recente, sobre a Índia, com cerca de 400 mil visitantes.
A exposição "Paris: Impressionismo e Modernidade" pretende trazer para cá obras históricas importantes, entre outras: "La Gare Saint-Lazare" (1877) e "La Gare d’Argenteuil" (1872), de Claude Monet, o mesmo que pintou o primeiro quadro dito “impressionista” da história da arte.
Paul Gauguin: Les maules jaunes, 1889, óleo sobre tela
A exposição será organizada em seis módulos, apresentando aqueles pintores que permaneceram vivendo na cidade, especialmente em Paris, ou aqueles que resolveram ir viver no campo. Virão, entre outros: Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard, além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo nas artes.
Claude Monet: O tocador de pífano, 1866, 160x97 cm
óleo sobre tela
A tela O Tocador de Pífano (Le fifre), de Manet, será uma das grandes atrações da exposição. Essa pintura foi recusada no Salão Oficial de Paris, ainda sob a dominação do estilo neoclássico. Ela apresenta um menino humilde, dando a ele a importância que os membros da Academia oficial de Paris não aceitavam. O menino, um pouco manco, está tocando uma flauta de pífano e vestido com o uniforme dos filhos dos oficiais das tropas da Guarda Imperial de Napoleão III. As calças vermelhas com listras pretas, jaqueta preta com botões dourados, a faixa branca e o boné são característicos dos soldados. Considerando este tema comum, o júri do Salão oficial criticou o fato de Manet ter dado um formato grande como se ela fosse uma pintura histórica, e por ter feito o retrato de uma criança desconhecida, como se fosse de alguém famoso. Percebe-se, nesta tela que estará aqui no Brasil, a admiração que Manet tinha pela pintura dos mestres antigos, em especial, Diego Velázquez. O quadro é inspirado nos retratos de grande comprimento do pintor espanhol, como o de Pablo deValladolid, por exemplo, os dois contra um fundo neutro. O escritor Émile Zola escreveu um grande ensaio em defesa desse quadro.
Abaixo, a íntegra do texto disponibilizado no Portal do Museu d’Orsay, sobre a exposição:
Enquanto a velha Paris se apaga sob a influência do barão Haussmann, os pintores Jongkind e Lépine, Manet e Degas, Monet e Renoir, Pissarro e Gauguin, apaixonam-se pela cidade e pela sua vida frenética. Novos temas surgem para os artistas, com boulevards, ruas e pontes animados por um movimento incessante, jardins públicos, vibrantes mercados cobertos e a céu aberto, retraçados sob o céu cinza, bem como grandes lojas e vitrines, iluminadas a gás ou eletricidade, estações de trem, cafés, teatros e circos, corridas, sem falar dos bailes e noitadas mundanas...
Através destes lugares, os artistas pintam igualmente todas as camadas da sociedade: austeras famílias burguesas na obra de Fantin-Latour, burguesia mais elegante e frequentadora dos lugares da moda, moças da fina sociedade tocando piano em Renoir, prostitutas que rodam a bolsinha e sobre as quais artistas como Degas, Toulouse-Lautrec ou Steinlen lançam um olhar livre de qualquer julgamento moral e até empático, como em Toulouse-Lautrec.
Entretanto, a atração pela natureza e o desejo de fugir da cidade também se manifestam de modo imperativo... São os mesmos artistas que se voltam para os temas mais “naturais” das cercanias de Paris (Monet, Bazile, Renoir, Sisley para Fontainebleau, Monet para Argenteuil, Pissarro para Pontoise…). A busca por novas aventuras picturais conduz ao refúgio na região do Midi (Van Gogh, Gauguin e Cézanne) ou na Bretanha (Gauguin, Bernard), ao passo que os artistas do movimento Nabi privilegiam a intimidade de universos interiores.
Comissária: Caroline Mathieu, curadora chefe do Museu de Orsay