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quarta-feira, 20 de maio de 2015

Foi bom ver El Greco

Estaçãozinha de trem de Toledo
A viagem de Madrid a Toledo se faz de trem, a partir da estação Atocha. Dura meia hora. Primeira capital espanhola, Toledo fica entre muralhas, no alto de uma elevação. Já a tinha visitado em 2001, mas voltei hoje para ver o museu de El Greco.

O museu fica em uma casa grande, com um jardim interno bem cuidado. Neste lugar o pintor Domenikus Teotokopoulos, seu nome, viveu até sua morte em1614.

El Greco, como muitos artistas em todos as épocas, foi buscar sua formação artística em outro país. Foi para a Itália e aprendeu o jeito italiano de pintar. Mudou-se para Toledo, mudou seu jeito de pintar, com o tempo. Suas pinceladas inicialmente imitavam os italianos, mas aos poucos ele foi criando seu próprio jeito de usar as cores, os pincéis, os empastos, as imprimações, as camadas de tinta. Sua figuras tornaram-se esguias, compridas. Sua pintura antecipou o expressionismo, ente outras coisas.

Vou pesquisar mais sobre El Greco quando voltar pra casa. Ele foi a boa surpresa do dia.

Parte muito antiga da casa do Museu El Greco
Lembrei-me da conversa com Juan ontem na Plaza Santana, enquanto o vento gelado fustigava minha garganta, que já estava sensível com a gripe que peguei em São Paulo. Mas a conversa com Juan girava em torno do mundo de hoje. Ele é professor de História da Arte, além de formado em Arqueologia. Falávamos do Brasil, da América Latina, da Europa, da África. Juan disse: o velho mundo, a Europa, está em crise e nunca mais vai ser o que representou antes para o mundo. A Europa já era! O mundo ficou muito pequeno e tudo está muito igual em todos os lugares, os costumes, as vidas das pessoas, as velhas práticas políticas. Temos que romper com as velhas estruturas, mas com práticas e formas novas. Em todos os sentidos, inclusive na arte.

Falei, concordando com muita coisa do que ele falou, observando que hoje para o artista não há mais um centro inspirador e formador, como foi Paris até o começo do século XX, como foi a Itália durante séculos, como foram até mesmo países como a Holanda, que nos deu Rembrandt, Vermeer, Hals e tantos outros. Hoje parece que o centro está em qualquer lugar ou em lugar nenhum!

Tudo isso, desde a idéia de mudar o mundo até o caminho pictórico que eu deva seguir, eu ou qualquer outro, gera medo na maioria das pessoas. É boa a segurança de voltar pra casa, de ver nossos filhos crescerem, nossas vidas prosperarem, saber que amanhã e depois de amanhã e sempre estaremos voltando para casa. Somos tão conservadores em tantos sentidos da vida! Tudo o que não queremos é uma boa novidade que revire nossas vidas de ponta-cabeça! Preferimos caminhar por lugares seguros, conhecidos, já traçados anteriormente...

Vista de Toledo de dentro da casa de El Greco
Juan lembrou uma frase de um amigo dele: o revolucionário é aquele que tem um pé fincado no passado, na tradição, e outro pé no futuro que ele prega. Mas a situação é complicada, porque o passado já passou, fez seu papel; o futuro nem existe ainda. Então é um equilíbrio "de loucos"!

El Greco foi completamente revolucionário! Ribera também, Velázquez idem, assim como Goya. Poderiam ter seguido no caminho seguro aprendido com os italianos e aquela sua pintura de decoração de palácios e igrejas. Tudo muito lindo, como num conto de fadas. Rafael então... Queria trazer a beleza do céu para a terra!

Mas que fizeram estes pintores espanhóis? Abandonaram o caminho seguro, criaram seu próprio caminho. Sofreram muitas críticas em seu tempo, claro! Mas hoje quando os vemos aqui nas igrejas de Toledo e no Museu do Prado, dá uma vontade muito grande de agradecer a eles: obrigada por não terem trilhado caminhos velhos! Obrigado por terem mostrado novas formas de expressão! Lembrei agora de uma história que li num autor espanhol que contava que Velazquez teria dito que preferia seguir outro caminho do que ficar em segundo lugar se tentasse imitar Rafael!

Mas, deixemos estas reflexões para outro momento. Sigamos na viagem.

Sinagoga sefaradita
Após sair do museu, fui numa antiga sinagoga, que tem séculos de história e tem a ver com parte da história dos moradores de Toledo: parte cristãos, parte muçulmanos, parte judeus. Todos convivendo em harmonia. Mas esta Sinagoga não é uma casa de oraçãoqualquer. Os judeus sefardis - segundo me informou Juan, que habitaram esta região da Espanha, além da Andaluzia, eram pessoas de nível intelectual muito avançado, diferentemente dos judeus do norte da Europa, que eram de origem camponesa e mais obedientes aos dogmas da ortodoxia hebraica.

