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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Em nome dos outros artistas

Enquanto certa elite local festeja a presença em terras paulistanas dos cadáveres de Damien Hirst ou se excita diante das fotopornôs de Jeff Koons e sua Cicciolina libidinosa (além de outros objetos que o crítico francês Jean Clair chama de “lixo”), o Metropolitan Museum of Art de New York apresenta outro tipo de obra de arte e de artista. A elite a que me refiro é esta, a tupiniquim, que acaba de dizer que São Paulo chegou ao “primeiro mundo” (nada mais fora de moda…) porque trouxe nomes do mercado da arte dos Estados Unidos (exceto Hirst, que é inglês) para comemorar os 60 anos da Fundação Bienal de São Paulo…


Mas vamos ao artistas que interessam…


O  Museu norte-americano foi para o outro lado e, ao invés de mostrar lixo como arte (mesmo que reconheçamos que se trata de um lixo muito caro, como os cadáveres de Hirst), resolveram abrir as portas do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque para apresentar diversas exposições com artistas do nível do holandês Franz Hals, por exemplo, além de desenhos chineses da dinastia Ming, de pinturas hindus e de caricaturas feitas por desenhistas que vem desde Leonardo da Vinci ao caricaturista norte-americano David Levine.


Autoretrato, Franz Hals

Franz Hals

Este artista nasceu entre 1580 e 1583, nos países baixos, região onde hoje fica a Holanda. Teve dois filhos com a primeira esposa, que faleceu em 1616, e mais oito filhos com a segunda. Destes filhos todos, cinco seguiram a carreira do pai e também se tornaram pintores. Após a Queda de Anvers, sua cidade natal, tomada pelas tropas espanholas, se refugiou em Haarlem, onde viveu o resto da vida.


Por volta de 1600 começou sua aprendizagem na pintura, no atelier de um outro flamengo que emigrou, Carel Van Mander, um pintor maneirista. Mas desde seus primeiros quadros, Hals mostra semelhança com os pintores caravagescos de Utrecht (influenciados pelo italiano Caravaggio). O estilo de Franz Hals influenciou de uma forma marcante, mais de dois séculos depois, o pintor realista Gustave Courbet e também os impressionistas como Van Gogh, Monet e Manet.



Petrus Scriverius, 1626
Hals é mais conhecido por seus retratos da burguesia e dos cidadãos ricos da época, mas também retratou diversas pessoas de origem social diferente: militares, comerciantes, advogados, funcionários públicos, músicos, cantores de rua, pescadores… Seus rostos – como fazia Caravaggio – não eram idealizados, mas mostravam as expressões faciais de cada um. Pintor barroco, ele pintou com um realismo intimista e radicalmente livre.


Contemporâneo de outro pintor holandês também barroco e também com viés realista, Rembrandt, Franz Hals se distinguia dele pelos efeitos de luz e sombra em suas telas. Mas os dois são especialistas em pequenos toques com tinta na tela, que são suficientes para produzir efeitos de luz e de sombra, sem cair no detalhismo dos pintores mais voltados para a pintura linear.



Paisagem chinesa
A Arte do desenho no século XVII chinês

O período abordado por esta exposição vai de 1368 a 1644, quando houve o colapso da dinastia Ming e a conseqüente conquista da China por tribos nômades. Este foi um dos períodos mais traumáticos da história chinesa, mas permitiu surgir uma onda de artistas que se destacaram nessa época. Na exposição estão presentes mias de 60 pinturas de paisagens e caligrafias que demonstram um estilo bem pessoal dos artistas dessa época, como Huang Daozhou, Hongren, Shanren Bada (Zhu Da), e Shitao. Suas pinturas demonstram as condições emocionais em que viviam os artistas sob o poder invasor, suportando condições muito severas de vida, pressões psicológicas de toda ordem (pois eles se mantinham fieis aos seus antigos governantes) e muitos deles buscaram refúgio em meio à natureza, que retrataram com paisagens muitas vezes duras, densas. Mas esses artistas usaram a pintura e a caligrafia como forma de se expressarem, com isso desenvolvendo uma técnica e um estilo que influenciam a pintura chinesa até os dias de hoje.



Gushtasp mata o dragão: Página de um manuscrito Shahnama Mestre do Shahnama Jainesque
Pintores mestres da Índia

Abrangendo o período que vai de 1100 a 1900, portanto oitocentos anos da pintura hindu, que tem sido classificada de acordo com os diversos estilos regionais, e também dinásticos, com ênfase no tema e conteúdo narrativo. São 220 trabalhos selecionados a partir dos 40 maiores pintores indianos, alguns dos quais estão sendo identificados pela primeira vez.






