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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Que os sonhos se renovem!

Pintura a óleo de William Turner
 Com esta pintura, acima, do pintor inglês William Turner,
este blog se despede de 2015 e deseja a todos
que tenham um final de ano com muita paz!
E que em 2016 todos os bons sonhos se renovem,
que se realizem!
E que, acima de tudo, mantenhamos a alma acesa,
o brilho sereno, o coração aberto
para os novos caminhares que virão!
Feliz 2016 a tod@s!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Paisagistas ingleses na Pinacoteca

"Destruição de Pompeia e Herculano", John Martin
A Pinacoteca do Estado de São Paulo está apresentando, desde 18 de julho, a exposição "A Paisagem na Arte: 1690-1998", com artistas ingleses cujos quadros fazem parte da coleção do Tate Britain de Londres. É uma parceria entre a Pinacoteca e o Tate, considerado o mais antigo museu de arte do mundo.

Com curadoria de Richard Humphreys, a mostra apresenta mais de 100 obras de artistas paisagistas clássicos do século XVIII, assim como românticos, pré-rafaelitas e impressionistas do século XIX até os pioneiros modernistas do século XX e contemporâneos das últimas décadas.

Fui ver esta exposição no fim de semana, mas confesso que me decepcionei um pouco. Esperava ver mais obras de William Turner, este, sim, o grande paisagista inglês. Tem apenas duas ou três telas a óleo dele e mais umas três aquarelas. Assim como uma única paisagem de John Singer Sargent, que foi mais pintor retratista. E de John Constable, também somente dois ou três trabalhos.

Mas foi bom ter visto que a Pinacoteca estava cheia de gente, a entrada era gratuita no sábado. As pessoas têm muito interesse em ver obras de arte, como pode ser verificado a partir da quantidade enorme de pessoas que têm ido à Pinacoteca, ao CCBB-SP, ao MIS, ou a qualquer outro espaço cultural onde esteja ocorrendo uma exposição de arte, nestes últimos anos. Com tendência a crescer.

Mas esta exposição dos ingleses paisagistas traça o desenvolvimento de uma das maiores contribuições da Grã-Bretanha para a arte europeia que foi a pintura de paisagem. Entre os destaques estão obras de William Turner (1775-1851), John Constable (1776-1837), Ben Nicholson (1894-1982) e Richard Long (1945). A mostra está dividida em nove setores que vão de 1690 a 1998. O texto de divulgação no site da Pinacoteca apresenta esta seguinte ordem:

1 - Descobrindo a Grã-Bretanha - Nesta sessão, é possível observar o crescimento do interesse pela paisagem natural da Grã-Bretanha durante o século XVIII, em um momento em que o fascínio e o orgulho pelo país natal andavam de mãos dadas com o entusiasmo pelas descobertas de exploradores, naturalistas, comerciantes e imperialistas à medida que o Império Britânico se expandia pelo mundo. As Ilhas Britânicas eram “descobertas” da mesma maneira que as distantes terras exóticas.

2 - Sonhos pastorais - O termo “pastoral” define uma gama complexa de formas artísticas e literárias que surgiram a partir do período clássico. Duas obras de Thomas Gainsborough (1727-1788) poderão ser vistas nesta sessão: em uma delas, um cavalheiro toca um instrumento em um mundo ideal, na outra, um paraíso completamente imaginário de pastores de vacas com seus satisfeitos rebanhos.

Pinacoteca de São Paulo
3 - A visão clássica - Nesta sessão, será possível conferir obra de Joseph Mallord William Turner (1775-1851), talvez o maior paisagista britânico de todos os tempos, que também aplicava princípios clássicos tanto em cenas italianas quanto em panoramas nativos. Nesta época, as paisagens clássicas eram tão celebradas pela aristocracia britânica, que muitas propriedades foram reformadas com o objetivo de incorporar nelas as suas características visuais e arquitetônicas.

4 - Romantismo - O romantismo compreende um vasto leque de formas culturais que surgiram em toda a Europa entre os anos 1770 e 1830. As grandes mudanças históricas do período, tais como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e a ascensão do nacionalismo, constituem o contexto turbulento em que o romantismo se desenvolveu. As artes topográfica, clássica e pastoral influenciaram a pintura romântica inglesa, mas no começo do século XIX ela encontrou uma forma própria de expressão. 