Os judeus sefarditas da Espanha conviviam bem com cristão e muçulmanos. Os sefarditas, como tinham uma sólida formação intelectual, foram grandes pensadores, gramáticos, matemáticos, geógrafos, literatos, poetas, filósofos. Esta é a origem de Spinoza, por exemplo.

Nada a ver com os judeus que estão no poder no Estado de Israel, mais ortodoxos, fanáticos, que vivem o sonho da Jerusalém celeste onde não cabem, por exemplo, os palestinos. Mesmo os judeus sefarditas sofrem preconceito por parte dos judeus ortodoxos. Um jovem porto-riquenho, judeu por parte de mãe, amigo de Juan, passou por isso.

Pátio da sinagoga
A sinagoga sefardita em Toledo tem uma energia boa, tranqüila. Em seu pátio interno, onde tem nove lápides sepulcrais, está escrito em hebraico e traduzido para o espanhol:

"Son tumbas viejas, de tiempos antiguos, en las que unos hombres duermen el sueño eterno. No hay en su interior ni ódio ni envidia, ni tampoco amor o enemistad de vecinos. Al verlas mi mente no es capaz de distinguir entre esclavos y señores." - assinado Moisés ibn Ezras, daqueles séculos atrás.

Também entrei na Catedral de Toledo. Aqui, como em muitos lugares de influência cristã, se pode ver de perto obras de arte feitos por grandes artistas. Aqui nesta catedral, imensa, gótica, suntuosa, vi pinturas destas pessoas aqui:

Uma pintura de El Greco
Ticiano
Van Dick
Velazquez
El Greco
Goya
Rafael
Mengs
Caravaggio
Antiveduto Grammatica
Luís de Morales
Bernardo Strozzi
Luís Tristan
Giovanni Bellini
Jacobo Bassano

Este é só um dos exemplos do poder imenso da igreja que fazia com que os melhores artistas de várias épocas trabalhassem para ela. Depois deste dia intenso, as idéias fervilham na mente. Mas o corpo pede descanso.

Catedral de Toledo
Dentro da catedral

Dentro da catedral
Toledo






O rio Tejo, em Toledo

terça-feira, 25 de março de 2014

El Greco de Toledo

"Vista de Toledo", 1596-1600, Metropolitan Museum of Art, Nova York

Neste ano de 2014, a arte espanhola rememora os 400 anos da morte de um de seus artistas mais importantes, dentre os muitos pintores espanhois: El Greco. Será feita na cidade de Toledo, Espanha, a maior exposição de sua obra em todos os tempos, com mais de 100 trabalhos de El Greco provenientes de mais de 29 cidades do mundo.

Um provável autorretrato de 1503
Domenikos Theotokopoulos, que ficou conhecido para o mundo da arte como El Greco, nasceu na cidade grega de Creta em 1541 onde viveu até os 26 anos de idade. Nesta ilha grega ele era um pintor de ícones pós-binzantinos. Após esse período, viajou à Itália onde viveu por 10 anos, primeiro em Veneza e depois em Roma. A partir de 1577, mudou-se difinitivamente para a cidade espanhola de Toledo, perto de Madrid.

Sua formação pictórica foi bastante ampla. Desde as primeiras lições sobre a arte bizantina até a passagem dele por Veneza, onde conheceu a obra dos maiores mestres do Renascimento, em especial a de Tiziano. Em Veneza ele aprendeu a dominar a técnica da pintura a óleo e sua gama de cores. Depois, em Roma, conheceu a obra de Michelangelo. Sua obra, pode-se dizer assim, é o resumo da influência recebida nesses lugares, e que traz uma característica bastante pessoal, com suas figuras alongadas e suas cores densas.

El Greco compôs desde grandes quadros para os altares de igrejas, assim como pinturas para conventos e mosteiros, e também retratos, que são considerados como de alto nível. Na primeira fase de sua vida na Espanha, na pequenina cidade de Toledo, nota-se bastante a influência dos mestres italianos. Mas aos poucos, El Greco foi evoluindo para um estilo pessoal muito próprio: figuras delgadas e afinadas, uma iluminação intensa, figuras de grande expressão. Durante muito tempo sua obra foi esquecida e tratada como de “menor” qualidade, e ele mesmo tratado como um excêntrico, quase marginal na história da arte. Até que foi redescoberto no século XIX e ser hoje considerado como um dos grandes pintores do mundo.

Detalhe de "Cristo abraçado à cruz", 1580-85
Apesar de El Greco ter vivido a maior parte de sua vida em Toledo, nunca foi feita uma mostra de sua obra nesta cidade. Em 1902 foi feita uma primeira exposição sobre sua obra no Museu do Prado, em Madrid, sendo seguida depois por inúmeras exposições feitas em vários lugares do mundo. Mas em Toledo, esta é a primeira vez.

