sexta-feira, 22 de março de 2013

Camille Claudel


Desde que conheci, há algum tempo, a história da escultora francesa Camille Claudel, sempre que preciso falar dela isso me incomoda. Quando assisti, há muitos anos, o filme francês de 1988 “Camille Claudel”, senti mais do que incômodo, senti uma angústia que me fez nunca mais querer rever esse filme. Não é fácil olhar para uma mulher que sofreu tanto os preconceitos de uma época como ela e que sofreu as maiores dores da alma como ela. Fica difícil falar só de sua obra, uma escultura tão expressiva quanto tinha, por exemplo, uma outra mulher, a alemã Käthe Kollwitz. Não, não dá para falar somente de sua obra. Não dá para separar a obra da sua criadora. Não dá para separar a arte da vida.
Mas é preciso falar de Camille Claudel.


Neste ano de 2013, uma série de atividades estarão celebrando a obra desta grande escultora, resgatando sua imagem que durante muito tempo foi restrita à da louca que tinha sido amante de Rodin. Do final de março ao começo de junho, no Musée des Arcades no Hospital Central de Montfavet em Avignon, acontecerá a exposição de esculturas e pinturas com o título “Camille Claudel: de la grâce a l’exil - la femme, la folie, la creation” (Camille Claudel: da graça ao exílio - a mulher, a loucura, a criação). Além disso, há peças de teatro dedicadas a ela, inclusive aqui no Brasil, espetáculos de dança e um filme que está sendo lançado neste mês de março: “Camille Claudel, 1915”, do diretor Bruno Dumont, com a atuação da atriz francesa Juliette Binoche no papel de Camille.

Camille Claudel: busto de Rodin
Camille Claudel nasceu no dia 8 de dezembro de 1864 na pequena cidade francesa de Aisne. Ela passa sua infância em Villeneuve-sur-Fère. Era a primeira filha do casal Louis Prosper e Louise Athanaïse Cécile Cervaux. Antes dela, sua mãe teve um primeiro filho homem que morreu quinze dias após o nascimento. Após Camille, quatro anos depois, nasce Paul Claudel, que se tornou escritor e depois Louise Claudel, mais tarde musicista.


Alguns pesquisadores de sua obra e vida mais recentes destacam que desde cedo Camille começou a sentir a rejeição da própria mãe, que preferia ter tido um filho homem. Mas, do lado do pai, logo ele percebeu o grande talento da filha e foi sempre seu maior incentivador. É bom lembrar que no século XIX o mundo da arte era basicamente um mundo masculino. Às mulheres era sempre relegado um segundo lugar dentro das artes. As artistas que conseguiram se sobrepor pela qualidade do seu trabalho são raras, não só no século XIX, mas desde sempre na história da arte. Camille era uma escultora no nível da excelência de Rodin. Mas o mundo, durante muitas décadas, preferiu falar dela como de uma louca que tinha sido amante do mestre.
Camille: "Homem debruçado"
Mas voltemos à sua biografia. Seu pai, Louis Prosper, não mediu esforços para que sua filha se aperfeiçoasse na escultura, inscrevendo-a para estudar nas melhores escolas e cursos da época. Sempre com a discordância da mãe, que considerava tudo aquilo simples capricho da filha e que o pai gastava muito dinheiro com isso. Os biógrafos mais recentes destacam que Louise Cervaux foi quem internou a filha num manicômio, dias após a morte de seu pai.


Ainda menina, Camille já acalentava o sonho de ser uma escultora de sucesso. Aos 17 anos, resolveu ir embora de casa, para realizar seu sonho. Chegando em Paris, se matriculou na Academia Colarossi, uma escola voltada para formar escultores. Teve como mestres Alfred Boucher, inicialmente, e depois Auguste Rodin. Desta época é sua obra “Paul aos treze anos”.


