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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Candido Portinari no MAM de São Paulo


O Museu de Arte Moderna de São Paulo, localizado no Parque do Ibirapuera, traz para o público uma exposição do pintor brasileiro Candido Portinari. São cerca de 90 obras, que retratam diversos períodos da carreira do artista, desde 1920 até 1945. Entre as obras mais conhecidas (“Retrato de Maria” (1932), “Domingo no morro” (1935), “Sapateiro de Brodowski”(1941) e ”Criança morta” (1944), podem ser vistos outros trabalhos menos conhecidos, como o retrato “Meu primeiro trabalho”, de 1920.


Portinari
Candido Portinari nasceu em 1903, numa fazenda de café aonde seus pais – camponeses italianos imigrantes – trabalhavam, na cidade de Brodósqui, interior de São Paulo. Desde muito cedo, seu talento para o desenho sobressaiu e, incentivado por sua família, com apenas quinze anos de idade foi para o Rio de Janeiro estudar artes plásticas. Inicialmente foi aluno de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, até conseguir uma vaga na Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou dentro dos cânones acadêmicos da pintura.

Em1928, com a tela “Retrato do poeta Olegário Mariano” (que pode ser vista no MAM), ganhou como prêmio uma bolsa para estudar na Europa. Visitou a Inglaterra, a Itália e a Espanha até ir para Paris, onde permaneceu até 1931, quando retornou ao Brasil. Nessa viagem fez duas descobertas fundamentais – como aponta a curadora da exposição Annateresa Fabris, em seu livro “Portinari, pintor social”: ele descobriu os pintores renascentistas italianos e os pintores da Escola de Paris, “sobretudo Matisse, Modigliani, Picasso”.

Nesse período na Europa, Portinari observou muito o andamento das artes plásticas, as novas correntes estéticas que se formavam por lá. Era o começo do fim de sua influência pelas regras acadêmicas da Escola Nacional de Belas Artes do Rio.

O mestiço, de Portinari
Foi lá, distante de sua terra natal, que Portinari descobriu a riqueza plástica do Brasil e dos brasileiros. Numa de suas cartas, escreveu:

“Apesar de eu ter sangue de gente de Florença (…) eu me sinto um caipira. Daqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodósqui como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. (…) A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem a gente conversou a primeira vez, não sai mais da gente, e eu quando voltar vou ver se consigo fazer a minha terra.”

Quando Portinari voltou ao Brasil em 1931, encontrou um ambiente muito novo. A Semana de Arte Moderna de 1922 já rendia seus frutos pelo país a fora e o espírito modernista tomava todas as mentes. Intelectuais e artistas estavam imbuídos desse novo modo de pensar o País, e logo veem em Portinari o representante plástico do Modernismo. Um de seus mais entusiasmados defensores era o escritor paulista Mário de Andrade.
Em 1934, Portinari faz sua primeira exposição individual em São Paulo, recebendo elogios de Mário e de Oswald de Andrade. Oswald chegou a dizer que Portinari era “o grande revolucionário da pintura brasileira”:

(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”, disse Oswald de Andrade.

Feita a escolha estética, Portinari fez a escolha social, optando por pintar o povo e o trabalhador brasileiro. Nesta exposição atual do MAM, podemos ver diversos desenhos a grafite ou a carvão, esboços para grandes paineis, onde ele representou os trabalhadores do Brasil, que eram o motor da recente industrialização que seguia de vento em popa. Pintou murais com temas como Café, Cacau, Fumo, Carnaúba, Descoberta do Ouro, Borracha, Carvão.
Mas também pintou os retirantes nordestinos em seu mundo árido, sofrido, onde a morte ronda todos os seres vivos: homens, animais e plantas. Olhando para um de seus quadros com esse tema, fazemos imediatamente a ligação com grandes textos de grandes escritores brasileiros, como “Os Sertões” de Euclides da Cunha e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos.

Cambalhota, Portinari
Nesta exposição, minha observação pessoal é de que o modernismo de Portinari vem não só da temática por ele utilizada, em consonância com um Brasil que crescia, mas também pela estilização de suas personagens. As figuras são – de modo geral – deformadas, seja no traço, seja nas cores, seja no movimento do pincel. Algo entre a Guernica de Picasso e as litogravuras de Kathe Kollwitz podem ser observadas numa tela como “Criança morta”, de 1944. Em muitas de suas pinturas podemos observar uma forma de expressar seus sentimentos de artista que lembra muito, na minha opinião, os expressionistas alemães. “Os Retirantes”, “O enterro na rede” e até mesmo uma paisagem, como “Paisagem de Petrópolis”, são exemplos, para mim, expressionistas.