A mostra, intitulada “El Greco de Toledo” terá como sede principal o Museu de Santa Cruz, mas se espalhará por vários lugares da cidadezinha, conhecidos como “Espaços Greco”: a sacristia da Catedral de Toledo, a Capela São José, o convento Santo Domingo el Antiguo, a Igreja de São Tomé e o Hospital Tavera. Todos esses lugares conservam as telas originais do pintor, permitindo que esta exposição tenha um caráter singular e irrepetível fora de Toledo.

A mostra vai percorrer a atividade de El Greco desde Candia, em Creta, passando por Roma e Veneza. Na parte que concerne à influência recebida dos pintores italianos, em especial Tiziano e Tintoretto, será dada ênfase ao tratamento dado à luz e à sombra.

Também mostrará seu trabalho como retratista, o único que lhe deu reconhecimento e fama daqueles que viveram em seu próprio tempo, mesmo que já se diferenciasse do tipo de retratos que eram pintados na Espanha dos tempos do rei Felipe II.
Mas a exposição também traz de diversos países e museus, as obras de El Greco que foram sendo adquiridas e levadas para fora da Espanha: Entre elas: Vista de Toledo (Nova York, EUA  - The Metropolitan Museum of Art), São Martin e o mendigo (Washington, EUA - The National Gallery), Cristo na Cruz com dois ladrões (Paris, França - Museu do Louvre), São Lucas pintando a Virgem (Atenas, Grécia - Benaki Museum), A Adoração dos pastores (Roma, Itália - Galleria Nazionale d´Arte antica Palazzo Barberini), São Pedro e São Paulo (São Petersburgo, Rússia - The State Hermitage Museum) e o Retrato de um escultor (Genebra, Suiça - Coleção particular), entre outros.

"Cavalheiro com a mão no peito", cerca de 1580
El Greco se instalou em Toledo a partir de 1585. No mesmo ano, um teórico da arte italiano , Federico Zuccaro, vai visitar o pintor e leva para ele de presente uma cópia do livro de Giorgio Vasari “Vida dos pintores”. Neste livro, El Greco fez diversas anotações de seu próprio punho e vê-se que foi objeto de muitas de suas reflexões sobre a pintura.

El Greco morava numa casa que tinha sido emprestada a ele pelo Marquês de Villema. Na verdade, uma mansão enorme, que lhe dava muitos gastos na manutenção. Seu ateliê mantinha uma produção contínua e ele sempre recebia muitas encomendas, especialmente para decorar igrejas, conventos e palácios. Muitos retratos foram encomendados a ele. Seu filho, Jorge Manuel, era seu assistente e também pintor. Na mesma mansão moravam, além do pai e do filho, a mãe dele - Jerônima de las Cuevas - assim como diversos ajudantes de seus ateliê. A casa era frequentada por um grupo mais restrito de seus amigos e de eruditos e humanistas da cidade, professores da universidade de Toledo, muitos deles retratados por El Greco. Poucos deles eram ligados à nobreza.

"A fábula", cerca de 1600
Atualmente, uma das grandes especialistas na obra de El Greco é Maria Leticia Ruiz Gómez, chefe do Departamento de Pintura Espanhola Anterior a 1700 do Museu do Prado. Ela está à frente de todo esse trabalho de mostrar ao mundo a importância deste pintor, sendo uma dos curadores da maioria da exposições que acontecerão este ano na Espanha. Em um dos textos de divulgação de uma das mostras, intitulada “El Greco: Arte e Ofício”, Leticia Ruiz Gómez diz:

“El Greco é, sem dúvida, um caso único de personalidade artística em contínua evolução, um imenso criador cuja profunda originalidade está presente em sua capacidade para absorver fórmulas e modelos de outros até convertê-los em ícones únicos e inesquecíveis.

Porém, além de conceber a Arte com letra maiúscula, a essência mesma da criação artística, Domenikos Theotokopoulos foi mestre de um ateliê complexo que precisava dar saída comercial a boa parte das encomendas de uma numerosa e heterogênea clientela, para fazer sua arte rentável.

A abertura de um ateliê estável na própria casa do pintor o obrigou a uma dinâmica criação pictórica complexa, da qual El Greco se ocupou pessoalmente das obras mais importantes, assim como fazer estudos para as composições mais solicitadas, intervendo na elaboração de réplicas e de cópias, participando em diversos graus do trabalho em seu ateliê.

Alem disso, teve que lutar para conseguir a autonomia que gozavam os artistas em Creta e na Itália, numa Espanha onde as práticas artísticas ainda estavam ligadas ao mundo artesanal, com restrições que sempre lhe chocavam.

Refletir e mostrar esse complexo sistema de criação artística, englobando as obras mais importantes de toda a produção do ateliê de El Greco, é o propósito desta mostra”.

Domenikos Theotokopoulos - El Greco - morreu em Toledo em 1614.

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Site com toda a programação de exposições na Espanha para 2014:

http://www.elgreco2014.com/

"A morte de Laocoonte", interpretação de El Greco com Toledo ao fundo, 1614