|
Parisienses no Jardim des Tuileries, se aquecendo ao sol |
A tarde estava clara,
céu azul e brilhante deste outono gelado. Nessa época do ano, o dia termina por
volta das oito da noite, mas logo começa o horário de inverno e vai estender um
pouco mais a luz sobre a cidade. As pessoas ficam lagarteando em cadeiras de
ferro verdes espalhadas pelas Tuileries, buscando se aquecer ao sol, enquanto
descansam. Ao fundo, à esquerda, lá longe, a Torre Eiffel desponta. Muitas
pombas convivem aqui com as pessoas e patos nadam nas águas das fontes desse
jardim imenso. Pessoas de todas as cores e línguas se cruzam.
|
Museu de l'Orangerie |
Como não dá para ter
certeza quem é da terra e quem é turista, perguntei para um senhor de pele muito
negra, que estava com um crachá da prefeitura, trabalhando na manutenção do
Jardim: para que lado fica a entrada de l'Orangerie? Ele me apontou a direção,
muito simpático, mas falando num francês super carregado de sua língua árabe-africana
cujo “r” é impossível reproduzir. Vi alguns cabelos brancos despontando em sua
cabeça, pensei o quanto já devia ter trabalhado nessa vida. E veio parar em
Paris, para viver essa vida proletária, em busca da sobrevivência. Agradeci a
ele e segui para lá, enquanto o rosto marcado e bonito desse homem passava pela
minha mente, em massas que iam do azul ao laranja, do marron escuro ao verde;
vontade de pintar seu rosto.
O Museu de l’Orangerie
fica localizado no Jardim des Tuileries, à direita de quem está olhando para o
Louvre e sua pirâmide de vidro. O Museu tem esse nome por ter sido construído sobre um antigo laranjal. Foi construído em 1852 pelo arquiteto Firmin Bourgeoais e concluído por seu sucessor Ludovico Viscontias. Era antes a plantação de laranjas do Jardin des Tuilleries.
|
Uma das grandes "Nympheas" de Monet |
Na entrada, como sempre acontece nos museus
maiores daqui, fila para comprar o bilhete. Mas como eu estava com meu ticket
para quatro dias, entrei direto.
Logo no piso superior,
um anúncio de que ali estavam expostas as famosas Nympheas de Claude Monet, o
grande pintor impressionista que postou seu cavalete ao sol de Giverny e pintou
aqueles jardins cheios de plantas aquáticas. São telas gigantescas, dispostas
em paredes arredondadas. Para ver a tela inteira, há que se tomar uma
distância. Mas eu também gosto de ver o pincel do artista, então fiquei
examinando seu trabalho com as cores. Aquilo que os pintores, a partir de
Tiziano, tinham descoberto – rompido com o limite da linha – os impressionistas
alcançaram o máximo da aplicação de pinceladas em massas grandes, sem linha. As
Nympheas, bem de perto, chegam a ser abstratas. Mas quando se distancia, vemos
que toques de tinta configuram flores, folhas e paisagens.
São duas salas grandes,
ocupadas por essas pinturas de Monet.
|
As meninas, de Renoir |
Desci a escada e fui
para outra ala do museu. Lá estão os impressionistas, mas também outros
pintores, com obras do final do século XIX e começo do XX: André Derain,
Auguste Renoir, Paul Cézanne, Gauguin, Alfredo Sisley, mais Monet, Matisse,
Modigliani, Rousseau... Mas o pintor que eu não conhecia e que me chamou a
atenção foi André Derain. Fiquei com vontade de ler mais sobre ele, de saber
mais sobre sua vida.
Derain, pelo que li nas
descrições do Museu de l’Orangerie, tinha sido um pintor fauvista, depois cubista,
até que um dia entrou no Museu do Louvre e algo mudou dentro dele. Estava
escrito lá na parede do l’Orangerie o que ele teria dito: "Mes idées ont été
entierement effarées quando j’ai vu au Louvre les impressionistes expos és au côté
de Rembrandt, de Rubens, de Velazquez, de Watteau, de Poussin, de Raphael...