Caricatura e sátira de Leonardo a Levine


Desenho de Leonardo da Vinci
A exposição explora o desenho como caricatura e sátira em suas diversas formas a partir do Renascimento italiano até o presente, elaborado principalmente a partir do rico acervo desse material no Departamento de Desenhos e Gravuras do Museu, que contém  – entre tantos – desenhos, por exemplo, do italiano Giovanni Paolo Panini (1691-1765).


Inclui desenhos e gravuras de Leonardo da Vinci, do francês Eugene Delacroix, do espanhol Francisco Goya, do também francês Henri Toulouse-Lautrec, assim como obras de artistas mais frequentemente voltados ao humor, como James Gillray, Thomas Rowlandson, Honoré Daumier, Al Hirschfeld e o norte-americano David Levine. Muitas destas caricaturas nunca foram exibidas antes, sendo, por isso, pouco conhecidas do público.


Quer dizer... dentro da lógica da elitezinha local, o "primeiro mundo" está escolhendo mesmo é ver Arte.



Caricatura sobre a guerra portuguesa, 1831-1834, de Honoré Daumier

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

30 mil acessos completados!

30 MIL ACESSOS EM 1 ANO E 5 MESES!


Este blog fala de Arte há pouco mais de um ano, mais precisamente desde abril de 2010. São 17 meses de vida de um espaço onde o assunto é um só: Artes Plásticas.


Temos tido uma boa repercussão do que aqui se publica: comentários que são postados, e-mails que são enviados, incentivos de amigos, sites de parceiros que nos procuram propondo parcerias... além de saber que os textos deste blog têm servido para auxiliar estudantes e professores em seus trabalhos sobre o tema da Arte. Textos livres, diga-se de passagem... Quem quiser copiar que copie, porque estas ideias devem ser mesmo espalhadas o máximo possível. Este blog também me rendeu um convite: escrever um livro para professores de Arte do ensino médio, que sirva como um guia para suas aulas. A ideia está sendo gestada...


Os acessos têm vindo de todos os cantos do mundo: Brasil, Portugal e Estados Unidos estão na frente entre os que acessam diariamente este blog. Fora eles, França, Alemanha, Argentina, Reino Unido, Itália, Espanha e até leitores de terras longínquas como os Emirados Árabes, a China e a Rússia têm passado por aqui! A facilidade de tradução online tem ajudado estas ideias escritas em minha língua-mãe a serem lidas por qualquer pessoa de qualquer outra língua, criando uma grande rede em torno da Arte.


Isso nos incentiva a continuar utilizando este Blog para divulgar não só meus estudos pessoais (desenhos e pinturas), mas principalmente minhas ideias sobre Arte. Tenho uma visão crítica sobre a arte que se produz nos dias de hoje; tenho uma visão crítica sobre o mundo de hoje; e uma coisa está diretamente vinculada à outra. Eu defendo explicitamente a pintura figurativa, em especial a Arte Realista, que é a que eu pratico; e não só eu, mas dezenas de pessoas que frequentam o Atelier de Maurício Takiguthi, aqui em São Paulo. Além de outros pelo Brasil e pelo mundo. Nisto eu não estou só!

Seguimos de perto mestres do passado, como Caravaggio, Rembrandt, Vermeer, Ticiano, Rubens, Velazquez, José Ribera, Gustave Courbet, Delacroix, entre outros, mas também acompanhamos com atenção os contemporâneos como Antonio Lopez, Lucien Freud (recentemente falecido) e os realistas norte-americanos, como Burton Silverman e David Leffel, além de outros.

Por tudo isso a orientação é: vamos continuar! E que venham os próximos 30 mil acessos! Bem vindos todos e obrigada a todos os que passeiam por estas páginas!


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Para comemorar aqui vão alguns estudos com pastel em tons de cinza:







domingo, 11 de setembro de 2011

Um outro tempo

Estudo de fluxo de luz, pastel em tons de cinza
Viver numa cidade grande como São Paulo, exige que sejamos capazes de superar limites de todos os tipos. O tempo turbilhona enquanto a produtividade alucinante acontece. O capitalismo exige produção, eficiência, aceleração. Sobre o suor de quem trabalha, tempo é dinheiro... Nessa vida doida, onde precisamos dar conta de tudo, nem atinamos para coisas que, em outro ritmo de vida, tocam, inspiram, elevam.