5 - Fidelidade à natureza - As pinturas desta seção têm relação com a ideia de fidelidade à natureza e representam uma rejeição de muitos aspectos do romantismo. A prática de fazer desenhos de observação da natureza ao ar livre popularizou-se entre os artistas profissionais e amadores no final do século XVIII e foi um dos pilares daquilo que se tornou conhecido como “pitoresco”.

6 - Impressionismo - O impressionismo foi um movimento radical da arte francesa nas décadas de 1860 e 1870. A arte experimental francesa do século XIX nasceu de um debate sobre o valor do esboço em relação à pintura terminada e acerca do poder das instituições acadêmicas sobre a formação artística e as exposições de arte. Desde o começo daquele século, muitos artistas franceses haviam admirado a pintura de paisagem britânica em razão de seu frescor antiacadêmico. Os vínculos entre a arte britânica e a francesa eram variados e complexos, e artistas de ambos os países cruzavam com frequência o Canal da Mancha.
Paisagem de John Constable
7 - Redescobrindo a Grã-Bretanha - No começo do século XX a pintura britânica englobava um leque diversificado de abordagens. O impressionismo, outrora ridicularizado, tornara-se um estilo estabelecido e dono de um mercado forte, enquanto outros artistas continuavam pintando nos estilos pré-rafaelita, simbolista e social-realista. Nesta sessão, será possível conferir John Dickson Innes (1887-1914) e seu o desejo de fazer experimentações mais radicais de forma e cor em suas paisagens.

8 - Um novo romantismo - Muitos artistas neoromânticos foram empregados como artistas oficiais de guerra no front interno durante a Segunda Guerra Mundial. Em suas pinturas de paisagem, figurando edifícios antigos e cidades arruinadas, eles criaram imagens que refletiam as emoções complexas que caracterizaram o período de guerra, como o terror, a euforia, a nostalgia e o escapismo.

9 - Novas paisagens, velhas paisagens - O neoromantismo foi sucedido por uma retomada da arte realista no começo da década de 1950. Já em 1960, no entanto, os artistas britânicos haviam começado a responder à arte e à cultura norte-americanas. A arte conceitual britânica das décadas de 1960 e 1970 também se interessava pela “noção de lugar”. Richard Long (1945) é um dos artistas desta sessão, criando uma arte paisagística híbrida e poética a partir da associação de mapas, textos e fotografias.

Os artistas presentes nesta exposição são: Século 18: Richard Wilson, George Stubbs, Thomas Gainsborough, Joseph Wright, Philip James de Loutherbourg, Francis Towne, John Mallord William Turner, Thomas Girtin; século 19: Joseph Mallord William Turner,  John Constable, John Sell Cotmann, Richard Parkes Bonington, John Martin, Samuel Palmer, Edwin Landseer, William Dyce, David Roberts, John Everett Millais, William Holman Hunt, John Brett, James Abbott McNeill Whistler, John Singer Sargent; século 20: Walter Sickert, Stanley Spencer, Augustus John, Paul Nash, David Bomberg, CRW Nevinson, Ben Nicholson, Christopher Wood, Graham Sutherland, John Piper, Edward Burra, Eric Ravilious, LS Lowry, Peter Lanyon, Frank Auerbach, David Inshaw.

"Montanhas de Moab", John Singer Sargent
"Dido e Eneas", de William Turner

quinta-feira, 9 de julho de 2015

A eterna novidade do mundo

"Pequena rua", Jan Vermeer, 1657
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…”


Fernando Pessoa é nítido como um girassol, neste poema… Por isso, me agarro a ele para alguma reflexão sobre a percepção humana.

Temos cinco sentidos, cinco portas abertas para percebermos o mundo, e isto aprendemos nos primeiros tempos da escola infantil: audição, paladar, olfato, tato e visão. Ouvimos música. Saboreamos uma comida. Cheiramos. Tateamos alguma maciez que passa agradável por nossos dedos. Olhamos, no museu, uma bela pintura.

Olhamos? Sim. E não.

