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quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Grito


Olho, busco nas estrelas, fora das estrelas, do lado escuro delas. Vôo a cem mil milhas, trezentas milhas por segundo, alcanço o espaço inalcançável com os olhos. Prescruto. Pergunto. Faço uma auditoria, peço uma jurisprudência, apelo ao infinito, aos céus. Imploro às nuvens densas de chuva pedregosa, que cai em cima de mim. E pela cidade. Ando. Grito. Corro. Calo. Pulo. Falo. Peço, me humilho, me desfaço em mil pedaços. Me renego, me esconjuro, ergo os olhos, abaixo, fecho as mãos, abro, torço os dedos, quebro as juntas, rasgo meu olho direito, ofereço a outra face, piso meus pés, espanco a luz, mordo o ar, durmo na calçada da igreja, estirada, bêbada. Viro anjo sob a abóbada celeste, crente, ciente, descrente. Viro bicho, viro gente, viro arcanjo. Como o pão diabolicamente amassado. Viro água mole que pinga a mil em pedra dura. Escorro furo adentro, viro formiga, escaravelho, ameba, lombriga. Fujo do palácio, pois em terra de cego qualquer um é rei de si próprio e é rei em sua fraqueza. Vou ao mar, ao escuro mar que morreu de tanto sal. Viro peixe, salamandra, vieira, caravela, ameba, molusco. Volto ao meu ninho, sou galinha sem ovo e sem ouro, me esfrego, me entorto, me torturo, amarro cordas, tiro meu sangue, crio úlceras na pele e no estômago, me cortejo com carinhosas urtigas que me entumescem o corpo, volto, viro a página, mudo o disco, dou minha cabeça à guilhotina dos algozes ferozes, que transformam corações em pedra e mente e mentem o que sentem. Mas ressuscito, me amparo em mim, removo a pedra que havia no meio, subo aos céus, desço aos infernos, vago leve, caio dura, ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh GRITO!!!...........

O Grito, Mazé Leite, óleo sobre tela, 2013

segunda-feira, 24 de junho de 2013

200 mil acessos

Hoje - 24 de junho - este BLOG QUE FALA DE ARTE acabou de marcar os 200 mil acessos! Este é um espaço dedicado às Artes Plásticas, à História da Arte e às minhas visões pessoais sobre o assunto. Este blog tem sido útil em diversas escolas e faculdades de artes, auxiliando estudantes em suas pesquisas. Continuaremos com nosso trabalho teórico postando textos aqui neste blog, somente que de forma um pouco mais lenta, uma vez que a autora resolveu privilegiar agora seus horários mais livres à pintura do que ao estudo teórico. No entanto, sempre traremos as novidades do mundo das artes plásticas e, sempre que possível, nossas opiniões a respeito do mundo.

Muito obrigada às centenas de pessoas de todos os lugares do Brasil e de muitos outros países que acessam este BLOG QUE FALA DE ARTE frequentemente!

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pequena exposição de Lucian Freud no Masp

Girl with roses, Lucian Freud
O Museu de Arte de São Paulo – MASP – traz pela primeira vez ao Brasil, a partir de 28 de junho, uma amostra da obra do pintor realista Lucian Freud. Infelizmente apenas 6 pinturas a óleo da sua gigantesca produção poderão ser vistas por aqui, pois os organizadores somente conseguiram trazer em maior número gravuras, desenhos e especialmente fotografias do artista, em número de 28. A mostra intitula-se Lucian Freud: Corpos e rostos.

Algumas das gravuras foram feitas por ele na década de 1940, como experimentação da técnica. Somente muitos anos depois, na década de 1980, Freud voltou a fazer gravuras, desta vez com a técnica da água-forte.

Entre as seis pinturas a óleo estão um autorretrato do começo de sua carreira e a tela “Girl with Roses”, de 1947-48.

As 28 fotografias foram tiradas “por David Dawson, seu assistente, amigo e fotógrafo oficial que além de registrar os movimentos do artista e seus modelos no ateliê, costumeiramente servia ele próprio de modelo para Lucian Freud”, diz o texto de divulgação do MASP.
O pintor alemão Lucian Freud
A exposição irá até o dia 13 de outubro, no primeiro andar do MASP. No dia 27 de junho, às 15h, o fotógrafo David Dawson dará uma palestra gratuita sobre seu trabalho como assistente e fotógrafo oficial de Lucian Freud no Grande Auditório do MASP.

“Pinto o que vejo, não o que querem que eu veja”, costumava dizer quando alguém lhe perguntava porque sua pintura era de um realismo incômodo.

Lucian Freud nunca abandonou a pintura figurativa, mesmo quando a moda da arte abstrata se impôs. O crítico e curador José Roberto Teixeira Coelho afirmou sobre isto: “Essa insistência chegou mesmo a causar escândalo quando, em 1976, uma exposição na Hayward Gallery de Londres organizada pelo também artista R.B.Kitaj defendeu o que este chamava “Escola de Londres”, reunindo artistas como o próprio Lucian Freud, Frank Auerback, Francis Bacon, Leon Kossof e outros que faziam do figurativismo um elemento de resistência contra o abstracionismo dominante. Abstracionismo, com Lucian Freud, só aquele acidentalmente feito por seus pincéis quando os limpava nas paredes de seu ateliê, sobrepondo mancha de tinta a mancha de tinta...”

Lucian Michael Freud nasceu em 8 de dezembro de 1922 na cidade de Berlim, na Alemanha. Filho de pais judeus,  Ernst Ludwig Freud, arquiteto, e de Lucie Brasch, ele era neto do psicanalista Sigmund Freud. Lucien emigrou com sua família para a Grã-Bretanha, após a subida dos nazistas ao poder. Logo após a II Guerra ele começou a ser conhecido como pintor, graças aos retratos de personalidades da época.