Os diversos estudos presentes nessa exposição, para diversos murais pintados por ele, lembra bastante também a estética do Realismo Social praticado no México, nos EUA e na União Soviética, quase simultaneamente (vale lembrar que os norte-americanos somente passaram a praticar o Expressionismo Abstrato somente após 1945 e o advento da Guerra Fria, quando o Realismo Social passou a ser encarado como arte “comunista”. Mas mesmo assim, pintores realistas sobreviveram e pintam até hoje). Os trabalhadores dos pintores desse período, inclusive os de Portinari, possuem grandeza, gigantismo, fortaleza. Suas mãos e pés, sua musculatura agigantada são como formas de mostrar a força do mundo novo que pessoas simples, simples trabalhadores, podem construir.

Não foi a toa, que Portinari, em 1945, se filia ao Partido Comunista do Brasil. Participando de uma exposição de artes para arrecadação de fundos para o partido, lança-se candidato a deputado federal por São Paulo. Mas não foi eleito. Em 1947, lança-se candidato novamente, desta vez a senador. Não foi eleito por uma margem muito pequena de votos, e alguns suspeitam de que sua não eleição sofreu fraude. Ainda em 1947, com as ameaças sofridas por seu partido e por ele próprio, por parte do governo de Gaspar Dutra, resolve se exilar no Uruguai. Ele tinha sido chamado a depor na polícia política diversas vezes e foi incluído em um inquérito contra os intelectuais que lecionavam na Escola do Povo, ligada ao partido comunista.

Em 1948, quando voltou ao Brasil, o Partido Comunista estava na ilegalidade e os mandatos dos parlamentares comunistas tinham sido cassados. Com isso, ele se dedicou cada vez mais a pintar, sem nunca ter oficialmente abandonado o PCB. Faz uma exposição retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo, o MASP, onde foi consagrado pela crítica e pelo público. “Sua exposição é amplamente visitada pelas camadas mais populares”, diz a curadora Annateresa Fabris.

Imigantes, Portinari
A fama de Portinari ganhou o mundo. Foi convidado a pintar dois paineis gigantes que decoram o prédio das Nações Unidas, em Nova Iorque, cuja inauguração se deu em setembro de 1957. Essas duas telas gigantes estarão também em exposição aqui em São Paulo, na Oca do Ibirapuera, a partir do próximo mês de agosto.

Cândido Portinari morreu em fevereiro de 1962, após realizar mais de cinco mil trabalhos entre desenhos, pinturas, murais, painéis, esboços e até ilustrações. Morreu intoxicado por suas próprias tintas.

Leia mais, neste blog:
- Portinari de todos os tempos
- Um samba para Portinari

EXPOSIÇÃO:
No ateliê de Portinari (1920-1945)
Local: Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM
Endereço: Parque do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3, São Paulo
Data: de 15 de julho a 11 de setembro
Horário: de terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um samba para Portinari

Duas excelentes notícias para quem faz e para quem ama Arte:

O Museu de Arte Moderna de São Paulo, abre hoje às 20h a exposição "No Ateliê de Portinari", que reúne obras realizadas por ele entre 1920 e 1945, que pretendemos visitar neste final de semana. Aguardem novo post sobre o assunto, dentro de alguns dias.

Além disso, a Mocidade Independente de Padre Miguel, escola de samba do Rio de Janeiro, vai apresentar no carnaval de 2012 seu enredo que vai falar sobre ele que é um dos pintores mais brasileiros: Candido Portinari. O tema do samba-enredo é "Por ti, Portinari, rompendo a tela, a realidade".

Na apresentação do enredo, no final do mês de junho passado, o carnavalesco Alexandre Louzada falou um pouco sobre a história do pintor paulista, nascido em Brodosqui, ressaltando que a Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel vai contar a vida de Portinari “pela sua obra". Ele informou que os componentes da Escola representarão todos os personagens que Portinari retratou em suas pinturas, como plantadores de milho, de café, espantalhos, trabalhadores rurais e urbanos, além de outros.
"Nós seremos os seus guerreiros, só que empunharemos a lança de lápis de cor. Vamos nos colocar como personagens vivos de suas obras. A Mocidade é isso, feita de trabalhadores, de pessoas simples", disse Louzada, durante a apresentação do enredo. "Seremos a moldura viva de um quadro e pedir a ele que pinte a estrela de Padre Miguel", afirmou.
A justificativa apresentada pela direção da Mocidade, para a escolha do nome de Portinari diz que “através de suas mais importantes obras, mostraremos a trajetória deste artista que acima de tudo retratou em seus quadros e murais, a história, o povo e a vida dos brasileiros, através dos traços fortes e vigorosos carregados de dramaticidade e expressão.” 

