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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Ateliê Contraponto, espaço de resistência


No dia 19 de março de 2014 foi inaugurado em São Paulo o Ateliê Contraponto de Arte Figurativa. Nove meses depois o resultado avaliado é muito positivo. O Ateliê Contraponto já deu os primeiros largos passos para conquistar seu espaço na arte paulistana, o que tende a crescer e transformar esse ateliê em um centro de referência artístico. O espaço é dirigido por mim, Mazé Leite, por Alexandre Greghi, Luiz Vilarinho e Marcia Agostini (artistas e professores). A localização é excelente, dentro de uma vilinha muito agradável entre a rua da Consolação e a Avenida Angélica, próximo do metrô Paulista e de fácil acesso por transporte público.

Em meio ao sistema fechado e exclusivista da chamada arte conceitual contemporânea, que ainda domina o mercado e é gerida por ele, ateliês de pintura figurativa, como o Contraponto, surgem como verdadeiros lugares de resistência. Resistência em nome da boa pintura, da manutenção da qualidade técnica, da prática permanente do desenho como espinha dorsal de uma boa obra; e mantendo-se na trilha demarcada pelos que fizeram as Belas Artes e que carinhosamente os chamamos de “os velhos mestres”.


Esse caminho, o das Belas Artes, tem pelo menos 700 anos se nos vincularmos ao pintor italiano Giotto di Bondone (1267-1337), o que primeiro ousou buscar a sombra e o volume numa pintura. Ou pode ser uma trilha aberta há 534 anos, se considerarmos que o também italiano Tiziano (1480-1576) foi quem começou a dar as primeiras pinceladas fora das linhas do desenho. Ticiano foi um dos pioneiros do estilo pictórico, rompendo os limites da linha, abrindo mão de descrever os detalhes do que via em prol do que era essencial aos olhos. Ou podemos nos vincular ao gênio espanhol de Diego Velázquez (1599-1660) cuja visão das massas de cores e valores abria mão da descrição, do detalhe, em prol da essência. Ou nos remeter a outro gênio, contemporâneo de Velázquez, o holandês Rembrandt van Rijn, o mestre da Luz. Ou simplesmente dizer que continuamos a fazer arte, porque há 25 mil anos atrás seres humanos como nós resolveram usar paredes de cavernas para se expressar pictoricamente. 

Ou seja, estamos muito bem acompanhados neste caminho da Beleza na arte da pintura! Essa companhia toda nos inspira, nos fortalece, nos movimenta.


Este ano, a galeria do Ateliê Contraponto realizou cinco exposições de trabalhos de mais de 60 artistas: a primeira exposição foi a de pinturas de Maurício Takiguthi, pintor realista, que inaugurou o espaço do Ateliê Contraponto; em seguida, 46 pessoas participaram da exposição coletiva em homenagem à uma modelo antiga e intitulada “Vera França Modelo Vivo”; após esta, foi a vez da artista Lise Forell expor mais de 20 obras pintadas ao longo de uma carreira de mais de 60 anos; em seguida, Edson Souza trouxe para o ateliê sua exposição de pinturas de paisagem urbana; para finalizar, Gonzalo Cárcamo e cerca de doze alunos expuseram suas aquarelas como resultado de um ano de trabalho. Em todos estes eventos, mais de 700 pessoas passaram pelo Ateliê Contraponto.


Mas o espaço também serve para a produção pessoal de seus artistas e também para as aulas de Desenho, Pintura a óleo, giz Pastel e Aquarela. Em nove meses de funcionamento, o Ateliê Contraponto encerra o ano com mais de 20 alunos.


Para 2015, o Ateliê Contraponto planeja intensificar ainda mais suas atividades: além das aulas e das exposições, promover workshops com artistas convidados (teóricos e práticos), ter com regularidade sessões com modelo vivo, intensificar os estudos sobre a arte figurativa e estreitar ainda mais os laços com outros artistas e outros ateliês, porque entendo que quanto mais gente, melhor para todos!