Certa vez, Lucien Freud disse ao crítico de arte Robert Hughes: “Eu jamais poderia colocar numa pintura nada do que não esteja ali, à minha frente. Isso seria uma mentira deslavada, um golpe baixo.” Isso explica sua escolha pela pintura figurativa, realista.


A obra de Lucian Freud pode ser dividida em duas fases: uma primeira, onde ele estaria próximo das composições surrealistas e em seguida ele se afirma como pintor realista quando aparecem seus primeiros retratos com uma pintura mais diluida. Já mais velho, Freud (que era neto do psicanalista Sigmund Freud) teve o reconhecimento merecido.

Usando grandes pinceladas e grossas camadas de tinta, seus retratos da fase madura são muito marcados pela visão pessoal do artista. Ele não esconde nenhum detalhe dos corpos que pinta, no sentido de "melhorá-los". Por isso seu realismo escancara os rostos e os corpos de seus modelos como ele os via. Lucian Freud costumava pintar com seus modelos posando para ele, às vezes durante dias e dias.
Os modelos nus muitas vezes têm um ar de desolação, de solidão, de melancolia, deitados ou sentados em poltronas velhas do atelier do artista, às vezes em poses que parecem estranhas. A luminosidade da cena era a da luz elétrica mesmo. Em volta dele, nas paredes, podiam ser vistas as gotas de tintas que ele lançava contra as paredes para limpar seus pinceis.

Lucian Freud morreu há dois anos, no dia 21 de julho de 2011.

Exposição 
LUCIAN FREUD: CORPOS E ROSTOS
MASP
Av. Paulista, 1578 - São Paulo
Horários: De 3ªs a domingos e feriados
das 10h às 18h
Às 5ªs: das 10h às 20h

terça-feira, 4 de junho de 2013

Zumbis

Ontem à noite, 3 de junho, após um dia inteiro de chuva, com tempo bastante frio, aconteceu o vernissage da exposição intitulada "KEEP WALKING DEAD", organizada pelo Studio de Arte Plein Air, em São Paulo. O tema central é o do mundo das trevas onde habitam os zumbis, que perambulam mortos-vivos por mundos escuros, bizarros, desérticos, lunáticos. Um tema bastante recorrente no mundo dos quadrinhos e dos games, por exemplo.


O Plein Air Studio ontem no vernissage
Mas o mais bacana disso tudo foi ver tanta gente lá! Pelos meus cálculos, umas 200 pessoas devem ter passado pelo atelier de Alexandre Reider, Marcus Cláudio e Charles Oak. Enquanto uns passavam observando as obras expostas, pequenos grupos se formavam, as conversas eram animadas, os encontros prazerosos. Márcia Agostini, minha amiga pintora, me apresentou ao Marcus e ao Reider e fui vendo o quanto são tão boas essas oportunidades de juntar gente em torno da arte e o quanto é importante que os artistas figurativos continuem cada vez mais juntos mostrando suas obras, mesmo que à margem da "conceituada" e conceitual arte contemporânea. Não deixa de ser um grande momento de resistência a esse sistema aí, dominante nas artes plásticas atualmente.

Mas se tanta gente enfrentou frio e chuva ontem para ir ver esta exposição de arte figurativa, deve ser um sinal de que a bela e grande pintura está bem viva e com bastante fôlego para sobreviver, ainda por muito tempo, aos maus profetas que vaticinaram que a pintura havia morrido. Também disseram - os arautos da morte - que a arte estava morta, que a história estava morta, que o socialismo estava morto. Bem diz Affonso Romano de Sant'Anna que o século XX foi o século da morte, real e anunciada.

Estavam lá os pintores realistas Maurício Takiguthi, Paulo Frade, Gonzalo Cárcamo e o anfitrião Alexandre Reider. Além deles, outros expositores como Anderson Nascimento, Avelino, Canato, Celso Mathias, Charles Oak, Davi Calil, George Mend, Greg Tocchini, Julia Bax, Leo Dolfini, Maike Bispo, Marcus Claudio, Dwari, Nilo de Medinacelli, Rod Pereira e Rodrigo Idalino.

A exposição do Studio Plein Air traz obras de 16 artistas, entre pintores, quadrinistas e ilustradores, com tamanho padronizado em 30 por 60 cm. Também podem ser vistos os estudos preparatórios para os quadros e há cópias impressas em papel fotográfico no valor de trinta e cinco reais. No sábado, dia 8 de junho, das 11h às 16h haverá um bate-papo com alguns desses artistas e sessão de autógrafos para quem quiser e comprar os prints.

Exposição Keap walking dead
Abertura: 3 de Junho às 19:00
Período: de 4 a 21 de Junho
Local: Plein Air Studio
Rua Cristiano Viana 180

Mais informações:
contato@pleinairstudio.com.br

Abaixo, alguns dos trabalhos presentes na mostra:

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Portinari para todos

Neste 21 de fevereiro de 2013 o Projeto Portinari lança um novo Portal, com todas as obras do pintor Candido Portinari. Com interface inovadora e conteúdo totalmente acessível ao público, a ideia é dar ao povo brasileiro o acesso ao imenso acervo de obras do pintor, assim como a documentos, cartas, gravações e fotografias.

Permitir que qualquer pessoa tenha acesso à obra de Candido Portinari, via internet, é a principal ideia do novo Portal do Projeto Portinari, no endereço www.portinari.com.br. Com uma interface original e de design leve e bonito, o sítio do Projeto Portinari irá usar as melhores ferramentas tecnológicas disponíveis na web para que o público possa ter acesso ao acervo riquíssimo, fruto de mais de 30 anos de pesquisa sobre a vida, a obra e a época de Candido Portinari, o mais brasileiro dos nossos pintores.

