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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Pequena história do autorretrato - parte VI

"Dança da Música no Tempo", Nicolas Poussin, 1638, óleo sobre tela
UM FRANCÊS


Nicolas Poussin (1594-1665), pintor francês radicado na Itália, é a própria imagem do Classicismo, na opinião de Yves Calméjane. Há dois autorretratos seus, um em Berlim e outro em Paris. Mas há um desenho em sanguínea que se encontra atualmente no British Museum de Londres que é muito mais revelador da “grandeza e nobreza desse pintor contemporâneo de Corneille e Descartes” (ver imagem abaixo).


É uma dor amarga, aquela do estóico prestes a ceder à mais dura pena”. Dá para perceber o desespero em seus olhos e sua boa parece que vai soltar um palavrão. Este homem sofre fisicamente e espiritualmente por estar à beira do desespero no qual vai cair. “Ele luta com Deus”.


Pouco se sabe sobre o começo  da vida de Nicolas Poussin, mas sabe-se que desde cedo ele guardava uma verdadeira paixão pelo desenho.


O pai de Poussin havia se arruinado com as guerras religiosas na França. Sem recursos, ele se estabelece na região da Normandia, onde se casa. Nasce Nicolas Poussin, que pode estudar com um professor de latim. Nesse período chega até Andely, onde viviam Poussin e sua família, um pintor que foi encarregado de alguns trabalhos de pintura na igreja local. Era Quentin Varin. Poussin consegue dos pais autorização para estudar desenho com o pintor e foi com ele que aprendeu também os primeiros ensinamentos sobre arte.


Mas seu desejo de crescer na arte, aquela vontade que move a gente pelo mundo, fez Nicolas Poussin partir para Paris, em algum dia de 1612. Ele vive com muita dificuldade, passando de um ateliê a outro… Conheceu e ficou amigo de Philippe de Champaigne e descobriu a arte do pintor italiano Rafael di Sanzio.


Um certo cavalheiro de Poitou se ofereceu para ajudá-lo, hospedando-o em sua terra. Mas Poussin foi tratado como um criado. Resolveu voltar à Paris, a pé, onde voltou mais uma vez a viver uma miserável existência, pintando aqui e ali… O princípio de carreira de Poussin foi muito duro! Exausto e doente, resolveu voltar à casa de seus pais, para se recuperar. Mas todas essas dificuldades não apagaram a chama da arte em seu coração. Poussin era de fato um apaixonado pela arte e toda a sua vida o demonstra.


Restabelecido, decidiu partir para a Itália. Roma era seu destino. Em Paris ele tinha ouvido falar tanto dos mestres italianos que resolveu ir conferir de perto e ver como aprender com eles.


Em sua primeira viagem à Itália, chegou até Florença e lá viu confirmadas suas expectativas de que seria lá que ele iria se desenvolver. Voltou à França, e trabalhou um pouco em companhia de Philippe de Champaigne em algumas encomendas para o Palácio de Luxemburgo em Paris. Depois partiu novamente em direção à Roma, sua obsessão. Mas foi preso por dívidas na cidade de Lyon. Novo retorno à Paris onde consegue uma encomenda dos Jesuítas, uma série de quadros sobre a vida de São Francisco Xavier, que ele pinta em uma semana. Por volta de 1622 ele conhece Giambattista Marino, um poeta napolitano que a Corte de Maria de Médicis havia acolhido em Paris. Poussin executa alguns desenhos para ele sobre temas retirados de Ovídio. Giambattista dá a Poussin o gosto pelos temas inspirados na cultura latina, que ele irá pintar durante toda sua vida.


Mais uma vez de volta a Roma, Poussin chega lá no começo de 1624.
Autorretrato em sanguínea, Poussin


Seu novo amigo, Giambattista Marino, traduziu bem o estado de espírito de Poussin naquela época: ele era animado por uma “fúria do diabo”. Nicolas Poussin acabou ficando sozinho em Roma, pois seu amigo partiu para Nápoles, sua terra natal, onde morreu no ano seguinte. Como em Paris, Poussin vive em Roma em verdadeira miséria. De vez em quando vendia um quadro, muito mal pago. Mas trabalhador furioso, ávido de progresso, ele frequentava as escolas para bons pintores. Aperfeiçoa seus conhecimentos de perspectiva e faz dissecações de cadáver para aprender anatomia.


