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Crianças no Museu de Belas Artes de Sevilha |
Diálogo número um:
Um grupo de crianças de uns 4 a 5 anos de idade estava visitando o Museu de Belas Artes de Sevilla com sua professora. Paravam em frente a alguns dos quadros, sentavam-se no chão e a professora ia fazendo os pequenos observarem os detalhes de cada quadro.
- que ser és este con alas?
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Uma das belas salas do Museu de Belas Artes de Sevilha |
Uma menininha respondeu:
- un pájaro!
Um menino de óculos azuis do lado corrigiu:
-Non! És un Angel!
Si, un Angel, confirmou a professora. E dai em diante foi conduzindo os moleques para dentro de um quadro que representava as escolhas da vida humana pelo bem ou pelo mal. Do lado do bem, anjos alados e luminosos encaminhavam as pessoas de bem para o céu. Do outro lado, à direita, uma grande cabeça de serpente com olhos ameaçadores ia engolindo aqueles malvados que o diabo ia recolhendo. Ao ver a cabeça do diabo um dos pequenos perguntou à professora: É o lobo mau? Si, ela respondeu, só que se chama Diabo. E de que cores são os demônios? Vários responderam que eram verdes e brancos, ou azuis. Eles eram mesmo meio azulados, meio metálicos. Isto é uma pintura do século XVI. Terminado o exame desta tela, a professora chamou os pequenos e lhes disse que agora iam ver outro diabo, mas que desta vez ele era vermelho.
Eles foram e eu fiquei aqui na sala do quadro do Bem e do Mal refletindo sobre esta cena. Pensando em como é tão importante para as crianças poder ter acesso a este tipo de experiência logo cedo em suas vidas! Não a experiência de ser catequizados no maniqueismo do mundo, mas o de aprender a ver, a observar, a perceber de forma profunda o que há por trás de uma obra de arte. Pode-se imaginar o que é crescer acostumado a ver obras de José Ribera, Zurbarán, Murillo, Leonardo da Vinci, Courbet, Degas?
Diálogo número dois, pelo messenger do Facebook, poucas horas depois:
- Pão Borracha te manda um abraço, professora!
Eu: - quem é Pão Borracha?
Do outro lado, Walter Maresia, que conheci quando também era um menino, em São Luís do Maranhão. Sem pais, pobre, abandonado na rua. Seu apelido era Pão Borracha. E tinha também o Neguinho, o Tico, o Toinho, o Porquinho e muitos outros meninos como estes pequenos espanhóis que vi hoje no museu, mas em condição totalmente adversa de vida. Eu e um grupo de amigos ajudamos o padre Marcos Passerini a cuidar destes meninos. Pão Borracha me respondeu pelo messenger:
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Pintura de José García Ramos, pintor sevilhano do século XIX |
- Quando muitos me regeitavam! vc com seus pinceis me acolhia. Voce me deu uma coisa que não custava e não custa nada, que é atenção, carinho abraços. E isso me fez uma pessoa melhor. Quero te abraçar e dizer que não te ver mais me fez muita falta. Minha participação no movimento negro me faz entender a minha condição de vida e hoje trabalho na Secretaria da Igualdade Racial.
Meus olhos marejaram... Puxa vida! Eu, aqui tão longe do meu país, e meu país tão dentro de mim! Como não comparar? No mesmo dia, com poucas horas de diferença entre um diálogo e outro, a vida vem e me toca deste jeito!
Pedi notícias dos outros meninos, que, claro, hoje são todos homens maduros. A maioria morreu, alguns se perderam por aí, outros três vivem de forma bem difícil. Mas ele, Walter Maresia, vive uma vida digna e luta pelos seus, por sua mulher, por seus filhos, por seus amigos e por todos os desconhecidos, negros como ele, que sofrem as injustiças do mundo. Petronio é advogado bem sucedido. Porquinho? Cadê ele? Ainda continua vigiando carros em frente à igreja de São João... E isso me fez lembrar uma canção de João do Vale, compositor maranhense...
E me levou de volta ao Museu de Belas Artes de Sevilla. E a Bartolomé Estebán Murillo e seu quadro "O jovem Mendigo", pintado entre 1645-1650, que me tocou desde que o vi pela primeira vez no Museu do Louvre em Paris. E a relembrar de tudo o que vi hoje neste lindo museu sevilhano, dedicado praticamente aos seus pintores locais, começando desde o século XV. Muitos deles, incluindo Diego da Silva Velázquez, deixaram pintados em seus quadros os rostos, os olhares, as mãos e as condições de vida dos seres humanos mais injustiçados do mundo. E mostraram sua dignidade! Como exemplo, vejamos os anões e bobos da corte pintados pelo maior de todos os sevilhanos, Velázquez.
Naquela luta entre Bem e Mal, professora, há um aspecto muito importante a ser observado: muitas vezes isto não é uma escolha, é condição imposta pela vida num sistema desigual. Que o diga meu amigo e parceiro de ateliê, o pintor Alexandre Greghi, que hoje dá aulas de desenho para meninos da Fundação Casa em São Paulo. Sim, meninos, não bandidos, como os ignorantes da vida e os egoístas de sempre gostam de dizer. Eles roubaram, traficaram, mataram? Eles e suas famílias já estão sendo roubados e mortos secularmente! É desculpa para roubar? Não, amigo, mas que sirva de "desculpa" para que sejam ajudados a dar um passo fora da boca da serpente.
Para mim, arte é isto: Vida!
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A pesca de atum, pintura a óleo de Joaquín Sorolla |
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E ainda dizem que o pescado é caro, pintura a óleo de Joaquín Sorolla |
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No pátio interno do Museu de Belas Artes de Sevilha |