Portinari junto ao esboço
do painel "Tiradentes". 1949.
 
João Candido Portinari, filho do artista, fundador e diretor geral do Projeto Portinari aponta que mais de 95% das obras de seu pai estão inacessíveis à apreciação do público por pertencerem a coleções privadas. Ele complementa: “Sempre sonhei em disponibilizar as obras ao maior número possível de pessoas. A obra de Portinari carrega mensagens éticas e de valores humanos em prol da paz, retrata a vida, a alma e o povo brasileiro. No início, há 33 anos, não havia tecnologia para isso. Hoje, novas ferramentas nos permitem colocar esse conteúdo no colo das pessoas. Batizamos esse ideal de ‘Portinari para todos’. No novo Portal, os usuários – crianças, jovens, estudantes, professores, pesquisadores, curiosos ou simplesmente amantes da arte – poderão navegar brincando”.

O acervo do Projeto Portinari contém uma complexa base de dados com cerca de 30 mil itens, entre obras de arte, cartas, fotografias, periódicos e depoimentos. Esse imenso acervo se refere não somente a Portinari mas também a seus contemporâneos e amigos, como Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Luís Carlos Prestes, Afonso Arinos, entre outros.

Maria Duarte, que é coordenadora geral do Projeto, afirma que o motivo maior dessa renovação e enriquecimento do Portal Portinari se deve ao objetivo de “proporcionar ao usuário uma experiência sobre a obra, a vida e a época de Portinari, convidá-lo a mergulhar nesse universo. O Portal Portinari une a complexidade e riqueza de um acervo construído há 33 anos, às diversas possibilidades oferecidas pela tecnologia e o desejo de disponibilizar este conteúdo ao maior número de pessoas”.

A primeira página do sítio é apresentada sob a forma de mosaico, com entradas para a obra completa de Portinari, feita de 5 mil imagens, além de documentos e uma seleção de fatos históricos que contextualizam a produção do pintor. Nesta primeira tela, o usuário pode usar o comando de busca, através de texto livre, muito fácil para localizar uma obra ou um documento. A cada item do acervo, o usuário verá um infográfico que mostra seus relacionamentos com todos os outros itens do acervo do Projeto Portinari. É um Portal com ligações internas que usa as ferramentas mais modernas da Internet para facilitar o acesso do público.

Projeto Portinari: arte, ciência e tecnologia

Homepage do Portal Portinari
O conjunto da obra de Candido Portinari se encontra espalhado por todo o mundo, em acervos particulares, de museus, de empresas e de bancos. Sendo assim, a recuperação da obra completa do artista a partir de um novo registro fotográfico seria praticamente impossível, e por isso o foco do trabalho de recuperação dessas imagens se deu a partir do acervo fotográfico já pertencente ao Projeto Portinari. As imagens foram digitalizadas e passaram por um processo científico de adequação cromática que aproximou ao máximo a imagem do seu original. Nesse processo, o diretor João Candido contou com a colaboração de cientistas e especialistas em imagem digital. Todo o processo de constituição do registro visual da obra do pintor exigiu mais de 20 anos de trabalho e investimentos. Essas imagens e todos os documentos estarão disponibilizados no Portal, que assegura a máxima fidelidade nas cores e na qualidade das reproduções dos arquivos digitais.

Restaurador trabalhando na restauração
de um dos paineis "Guerra e Paz", de Portinari
Ainda dentro do padrão tecnológico e científico, o Portal trará um setor intitulado “Projeto Pincelada”. Trata-se de auxiliar o trabalho de autenticação das obras de Candido Portinari, identificando as obras falsas. Usando, entre outros recursos, a inteligência artificial, com a classificação automática de objetos e redes neurais, o Portal utilizará um Programa que tem como objetivo analisar a autenticidade de uma pintura partindo de uma amostragem de macrofotografias (zooms) de pinceladas do artista recolhidas de trabalhos reconhecidamente autênticos.

Desde a década de 1980, o Projeto Portinari vem utilizando processos digitais e tecnologia avançada a favor do seu trabalho de preservação da vida e obra do artista. Desde 1998 o Projeto disponibiliza todo o seu acervo na internet, num pioneirismo tecnológico que merece destaque. Sempre usando as mais avançadas ferramentas da web, o Portal atendia muito bem seu público principal, basicamente formado por pesquisadores. Mas os recursos da época eram ainda limitados e o conteúdo não podia ter a apresentação que terá a partir de agora, com imagens em alta resolução, rico cruzamento de dados, etc. Na época, o sítio do Projeto Portinari já era uma referência no Brasil e no exterior, pois a catalogação de obras de artistas na rede ainda era muito escassa.

O projeto Portinari

Carta do amigo Drummond
O Portal Portinari, além de apresentar dados sobre a vida, o pensamento, as atividades e tudo o mais relacionados a Candido Portinari, também trará informações sobre o Projeto Portinari, com seu histórico, realizações, projetos, equipe, publicações, prêmios. Uma das atividades centrais deste Projeto está ligada à Arte e Educação, trazendo em seu conteúdo todo um material com fins educativos, implementando projetos de ensino-aprendizagem que associam diretamente a obra de Portinari aos princípios de uma Cultura de Paz.