Pescador no mar, William Turner, 1796
Segundo pesquisas científicas recentes e nem tanto assim, pois Charles Darwin já havia estudado o assunto, a visão humana foi um dos últimos sentidos a se desenvolver em nossos ancestrais. Em nosso desenvolvimento humano, diz a medicina que a visão humana só está completa aos cinco anos de idade de uma criança. Ao mesmo tempo, sabemos que o olho humano é um sistema óptico complexo. Ele acabou se sobrepondo aos outros quatro sentidos de percepção, e usamos a visão para completar todas as informações que nos vêm dos outros modos de sentir o mundo.

Mas nas Artes Visuais muito mais é transportado à mente humana pelo olho do que a simples imagem ou sensação de cor.

Harold Speed, um pintor inglês que viveu até 1957, em seu livro “Oil painting, techniques and materials”, que estou lendo, diz que os primeiros desenhos que surgiram na civilização humana foram feitos a partir não da visão que tinha um objeto, por exemplo uma ânfora, mas a partir do tato, da mão que passeou pela forma do objeto e verificou seus limites. O sentido do TATO foi o que orientou a arte durante séculos, até o Renascimento e provavelmente até muito depois dele. O desenho localiza as coisas no espaço, concebido como traçados de linhas. As linhas impunham o limite às coisas, que se encontravam separadas entre si. Nas composições primitivas, diz Speed, a descrição dos objetos era feita em contornos de linhas, uma ideia do limite que todos os objetos sólidos têm. E isso é resultado do sentido do tato, segundo ele.

Pintura de James A. Whistler
Foi preciso a humanidade evoluir durante muito tempo para chegar até os estudos de Leonardo da Vinci sobre a relação entre a Luz e a Escuridão. As grandes escolas de pintura dos séculos XVI, XVII e XVIII desenvolveram a ideia da solidez dos objetos no espaço não mais através de linhas, mas através da relação entre luz e sombras, dando a ideia de volume, profundidade, terceira dimensão às coisas pintadas. Da Vinci desenvolveu sua ideia de sfumato, esfumaçando mesmo as massas de cores em sua relação luz-sombra. Mas… até o século XVIII - aponta Harold Speed - todas as escolas de pintura se voltavam para o conceito de pintar o objeto localizando-o no espaço! Mas isso não seria óbvio?


Para o pintor, só o movimento Impressionista é que trouxe, pela primeira vez, a novidade de se enfatizar mais a Cor do que a Forma dos objetos e do mundo em geral. O Impressionismo, que se desenvolveu junto com o Realismo do final do século XVIII e do século XIX, começou a tratar os objetos, as cores, as composições, as luzes e sombras como um TODO único! Não houve um grande pintor depois disso que não foi influenciado por esta novidade dos pintores impressionistas, diz Harold Speed.


Pintura de Burton Silverman
E também acabou por influenciar, ou mesmo direcionar, a chamada “arte moderna” do começo do século XX, com tudo o que trouxe de bom e com tudo o que trouxe de muito ruim. Claro que artistas mais radicais levaram algumas dessas obras a quebrar com toda a tradição e, como muitos movimentos de rompimento, negaram qualquer relação de sua obra com a arte do passado. Mas, como também observa o pintor inglês, que viu pessoalmente alguns desses trabalhos, “eles têm tanta relação com a arte como a banda local do Exército da Salvação”...

Mas não falemos disso agora, porque estamos falando de visão (mas falando de visão, o retorno ao uso de linhas da “arte moderna” não seria um meio de expressão tão antigo quanto os hieróglifos egípcios? Penso nas linhas das pinturas de Picasso, por exemplo).

Muitas vezes na vida tenho me perguntado por que a maioria das pessoas é incapaz de distinguir uma boa de uma má pintura? Por que o comum das pessoas - hoje em dia em especial - se ligam mais no colorido do que na forma? Ou se se ligam na forma, por que sempre estão fazendo comparações com a fotografia? Se um pintor realiza bem um trabalho, o melhor elogio que recebe é “tão bom que parece uma foto”. Por que a grande parte das pessoas não percebem e apreciam as qualidades artísticas reais do trabalho, aqueles mais sutis e refinados, como composição, ritmo e equilíbrio dos valores (dos tons das cores)?

É um problema com a visão? Não enxergamos direito?

Até certo ponto, sim!