O meu sonho pessoal neste Ateliê é que ele seja um espaço coletivo, compartilhado, aglomerador de outros artistas. Um espaço de arte que não entre na prática mesquinha da disputa e da competição, mas que promova a colaboração. Praticar uma arte que vá além da mercadoria! Seguir na busca do Belo como fonte de inspiração e alento para todos! Sentir o prazer intelectual de romper nossos limites, ir além das formas, ultrapassar as bordas do mundo, buscar o que há mais lá dentro, no fundo... escondido dos olhos dos apressados…

Um Feliz 2015 para todos!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Estudos com carvão no Ateliê Contraponto

"Mikhail Baryshnikov"
Carvão vegetal e lápis-pastel branco
sobre papel Marrakesh


"Bob Dylan"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

"Gabriel Garcia Marquez"
Carvão vegetal e lápis-pastel
sobre papel Marrakesh

"Isaiah Berlin"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

"Joan Baez"
Carvão vegetal sobre papel Marrakesh

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal sobre papel craft

"Músico de rua do séc XIX"
Carvão vegetal sobre papel craft

"Era um garoto"
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo
Carvão vegetal 
e lápis-pastel branco 
sobre papel craft

Estudo da pintura "Tito"
de Rembrandt
Carvão vegetal sobre
papel craft

Estudo de drapeado de Da Vinci
Carvão vegetal, sanguínea
e lápis-pastel sobre papel craft


"Alguma atriz de Hollywood"
Carvão vegetal sobre papel craft

Estudo de pés
Carvão vegetal
sobre papel craft

Estudo de modelo vivo
Carvão vegetal
sobre papel craft

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Vivências em ateliês de Paris

A tela original é de Jan Vermeer "Moça com brinco de pérola"
- esta é uma cópia que está sendo pintada por mim - terceiro dia de ttrabalho
Depois de 5 dias, ela está ficando assim...
Duas atividades em especial, marcam esta minha estada de quinze dias aqui em Paris. Em primeiro lugar, pintando uma cópia do "Moça com brinco de pérola" de Jan Vermeer sob a orientação de uma pintora copista do Louvre. Em segundo lugar, fazer aulas de desenho com modelo vivo na Academia de la Grande Chaumière, aqui em Montparnasse, bairro de Paris.

Há alguns meses atrás soube, em São Paulo, do Atelier de Alejandra Astorquiza em Paris, copista do Museu do Louvre. A especialidade dela é copiar grandes obras dos grandes mestres, muitas vezes em frente às próprias obras no Louvre. Como faço parte de um Atelier em São Paulo que também usa como referência as obras dos mestres da pintura, considerei que podia ser muito boa a experiência de fazer um estágio intensivo de uma semana, junto com Alejandra, e aprender diretamente dela um pouco da sua técnica de copista.

Depois de três dias inteiros, e 24 horas de trabalho intenso, minha "Moça com brinco de pérola" começa a me olhar, com seu olhar enigmático. Ainda há muito o que trabalhar no rosto dela, no olhar dela e especialmente na boca dela. Alejandra me disse que esse quadro, junto com a Monalisa de Da Vinci, trazem rostos com os sorrisos mais enigmáticos e difíceis de copiar. Ou seja, minha tarefa não é nenhum pouco fácil. Ainda tenho dois dias inteiros de trabalho, que vou concentrar no rosto dela. Todo o restante que ficar faltando, farei sozinha em meu atelier em São Paulo.


Sala centenária do atelier de la Grande Chaumière
para onde se dirigem artistas e estudantes de arte desde o começo do século XX
Mas também fui à "Grande Chaumiére".

Este atelier fica dentro de um prédio secular aqui do bairro legendário de Montparnasse, e abriga a Academia de la Grande Chaumière, uma das mais antigas de Paris, fundada em 1909.  Lá acontecem cursos livres de desenho, pintura e escultura e está aberta a qualquer um que queira vir treinar aqui. Por estes bancos e estes apoios de madeira em volta da cena principal onde posam modelos, artistas célebres ou não, sentaram e continuam sentando para praticar uma das maneiras mais antigas de estudo de pintura: modelo vivo, nus ou em representação de personagem. Os artistas fazem seus croquis com grafite, carvão, pastel, óleo, acrílica, aquarela...

Fernand Léger (1881-1955) passou por aqui, assim como André Lhote (1885-1962), Emile Antoine Bourdelle (1861-1929), todos professores, ensinando novos artistas. Alberto Giacometti (1901-1966), o grande escultor, aprendeu aqui diretamente com Bourdelle.

Esta Académie de la Grande Chaumière já atraiu artistas de muitos países, de diversas gerações, nestes cem anos, e praticantes das técnicas mais diversas. Porque a Grande Chaumière é uma academia livre, qualquer um pode desenvolver a técnica que quiser. É assim, desde que foi criada em 1901. Alexander Calder (1898-1976), norte-americano; Amedeo Modigliani (1884-1920), italiano; Joán Miró (1893-1983), pintor espanhol, todos sentaram nestes mesmos bancos que vi ao meu redor.