Como parte dessas atividades, aconteceram, por exemplo, a exposição itinerante “O Brasil de Portinari”; o projeto “Se eu fosse Portinari”; as exposições “Portinari – Arte e Ciência” e “Tempo Portinari”; o projeto “Portinari – Arte e Meio Ambiente”; o programa educativo do “Projeto Guerra e Paz”; o projeto “Portinari – Bauzinho do pintor”. A primeira edição, dedicada à literatura, relaciona a obra do artista ao livro “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego; a segunda associa a pintura de Portinari a questões do meio ambiente.
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continuação da Carta de Drummond
Inicialmente empenhado em resgatar de forma sistemática e minuciosa a vida e a obra de Candido Portinari, assim como a época em que viveu, o Projeto Portinari tem como objetivo também disponibilizar a obra do artista a serviço da busca da identidade cultural do povo brasileiro e da preservação da memória nacional. Empenha-se em exercer uma atuação voltada especialmente às crianças e jovens, tomando por base os valores sociais e humanos presentes em todo o universo de Portinari, para suscitar uma reflexão sobre a realidade brasileira e mundial.

Disponibilizados no conteúdo do Portal, o Projeto apresenta os seguintes resultados de sua extensa pesquisa: levantamento de 5.300 pinturas, desenhos e gravuras atribuídos ao pintor, assim como mais de 25 mil documentos sobre sua obra, vida e época; pesquisa da autenticidade das obras (“Projeto Pincelada”); processamento digital das imagens; organização do arquivo e da correspondência do pintor (mais de 6 mil cartas) e do acervo de fotografias históricas, filmes e recortes de mais de 10 mil periódicos, livros, monografias, textos e memorabilia; registro de mais de 70 depoimentos de artistas, intelectuais, políticos, amigos e parentes de Portinari, totalizando mais de 130 horas gravadas (“Programa de História Oral”); publicação do Catálogo Raisonné “Candido Portinari – Obra Completa”, primeira publicação dessa natureza em toda a América Latina.

A casa do bairro Cosme Velho, no Rio,
onde Portinari viveu, recentemente
devolvida à família, será restaurada 
O Projeto Portinari também exerce diversas atividades de caráter sócio-cultural, que vão além da disponibilização em rede da obra do artista. Em 1997 realizou uma primeira exposição retrospectiva da obra de Portinari, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP); participou da edição e editou publicações alusivas a Portinari; criou material para divulgação da vida e da obra do pintor; planejou e executou o “Projeto Guerra e Paz”,com a restauração dos painéis em ateliê aberto a estudantes e público em geral, no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, além de exposição ao público do Brasil e do exterior. Em São Paulo, os painéis Guerra e Paz foram expostos no Memorial da América Latina e teve a visitação de cerca de 200 mil pessoas.

O projeto Portinari, com esta iniciativa, dá um verdadeiro presente ao povo brasileiro, a eterna inspiração do pintor Portinari. João Candido, cujo desejo é colocar no “colo do povo” a obra de seu pai, junto com sua equipe tem trabalhado incansavelmente na recuperação de todo esse acervo que generosamente disponibiliza a todos. Artistas, estudantes, amantes de arte, pesquisadores e qualquer pessoa, enfim, tem à sua disposição uma rica documentação histórica e artística, não só sobre ele, mas sobre um rico período da nossa história cultural da qual ele fez parte e, através de sua obra, nos alcança hoje. Filiado ao Partido Comunista, Candido Portinari sempre foi coerente com seu sonho de um mundo para todos, sempre esteve atuante nas lutas por um mundo de justiça e paz. “Entre o cafezal e o sonho”, como disse o poeta Carlos Drummond, “nada mais resiste à mão pintora”.

Também disse Oswald de Andrade: “(…) o Brasil tem em Candido Portinari o seu grande pintor. Mais do que escola, que faça exemplo. Pintor iniciado na criação plástica e na honestidade do ofício, homem do seu tempo banhado nas correntes ideológicas em furacão. Não admitindo a arte neutra, construindo na tela as primeiras figuras do futuro titânico – os sofredores e os explorados do capital”.

Portinari com os amigos Antônio Bento, Mário de Andrade e Rodrigo Mello Franco de Andrade, na exposição de suas obras no Palace Hotel, Rio de Janeiro. 1936.
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Para saber mais sobre Portinari, neste Blog:

>> O homem dos olhos azuis
>> Por ti, Portinari
>> Candido Portinari no MAM-SP
>> Portinari de todos os tempos

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Edgar Degas, impressionista ma non troppo

Estudo meu sobre o "Retrato de Albert
Melida", de Edgar Degas,
feito em pastel (nov. 2012)
O Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, Paraná, inaugurou no dia 10 de novembro a exposição “Degas: Poesia geral da Ação. As esculturas - Coleção Masp”. O evento faz parte da comemoração dos 10 anos de vida do Museu, que tem a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.

São 73 obras do artista francês Edgar Degas que pertencem ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. As esculturas são fundidas em bronze e, entre elas, a mais conhecida: “Bailarina de 14 anos” (foto abaixo). Vale ressaltar que o MASP é um dos museus onde há uma das grandes concentrações de obras de Degas, além do Metropolitan de Nova York e do Museu d'Orsay de Paris.

Recentemente fiz um estudo em pastel de uma pintura a óleo deste artista francês, o “Retrato de Albert Melida”. O método de pintura dos impressionistas é pictórico, quase sem linhas, com predominância no valor das cores de médio a alto; também não respeitam muito a forma dos objetos e as massas se fundem, se multiplicam, dando um ritmo luminoso, o que era intenção desses pintores. Alguns levaram essa técnica à radicalidade do pontilhismo, como George Seurat e Van Gogh. Ou praticamente enfatizando os efeitos luminosos das cores sob o efeito da luz, como fazia Monet. Mas não foi o caso de Degas. Ele ficou mais independente, mantendo mesmo uma certa distância do grupo dos impressionistas, mesmo que, segundo E.H. Gombrich em seu livro História da Arte, “simpatizasse com a maioria de seus propósitos”.