Mas o tempo é outro, outro o ritmo e outra a forma de olhar para o mundo, quando se cria. Uma maneira mais quieta, mais meditativa, mais reflexiva. Para a arte o tempo é outro e é preciso se afinar com esse tempo. É a única forma de perceber a sutileza das coisas do mundo. E a única para criar.




Como diz a música de Chico Buarque, o TEMPO E ARTISTA:


"Imagino o artista num anfiteatro onde o tempo é a grande estrela
Vejo o tempo obrar a sua arte, tendo o mesmo artista como tela
Modelando o artista ao seu feitio, o tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas ao redor da boca como contrapesos de um sorriso


Já vestindo a pele do artista, o tempo arrebata-lhe a garganta
O velho cantor subindo ao palco apenas abre a voz, e o tempo canta
Dança o tempo sem cessar, montando o dorso do exausto bailarino


Trêmulo, o ator recita um drama que ainda está por ser escrito
No anfiteatro, sob o céu de estrelas um concerto eu imagino
Onde, num relance, o tempo alcance a glória e o artista, o infinito."

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Revisitando o mar

Caneta nankin, praia do sul, 2010

Havia um céu azul e um sol muito brilhante ali.


Eu caminhava descalça, feliz, pela praia. Atravessei um pequeno rio que oferecia suas águas ao mar, enquanto ondas salgadas penetravam rio a dentro, indo buscar, em correnteza, esses fluxos de água doce.


No ponto em que atravessei, as águas doces e salgadas empurravam-me levemente em movimentação contrária. Venci-as. Atravessei e continuei caminhando na areia já do outro lado, em outra praia, uma pequena praia quase sem ondas.


Sentei-me um pouco em frente ao mar.


Como gosto de fazer sempre, busquei a profundidade que a linha do horizonte aponta, lá nos confins do mar. Meu pensamento ia além das ondas, da lâmina d'água, dos pequenos pontos de interferência - os barcos - que passavam em direções diversas.


Meus desejos e meus sonhos tomaram um desses barcos e me carregaram para lá. Meus sentimentos me trazendo visões de encontros felizes.

Mas era fim do dia. Sem previsão nem preparação, uma tristeza começou a acompanhar os movimentos da luz do fim da tarde. Escurecia. O sol se inclinava fulminando o horizonte! Ia levando consigo o dia o céu as poucas nuvens as gaivotas. E a mim.


A escuridão cobriu meu coração, e meus olhos - janelas da alma - lançavam dois jatos de vista sobre o mundo, já escuro. Melhor mergulhar nesse mar e que seus movimentos me dirijam. Não há como ser barco sem se entregar às ondas. E esperar que o dia amanheça e que o céu fique azul e que o sol lance seus raios de novo sobre mim...

sábado, 20 de agosto de 2011

Procuram-se desenhistas brasileiros

Foi inaugurado, neste 18 de agosto, o site Urban Sketchers Brasil, que pretende reunir desenhistas de rua brasileiros. A ideia dos administradores do site, João Pinheiro, Eduardo Bajzek e Juliana Russo é juntar correspondentes de todos os estados, entre ilustradores, arquitetos, pintores e pessoas de qualquer área que gostem de fazer desenhos por onde andam.

Os fundadores do Urban Sketchers Brasil:
Eduardo Bajzek, Juliana Russo e João Pinheiro
Essa ideia partiu do site internacional Urban Sketchers, uma grande comunidade internacional que reúne milhares de entusiastas do mundo todo, juntando pessoas que têm como paixão comum desenhar nas ruas de suas cidades, e nas viagens que fazem. Seus desenhos são disponibilizados no site, criando essa grande comunidade internacional de pessoas amantes do desenho feito à mão. Essa organização sem fins lucrativos possui mais de 100 correspondentes de mais de 30 países que recentemente se reuniram no II Simpósio em Lisboa, Portugal. A ideia inicial surgiu do jornalista e ilustrador Gabriel Campanário, espanhol residente em Seattle, EUA.

Os desenhistas são desde arquitetos, ilustradores, pintores, designers gráficos, web desenvolvedores e educadores, mas também envolvem pessoas de qualquer profissão que façam desenhos de observação.