Também alguns artistas brasileiros vieram desenhar aqui, como Lasar Segall, Quirino Campofiorito, Antonio Bandeira, Vieira da Silva e outros.

Ontem, desenhando e pintando junto comigo, tinha umas 40 pessoas, dispostas em semi-círculo em volta de uma modelo francesa, muito simpática, que posou nua. A primeira sessão foi de 45 minutos. Pausa de uns quinze minutos para um lanche servido pela administração da escola: chás diversos, espetinhos com legumes e embutidos, pães, vinho, suco... Depois mais quatro sessões de 25 minutos cada, com pequeno intervalo de 5 minutos, quando a modelo aproveitava para descansar.

Fiquei observando as pessoas, enquanto tomava meu chá, tentando adivinhar o que faziam, se eram pintores, ilustradores ou escultores, se tinham atelier, se eram conhecidos... As madeiras onde apoiamos nossas pranchas de trabalho são as mesmas há mais de cem anos. De tão usadas já estão meio roliças. Os bancos, alguns cobertos com couro, são os mesmos bancos rústicos usados há mais de cem anos, dezenas deles de várias alturas, dependendo da posição que se toma em relação ao lugar onde está a modelo.

Ela fica na frente, numa espécie de altar onde ela é a deusa. Ou o deus, no caso dos modelos homens. Em torno desses modelos, centenas de artistas se juntaram aqui, estudando cada detalhe da anatomia de seus corpos, a direção do jato de luz lançado sobre os modelos, as projeções das sombras, os valores dessas diversas gradações entre luz e sombra... Desenhando, repetimos em nossas pranchas as formas do que vemos.

É muito bom poder viver isso pessoalmente! É muito boa essa experiência de conviver com tantos desconhecidos, de várias idades, que falam uma língua diferente da minha (e talvez outras), mas que nos unimos na mesma e universal linguagem da Arte, na qual todos nós nos compreendemos uns aos outros. Neste espaço de la Grande Chaumière, junto com essas pessoas, lembrei de uma frase de origem africana da qual gosto muito e que explica o que penso também sobre fazer Arte:

"Se você quer ir rápido, vá sozinho. Se você quiser ir longe, vá com outros!"

Ontem desenhei em meu caderno, além do corpo da modelo, toda a minha própria ventura de estar aqui...


A modelo, enquanto se preparava. Em primeiro plano, meu material de desenho. Logo atrás, a madeira que apoia o material do artista, já tão gasta de tanto uso

domingo, 3 de julho de 2011

O estilo Pictórico e o domínio da Luz


Tem dias que a gente fica horas diante do papel em branco à nossa frente, lápis ou pincel na mão, aguardando a forma que surgirá do desenho. Mas há dias em que a forma insiste em não vir. E não vem.


Melhor ler. Conceitos fundamentais de História da Arte, de Heinrich Wöllflin. Conceitos densos, complicados. E eu tentando entender a linearidade do mundo. E meu coração pictórico.

Pego um poeta para ler: João Cabral de Melo Neto, pernambucano que nem eu. Leio lá em “Lição de Poesia”:


“Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.”

Estudo em pastel sobre papel cartão

Vi que não estou só, neste domingo nublado, quase frio. Estudando os conceitos do Estilo Pictórico que praticamos no Atelier do qual faço parte, vamos assim, entre a pintura e o texto, fazendo descobertas profundas sobre o mundo da Pintura. E sobre o Mundo. 

Até a Renascença, o estilo de pintura que se fazia (que incluía a pintura de Leornardo Da Vinci, e todos os outros que vieram antes de Rafael de Sanzio) era Linear. Ou seja, a linha delimitava os espaços, dava contornos às figuras, ajudava o olhar a traduzir o que viam em termos de imagens. Para dar um exemplo bem simples: se pedimos a qualquer pessoa, criança ou adulto, que faça qualquer desenho sobre uma folha de papel, a imensa maioria vai traçar linhas, seja configurando um rosto, uma flor, um barco. Essa é, em sentido bem primário, uma forma linear de desenhar o mundo.

Mas nem isso eu conseguia fazer neste domingo, nem uma linha sobre uma folha em branco. Pensamentos e sentimentos inquietos só acalmavam de volta ao livro, ou ao Poema:

“Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.”



Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Nessa conversa entre mim e João Cabral, procuro desvendar o mundo, tentando uma interpretação pictórica dele. Vendo a realidade em suas infinitas formas, aprendo a observar o mundo como jogos de valores, de massas, de sombras e de Luz. Principalmente de Luz. Lá no Atelier de Arte Realista, meu ponto de encontro de todos os sábados, enquanto desenhamos e pintamos, conversas muito profundas acontecem, fora os encontros mensais do Grupo de Estudo de Arte Realista.

Pintar com a Luz. Desenhar com a Luz. Em plena São Paulo. Em pleno século XXI.
Estudo em pastel sobre papel cartão
Minha luta de hoje também era explicar tudo isso, em termos de palavras, para este Blog, um dos que resistem ao pensamento dominante. Um Blog que trata de Arte e de Realidade, de Arte Realista, de Real. O Real que é o resistente. Fala, João:



“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.”


Estudo em pastel sobre papel cartão
Carvão. Passei meses sobre folhas de papel cartão, aprendendo a dominar o carvão. No Estilo Pictórico, dentro da visão Realista da Arte, sujando meus dedos, minhas mãos, meu rosto. Para buscar a pureza da visão pictórica do mundo. 
Antes de Rafael Di Sanzio (1483-1520), a pintura seguia o estilo Linear. O Renascimento estava no auge, quando houve a ruptura do Linear ao Pictórico, e isso foi feito por Rafael, enquanto pintava a Stanza d’Eliodoro, entre 1512 e 1514. Aos olhos do mundo, diz Wöllflin, ele executou essa ruptura, que influenciou milhares de pintores nos século seguintes, a começar do Barroco. Exatamente no afresco “A Expulsão de Heliodoro do Templo”, um mural de 5 metros de altura, por 7 metros e meio de largura, localizado no Vaticano.

“Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.”

Eu e meus carvões. Eu e meus pasteis. E a tela em branco. Mas na minha cabeça, os conceitos todos:
- criar a impressão de Movimento 
- pintar o essencial
- não há contornos definidos por linha, mas volumes
- tudo é grande, vaporoso
- buscar a unificação das grandes massas

Enfim, olhar para o mundo e ver que tudo se relaciona, mesmo os opostos, nem que seja por um simples matiz de luz. Ou por pequenos toques, como diz
Maurício Takiguthi. Sim, porque o estilo pictórico pensa o mundo como massas: Luz e Sombra são seus elementos. Luz e sombra dão Movimento. Dão Vida.


No estilo linear, a linha funciona como um guia que é seguro e dá segurança ao artista. Eu delimito as formas, as figuras, os espaços, deixando simplesmente a linha correr da minha mão para o papel.

Estudo em pastel sobre papel cartão
Mas no estilo Pictórico, o mundo se torna instável, inseguro. Porque o movimento disperso da massa de Luz não dá em parte alguma um limite, um fim. Tudo se espalha, o carvão espalha massas e valores. O pastel e a tinta teimam em se esvair além da forma. A tinta se espalha, as cores e as tonalidades se derramam buscando as profundezas, como diz Wöllflin. Os limites se tornam fluidos; limites que não são um fim em si, são infinitos.


E o artista - nesse descontrole - aprende a controlar essas massas, descontrolando-as. Meio louco, mas é assim mesmo! Pois a pintura deve passar a impressão de mudança contínua. Em lugar da Linha, uma "área terminal indefinida".


Partes da Pintura ou do Desenho parecem avançar ou recuar no espaço. Espaço que é profundo, diferente dos espaços claros, lógicos e até mesmo elegantes do estilo linear. Na arte Pictórica, "o olho é atraído para o fundo e para insondáveis profundezas", diz Wöllflin. O estilo é livre, nessa desordem pictórica.

Mas é preciso agora falar dessa “Liberdade”.
Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Não é a "liberdade" apregoada atualmente, que diz a qualquer um que o bom é “ser livre” e executar qualquer coisa do jeito que se quiser, sem regras. Abaixo as regras, dizem eles, que criaram essa regra canônica e dogmática. Mas não praticam a Liberdade, a verdadeira que se consegue quando se tem o domínio sobre o caos das massas e da Luz. É que ser livre dá trabalho! 

Eles, parece, não sabem, como o Poeta, o que significa:

“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.”