Auguste Rodin, bem impressionado com o talento de Camille, admite-a como aprendiz em seu ateliê. Logo no início ela já se torna sua colaboradora, ajudando a executar a obra “Portas do Inferno” e o monumento “Os burgueses de Calais”. Camille fica durante vários anos trabalhando para seu mestre, por quem se apaixona. Ele lhe paga um salário de aprendiz, com o qual ela se mantém. As esculturas dos dois são muito parecidas e isso acaba aproximando-os mais.

Camille: "Paul aos 13 anos"

Começa então um caso de amor entre eles, mas Rodin não se separa de Rose Beuret, com quem era casado. Os sofrimentos de Camille, por causa disso, eram muito grandes! Acrescentava-se a isso o fato de, por ser mulher num meio artístico masculino que não admitia reconhecer seu talento, ela era acusada de copiar as esculturas de Rodin. Com o tempo, ela resolve se afastar dele, tanto pelo fato de Rodin ainda manter sua relação com outra mulher como porque queria continuar seu trabalho de escultora sozinha. Em 1898 rompe definitivamente com ele. Ela esculpe, nesse tempo, “A Idade Madura”, hoje exposta no Museu D’Orsay de Paris.

Muito triste e decepcionada por ter descoberto que não tinha passado de uma aventura na vida de Rodin, ela passa a alimentar um sentimento estranho e duplo por ele: amor e ódio. Enquanto isso trabalhava e vivia na mais completa solidão. Mas nunca conseguiu se desligar emocionalmente dele. Um amigo, Eugène Blot, resolve organizar duas exposições com as obras dela, pensando em obter com isso o reconhecimento público para ela, assim como um apoio financeiro. Seu trabalho foi bem recebido e muito elogiado pela crítica. Mas ela já estava doente e já não dava mais bola aos elogios. Lembranças ruins do passado não paravam de atormentá-la, misturando sentimentos em relação à rejeição de sua mãe e ao abandono do homem que ela amava, Auguste Rodin. Em seus delírios, ela achava que Rodin iria roubar suas obras e expô-las como suas. Já estava paranóica e esquisofrênica. Chorava muito frequentemente e falava em suicídio. Seu abatimento físico e psicológico eram muito grandes.

Camille: "Abandono"
No dia 3 de março de 1913, seu pai, a pessoa a quem ela tinha sido mais ligada em sua vida, morre. Camille piora de sua depressão e numa crise de fúria começa a gritar e quebrar tudo à sua volta. Sua mãe a interna no dia 10 de março, apenas uma semana após a morte de seu pai, no manicômio de Ville-Evrard. Com o advento da I Guerra Mundial ela foi transferida para o hospital de Montdevergues, onde ela viveu os últimos 29 anos de sua vida. Camille Claudel morreu com quase 79 anos de idade, no dia 19 de outubro de 1943.

Podemos pensar nela hoje não só como uma grande artista, mas como uma heroína, uma mulher com a coragem de enfrentar um tempo pleno de preconceitos contra as mulheres. Mas sua fortaleza escondia uma grande fragilidade e Camille pagou com sua própria saúde, física e mental, os percalços de sua vida.

Camille Claudel: "Idade Madura", Museu d'Orsay, Paris

terça-feira, 5 de março de 2013

Exercícios de desenho gestual

Hoje de manhã, no ateliê de Maurício Takiguthi, fiz estes exercícios de desenho gestual com carvão e lápis-carvão. A ideia é captar o essencial da figura, com marcação dos valores e leitura dos movimentos.

Para os três primeiros desenhos, usei como referência três pinturas do artista barroco alemão Christian Seybold, que nasceu em 19 de março de 1695 e morreu em Viena em 1768. O quarto desenho foi baseado numa fotografia do artista russo Aleksandr Rodtchenko, nascido em 1891, que participou do movimento artístico conhecido como Vanguarda Russa.