Aquarela de Eduardo Bazjek, igreja ortodoxa do
bairro do Paraíso, São Paulo
Esse grupo segue um Manifesto em comum, uma espécie de carta de intenções que ajuda a organizar os desenhistas. Entre os principais pontos do manifesto estão: “Nós fazemos desenhos de lugares, capturando aquilo que estamos vendo da observação direta, seja em ambientes externos ou internos; nossos desenhos contam histórias do dia a dia, dos lugares em que vivemos, e para onde viajamos; nossos desenhos são um registro do tempo e do lugar; nós somos fiéis às cenas que estamos retratando; nós utilizamos qualquer tipo de midia e respeitamos nosso estilo individual; nós nos apoiamos e desenhamos juntos; nós compartilhamos nossos desenhos online; nós mostramos ao mundo, um desenho de cada vez.”

Entre as regras estão: não desenhar com base em fotografias; evitar edições em Photoshop (a não são ser algum ajuste de contraste, brilho, pouca coisa). A idéia é “congelar” o tempo no caderno, com o material que tínhamos em mãos naquele momento. Também não valem desenhos de sessões de modelo vivo.

Desenho de João Pinheiro, igreja ortodoxa, bairro do Paraíso, São Paulo
João Pinheiro, um dos organizadores brasileiros do blog nacional dos desenhistas, se entusiasma com a ideia de juntar gente que desenha de todo o Brasil: “O Brasil, com sua proporção continental, incrível variedade cultural, étnica, além de uma rica história artística, que apesar de curta, já tem artistas conhecidos mundialmente e tantas outras coisas extraordinárias, nossa música, por exemplo, tem tudo para ser uma vitrine rica e variada de desenhistas ímpares. Desculpem o tom excitado, mas já estou imaginando os desenhos que aparecerão aqui todos os dias, do Oiapoque ao Chuí, mal posso esperar.

Desenho de Juliana Russo, igreja
ortodoxa, bairro do Paraíso, São Paulo
Ele reafirma que o principal objetivo do site que foi criado esta semana “é integrar artistas que fazem desenhos de cenas urbanas, em suas respectivas cidades, ao redor do Brasil e principalmente incentivar a prática do desenho.”

A ideia é que haja pelo menos um desenhista de cada estado brasileiro. Serão encorajados encontros regulares em todas as cidades onde um “urban sketchers” organize um evento. Também serão realizados sketchcrawls (desenhos em grupo), assim como encontros nacionais. Também será encorajada a participação de desenhistas brasileiros nos Simpósios internacionais do Urban Sketchers, como o que aconteceu em Lisboa neste ano.


João Pinheiro, assim como Eduardo Bajzek e Juliana Russo, conclamam os desenhistas brasileiros, os “retratistas obsessivos do cotidiano” para que se juntem a nós nessa empreitada. Vamos juntar nossos cadernos de desenho, vamos invadir todas as ruas desse imenso Brasil, registrando o cotidiano do nosso país e de nossa gente!

Se você é um desenhista brasileiro, retratista obsessivo do cotidiano, está convidado a se juntar a nós, neste grupo. Ou mesmo se conhece algum amigo ou amiga que se interessa em participar, entre no site http://brasil.urbansketchers.org e veja como solicitar a participação.

domingo, 10 de julho de 2011

O fascinante mundo em preto e branco de Robert Longo

Catedral da Luz, 2008-2009, carvão sobre papel, 304,5x151,8cm
Não, não se trata de mais um fotógrafo que preferiu eliminar as cores das suas fotos e fotografar com as boas e velhas câmeras antigas. Por mais parecidos que seus trabalhos sejam com fotografia, trata-se, na verdade, de um artista que prefere usar o simples carvão para fazer desenhos super complexos.

Robert Longo
Robert Longo nasceu no Brooklin, Nova Iorque, em 1953. Formou-se em Artes Plásticas no Buffalo State College e entre 1973 e 1975 esteve em Florença, Itália, como bolsista da Accademia di Belle Arti. Já participou de muitas exposições, individuais e coletivas, como a Bienal de Veneza de 1997 e 2002. Mas também já expôs seus desenhos em diversas cidades europeias, entre as quais Lisboa, no Museu Berardo. Ele diz que foi muito influenciado por várias mídias, incluindo o cinema e o desenho em quadrinhos.

Mas o que mais chama a atenção em Robert Longo não é nada mais do que seus enormes desenhos feitos simplesmente com carvão. Segundo ele disse a uma repórter do jornal "O Globo", o fascínio pelo carvão aconteceu meio como um acidente comum a quem é artista. Um dia ele queria desenhar e viu que não tinha lápis. Deu de cara com uns pedaços velhos de carvão e resolveu desenhar com eles. Foi aí que viu a potencialidade incrível do carvão para fazer desenhos maravilhosos.