Mas voltando ao Estilo Pictórico, sem mais distrações. Numa obra de arte pictórica, o eixo do quadro é obliquo e o ordenamento é assimétrico. O ponto de gravidade é deslocado, criando tensão. Tudo é jogo de Luz e Sombra, onde nem tudo precisa ficar claro. Há partes veladas, objetos sobrepostos, massas sobrepostas. Movimento. Aquilo que parece estar oculto pelas sombras do quadro, parece que “luta para entrar na luz”. Esse Wöllflin...

Detalhe de um estudo com pastel
Numa pintura Pictórica (não tem nada a ver com “colorida”), tudo está em correspondência, através da Massa que equilibra o Todo. Tudo forma um Conjunto, uma Unidade. Não se busca extrair da cor individual toda sua força e pureza, mas criar Harmonia na relação entre as cores, de modo que uma cor realce o efeito individual de outra. A cor local está subordinada a uma TONALIDADE GERAL e sua força individual, enquanto Cor, surge nas múltiplas transições dadas por essa subordinação.

Isso tudo parece complicado demais? Isso tudo é lindo demais! Porque foi depois de conceber o mundo deste ponto de vista que o Pintor começou a trazer as multidões para seus quadros, e não somente indivíduos. Foi com esse pensamento que novos pintores trouxeram para suas telas os temas humanos, a presença humana.

A ciência da Luz, que surgiu em paralelo desde o século XIII, trouxe no século XX a grande novidade da dupla função onda-partícula da Luz, mostrando a todos que o mundo é uma cadeia de relações e que nada, absolutamente nada, se encontra isolado, sem sofrer e causar consequências. Como no desenho onde as massas conversam entre si, num jogo de sombras e de luz, que configuram uma Forma, que o olho humano vê, interpreta e dá um nome.

E o mais bacana é que esse modo de pensar é real e atual: se pratica aqui em São Paulo, no Atelier da Rua Frei Caneca.

Mauricio Takiguthi faz uma demonstração aos alunos do Atelier de Arte Realista

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Peter Paul Rubens, um mestre para ser lembrado

Vênus e Adônis,  óleo sobre tela, 194x236cm, Metropolitan Museu of Art, New York, EUA 
Neste 28 de junho, tivemos motivos a mais para comemorar, além das nossas festas juninas: o aniversário de nascimento de um dos maiores pintores do Ocidente: Peter Paul Rubens, a quem Eugène Delacroix (pintor francês) deu o título de "o Homero da pintura".


Autoretrato, 1632
Rubens nasceu em 1577 na pequena cidade de Siegen, na Vestfalia, próximo a Colônia, cidade alemã. Para lá tinham fugido seus pais que apoiavam a independência dos Países Baixos da dominação espanhola, que perseguia os protestantes. Mas o exílio também foi provocado pelo fato de seu pai, Ian Rubens, ter sido amante de Ana de Saxônia, mulher de Guilherme I, e a punição era com pena de morte.


Rubens não tinha completado dez anos de idade quando seu pai morreu, ainda no exílio. Sua mãe resolveu voltar para Antuérpia (hoje na Bélgica), com seus dois filhos.


Desde cedo, Rubens queria pintar. Aprendeu desenho copiando as figuras que via numa bíblia. Passando por vários ateliês de pintores, onde estudo a técnica da pintura, foi admitido na Corporação dos Pintores de Antuérpia, como um dos mestres. E tinha somente 21 anos.


Aos 23, realizou seu sonho de ir para a Itália, apoiado por sua mãe. Em Veneza, copia Veronese, Tintoretto e Ticiano, de quem fez 21 cópias.


Em 1603, Rubens é indicado pelo duque de Mântua a quem se ligara, Vincenzo Gonzaga, para uma missão diplomática junto ao rei Filipe III da Espanha. Era o começo de sua vida política, do pintor que também sonhava com um mundo que vivesse em paz.


O Artista e sua mulher sob um caramanchão de
Madressilva, 1609-1610, óleo sobre tela, 174x143cm,
Alte Pinakothek, Munique, Alemanha
Em 1608, sua mãe adoece gravemente e ele volta para casa, nunca mais regressando à Itália. Ao chegar de viagem, sua mãe tinha morrido. Resolve ficar e trabalhar em sua cidade. No ano seguinte foi nomeado pintor da Corte e recebeu autorização para morar em Antuérpia. Logo, ele começa a receber uma quantidade tal de encomendas, que não conseguiria dar conta se não fosse a ajuda de seus alunos. Torna-se um homem rico, com a venda de seus quadros. Casa-se com Isabella Brant, de quem foi eterno apaixonado, tendo pintado o rosto de sua esposa em diversos quadros.