E acrescenta: “Esta homenagem escrita em forma de poema é a maneira mais digna encontrada para festejar este mestre que além de pintar também foi poeta e que entre outras manifestações artísticas soube tão bem ilustrar com seus desenhos os poemas de Carlos Drummond de Andrade, seu grande amigo e parceiro na versão do livro “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes.”

É esta a linda sinopse do enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 2012:

POR TI, PORTINARI, ROMPENDO A TELA, A REALIDADE

“Num voo mágico, viaja o samba, /
 a conduzir meu povo feliz / 
em seu viajante sonho.
Solto no universo garboso, prosa em verso, / 
na fantasia a se tornar realidade,
leva os tambores da felicidade, / 
para despertar o artista na morada celestial.

Ó mestre, ergueis do sono esse quadro vazio. / 
Sua obra vive no cantar de nossa gente.
Põe nas tuas mãos o teu instrumento, / 
tua tela hoje é o firmamento,
que a arte se deixa tingir o breu da noite, / 
com um colorido de festa, / 
a aquarela do carnaval.

Vai, reinventa mais um lúdico céu. / 
Pinta por nós a nossa estrela,
tu que pintaste tanto a Mocidade, / 
deixa a tua mão deslizar Independente.

Hoje, somos as tintas que envolvem / 
as cerdas do teu pincel, e que,
na mistura das cores, por ti, Portinari, / 
rompem a tela para a realidade
e brilham no samba de Padre Miguel.

Hoje, uma moldura viva e humana / enquadra a tua história na pista,
e teu traço se refaz nos pés, / no passo do sambista,
que vai riscar murais de sonhos / e estampar retratos,
cena dos Brasis que tu desenhastes.

À luz da inspiração, vem fazer reluzir em nossa mente / 
a cândida infância de tua Brodowski querida,
e reflorescer os campos com suor da lida, / 
dos mestiços viris a lavrar a ampla terra.

“Entre o cafezal e o sonho”, / 
vem reunir retalhos e as lembranças coloridas,
como as dos espantalhos a oscilar na brisa, / 
serenos sobre as plantações.
Hoje, é um tempo que não passa. / 
Um turbilhão, um vento que sopra,
que varre e traz recordações, / e que vem devolver a ti a meninice.

Somos nós os teus meninos, / 
sem rosto, anônimos na multidão,
que fazem girar o teu mundo / 
num rodopio frenético,
como se fossem um pião, / 
tal como um caleidoscópio
a transmutar em formas a tua imaginação.

Somos a quimera límpida, / 
que balança livre num céu pontilhado,
às vezes, de pequenas pipas e balões.
Viemos abrir o teu coração / e revelar esse tal sentimento,
que subjugou a estética, / ao adulterar a técnica pela arte livre,
carregada de emoção.

Nessa força da cor que se imprime, / se diluem teus nativos,
descobridores, heróis desbravadores, / fauna e flora a percorrer paredes
como ciclos, desvendando a história, / o caminhar dessa nação.
Nesta hora, trazemos a alegria / pintada em nossas caras.
O suor que transpira / sob as luzes deste palco
é a nossa emoção que transborda, / ainda que exale de nós
a têmpera do mesmo povo sofrido, / do caminhar errante,
em busca da terra prometida, a vitória.

Imagina nós, os retirantes, / embora a esconder a face dura da vida,
como tão pungente retrataste, / dando o tom da cor às palavras
de “Guimarães” e “Graciliano”, / a cor da dor, escassa,
como a secura da terra do cangaço, /
por vez, na força do traço,
a bravura sertaneja.

A nossa odisséia e a nossa missão / 
é cantar-te, nosso estandarte, a glória,
como quem procura buscar nas alturas a prova.

Somos cenas bíblicas, / tal qual as que interpretastes,
nos vemos Santos, / Anjos olhados por Deus, /
 a voar nos céus azulejados.
Viemos aqui à luta, / contra o inimigo invisível, / 
os moinhos de vento
de uma aventura inventada.

À sorte, nos imaginamos fortes, / como o arauto sonhador
a rabiscar no papel uma estrada escrita / num poema de “Drummond”.
Somos “Dom Quixote De La Mancha”, / 
a empunhar a lança feita de lápis de cor.

Enfim, somos todos iguais esta noite, / 
como aqueles tantos que tua mão desenhou.
Somos o samba, o morro, / a favela, a dança, a música,
o contraste social, / trabalhadores do sonho, /
 assim como os da vida real.
Vamos à luta, / temos as caras das tuas caras, / 
o autorretrato da tua alma.
Somos todos em um, / a tua lembrança viva, / 
a eterna Mocidade,
modernista, revolucionária e guerreira / 
que, aqui neste momento,
ergue a ti um monumento, / um imenso mural, / 
pintado com a nossa alegria,
na batalha feliz deste dia, / 
“Guerra e Paz” do carnaval.