Um fascínio que dá para compreender. Eu mesma, em minha experiência pessoal com os desenhos a carvão, vejo que há possibilidades imensas de desenho, quando conseguimos domar a “fera” que está por trás do carvão. Muita sujeira se faz até conseguir dominar a fluidez e obter toda a luz possível de um pedaço de carvão preto.

Vista da sala de estudo com livros em 1938, 2002,
167,6 x 274,3 cm, carvão sobre papel (escritório de Sigmund Freud)
Robert Longo falou na mesma entrevista que cresceu “num tempo em que as revistas publicavam fotos coloridas de astros de cinema e de presidentes da república, mas usavam o preto e branco para as imagens da guerra do Vietnã, da fome na India”. E ele diz que isso parecia querer dizer que somente essas duas cores são capazes de mostrar a verdade.

Seus desenhos gigantes falam, também, do mundo contemporâneo. Ele desenhou pessoas contorcidas, pessoas solitárias. Também quis dizer algo quando escolheu representar as três grandes religiões monoteístas da humanidade, desenhando seus lugares sagrados: a Basílica do Vaticano, o lugar de peregrinação mulçumana em Meca, na Arábia Saudita e o Muro das Lamentações em Jerusalém. Tudo isso... desenhado com carvão!

Mas a fotografia é uma coisa, o desenho é outra, claro. Longo ressalta que uma fotografia é obtida a partir de uma máquina, mas o desenho sai direto da mão do artista. Isso tudo é muito interessante, especialmente quando vivemos em um período em que Escolas de Arte ensinam (!) que desenhar já não é mais preciso; ou ensinam que desenhar e pintar está fora de moda. Ou que hoje, com a tecnologia e a informática permitindo outros meios, a mão do artista poderia se reduzir, talvez, aos movimentos sobre o mouse...

Como sou daquelas que desenham e pensam que o mundo será sempre desenhado, fico muito feliz quando vejo um artista "clássico" (desenhista e pintor), como esse, fazendo sucesso pelo mundo a fora!

Robert Longo está em cartaz, com uma exposição dos seus carvões, no Kunsthalle Weishaupt na cidade de Ulm, na Alemanha, além de galerias e museus norte-americanos. Alguns de seus desenhos foram publicados na oitava edição da revista “Serrote” do Instituto Moreira Salles, lançada esta semana na Feira Literária de Parati.


Três dos desenhos feitos com carvão por Robert Longo:
Basílica de São Pedro, Vaticano
Peregrinos em Meca, Arábia Saudita
Muro das Lamentações, Jerusalém

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Desenhos de mar


"... cantando espalharei por toda parte

se a tanto me ajudar o engenho e a arte"
(Os Lusíadas, de Camões)



Tempos desses, numa praia do sul, no inverno, sem vento, mar gelado. E aquilo tudo ali à minha frente: mar, pequenos barcos, gaivotas, ondas, areia... deu a impressão de que o Real se magnificou ali na minha frente, e registrei aquilo ali em desenhos e no poema abaixo: 



À beira-mar


Onde está o vento?
Tento mais a mais me adaptar
ao imprevisto sopro dos ventos
me inventando a cada instante
criando a mim mesma
para ser possível a dança do momento.


Mas agora não há vento por aqui:
há um mar gelado, gaivotas, nuvens... e faz frio...
Hoje eu não sou o vento que sopra de todas as partes.
Hoje?
      - Eu aguardo o rumo dos acontecimentos
        sem o vento
        eu, como este barco solitário e inerte
        aguardo meu marinheiro...


------------------------------


O poema veio original e estranhamente em francês:


Au bord de la mer

Où est le vent?
J'essay de plus en plus m'adapter
au imprévu souffle des vents
en inventant à moi même à chaque instant
en créeant à moi même
pour être possible la dance du moment.

Mais maintenant n'a pas de vent ici
il y a une mer de glace, des mouettes, des nues... il fait froid...
Aujourd'hui je ne suis pas le vent qui souffle de toutes parts
Aujourd'hui?
      - J'attends le chemin des èvènements
      sans les vents
      Moi, comme cette barque solitaire et inerte,
      j'attends mon marin.


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Enquanto isso, outras histórias se passavam por ali:
Um urubu tava por ali comendo um pedaço de peixe...