Autorretrato, Degas, 1857
Seu nome completo era Hilaire Germain Edgar de Gas, adotando Edgar Degas como nome artístico. Ele nasceu em 19 de julho de 1834 em Paris e foi, além de pintor, gravador, escultor e fotógrafo. Era um pouco mais velho do que Renoir e Monet e regulava de idade com Manet. Gombrich observa que Edgar Degas tinha um interesse “apaixonado” pelo desenho e era grande admirador da obra de Jean-Auguste Dominique Ingres, artista que se manteve sempre fiel à pintura acadêmica.

Degas não aderiu ao costume dos impressionistas de pintar ao ar livre. Preferia o espaço interno de seu ateliê ou as salas de aulas de balé, cujas bailarinas aparecem em muitos de seus quadros. Ele ia aos ensaios de dança para ver os corpos em movimento, que desenhava e pintava. “Via as bailarinas dançando ou repousando, e estudava o intrincado escorço e o efeito da iluminação de cena modelar a forma humana”, aponta Gombrich. Diversos desses esboços foram feitos à pastel. Mas nessas observações das bailarinas ele se comportava como seus amigos impressionistas e pintores de plein air: lhe interessava, mais do que a beleza da bailarina, os jogos de luz e sombra, as formas dos movimentos, as relações espaciais.

A maior parte de suas obras, desde que se busca classificar os pintores dentro de algum movimento, é incluída dentro do movimento impressionista, mesmo que, como vimos antes, ele não era exatamente um deles, porque as principais características do Impressionismo não são aplicáveis a Degas, que pintava dentro de seu ateliê, muitas vezes de memória. O fato dele ser incluído entre os impressionistas seria muito mais pelo fato de que, assim como aqueles, ele também não seguia as regras da Academia Francesa. Muita discussão e debate já aconteceu em torno da obra de Edgar Degas por diversos historiadores da arte, uma vez que seu trabalho como artista não podia ser classificado como impressionista em sua totalidade.


A bebedora de absinto, Degas
Edgar Degas, filho de uma família rica, era o grande burguês do bairro de Montmartre, tradicional reduto de artistas, em sua maioria pobres. Seu pai era banqueiro, e ele cresceu dentro do meio burguês, numa rua próxima do Jardim de Luxemburgo, bairro nobre de Paris. Como parte de sua formação, cursou a faculdade de Direito, por exigência paterna. Mas Degas já se interessava muito por Desenho e começou a frequentar o Gabinete das Estampas da Biblioteca Nacional, onde copiava incansavelmente as obras de Albrecht Dürer, Andrea Mantegna, Paul Veronèse, Francisco Goya e Rembrandt.

Além disso passava as tardes no museu do Louvre onde, com o tempo e sua evolução como artista, foi admitido como pintor copista, uma prática que ainda hoje se mantém. Ele admirava os pintores italianos, franceses e holandeses. Foi aluno, entre outros, de Louis Lamothe, que tinha estudado pintura com Ingres. O pai de Degas, homem culto e amante das artes, mas também bom comerciante, apresenta ao filho alguns dos maiores colecionadores de arte de seu tempo.


A partir de 1855 ele frequenta as aulas da Escola de Belas Artes de Paris, mas com a ideia de se aproximar da obra dos grandes mestres do passado, como Luca Signorelli, Sandro Botticelli e Rafael. Por causa desse interesse, Degas viajou várias vezes à Itália entre 1856 e 1860. Foi em Florença que ele conheceu e se tornou amigo de um outro pintor francês, Gustave Moreau, que foi um dos principais representantes da corrente simbolista na pintura francesa.

Em sua fase inicial, Degas fez diversas pinturas de inspiração neoclássica, além de ter pintado numerosos retratos de pessoas de sua família. Na guerra contra a Prússia de 1870, Degas se alista na infantaria. Entre 1874 e 1886 Degas participa das exposições dos impressionistas, empenhando-se pessoalmente na organização das mesmas. Seus contatos com outros pintores da mesma geração se estreitam, especialmente com Camille Pissarro.


As bailarinas, 1878, Degas
Edgar Degas era um frequentador ativo do bairro de Montmartre, participando de diversos círculos de amigos, de ateliês, de cafés literários e de encontros sociais organizados por outros artistas e intelectuais de sua época, reunindo-se na casa da família Manet, na da pintora Berthe Morisot e na do poeta Stephane Mallarmé. À frente de outros burgueses como ele, seus amigos íntimos, ele levava uma vida celibatária e algo arrogante. No que dizia respeito aos princípios aprendidos em sua família de origem, era intransigente, e em muitas querelas batia de frente com os amigos. Tinha uma personalidade difícil, humor mordaz, agressivo, o que afastava as pessoas de seu convívio. Mas participava ativamente das discussões que aconteciam no café Guerbois, entre artistas jovens e seu amigo Edouard Manet, cujo ateliê ficava perto, no bairro de Montmartre.

Desde 1875, a pintura foi para ele sua fonte de renda, quando ele começou a ter dificuldades financeiras. Sua família tinha entrado em falência após a morte de seu pai. De 1880 em diante, ele passa a usar mais o pastel em sua pintura, algumas vezes usando junto também tinta guache e aquarela. As telas dessa época são bastante modernas no sentido de dar maior expressão às cores. No final dos anos 1890, Degas, já quase cego, se dedica cada vez mais à escultura. Sua única exposição individual aconteceu em 1892, quando ele apresentou 26 telas com paisagens.