Desenho gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa fotografia de Aleksandr Rodchenko

segunda-feira, 4 de março de 2013

Pintura e Poesia

Meu desenho do "Au Lapin Agile", começado em 2011, terminado em 2013
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O cabaret mais velho de Paris, o Au Lapin Agile (que pode ser traduzido por "Coelho ágil"), ainda hoje funciona no mesmo local, no bairro de Montmartre. A história do próprio bairro está ligada a este local, pois por lá passaram, e ainda hoje passam, poetas, pintores, escritores, comediantes, músicos, cantores, escultores. Por lá passaram os pintores Pablo Picasso, Maurice Utrillo, André Derain, George Braque, Amedeo Modigliani, o poeta Guillaume Apollinaire, o cartunista Caran d'Ache, e muitos outros.

O local foi adquirido em 1886 pela dançarina de cancan Adèle Decerf, conhecida então como "a mãe Adèle". Para lá, ia Henri de Toulouse-Lautrec, artista francês que desenhava e pintava a vida dos cabarés de Paris, entre os quais o Chat Noir. Este pintor também imortalizou um dos antigos donos do Au Lapin Agile, Aristide Bruant.

Semana passada, um amigo - o poeta Jeosafá Fernandes - me presenteou cantando a velha música francesa "La Bohème" e em seguida fez uma tradução livre da música, que copio abaixo. Isso me trouxe à memória um sketch que fiz em frente ao "Au Lapin Agile" em 2011. Fiz uns rabiscos a lápis, mas como não tive tempo de terminar in loco, acabei finalizando-o em nanquin hoje. Os cabarés de Paris e o bairro de Montmartre são repletos de histórias de artistas de todos os naipes, dos pintores aos poetas, dos cantores aos dançarinos. Uma parte da biografia de muitos deles se passou aí, especialmente a de Henri de Toulouse-Lautrec, um artista baixinho, quase anão, que registrou com suas pinturas e desenhos a vida dos boêmios de Paris.

Tudo a ver com "La Bohème", uma história de um desses pintores pobres moradores de Montmartre. Obrigada, Jeosafá!

Desenho de Toulouse Lautrec:
Aristide Bruant em seu cabaré
LA BOHÈME
(tradução livre de Jeosafá Fernandes Gonçalves)

Eu falo de um tempo que os de menos de vinte anos não podem nem sonhar como foi. Montmartre nessa época era um paraíso de lilases estendidos sob a janela da nossa quitinete, e se o que a gente pagava, sempre atrasado, por esse quarto minúsculo fosse ainda um absurdo, foi lá que a gente se conheceu, eu, sonhador de barriga vazia e você, que posava para meus retratos a óleo vestida só com água de colônia.

Ah, boêmia! A boêmia a nos gozar: vocês são uns sortudos!
Ah, boêmia, nós não comíamos mais do que uma vez a cada dois dias!

No café do lado éramos uns bêbados em busca da glória, só gente muito vulgar corre atrás da grana o tempo todo. Embora uns pés rapados, o estômago a roncar de fome, não perdíamos a esperança na vitória da arte. E, nossa, isso às vezes acontecia!, quando em um restaurante chulé ficávamos diante de um prato quente e suculento de comida comprado com a venda de um mísero quadro, em vez de rezar antes de comer, nós recitávamos versos dos nossos amigos poetas, que ambulavam pelas ruelas vendendo seus livretes de mão em mão. Ah, boêmia!

Ah, boêmia! A boêmia a dizer: você é tão linda...
Ah, boêmia, éramos todos santamente geniais!
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Au Lapin Agile,
pintura de Pablo Picasso, 1904
A coisa mais comum do mundo era, diante de meu cavalete, passar a noite em claro retocando o desenho de um seio, o esboço de um quadril. E quando, não antes de clarear a manhã, exausto e exultante até a última fibra de meu ser, me sentava na banqueta de um bar infecto-contagioso diante de um café com chantily, tinha que reconhecer: como a gente se amava! como a gente amava a vida! Não só eu e você: toda nossa geração!

Ah, boêmia! A boêmia a dizer: Vivam, seus putos, você têm vinte anos, garai!
Ah, boêmia! Vivíamos de corpo e alma o clima febril daqueles dias!

