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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pinturas com palheta reduzida

Tenho feito algumas pinturas usando poucas cores, apenas quatro: Preto de Marfim, Branco de Titânio, Amarelo Ocre e Vermelho de Cadmio. A ideia é experimentar, exercitar, aprender ainda mais sobre o mundo maravilhoso da pintura a óleo, das cores, da arte.

Essa palheta é conhecida há milhares de anos, pois na Grécia antiga um grego pintor, chamado Apeles, pintava com essas mesmas cores. No Renascimento, o pintor italiano Tiziano também fez algumas pinturas com a Palheta de Apeles. Mais recentemente, no final do século XIX e começo do século XX, o sueco Anders Zorn também fez várias obras com preto, branco, amarelo ocre e vermelho.

Aqui abaixo, alguns resultados deste meu estudo, com exceção da primeira pintura ("Fernanda na coxia"), onde também usei o Azul Ultramar:

"Fernanda na coxia", Mazé Leite, óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2014

"Pé do artista", Mazé Leite (after Adolf Menzel), óleo sobre tela, 50 x 40 cm,  2014

"Ariano Suassuna, minha homenagem", Mazé Leite, óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2014

"As velhas botas", Mazé Leite, óleo sobre tela, 50 x 40 cm, (inacabado) 2014

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nulle die sine linea

“Sabes que "poesia" é algo de múltiplo;
pois toda causa de qualquer coisa
passar do não-ser ao ser é “poesia”,
de modo que as confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os seus artesãos poetas.”
(O Banquete, Platão)

Estudo meu feito com pastel sobre
papel cartão, sobre obra de
Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem
mulher", de 1665 (novembro, 2012)
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos mestres é parte da nossa formação e aprendizado.

Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo, mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo, disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que vieram antes dele.

Pintura a óleo tendo como referência
a obra "Moça com brinco de pérola",
de Vermeer (outubro, 2011)
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida: não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para poder construir o futuro que queremos.

Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam, em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário, os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho, o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...

Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.

"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011
Na verdade, desde a tradição grega sabemos o quanto a genialidade de um ser humano não é dom divino. “Nulle die sine linea” (nenhum dia sem uma linha) estava escrito na porta de entrada do atelier do pintor grego Apeles, que viveu no século V a.C., que não deixava passar um só dia sem que se exercitasse em sua arte. Todos os grandes artistas, de Da Vinci a Michelangelo, de Vermeer a Velázquez, de Bach a Beethoven, de Delacroix a Picasso, todos, sem exceção, dedicavam horas diárias de suas vidas à sua arte e, se se tornaram os gênios que foram, essa genialidade foi desfraldada após muito exercício, muita aplicação, muito estudo.

Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo que foge.

"Retrato de Jeosafá",
Mazé Leite, 2012
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o  topo está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência, trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte, quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...

Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas! Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...

Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista. Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca, sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para que ele brilhe!

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Abaixo, alguns dos meus exercícios:

Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres  (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres.
À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre  (Mazé Leite, 2012)
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez.
À direita, uma xilogravura de 1989 
(Mazé Leite)