De 1905 em diante, cada vez mais amargurado pela cegueira que lhe acometeu, Edgar Degas se isola ainda mais dentro de seu ateliê. Morreu em setembro de 1917, com 83 anos de idade, acometido de um aneurisma cerebral. Seu corpo foi sepultado na tumba da família no cemitério de Montmartre. No ano seguinte, todas as obras acumuladas em anos de trabalho, que ele guardava em seu ateliê, foram vendidas em leilão, assim como sua importante coleção de obras de arte que ele tinha adquirido de outros artistas. Dessa coleção, dedicada especialmente à arte francesa do século XIX, se destacavam obras de Ingres e Delacroix, dois mestres por quem Degas tinha grande admiração não só por sua técnica mas também pela cultura artística que eles possuíam.




A pequena bailarina de 14 anos,
Degas, acervo do Masp
Ingres influenciou profundamente o jovem Degas. Ele tinha 21 anos de idade quando conheceu o mestre em seu ateliê. Em seguida, passou a copiar apaixonadamente as obras apresentadas em uma exposição retrospectiva consagrada a Ingres. O primeiro autorretrato de Degas faz referência clara ao que Ingres fez em 1804, como se pode ver neste post. O próprio Ingres lhe teria sugerido que desenhasse, que desenhasse muito, e ele seria um bom artista. Degas estava sempre com um porta-lápis à mão. Até o fim de sua vida, Degas mantinha o costume de fazer desenhos preparatórios e esboços para seus trabalhos. Praticava inclusive desenho de modelo vivo, a vida toda. Sempre respeitando o que lhe havia sugerido o grande mestre Ingres.

Em relação a Eugène Delacroix, Degas também era um admirador de sua pintura, chegando a fazer uma cópia do quadro de Delacroix “Entrada dos cruzados em Constantinopla”. Em 1889, viajou a Tanger, seguindo os passos do pintor Delacroix, que era apaixonado pela cultura do norte da África.


Um de seus inúmeros esboços
As bailarinas azuis, 1899, Edgar Degas
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Serviço:

“Degas: Poesia geral da ação. As esculturas – Coleção MASP”
De 10 de novembro de 2012 a janeiro de 2013
Museu Oscar Niemeyer
Curitiba - Paraná

terça-feira, 27 de novembro de 2012

“A arte vive um momento deplorável”

Fernando Botero
No começo desta semana, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria com o artista plástico colombiano Fernando Botero. Longe, bem longe de textos críticos profundos e densos, a matéria ressalta todo o tempo que os personagens pintados por Botero são gordinhos, numa simplificação que bem representa o estilo editorial desse jornal.

Mas valeu pela entrevista, ou melhor, pelo que Fernando Botero disse na entrevista. Em primeiro lugar, quando o jornalista lhe pergunta por que ele só pinta “personagens gordos”, a resposta do artista veio da profundidade de seu pensamento sobre sua pintura, em contraponto às banalidades perguntadas a ele. Explicou que o que lhe interessa pintar é o volume dos corpos, pela sensualidade dessas formas arredondadas e explicou ao jornalista que não se trata só de uma escolha entre “pessoas magras ou gordas”. Cita o pintor italiano Giotto (1267-1337) que deu volume às formas da pintura praticada em seu tempo, que até então eram formas planas.

Como o jornalista não parava de perguntar sobre a “gordura” de seus "personagens", Botero continuou explicando a ele que um artista vê, muitas vezes, além do que outros enxergam. E contou de seu interesse pela arte pré-colombiana, apesar de sua formação europeia, mas que seu estilo nasceu a partir de suas convicções pessoais e pelo seu “respeito pela arte de formas clássicas”.

Mas a melhor parte da entrevista foi quando ele passou a analisar o estado da arte atual. E aqui reproduzo integralmente os comentários de Fernando Botero, que são muito importantes para ver que não existe - absolutamente - unanimidade sobre a arte praticada atualmente, a chamada "arte contemporânea". Apesar de ser hegemônica e fazer parte de uma certa tendência de origem neoliberal com vontade de impor um “pensamento único”, há os que apresentam outro julgamento.

Fala, Botero:

Folha - Suas influências mais marcantes são artistas clássicos, e o sr. já afirmou que a arte se desintegrou depois de Picasso. Como vê a arte hoje?
BOTERO - Digamos que o problema é uma falta de estrutura. Disseram tanto ao Picasso que ele era um gênio que ele começou a fazer quadros sem estrutura (grifo meu). No final de sua vida, sua obra era um caos total, com uma técnica deplorável. A verdade é que hoje a arte se baseia em ideias superficiais, artistas estão mais interessados em chocar do que em criar obras com qualquer senso de estrutura. Não é um momento glorioso na evolução das artes visuais. Acredito que a arte viva agora um momento deplorável.

Folha - É por isso que o sr. desistiu de patrocinar o tradicional prêmio a jovens artistas que levava seu nome na Colômbia?
BOTERO - Sei que essa foi uma decisão polêmica, mas o júri havia dado o prêmio máximo a um vídeo, que era talvez o primeiro que aquele artista havia feito na vida. Não gostei das obras, nada me interessou, então achei que já não valeria mais a pena patrocinar esse tipo de coisa. Vi que os jurados premiam coisas absurdas, como se morressem de medo do fim das vanguardas artísticas.

Folha - Como lida com seu sucesso comercial? Costuma acompanhar os resultados dos leilões?
BOTERO - Não gosto de leilões porque criaram um gueto para artistas latino-americanos. Gostaria de estar nos leilões com os artistas do resto do mundo, já que tenho obras espalhadas por todo o planeta. Arte é universal, não deve estar identificada por regiões. Ser classificado como latino é ocupar uma categoria inferior, e não me considero inferior a ninguém.