Rubens era famoso em toda a Europa. Pela França, Espanha e Inglaterra, seu trabalho era conhecido, admirado e solicitado. Para atender a tantas encomendas que chegavam de todos os lugares, ele tinha uma rotina de trabalho diária que começava às quatro da manhã e terminava às cinco da tarde. 


Nesse período, montou um atelier que era uma verdadeira fábrica de pinturas, com diversos discípulos e ajudantes, que o auxiliavam na execução das encomendas. Dois de seus discípulos se tornaram famosos como ele: Peter Brueghel, o Velho, e Anton Van Dyck.


Clara Serena Rubens, 1615-1616,
óleo sobre tela, 37x27cm, Museu de
Liechtenstein
Em 1626, sua esposa morre aos 34 anos de idade, deixando-o desesperado e sem rumo. Para fugir do sofrimento da perda de Isabella, ele ainda viaja mais, em missões diplomáticas, pela Espanha, França e Inglaterra. Era o período que ficou conhecido como a Guerra dos 30 Anos, guerra provocada por razões religiosas e comerciais. A luta da Igreja Católica contra a Reforma Protestante chegava a ser sanguinária. Rubens morreu antes de ver terminada a guerra entre esses países.


Rubens era - como descreve Gilles Néret numa biografia do pintor - um homem erudito, além de um humanista cristão. Apaixonado pela antiguidade clássica, ele também escrevia em várias línguas, incluindo latim, além de ser arquiteto amador. "O capelão da corte de Bruxelas - diz Néret - descreveu-o como 'o pintor mais culto do mundo".


Depois de Ticiano, o pintor que ele mais admirava era Caravaggio, de quem fez versões de pinturas. Em 1614 ele pinta a tela "A Sagrada Família", cuja Virgem foi inspirada no rosto de sua esposa, e o pequeno João Batista era o seu próprio filho, Albert. Essa pintura era a virada em direção a uma arte mais livre, mais madura. E mais barroca. Envolvido na luta contra a Reforma, ele, que era católico, tornou-se o grande pintor também do catolicismo. 


As Três Graças, 1639, óleo sobre tela, 500x617cm,
Museu do Prado, Madri, Espanha
Mas as figuras pintadas por ele possuiam uma extrema sensualidade e os corpos de nus femininos povoavam suas telas, com mulheres rosadas, rechonchudas, sensuais. Mesmo nas pinturas de inspiração bíblica ou clássicas, via-se a beleza dos corpos nus das mulheres flamengas.  "Suas madonas e santos estão demasiado próximos da carne a partir da qual foram pintados", diz  Gilles Néret, que também destaca várias características desse mestre do Barroco: efeitos dramáticos e grandiloquentes, apaixonado culto ao movimento, busca do dinâmico em suas enormes telas, onde cada face é expressiva. 


Ele não distingue muito Nossa Senhora da deusa Vênus. Seus corpos - mesmo os dos santos e anjos - são corpos "claramente habitados" e muitos haviam que se incomodavam com a nudez e com a "excessiva fisicalidade, pelo realismo imoderado: o grão perlado das dobras de carne roliça" das pinturas de Rubens. 


Esse autor ousa dizer que Rubens "foi quem melhor transmitiu as cores e textura do corpo humano". Podemos acrescentar que foi Rubens o grande pintor que deu ênfase ao corpo da mulher, mostrando-o ao mundo com toda a sua pureza, beleza e sensualidade. Isso em si já era contra os cânones anteriores da pintura, impostos pela Igreja Católica, que exigia que as mulheres fosse pintadas quase que totalmente cobertas, como santas. Fora o fato de que os modelos eram sempre masculinos, como em Michelangelo.


É interessante observar isso: Ticiano, Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer, Vélazquez... grandes mestres da pintura universal, têm uma coisa em comum além da excelência técnica: são pintores profundamente humanos e voltados à representação da figura humana de sua época. Entraram para a história não somente como grandes pintores, mas também como homens que, vivendo em um tempo específico, possuiam algo de revolucionário em seu tempo, trazendo e fazendo parte das mudanças que se operavam em seu mundo.


Quiçá os pintores de hoje fossem tão humanos assim...


Retrato de Susanna Fourment, 1625, óleo sobre tela,
National Gallery, Londres, Inglaterra