Ele procura sua veia artística e recusa totalmente o estilo dos caravaggistas, por exemplo. Ele odiava Caravaggio! Dizia que ele tinha vindo ao mundo para destruir a arte da pintura: “uma pintura tão vulgar não pode ser feita senão por um homem vulgar. A feiúra de suas pinturas irá levá-lo ao inferno”, disse Poussin. “A morte da Virgem” de Caravaggio tinha horrorizado Nicolas Poussin, que acabou seguindo o caminho da pintura clássica, esfumada, linear.


Poussin continuava vivendo na pobreza. Durante muitos anos ele procurou desesperadamente por ajuda e por encomendas. Caiu de novo doente, desta vez com o “mal da França”, a sífilis. Esta doença o fará sofrer muito, alternando períodos de certa tranquilidade com outros onde sentia muitos incômodos físicos. “Extremos”, como ele disse. Foi exatamente neste período que ele pintou seu autorretrato em sanguínea… Por este desenho, dá para perceber seus sofrimento, sua humilhação e sua incapacidade para trabalhar…


Mais uma vez ele encontrou alguém que veio ajudá-lo: o cozinheiro francês Jacques Duguet, que era de Paris. Duguet foi procurar algum médico que pudesse ajudar Poussin, enquanto sua esposa e filha aliviavam bondosamente as suas dores. Em troca da bondade dessa família, Poussin ensinou pintura a um dos filhos, Gaspard. Em seguida, Poussin se casa com a filha mais velha de seu amigo, Anne-Marie. Segundo seus biógrafos, Poussin finalmente conheceu repouso físico e mental após seu casamento e pode enfim se consagrar plenamente à sua paixão, a arte.


O ano deste autorretrato desenhado por Poussin representa uma reviravolta em sua vida. Ele retoma seu caminho, em direção à Arcadia, aos tempos dourados da Roma antiga, ao clássico modo de vida, à filosofia clássica.


UM INGLÊS


Do outro lado do Canal da Mancha, a atmosfera era mais descontraída.


"O pintor e seu cão", William Hogart, 1745
William Hogarth (1697-1764) era inglês e adorava cães. Assim que pintou um autorretrato, não deixou de pintar junto seu cão. Em 1745 ele se pinta vestido com roupas de traballho, repousando sobre obras de Shakespeare, Swift e Milton. Neste quadro pode-se ver sua paixão pelo teatro.

Seus quadros obtiveram muito sucesso na sociedade inglesa em plena expansão, mas que também guardava disparidades sociais terríveis. Hogarth se tornou um sátiro feroz dessa sociedade britânica, através de seus quadros que ele apelidou de “peças morais”.

Ele colocou o teatro na pintura, e também a pintura no teatro. Fazendo isso, ele também mostrava sua crítica social: “Minha pintura é minha cena e meus personagens são atores que representam uma pantomima silenciosa”, disse ele.

Na primeira de suas telas-teatro, a “A carreira de uma prostituta”, de 1731, pintura feita em 6 telas, ele conta a vida edificante de uma prostituta inglesa. Em seguida, pintou “A carreira de um vagabundo”, de 1735, também dividido em 8 telas. onde ele descreve a vida, edificante e desastrosa, de um homem jovem que não sabe resistir ao jogo, ao álcool e às mulheres. O quadro-teatro seguinte é “Casamento da moda”, 1743, em 6 telas, onde ele se inspira numa comédia de John Dryden, um antigo poeta e escritor inglês.


Ele obtém sucesso imediato com esses espetáculos em tela, que ele também divulgava em gravuras sobre papel que se propagaram pelas colônias britânicas e por toda Europa. Ele foi logo copiado e pirateado por toda parte. Sabendo disso, William Hogarth desenvolve uma verdadeira campanha que acaba gerando uma lei, em 1735, que carregava seu nome, consagrada à proteção do direito autoral.