Hoje, quando por distração, batendo pernas por Paris, vou parar pelos lados de nosso antigo endereço, não reconheço mais nem as paredes das casas, nem a rua onde ficou nossa juventude. Do alto das escadarias eu busco com os olhos míopes por sobre os telhados o nosso belo "ateliê", do qual nada sobrou. Com sua paisagem "reurbanizada", Mont Marte ficou triste, com ares de shopping center. Meu bem, continuo só, te amando, mas nossos lilases, ó dor, não sobrou nada deles também.

Ah, boêmia! A boêmia a dizer: quando se é jovem, é santa a loucura.
Ah, boêmia, você estava coberta de razão!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Jorge Mautner, amor à cultura brasileira

Jorge Mautner
Cartaz do documentário
Está nas telas de algumas salas de cinema o documentário “Jorge Mautner - o filho do holocausto”, dirigido por Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. Fui ver o filme, saí do cinema com a alma encantada com a alma desse artista, impregnada de cultura brasileira. Fui conversar com Jorge Mautner, no dia seguinte. Saí de sua presença, após mais de uma hora de conversa, com a certeza: a cultura brasileira tem uma riqueza imensa, que precisa ser resgatada, espalhada, espalhafatada, vozeada. Jorge Mautner faz exatamente isso.

No mesmo dia à noite, houve um colóquio sobre o documentário no teatro do Centro de Cultura Judaica em São Paulo. No palco, Jorge Mautner, Carlos Rennó e José Miguel Wisnik, parceiros de música, de pensamento, de amor à cultura do Brasil. Na plateia, mais de 200 pessoas que tiveram o privilégio de assistir à perfomance poético-literária-musical desses três grandes artistas.

Mas o mote do encontro era a vida e a obra de Mautner. Ele subiu ao palco, sentou-se na poltrona, microfone na mão, começou a dizer a cultura brasileira. Porque Jorge Mautner não fala simplesmente. Se a pessoa espera um discurso linear, mecânico, com começo, meio e fim e sem dificuldades de compreender o que fala o poeta, esqueça. A mente dele parece funcionar de forma quântica - para usar uma expressão que ele gosta. As palavras vão vindo, em formas ondeadas, a poesia vai saindo, as frases ora se interrompem diante de outra frase que será, ou não, interrompida, mas aquela lá, que ficou sem final, irá retornar ao longo do discurso do artista. Nosso esforço é, em primeiro lugar, esquecer o discurso comum, a fala linear; em segundo, acompanhar as ondas do cérebro dele, com muito mais necessidade de foco no que ele diz, porque a compreensão do que ele diz virá ao final. Com certeza! José Miguel Wisnik disse, numa referência ao filme, “deixa o profeta falar!”

Jorge Mautner, semana passada em São Paulo
(foto: Alexandre Prestes)
Jorge Mautner é comunista-artista ou artista-comunista. Esses títulos se fundem e se confundem em sua vida e em seu discurso. No começo de seus vinte minutos de fala inicial, ele citou José Bonifácio, o nosso “patriarca da independência”, um dos primeiros brasileiros a valorizar a nossa mistura de sangue, a nossa mestiçagem como nossa maior riqueza social e cultural, que cria o amálgama que nos une, todos os brasileiros. Mautner enfatizou muitas vezes a generosidade que faz parte da vida do nosso povo, povo hospitaleiro e receptivo aos estrangeiros, desde os tempos em que éramos todos índios e chegaram a estas terras os primeiros brancos europeus. E citou o padre Antonio Vieira que dizia que nós somos capazes de “ir além da terra, além do mar”.

“Nós nos reunimos aos milhões, disse ele, em nossas ruas no carnaval. Quase nada de grave acontece”. E acrescentou: “Desde os tempos dos índios tupis-guaranis, os brancos vinham em busca desta terra-sem-males. A generosidade do nosso povo é nosso maior tesouro, e é o que eu pretendo revelar o tempo todo”. Ufanismo? Será? Ele ia falando essas coisas para uma plateia feita em sua maior parte pela comunidade judaica,  habitante de uma cidade como São Paulo onde uma elite historicamente conservadora sempre teve seus olhos e ouvidos voltados para o continente branco europeu. Para esta plateia, ele falou que a miscigenação do povo brasileiro é o que faz nossa riqueza e nossa generosidade com todos. Direitos humanos todos querem, completou.