Aquarela de Burton Silverman
Na história das cores, sabemos que a cor Azul só entrou na palheta dos artistas depois do século XIII! Antes, só preto, branco, amarelo e vermelho fazia parte do mundo das cores vistas. Verde e azul eram constantemente confundidos na mente humana. Assim como não distinguíamos as relações entre luz e sombra, não tínhamos a percepção da imensa escala de cores que hoje podemos alcançar.

E há ainda um outro fator, que tem mais a ver com a nossa cultura ocidental. O racionalismo desenvolvido ao longo dos últimos séculos, aquele que continuava incentivando o artista a localizar os objetos no seu espaço, é o mesmo que não leva em consideração os aspectos espirituais da arte, tentando trazer sempre todo o conhecimento, inclusive o artístico, para a “luz dura e fria da percepção” puramente “intelectual”, como observa Harold Speed. Que diz também: “Grandes obras de arte ainda permanecem fora do mundo do intelecto puro”.
Mas a pintura, uma atividade humana altamente qualificada, possui uma linguagem universal, capaz de expressar muito mais coisas do que possa imaginar a nossa vão filosofia…

Que hoje mais do que nunca habita o reino da superficialidade...

Pintura de Joaquín Sorolla
Vemos mais a Forma das coisas do que suas cores. Mas vemos também as Cores. E por que não vemos além? Por que não vemos as diferenças de Tom, de Valor?

As pessoas vão ao museu ver belas pinturas, mas não enxergam, por exemplo, as relações entre luz e sombra que afetam as cores locais, levando um objeto amarelo a ter uma variação que pode chegar até o branco ou até o verde, caso seja o caso… Claro, não somos educados para isto. Não aprendemos a ver. Apenas a olhar. Ver e olhar são coisas muito diferentes, quase antônimas, diria eu…

Se em nossas escolas infantis e médias, se em nossas universidades, se em nossas famílias, se em nossas vidas atuais fôssemos educados a enxergar além da casca das aparências das coisas…. Bom, aí o mundo também já seria um outro! Pois se perde grande parte da graça do mundo com essa visão imperfeita…

Repito incansavelmente aos meus alunos de desenho a frase de Beth Edwards, uma artista norte-americana: aprender a desenhar é aprender a ver! Por isso, quando andarmos por aí, como o poeta, pelas estradas, olhando para a direita e para a esquerda, olhemos para o mundo com o olhar prescrutador… Você vai ficar pasmo com o que vai ver da "eterna novidade do mundo"!


Pintura de William Turner
Pintura de William Turner

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Tate Britain expõe William Turner

William Turner - The Blue Rigi, 1842 - Aquarela - 29,7 x 45 cm
Joseph Mallord William Turner, um dos nomes mais reverenciados da pintura inglesa do século XIX, está sendo homenageado com mais uma exposição de suas pinturas, no museu Tate Britain de Londres, entre 10 de setembro e 25 de janeiro de 2015.

Quando Turner tinha 60 anos de idade, em abril de 1835, visitou a Dinamarca, a Alemanha e a Holanda. No ano seguinte, foi para a França e Suiça, e em seguida Alemanha de novo, mais a Bélgica e a Itália. Sempre foi um incansável viajante e explorava a Europa como explorava suas pinturas: sozinho, fisicamente fragilizado e desenhando sempre. A esta altura de sua vida já não se preocupava mais com a venda de sues quadros, pois estava cercado de marchands que faziam isso por ele. Sem mais se preocupar com sua sobrevivência, Turner, já com 70 anos, se permitia experimentar, exercitar sua pintura, deixando obras inacabadas, mas sem jamais parar de se aprofundar em suas pesquisas como pintor. 

Ao mesmo tempo, o pintor sofria pesadas críticas, principalmente porque morava junto com Sophia Booth, sem ter se casado. A sociedade inglesa, conservadora demais, não aceitava os excessos de liberdade do artista, em sua vida e em sua obra, e por isso ele sempre era motivo de escândalo para os ingleses. Assim, numa pintura como “Sol poente sobre um lago”, um sol brando se reduz a uma espécie de bola esmagada, como uma goma de mascar, enquanto que “Praia de Brighton”, que abre a exposição do Tate reduz a paisagem marinha a quatro retângulos e uma área plana de cores batidas anunciam o “Impressão: nascer do sol” de Claude Monet, trinta anos mais tarde.