Hogart também passou a pintar retratos, inclusive retratos de grupos, além de cenas cotidianas. Ele recusou pintar cenas religiosas e históricas, pois ele tinha aversão, misturada a um pouco de xenofobia, em relação ao que pintavam os mestres franceses e italianos.

Em 1757 ele pinta um novo autorretrato, em frente a seu cavalete, numa tela sem nenhuma decoração (como seu primeiro autorretrato), onde o centro de tudo é ele e seu ofício de pintor. Seu pequeno cão não está presente aqui. Ele não queria descrever nada mais do que pintou. Na época, já havia recebido um título como pintor da parte do rei George II.

Autorretrato de 1757, William Hogarth

Gravura inspirada na série "A carreira de um vagabundo", de Hogarth

"Casamento da moda", uma das telas-teatro de William Hogarth, óleo sobre tela

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A escolha do que ver no museu: John Singer Sargent ou Damien Hirst?

O jornalista Philip Hensher, que é também crítico de arte e escritor, publicou em março deste ano uma matéria no jornal londrino Daily Mail, fruto de uma pesquisa que ele fez no museu britânico Tate Britain. Como essa pesquisa traz aspectos bem interessantes e atuais, achei interessante reproduzi-la aqui neste blog.



Carnation, Lily, Lily, Rose, pintura feita entre 1885-1886 pelo pintor realista John Singer Sargent

Mas antes de entrar no texto dele, vale falar um pouco mais de quem é Philip Hensher, um inglês nascido no sul de Londres em 1965. Hensher estudou em Cambridge, onde fez doutorado em pintura satírica do século XIX. É também romancista e crítico literário dos jornais londrinos The Guardian e The Independent. Recentemente ele foi o editor de obras clássicas da literatura inglesa, publicando romances de Charles Dickens, por exemplo. É considerado um dos promissores romancistas ingleses da nova geração.

Segue um resumo do que Hensher escreveu:

As artes plásticas dão ao espectador uma decisão que as outras formas de arte não dão: você pode escolher quanto tempo quer ficar olhando para um quadro ou uma escultura. Uma sinfonia pode durar 40 minutos, um filme pode durar duas horas, uma peça de teatro duas ou três horas… Mas você pode escolher se quer olhar para uma pintura ou escultura por 10 segundos ou por 10 minutos. E essa é uma boa medida do quanto você está interessado por ela.

Minha preocupação inicial era saber se há uma diferença entre o tempo que uma pessoa observa uma obra de arte clássica e uma obra de arte contemporânea.


Obra de Damien Hirst intitulada "Colours: Anthraquinone -1 Diazonium Chloride" - 5 segundos de observação!
Para esse meu experimento científico, o Museu escolhido foi o Tate Britain. A coleção do museu vai desde obras de pintores como William Hogarth e John Singer Sargent até artistas contemporâneos como Tracey Emin, Damien Hirst e Rachel Whiteread. 

Estes últimos são a nova geração de artistas que explodiram na arte contemporânea fazendo coisas extravagantes: exibindo a própria cama desfeita (Tracey Emin) ou um tubarão morto imerso em formol (Damien Hirst). O que pode convencer as pessoas a correr imediatamente para o “outro lado” do Museu, onde estão os pintores.

Mas essas coisas feitas por artistas contemporâneos rapidamente chegam aos jornais e torna famosas essas pessoas mesmo entre os que não se interessam por arte. Nestes dias, pintores como William Turner e John Constable (grandes nomes da pintura inglesa) parecem menos excitantes do que esses artistas-celebridades. Minha pergunta: esses pintores clássicos sobreviveriam a um teste simples a respeito do interesse das pessoas?


Fotografia com Tracey Emin, intitulada Monument Valley - paisagem do oeste norteamericano: a maioria nem parou aqui!
Por isso, fomos ao museu e passamos um dia inteiro sentados entre quatro pinturas clássicas e as obras de quatro dos renomados artistas britânicos contemporâneos. Contamos quantos visitantes pararam em frente de cada um, por quanto tempo ficaram olhando as obras, que exame foi mais longo e que tipo de visitante cada obra parecia atrair.