Mautner lembrou que Gilberto Gil, quando ainda era ministro, em uma de suas visitas oficiais aos EUA, a certa altura entoou a letra da música que ele fez em parceria com Jorge Mautner, “Outros viram”. Vale a pena publicar aqui um trecho dessa composição:

“O que Walt Withman viu
Maiakovski viu
Outros viram também
Que a humanidade vem
Renascer no Brasil!
(...)
Maiakovski ouviu
A sereia do mar
Lhe falar de um gentio
De um povo mais feliz
Que habita esse lugar!”

Lá pelas tantas, Jorge Mautner diz mais: “A arte, para mim, é para transformar o mundo. Sempre!”

Conversando comigo, semana passada,
antes do Colóquio
(foto: Alê Prestes)
Sobre o filme “Jorge Mautner - o filho do holocausto”, ele fez um breve resumo dizendo que lá está contada não só a sua vida, mas a sua arte e a sua militância política “desde a década de 1950”. Filho de pais estrangeiros (seu pai era austríaco e sua mãe croata), ele nasceu no Brasil. Sua mãe estava no oitavo mês de gravidez quando eles tiveram que fugir da Europa por causa da perseguição nazista aos judeus (seu pai era judeu, sua mãe católica). Até o sete anos de idade, Jorge Mautner teve uma babá negra, filha de santo no candomblé, que lhe deu todo o carinho e com quem ele aprendeu as primeiras lições de vida. “Um dia, ele conta, Lúcia disse para mim: ‘meu filho, seus pais vieram de um país onde tem muita gente má. Mas pode ficar tranquilo que aqui a gente gosta de você e nós vamos lhe tratar bem, viu?’” Tempos depois, nos jardins do Palácio do Catete onde Lúcia levava o menino para brincar, o próprio presidente Getúlio Vargas se aproximou dele e puxou conversa. Perguntou de onde ele era. Jorge Mautner respondeu: “Eu sou brasileiro, mas meus pais, coitadinhos, eles são estrangeiros”...

No teatro da Cultura Judaica, ele falou um pouco também sobre os períodos difíceis da ditadura militar, que o perseguiu desde os primeiros momentos. Jorge Mautner teve que se exilar duas vezes do Brasil, uma na Inglaterra onde conheceu Caetano Velloso e Gilberto Gil, seus amigos até hoje. No começo da década de 1970, ele disse, falaram que a gente devia voltar ao Brasil para ajudar na resistência à ditadura. Eu voltei e fiz diversos shows, em apoio ao movimento de redemocratização que se intensificou - ele enfatiza - “na minha opinião, quando a ditadura assassinou Vladimir Herzog”, fato que “mexeu com todo o Brasil e despertou mutirões de solidariedade” em todo lado. Jorge Mautner já era comunista, desde o final da década de 1950, quando Mário Schenberg, o famoso físico brasileiro, aproximou o artista do marxismo.

José Miguel Wisnik, compositor, pianista, professor de literatura brasileira da USP, continuou no mesmo tom, relembrando trechos do documentário e afirmando que Jorge Mautner “é uma pessoa e uma multidão” ao mesmo tempo. Ele disse que o documentário é “belíssimo” e que “a gente sai com a alma leve do cinema”, porque é um filme também sobre a nossa cultura, sobre nossos artistas e sobre um homem que teve, e tem, um papel muito importante na vida cultural brasileira desde a década de 1950. Wisnik destacou que o Brasil é um dos únicos lugares “do mundo onde a poesia se une à música”. E Carlos Rennó acrescentou: “E isso tem como pioneiros dois poetas: Vinícius de Moraes e Jorge Mautner”.