... e outro urubu se aproximava
mas as gaivotas eram maioria...
elas se espalhavam pela praia e pelo trapiche...

disputando com pessoas que iam ver o mar.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Debret desenha o Brasil


A Caixa Cultural de São Paulo inaugurou, no último 3 de maio a exposição Debret – Viagem ao Sul do Brasil. A mostra  reúne 60 desenhos e aquarelas do artista francês Jean-Baptiste Debret, que viveu durante 15 anos no Brasil, a partir de 1816, integrando a Missão Artística Francesa. Esses desenhos e aquarelas fazem parte do acervo dos Museus Castro Maya, que possui a maior coleção de obras de Debret existente no Brasil.
Esses trabalhos expostos foram feitos pelo artista numa viagem ao Sul do Brasil, em 1827, na comitiva de D. Pedro I, quando percorreram os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. São registros da costa sul brasileira, paisagens da mata nativa, assim como retratos de índios, brancos e negros em seu cotidiano e até mesmo em festas e tradições populares.
Uma outra parte da exposição apresenta aquarelas realizadas no Rio de Janeiro, que retratam a vida urbana na Corte, incluindo a pompa do Império. Mas também se destacam as aquarelas onde Debret descreve o cotidiano dos escravos, seus hábitos, suas vestimentas, seu trabalho.
O artista
Auto-retrato
Jean-Baptiste Debret  nasceu em Paris em 18 de abril de 1768, morrendo também em sua cidade no dia 28 de junho de 1848.  De uma família de artistas, era sobrinho-neto do pintor e gravador François Boucher e primo de Jacques-Louis David, grande mestre do Neoclassicismo francês que pintou o famoso quadro "Marat assassinado", onde ele retrata a morte de um revolucionário francês (Jean-Paul Marat), em 14 de julho de 1793. Debret estudou na Academia de Belas Artes de Paris e foi um dos pintores oficiais do império que retratou as façanhas de Napoleão. Veio para o Brasil à convite de D. João VI.
Mas, sendo francês, pela importância de seu trabalho artístico como registro da história e da cultura brasileira, podemos considerá-lo como um dos artistas importantes de nossa História da Arte. Debret fundou no Rio uma academia de artes que mais tarde ficou conhecida como Academia Imperial de Belas Artes. Lá, ele deu aulas de pintura.
Quando voltou à França em 1831, levando consigo uma quantidade considerável de desenhos e pinturas sobre o Brasil, publicou o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, onde documenta diversos aspectos da natureza, do homem e da sociedade brasileira daquela época.
As obras, que compõem essa exposição Debret – viagem ao Sul do Brasil foram adquiridas pelo empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-1968), em Paris, no final dos anos 1930, tendo também adquirido uma boa quantidade de obras inéditas de Debret sobre o Brasil. Os Museus Castro Maya, no Rio de Janeiro – Museu do Açude e Museu da Chácara do Céu –, têm origem na coleção de arte, formada ao longo da vida, por esse empresário, que era também mecenas das artes e colecionador.
Anote aí:
Exposição Debret – Viagem ao Sul do Brasil
de 4 de maio a 19 de junho de 2011
Horário de visitação: terça-feira a sábado, das 9h às 21h, e domingos e feriados das 10h às 21h
Local: CAIXA CULTURAL São Paulo (Paulista) – Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2083 – São Paulo

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A estranha perspectiva de Maurits Cornelis Escher

 
Auto-retrato
Fui visitar a exposição “O mundo mágico de Escher” no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo. A mostra reúne 94 obras, entre gravuras originais e desenhos, incluindo todos os trabalhos mais conhecidos do artista. 

Durante mais de 50 anos de trabalho, MAURITS CORNELIS ESCHER – este é seu nome completo – fez desde simples desenhos com lápis, assim como xilogravuras, litogravuras e linoleogravuras representando perspectivas estranhas de construções impossíveis, fazendo explorações gráficas com a ideia de infinito e diversos estudos em que metamorfoseou padrões geométricos em peixes, pássaros e outros bichos.

Um pouco de sua biografiaEscher nasceu em 17 de junho de 1898 em Leeuwarden, na Holanda. Em 1903 a família mudou-se para Arnhem. Em 1922, Escher, já tinha muito domínio sobre o desenho e, em especial, sobre a xilogravura. No início de 1919, frequentou a Escola de Arquitetura e Artes Decorativas em Haarlem, onde começou a estudar arquitetura, mas acabou se dirigindo para as artes decorativas, estudando sob a direção de Samuel Jesserun de Mesquita, um artista com quem  manteve contato até a morte deste, pelos nazistas, em 1944.