Surpreendentemente, apesar de toda a promoção pública dos artistas atuais, estes tiveram tanta atenção quanto os do século XVIII e XIX.

Mas as pessoas não ficam muito tempo olhando para essas obras. O Monument Valley, DE e COM Tracey Emin, teve uma média de observações que duraram 5 segundos. A maioria dos visitantes não parou para olhar.

Apesar da fama de Damien Hirst (que conserva animais em formol e expõe como obra de arte), em nossa pesquisa ninguém parou mais do que 5 segundos para olhar para ele. Um único visitante mais entusiasta parou durante 4 minutos em frente a uma ovelha em conserva. Mas você também vai encontrar pessoas olhando para uma vitrine de moscas que pululam em volta de um pedaço de carne apodrecendo, também de Damien Hirst, em exposição na Academia Real de Escultura.


Banheira escura, de Rachel Whiteread, feita em poliuretano: ver uma banheira preta por 5 segundos já foi tempo demais!
Alguns visitantes de fato demonstram entusiasmo em relação a obras contemporâneas, como a "Blak bath" de Rachel Whiteread. Teve um fã que passou quase 5 minutos em frente a ele!

Mas, em sua maior parte, essas obras de expoentes da cena artística atual atraíram apenas olhares de passagem.

É importante ressaltar que essas observações foram feitas numa segunda-feira, quando a maioria dos visitantes de exposições e museus são provavelmente os mais bem informados. Mas nós voltamos também na quarta-feira, onde há mais público, incluindo estudantes que vieram com a intenção de aprender sobre arte.

As pessoas pareciam estar realmente interessadas nas artes visuais. Mas de alguma maneira não pareciam muito interessadas nesses artistas contemporâneos, pois foi a pintura tradicional e clássica que despertou o interesse da maior parte das pessoas em visita ao Tate Britain.

As pessoas gastaram em média 2 minutos em frente ao Roast Beef de William Hogarth, um quadro pintado em 1749. O mesmo aconteceu com a tela de John Everett Millais, “Ophelia”, um dos mais populares enquanto estivemos lá: três visitantes passaram uma meia hora olhando para essa pintura maravilhosa!


O rosbife da Velha Inglaterra, pintura de William Hogarth, pintada em 1749 - 2 minutos em média de observação
Como observamos, as pessoas parecem mais dispostas a estar entre 2 e 6 minutos observando pinturas clássicas como a “Carnation, Lily, Lily, Rose”, pintada entre 1885-1886, pelo pintor realista John Singer Sargent. Esta pintura já foi o cartão postal mais vendido pela loja do Museu. Por que será?


Noturno: Azul e Prata, de James Abbott McNeil Whistler, pintura - os japoneses ficaram aqui 6 minutos
E um grupo de japoneses passou 6 minutos em frente ao “Nocturne” de James Whistler! (tente passar 3 minutos olhando para uma imagem para perceber quanto tempo é isso).

Essa apatia dos freqüentadores de galeria em relação às obras contemporâneas devia ser algo que fizesse com que os curadores profissionais ponderassem sobre o valor real de tudo o que ajudam a mostrar ao público.

Abaixo uma tabela com os resultados da pesquisa de Philip Hensher:
Obra:Total de visitantesTempo médio de visitaTempo máximo
Blach bath
Rachel Whiteread – Escultura em poliuretano
2855 segundos4 min 40 seg
Roast Beef
William Hiogarth – Pintura
2192 min 15 seg6 min 30 seg
Monument Valley
Trace Emin
1775 segundos2 minutos
Carnation, Lily, Lily, Rose
John Singer Sargent –  Pintura
3491 minuto3 minutos
Colours: Anthraquinone -1 Diazonium
Damien Hirst
3795 segundos30 segundos
Ophelia
John Everett Millais – Pintura
5622 minutos30 minutos
Nocturne: Blue and Silver
James Abbot McNeill Whistler – pintura
1042 min 5 seg6 minutos
Animal: Damien Hirst romm
Damien Hirst
47838 segundos4 minutos
 "A heroína de Shakespeare: Ophelia", de John Everett Millais, pintada entre 1885-1886 - teve gente que passou meia hora somente observando esta pintura