Nelson Jacobina
Claro que Jorge Mautner não deixaria de falar de seu companheiro de vida e de música, Nelson Jacobina, a quem o filme é dedicado. Jacobina morreu de câncer no dia 31 de maio do ano passado. “Nelson Jacobina viveu ainda quatro anos quando foi detectado que o câncer já estava em metástase, diz ele. Para Jacobina a música era a sua própria vida, era a sua alegria. Em muitos momentos em que ele estava muito mal e sentia muitas dores eu lhe dizia para não ir fazer o show comigo, mas logo ele dava um jeito de melhorar, e quando subia no palco ele era outra pessoa! Participou intensamente junto comigo nestes últimos quatro anos de sua vida!”

Ao final, os três músicos cantaram juntos, três canções. Sem o violino de Mautner, sem outro instrumento, só suas vozes. Tudo se encaixou: a fala do profeta-poeta, as palavras boas de Wisnik e Rennó, a música, a arte, a cultura, o Brasil.

Ao final do colóquio, já num clima de poesia e comunhão, Jorge Mautner disse: “Neste universo, tudo é surpreendente. A cada mistério revelado, mil novos mistérios surgem”. Mas, completou, a renda do mundo tem que ser distribuída entre todos, a injustiça deve acabar. Pois o homem deve se lembrar que “o que acontece com um, afeta todos”.

Finalizou afirmando que hoje temos um grande desafio: “Fazer tudo de novo, e melhor ainda!”

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Abaixo um link para a música OUTROS VIRAM, de Jorge Mautner e Gilberto Gil, com um belo depoimento de Gil sobre a cultura brasileira. Recomendo muito que seja ouvido!


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Portinari para todos

Neste 21 de fevereiro de 2013 o Projeto Portinari lança um novo Portal, com todas as obras do pintor Candido Portinari. Com interface inovadora e conteúdo totalmente acessível ao público, a ideia é dar ao povo brasileiro o acesso ao imenso acervo de obras do pintor, assim como a documentos, cartas, gravações e fotografias.

Permitir que qualquer pessoa tenha acesso à obra de Candido Portinari, via internet, é a principal ideia do novo Portal do Projeto Portinari, no endereço www.portinari.com.br. Com uma interface original e de design leve e bonito, o sítio do Projeto Portinari irá usar as melhores ferramentas tecnológicas disponíveis na web para que o público possa ter acesso ao acervo riquíssimo, fruto de mais de 30 anos de pesquisa sobre a vida, a obra e a época de Candido Portinari, o mais brasileiro dos nossos pintores.

Portinari junto ao esboço
do painel "Tiradentes". 1949.
 
João Candido Portinari, filho do artista, fundador e diretor geral do Projeto Portinari aponta que mais de 95% das obras de seu pai estão inacessíveis à apreciação do público por pertencerem a coleções privadas. Ele complementa: “Sempre sonhei em disponibilizar as obras ao maior número possível de pessoas. A obra de Portinari carrega mensagens éticas e de valores humanos em prol da paz, retrata a vida, a alma e o povo brasileiro. No início, há 33 anos, não havia tecnologia para isso. Hoje, novas ferramentas nos permitem colocar esse conteúdo no colo das pessoas. Batizamos esse ideal de ‘Portinari para todos’. No novo Portal, os usuários – crianças, jovens, estudantes, professores, pesquisadores, curiosos ou simplesmente amantes da arte – poderão navegar brincando”.

O acervo do Projeto Portinari contém uma complexa base de dados com cerca de 30 mil itens, entre obras de arte, cartas, fotografias, periódicos e depoimentos. Esse imenso acervo se refere não somente a Portinari mas também a seus contemporâneos e amigos, como Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Luís Carlos Prestes, Afonso Arinos, entre outros.