Dança na Colombia, 1980, óleo sobre tela, 188 x 231 cm
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Neste Blog: AS DORES DA COLOMBIA SEGUNDO BOTERO

Entrevista da Folha

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nulle die sine linea

“Sabes que "poesia" é algo de múltiplo;
pois toda causa de qualquer coisa
passar do não-ser ao ser é “poesia”,
de modo que as confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os seus artesãos poetas.”
(O Banquete, Platão)

Estudo meu feito com pastel sobre
papel cartão, sobre obra de
Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem
mulher", de 1665 (novembro, 2012)
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos mestres é parte da nossa formação e aprendizado.

Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo, mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo, disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que vieram antes dele.

Pintura a óleo tendo como referência
a obra "Moça com brinco de pérola",
de Vermeer (outubro, 2011)
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida: não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para poder construir o futuro que queremos.

Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam, em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário, os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho, o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...

Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.

"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011
Na verdade, desde a tradição grega sabemos o quanto a genialidade de um ser humano não é dom divino. “Nulle die sine linea” (nenhum dia sem uma linha) estava escrito na porta de entrada do atelier do pintor grego Apeles, que viveu no século V a.C., que não deixava passar um só dia sem que se exercitasse em sua arte. Todos os grandes artistas, de Da Vinci a Michelangelo, de Vermeer a Velázquez, de Bach a Beethoven, de Delacroix a Picasso, todos, sem exceção, dedicavam horas diárias de suas vidas à sua arte e, se se tornaram os gênios que foram, essa genialidade foi desfraldada após muito exercício, muita aplicação, muito estudo.

Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo que foge.

"Retrato de Jeosafá",
Mazé Leite, 2012
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o  topo está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência, trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte, quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...

Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas! Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...

Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista. Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca, sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para que ele brilhe!

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Abaixo, alguns dos meus exercícios:

Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres  (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres.
À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre  (Mazé Leite, 2012)
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez.
À direita, uma xilogravura de 1989 
(Mazé Leite)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gustav Klimt, um pintor do seu tempo

Detalhe de "O Beijo" de Gustav Klimt, pintada em 1905
Neste ano de 2012 completam-se 150 anos do nascimento do pintor austríaco Gustav Klimt, um dos mais importantes nomes da arte moderna do começo do século XX. Uma de suas mais célebres obras é a pintura “O Beijo”, de 1908.

Gustav Klimt
Filho de ourives, Klimt usou ouro para envolver as figuras de suas telas, que levam hoje 6 mil pessoas todos os dias ao Museu Belvedere em Viena, Áustria. Este museu recebe anualmente a visita de 2 milhões de pessoas. Desde o dia 13 de julho, o museu - dono da maior coleção de obras de Klimt - está apresentando uma exposição com 23 de suas pinturas, incluindo “O Beijo”.

Mas em outras cidades do mundo, mais exposições estão na programação de museus e galerias. Em Nova York, a Neue Galeria abriu uma mostra com desenhos, pinturas e fotografias de Gustav Klimt. Entre essas obras, o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”, de 1907, que ele decorou ricamente com ouro. Também desde 16 de maio deste ano o Museu de Viena faz uma mostra das obras do início de sua carreira em 1880, até sua morte em 1918. Outros dois museus de Viena também apresentaram mostras.

Retrato de Madame Heymann,
de 1894, Gustav Klimt
Gustav Klimt nasceu no dia 14 de julho de 1862 em Baumgarten, na periferia de Viena, Áustria. Era o segundo entre os sete filhos de Ernest Klimt, que exercia a modesta profissão de ourives. Sua mãe, Anna Finster, era cantora lírica. Contam seus biógrafos que, desde muito pequeno, Gustav Klimt demonstrava interesse pelas artes e por decoração. Em 1876, ele entrou na Escola de Artes Decorativas de Viena, onde aprendeu as primeiras lições de pintura.

Em 1880, com 18 anos de idade, ele e seu irmão Ernst e mais um amigo, Frantz Matsch, criaram um atelier de pintura decorativa. Rapidamente seu trabalho prosperou e começaram a receber numerosas encomendas para decorar paredes e tetos de casas, assim como teatros e outros edifícios públicos. Em 1890, apenas dois anos depois, Gustav Klimt já era famoso por sua pintura e executava obras que eram encomendadas pelo governo austríaco.

Judith, de Gustav Klimt
Mas, internamente, Klimt se sentia atraído por uma arte mais livre do que as que executava por encomenda. Nesse período ele namorava uma moça que tinha uma casa de costura, Emilie Flöge, e tinha se aproximado dos escritores Arthur Schniltzer, Hofmaansthal e Hermann Bahr, bastante interessado no simbolismo e no impressionismo francês. Em 1895, após uma exposição em Viena, ele descobre a pintura do alemão Max Liebermann, assim como Félicien Rops, Klinger e Auguste Rodin, o escultor francês.

Com alguns amigos, ele funda, em 1897, o jornal “Ver Sacrum”, com a intenção de criar um instrumento consagrado à arte. No mesmo ano, ele participa da fundação da União dos Artistas Figurativos, denominada de “Secessão”, com dezenove outros artistas vienenses. Ele foi o presidente dessa associação que tinha por objetivo interferir na vida artística da época, além de produzir obras de arte que levassem a arte austríaca ao reconhecimento internacional que ela merecia. Tratava-se também, para aqueles artistas, de diminuir a distância entre a arte e as artes ditas menores, de aproximar objetos utilitários dos objetos de arte, e de transformar o mundo por meio da arte. A arte, para eles, deveria despertar a consciência, de forma diferente do que vinha sendo praticado pela arte acadêmica. O jornal “Ver Sacrum” era o porta-voz dessa vontade de mudar o mundo.