Escher parte para Florença em 1922, onde desenhou incansavelmente a paisagem italiana vista a partir de perspectivas incomuns. Ele também gostava de desenhar pequenos animais ou pequeninas formas de plantas que ele via pelo microscópio. Em 1924, já com sua esposa Jetta Umiker mudou-se para Roma, e lá ficou até 1935, quando o clima político de Mussolini tornou-se insuportável. Foi para Chateau d'Oex, na Suíça, onde permaneceu por dois anos, mas como não gostava de lá resolveu ir morar em Uccle, uma pequena cidade da Bélgica, próxima a Bruxelas.

Mas a violência da II Guerra Mundial o obrigou a mudar-se novamente em 1941, só que, desta vez, para a cidade de Baarn, em seu país natal, onde viveu até 1970. Morreu em Hilversum, também na Holanda, em 27 de março de 1972. Suas obras mais conhecidas datam deste período, onde o clima nublado, frio e úmido da Holanda lhe permitiu se concentrar totalmente na sua obra.

Desenhando-se, litografia, 1948, 28,5 x 34cm
Escher foi considerado um grande matemático geométrico, além do grande artista. Ele brinca com a representação tridimensional do espaço no plano bidimensional da folha de papel. No desenho, ele criava figuras impossíveis, representações distorcidas, paradoxos. Algumas de suas gravuras apresentam verdadeiras ilusões de ótica em relação à perspectiva. Em alguns desenhos ele mostra uma espécie de loop infinito, onde não se pode saber se as pessoas descem ou sobem escadas, se olham ou são olhadas. Em um de seus desenhos que eu mais gosto, estão duas mãos se desenhando uma à outra. Outros desenhos mostram construções impossíveis, num desenho cheio de truques de perspectiva.

Relatividade, litografia, 1953, 28 x 29cm
O desenho de Escher possui forte componente matemático. Ele brincou com os sólidos de Platão, com equações de Mobius, com o cubo de Necker e o triângulo de Penrose, o famoso matemático britânico, Roger Penrose, que era seu amigo pessoal.

Os experts em seu trabalho, dividem sua obra em dois períodos: os desenhos feitos antes de 1937 e os pós-1937, pois foi nesse ano que ele começou a dar rédea livre à sua imaginação de matemático e geômetra. O primeiro período corresponde ao que ele morou na Itália e Suíça. Na Itália, por exemplo, ele reproduziu muitas paisagens e cidades italianas com riqueza de detalhe. Mas já nesse período (dá pra perceber vendo seus desenhos nessa exposição de São Paulo) ele mostra sua forma muito pessoal de representar a realidade que vê. Muito observador do mundo por onde passa, ele quer mostrar as coisas de uma forma diferente do lugar-comum.

Queda d'água, litografia, 1961, 38 x 30 cm
Mas foi na segunda fase, pós-1937, que Escher começou a mexer com o espaço, justapor figuras, realizar metamorfoses, fazer translação, rotação, reflexão e até dilatação de figuras e construções. Além disso, a exposição evidencia os efeitos de alguns fenômenos de espelhamento, perspectiva e matemática em diversas instalações interativas, onde é possível brincar um pouco com as formas criadas por Escher.

Vale muito a pena ir dar uma olhada na exposição de um artista que desenhou por mais de 50 anos em sua vida! Escher é um grande exemplo de dedicação ao desenho.

Anote aí:
Exposição “O mundo mágico de Escher”
De 19 de abril a 17 de julho de 2011
De terça a domingo, das 9h às 20h
Local: CCBB – Rua Álvares Penteado, 112 centro 
São Paulo-SP

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Trabalho inútil? - Uma defesa da repetição

Sísifo, de Tiziano, pintura de 1549
Nestes dias, minhas tarefas como membro de um atelier de arte realista têm-me suscitado reflexões e angústias. Há uma luta que travo com o que desenho, luta livre entre eu e a forma que teima em me dominar. E eu que teimo em dominá-la. Nessa dialética, olho para o mundo à minha volta. E quando olho, acho que devo voltar ao meu desenho.

Viver atualmente, especialmente nas grandes metrópoles, é submeter-se a padrões de vida estonteantes. A velocidade da máquina desse sistema formado pela tecnologia e pela informação, parece impor às pessoas a necessidade de uma rapidez de mesma intensidade. Transformando os indivíduos em frenéticas partículas mantenedoras do sistema maior, o capitalismo contemporâneo.