Maria Duarte, que é coordenadora geral do Projeto, afirma que o motivo maior dessa renovação e enriquecimento do Portal Portinari se deve ao objetivo de “proporcionar ao usuário uma experiência sobre a obra, a vida e a época de Portinari, convidá-lo a mergulhar nesse universo. O Portal Portinari une a complexidade e riqueza de um acervo construído há 33 anos, às diversas possibilidades oferecidas pela tecnologia e o desejo de disponibilizar este conteúdo ao maior número de pessoas”.

A primeira página do sítio é apresentada sob a forma de mosaico, com entradas para a obra completa de Portinari, feita de 5 mil imagens, além de documentos e uma seleção de fatos históricos que contextualizam a produção do pintor. Nesta primeira tela, o usuário pode usar o comando de busca, através de texto livre, muito fácil para localizar uma obra ou um documento. A cada item do acervo, o usuário verá um infográfico que mostra seus relacionamentos com todos os outros itens do acervo do Projeto Portinari. É um Portal com ligações internas que usa as ferramentas mais modernas da Internet para facilitar o acesso do público.

Projeto Portinari: arte, ciência e tecnologia

Homepage do Portal Portinari
O conjunto da obra de Candido Portinari se encontra espalhado por todo o mundo, em acervos particulares, de museus, de empresas e de bancos. Sendo assim, a recuperação da obra completa do artista a partir de um novo registro fotográfico seria praticamente impossível, e por isso o foco do trabalho de recuperação dessas imagens se deu a partir do acervo fotográfico já pertencente ao Projeto Portinari. As imagens foram digitalizadas e passaram por um processo científico de adequação cromática que aproximou ao máximo a imagem do seu original. Nesse processo, o diretor João Candido contou com a colaboração de cientistas e especialistas em imagem digital. Todo o processo de constituição do registro visual da obra do pintor exigiu mais de 20 anos de trabalho e investimentos. Essas imagens e todos os documentos estarão disponibilizados no Portal, que assegura a máxima fidelidade nas cores e na qualidade das reproduções dos arquivos digitais.

Restaurador trabalhando na restauração
de um dos paineis "Guerra e Paz", de Portinari
Ainda dentro do padrão tecnológico e científico, o Portal trará um setor intitulado “Projeto Pincelada”. Trata-se de auxiliar o trabalho de autenticação das obras de Candido Portinari, identificando as obras falsas. Usando, entre outros recursos, a inteligência artificial, com a classificação automática de objetos e redes neurais, o Portal utilizará um Programa que tem como objetivo analisar a autenticidade de uma pintura partindo de uma amostragem de macrofotografias (zooms) de pinceladas do artista recolhidas de trabalhos reconhecidamente autênticos.

Desde a década de 1980, o Projeto Portinari vem utilizando processos digitais e tecnologia avançada a favor do seu trabalho de preservação da vida e obra do artista. Desde 1998 o Projeto disponibiliza todo o seu acervo na internet, num pioneirismo tecnológico que merece destaque. Sempre usando as mais avançadas ferramentas da web, o Portal atendia muito bem seu público principal, basicamente formado por pesquisadores. Mas os recursos da época eram ainda limitados e o conteúdo não podia ter a apresentação que terá a partir de agora, com imagens em alta resolução, rico cruzamento de dados, etc. Na época, o sítio do Projeto Portinari já era uma referência no Brasil e no exterior, pois a catalogação de obras de artistas na rede ainda era muito escassa.

O projeto Portinari

Carta do amigo Drummond
O Portal Portinari, além de apresentar dados sobre a vida, o pensamento, as atividades e tudo o mais relacionados a Candido Portinari, também trará informações sobre o Projeto Portinari, com seu histórico, realizações, projetos, equipe, publicações, prêmios. Uma das atividades centrais deste Projeto está ligada à Arte e Educação, trazendo em seu conteúdo todo um material com fins educativos, implementando projetos de ensino-aprendizagem que associam diretamente a obra de Portinari aos princípios de uma Cultura de Paz.