Enquanto isso, o arquiteto e também pintor Joseph Marie Olbrich construía um espaço dedicado às artes, como desejavam Klimt e seus amigos da “Secessão”: um lugar para permitir aos jovens artistas figurativos um lugar permanente de exposição para suas obras.

Pallas Athena, Gustav Klimt, 1898
Em 1898 Gustav Klimt pintou a obra “Pallas Athena” que marca o início do seu afastamento da chamada arte oficial. Sob uma forma irônica, ele reinterpreta a representação tradicional da deusa grega, apresentando-a com traços de “femme fatale”, sensual e moderna. Essa pintura foi usada como ilustração para o cartaz da primeira exposição da “Secessão” em 1898.

Durante o ano de 1900, após a sétima exposição do seu grupo, Klimt apresenta a tela “A Filosofia”, a primeira de três que foram encomendadas para ilustrar o teto abobadado onde acontecia a Aula Magna da Universidade de Viena. Esta pintura foi destruída pelos nazistas em 1945. Os outros dois eram “A Medicina” e “A Jurisprudência”. Ele escolheu pintar a filosofia sob a forma de uma esfinge, com contornos fluidos, a cabeça perdida nas estrelas enquanto em torno dela se desenrolavam todos os ciclos da vida, do nascimento à velhice, passando pelos tormentos do amor. Essa tela sofreu duras críticas das autoridades universitárias que esperavam uma representação clássica do tema. Consideraram essa obra uma provocação, apelo à libertinagem e um atentado aos bons costumes. A crítica foi violenta também por parte da imprensa (sempre a velha mídia...) que acusou Klimt de querer perverter a juventude. Alguns questionaram sua sanidade mental ao avaliarem o erotismo de suas pinturas. Os críticos dos jornais atacavam até o fato de Klimt sofrer de depressão.

Filosofia, Gustav Klimt
Mas ele não se deixou influenciar pelos críticos e defensores do conservadorismo. Em suas outras duas pinturas seguintes, “A Medicina” e “A Jurisprudência”, continuou pintando como gostaria e o resultado foi que as críticas se ampliaram ainda mais. “A Medicina” foi representada por uma moça sensual, como em outros quadros, ao lado de representações sobre o sofrimento e a morte. “A Jurisprudência” é representada por um criminoso preso a seus instintos enquanto que a Justiça encontra-se fixa e impassível enquadrada numa espécie de mosaico de inspiração bizantina. Suas pinturas obviamente não foram aceitas para decorar a sala das Aulas Magnas da universidade...

Em 1902, após a décima quarta exposição da “Secessão”, consagrada à música de Beethoven, Klimt apresenta um afresco dividido em sete paineis representando a Nona Sinfonia, destinada a decorar um monumento em memória do compositor, que foi concebido pelo arquiteto Josef Hoffmann. Essa obra foi incentivada por um outro músico, Gustav Mahler, e ela representava a aspiração à felicidade por parte da humanidade sofredora que busca apaziguar seu sofrimento através da arte. Mais uma vez, Gustav Klimt sofreu duras críticas, bastante violentas, em nome da moral.

Jurisprudência, de Gustav Klimt
Os anos 1902-1903 foi um período de intensa produção criativa de Gustav Klimt. Ele inicia o uso do ouro em suas obras com as pinturas “Serpentes de Água” e “Retrato de Adele Bloch-Bauer”, além de “Danaé”.

Em 1904, um rico banqueiro, Adolphe Stoclet, encomenda a ele um mural feito em mosaicos para a sala de refeições de um luxuoso palácio que ele iria construir em Bruxelas, na Bélgica. Mais uma vez ele mostra a riqueza decorativa de suas obras, com “A Espera” e “O Cumprimento”.

O famoso quadro “O Beijo”, sua obra mais conhecida e que continua sendo reproduzida sob diversos materiais decorativos em todo o mundo, foi pintado em 1905. Após 1908 ele abandona o grupo “Secessão”, acompanhado de vários amigos. Para ele, essa associação de artistas já tinha cumprido seu papel e corria o perigo de “se esclerosar”. A partir daí ele se consagra à pintura de paisagens ou de cenas alegóricas, cada vez mais estilizadas e com cores cada vez mais vivas.

Medicina, Gustav Klimt
Também passa a pintar retratos e realiza retratos de mulheres de grandes dimensões com composições ricamente decoradas, para atender a uma clientela rica e burguesa que lhe enchiam de encomendas. Pinta numerosas cenas com mulheres nuas e em poses eróticas.

Em 1910, Klimt participa da Bienal de Venesa, onde ele obtém muito sucesso. Passou a ser conhecido como o representante na pintura da intelligentsia austríaca e como inventor da arte decorativa.

Ele morreu em 1918, após um ataque cardíaco, deixando diversas obras inacabadas.

Pintor denegrido por mais de dez anos em sua terra, seu trabalho foi, no entanto, a expressão de um período histórico de mudanças que aconteciam pelo mundo e por isso ele é uma referência na história da pintura. Gustav Klimt é o exemplo e a expressão de um pintor de seu tempo, corajoso, ativo, altamente criativo e que participou ativamente das profundas transformações pelas quais o mundo passaria a partir do começo do século XX, em todos os ramos da vida humana, incluindo as artes.
O Beijo, de Gustav Klimt

Danaé, de Gustav Klimt
A Música, de Gustav Klimt