Com isso, temos uma sociedade ansiosa, pautada pelo efêmero, que parece repudiar o que é lento, sistemático, metódico. Num tempo em que a superficialidade predomina e onde reina a estética pessoal que incentiva o individualismo, há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Falo agora de Arte.

A chamada Arte Contemporânea é, assim como o sistema todo atual, efêmera, passageira. Criar, hoje, é  ter uma ideia instantânea; seu produto é um objeto construído em instantes, para uma observação apenas superficial. O “produto” desse ato criador não necessariamente precisa ser mais do que um simples arrazoado escrito ou transformado em vídeo. Ou qualquer coisa.

Há ainda, mesmo assim, os que resistem.

Desenhar – um ato que não se pratica mais no sistema de arte atual – é um trabalho lento, moroso, doloroso até. Dura talvez meses, talvez anos, talvez uma vida inteira. O artista fica lá, arqueado sobre uma folha de papel, ou sobre uma tela, repetindo movimentos, extraindo formas, linhas, massas, numa árdua tarefa de buscar a perfeição que faz o Mestre. Coisa mais “fora de moda”, para o sistema acima, não pode ter...

Lembro de uma entrevista com meu amigo, o artista Rubens Ianelli que recorreu a um dito do pintor Van Gogh onde este comparou o ato de desenhar ao trabalho de abrir um buraco numa chapa de ferro, usando-se apenas uma lima... Porque é isso, porque há um poder intrínseco à repetição... Como diz o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, Poesia (num sentido amplo) é repetição. Acrescento: Música é repetição, Pintura é repetição...

Penso no mito grego de Sísifo, o que desafiou os deuses. Por sua afronta, foi condenado a, por toda a eternidade, empurrar uma pedra montanha acima, até o topo. Chegando perto do topo, a pedra rolava para baixo e ele tinha que recomeçar tudo. A vida do artista se assemelha muito ao trabalho de Sísifo. Aparentemente inútil, aparentemente uma condenação. Albert Camus, escritor franco-argelino disse certa vez que Sísifo é a imagem daquele que vive sua vida ao máximo e que mesmo que outros não vejam sentido no que faz, ele continua executando sua tarefa diária. E compara esse mito com a vida dos trabalhadores: "O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico quando em apenas nos raros momentos ele se torna consciente", diz ele. Mas diz também, e tão bem, o poeta Vinícius de Moraes em Operário em Construção: “O operário faz a coisa e a coisa faz o operário”... Nessa aparente falta de sentido de seu trabalho, oculta-se a genialidade.

E o domínio técnico, que transforma simples mortais em gênios. A repetição cria o mestre. Cria também calos nas mãos, marcas no corpo e na alma. Assim como cria vícios, acomodamentos e dores. Porque há momentos em que o artista necessita se recriar, rolar de novo a pedra montanha acima. Recomeçar. Nunca mais do zero, pois a experiência anterior joga a seu favor.

Ainda bem que a vida não se resume à tensão masoquista pós-moderna. Há ainda o trabalho lento, metódico, de bordadeiras, de rendeiras, de artesãos, de poetas, de pescadores solitários lançando sua rede, de agricultores silenciosos lançando sementes ao solo. E de músicos. Há o trabalho diário do violonista, sentado horas e horas diante da partitura, violão abraçado ao peito, dedilhando acordes fáceis e complexos, num ritual sagrado de repetição em busca da perfeição, do domínio absoluto do instrumento, do seu violão que vai tocar aquela sonata que irá enlevar a alma dos que o irão ouvir...

Ou o trabalho solitário e silencioso do pintor em seu atelier, anos a fio debruçado sobre uma folha em branco, ou sobre uma tela, trabalhando o desenho, achando a proporção certa, dada pela observação dos movimentos da luz. Trabalho quieto de olhar para as coisas do mundo e ver na realidade o que a maioria não vê. E transformar o que vê no desenho ou na pintura perfeitos. Não uma mímese perfeita do real, mas a captação do momento pictórico tornado perfeito. Tornada perfeita a expressão dos movimentos da luz que incide sobre o mundo, em suas infinitas gradações que vão da sombra mais profunda à luminosidade mais incandescente...

Sim, é necessário empurrar a pedra morro acima, diariamente. Repetição é movimento e movimento é Vida.