Como parte dessas atividades, aconteceram, por exemplo, a exposição itinerante “O Brasil de Portinari”; o projeto “Se eu fosse Portinari”; as exposições “Portinari – Arte e Ciência” e “Tempo Portinari”; o projeto “Portinari – Arte e Meio Ambiente”; o programa educativo do “Projeto Guerra e Paz”; o projeto “Portinari – Bauzinho do pintor”. A primeira edição, dedicada à literatura, relaciona a obra do artista ao livro “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego; a segunda associa a pintura de Portinari a questões do meio ambiente.
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continuação da Carta de Drummond
Inicialmente empenhado em resgatar de forma sistemática e minuciosa a vida e a obra de Candido Portinari, assim como a época em que viveu, o Projeto Portinari tem como objetivo também disponibilizar a obra do artista a serviço da busca da identidade cultural do povo brasileiro e da preservação da memória nacional. Empenha-se em exercer uma atuação voltada especialmente às crianças e jovens, tomando por base os valores sociais e humanos presentes em todo o universo de Portinari, para suscitar uma reflexão sobre a realidade brasileira e mundial.

Disponibilizados no conteúdo do Portal, o Projeto apresenta os seguintes resultados de sua extensa pesquisa: levantamento de 5.300 pinturas, desenhos e gravuras atribuídos ao pintor, assim como mais de 25 mil documentos sobre sua obra, vida e época; pesquisa da autenticidade das obras (“Projeto Pincelada”); processamento digital das imagens; organização do arquivo e da correspondência do pintor (mais de 6 mil cartas) e do acervo de fotografias históricas, filmes e recortes de mais de 10 mil periódicos, livros, monografias, textos e memorabilia; registro de mais de 70 depoimentos de artistas, intelectuais, políticos, amigos e parentes de Portinari, totalizando mais de 130 horas gravadas (“Programa de História Oral”); publicação do Catálogo Raisonné “Candido Portinari – Obra Completa”, primeira publicação dessa natureza em toda a América Latina.

A casa do bairro Cosme Velho, no Rio,
onde Portinari viveu, recentemente
devolvida à família, será restaurada 
O Projeto Portinari também exerce diversas atividades de caráter sócio-cultural, que vão além da disponibilização em rede da obra do artista. Em 1997 realizou uma primeira exposição retrospectiva da obra de Portinari, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP); participou da edição e editou publicações alusivas a Portinari; criou material para divulgação da vida e da obra do pintor; planejou e executou o “Projeto Guerra e Paz”,com a restauração dos painéis em ateliê aberto a estudantes e público em geral, no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, além de exposição ao público do Brasil e do exterior. Em São Paulo, os painéis Guerra e Paz foram expostos no Memorial da América Latina e teve a visitação de cerca de 200 mil pessoas.

O projeto Portinari, com esta iniciativa, dá um verdadeiro presente ao povo brasileiro, a eterna inspiração do pintor Portinari. João Candido, cujo desejo é colocar no “colo do povo” a obra de seu pai, junto com sua equipe tem trabalhado incansavelmente na recuperação de todo esse acervo que generosamente disponibiliza a todos. Artistas, estudantes, amantes de arte, pesquisadores e qualquer pessoa, enfim, tem à sua disposição uma rica documentação histórica e artística, não só sobre ele, mas sobre um rico período da nossa história cultural da qual ele fez parte e, através de sua obra, nos alcança hoje. Filiado ao Partido Comunista, Candido Portinari sempre foi coerente com seu sonho de um mundo para todos, sempre esteve atuante nas lutas por um mundo de justiça e paz. “Entre o cafezal e o sonho”, como disse o poeta Carlos Drummond, “nada mais resiste à mão pintora”.

Também disse Oswald de Andrade: “(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”.

Portinari com os amigos Antônio Bento, Mário de Andrade e Rodrigo Mello Franco de Andrade, na exposição de suas obras no Palace Hotel, Rio de Janeiro. 1936.
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Para saber mais sobre Portinari, neste Blog:

>> O homem dos olhos azuis
>> Por ti, Portinari
>> Candido Portinari no MAM-SP
>> Portinari de todos os tempos