(...) Um Le Nain tout gris démolissait les Monet” (minhas ideias foram inteiramente abaladas, quando eu vi, no Louvre, os impressionistas expostos ao lado de Rembrandt, de Rubens, de Velazquez, de Watteau, de Poussin, de Raphael. (...) Um quadro de Le Nain (os irmãos Le Nain, que viveram em Paris por volta de 1630) todo cinza demoliu os quadros de Monet). Nesse momento, Derain se
convenceu da superioridade dos mestres antigos e, continua o texto do Museu: “Derain renovou a cadeia, o que é mais difícil do que rompê-la”! Fui ver
imediatamente as pinturas de André Derain de depois desse dia: realmente ele mudou
a maneira de pintar, voltou à pintura pictórica e profunda; sem ser
acadêmico; mesmo mantendo um viés bem atual. Gostei deste André Derain!
|
Arlequim e Pierrot, de André Derain |
Saí da sala de Derain e
fui ver os espanhois, com avidez. Os espanhóis são bons há 500 anos! Logo na
entrada da primeira sala, um texto explicava que a Espanha, no século XIX havia
estancado numa sociedade fechada e sombria. O país passava por uma crise muito
forte e, enquanto o resto do mundo se iluminava com as ideias da Revolução
Francesa, aquele país permanecia envolto em si mesmo. Os pintores de então
resgataram seus mestres de antigamente, Vélazquez, Goya, El Greco. E produziam
telas densas, cujas cores fortes impressionam logo de cara!
Anotei os nomes, para
futuras pesquisas: Modest Urgell, Ignacio Camarolench, Santiago Rusiñol y
Prats, Ignacio Zuloaga, Julio Romero de Torres, Dario de Regoyos y Valdés,
Nicolau Raurich, Hermen Anglada-Camarasa, Joaquim Mi i Trinxel, José Gutierres
Solana e o grande (que eu já conheço um pouco) Joaquin Sorolla!
|
Telas de Pablo Picasso |
Solana, Rusiñol e
Zuloaga que, em primeiro momento eram pintores de paisagens, resolveram mudar
totalmente para pintar cenas de rua, essas pessoas que perambulam por aí,
vagabundos, bêbados, esfomeados, banidos.
Vários deles tinham
vindo para Paris e se encontravam em ateliês e studios que eles dividiam entre
si em Montmartre. Picasso foi um deles. Pintavam a realidade que viam nas ruas
desse bairro parisiense. Mas com sua visão espanhola, característica, formada
dentro do estilo de mestres do passado, mas especialmente de Francisco Goya, o
que dá para ver pela insistência no uso das cores fortes. Por Paris também
passaram Joan Miró e Salvador Dali. O Dali que está aqui é ainda o Dali
pré-surrealista.
|
Joaquin Sorolla |
Terminei minha visita
parando muito tempo em frente a uma tela grande de Joaquin Sorolla. Me
lembrando de todas as conversas que temos lá no Atelier Takiguthi, em São
Paulo, vendo como Sorolla resolvia o problema das grandes massas aos pequenos
toques. Ele é muito mais impressionante de perto! Tudo o que já tinha visto
dele era dos livros. Mas aqui, frente a essa tela, sim, dá para ver que ele de
fato dominava seu trabalho. Como todos os mestres, Joaquin Sorolla gastara
dias, meses e anos em estudo minucioso do mundo da pintura e sabia exatamente
onde colocar cada pincelada, com o valor preciso, no jeito correto. Trouxe, em
pensamento, alguns colegas e amigos do Atelier, para olharem comigo aquele
quadro: Alexandre, Cleir, Luis, Luciane, Sérgio, Marcelo, Marie, Jorie, Misael... e Maurício.
Nesse encontro virtual provocado pela minha vontade de ter com quem comentar essa
tela, “chegamos” a um só desejo: chegaremos lá, Sorolla! Para isso, vamos
continuar ralando muito!
|
Joaquin Sorolla |