Obviamente em 1843 ainda não havia surgido a pintura abstrata. O próprio termo não significava nada e era impensável para um pintor da geração de William Turner. Ele se fixava sempre no mundo a seu redor, assim como nas pesquisas em sua pintura. Pintou desde mitos greco-romanos até as cerimônias religiosas de Veneza, os fenômenos naturais e as paisagens de seu país, como se fizesse tudo explodir em luz e cores.

Mesmo em idade avançada, Willian Turner continua desenhando com minúcia desde cenas bíblicas a paisagens. Já usava óculos de grau para poder enxergar melhor e desenhar, mas a imprecisão da vista já cansada leva-o a experimentar ainda mais a luz e a cor em seus quadros, feitos a óleo ou em aquarela. Romântico puro, ele coloca seus sentimentos pessoais sobre o mundo real. E pinta. 

Até sua morte, em 1851, Turner buscou a luz, e a descobriu muitas vezes.

Algumas das obras que estão expostas no Tate Britain:

William Turner - Ancient Rome; Agrippina Landing with the Ashes of Germanicus, 1839
- óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm

William Turner - Goldau, with the Lake of Zug in the Distance - estudo feito por volta de 1842-3, caneta, aquarela, lápis - 22,8 x 29 cm

William Turner - Fishermen on the Lagoon, Moonlight, 1840 - aquarela, 19 x 28 cm

William Turner - Returning from the Ball (St Martha), 1846 - óleo sobre tela, 61 x 92,4 cm

William Turner - The Visit to the Tomb, 1850  óleo sobre tela, 91,4 x 121,9 cm


William Turner - Peace, Burial at Sea, 1842 - óleo sobre tela, 87 x 86 cm

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte III - O Azul

"O Rigi azul - lago de Lucerna - por do sol", William Turner, óleo sobre tela, 1842

Continuando nossa pesquisa sobre as cores, vamos destacar aqui um livro bastante interessante sobre a história de cada cor. Infelizmente ele ainda não foi traduzido para o português - pelo menos em edição brasileira - mas em francês seu título é “Le petit livre des couleurs” (“Pequeno livro das cores”), fruto de uma conversa entre o jornalista e escritor Dominique Simmonet com umas das maiores autoridades mundiais quando se trata do tema da Cor: Michel Pastoreau (1947-), historiador, antropólogo e especialista no assunto das cores e dos símbolos, autor de muitos livros sobre o assunto, sobrinho de Claude Lévi-Strauss, antropólogo bem conhecido aqui no Brasil.

Este livro é bastante interessante porque, além de falar da história das cores, faz um apanhado bastante atrativo sobre a simbologia que se esconde atrás de cada cor. Mais recentemente, Michel Pastoreau publicou o livro “História de uma Cor” (publicado no Brasil pela Cosac Naify) onde ele fala do Preto. Também voltaremos a este livro brevemente em outro post.


As 6 cores de Pastoreau
Na introdução do “Le petit livre des couleurs”, escrita por Simmonet, ele explica que as cores não se deixam facilmente aprisionar em categorias e isto tem sido assim desde a Antiguidade. Aristóteles falava de seis cores; Isaac Newton, de sete; para Michel Pastoreau, existem seis cores, não mais. Cito um pequeno texto do jornalista:

Para começar, o tímido Azul, o favorito dos nossos contemporâneos porque ele sabe se fazer consensual. Em seguida, o orgulhoso  Vermelho, sedento de poder, que manipula o sangue e o fogo, a virtude e o pecado. Aqui está o Branco virginal, aquele dos anjos e dos fantasmas, da abstenção e de nossas noites insones. Logo vem o Amarelo do milho, um problema complexo, lutando para aliviar seu status (você deve desculpá-lo, por muito tempo ele foi marcado pela infâmia). Em seguida vem o Verde, também carregando uma má reputação, desonesto e astuto, rei do acaso e dos amores infiéis. Enfim, o suntuoso Preto, que joga um duplo papel, humilde quando austero, arrogante quando elegante…

Mas para Michel Pastoreau existe um segundo nível das cores: Violeta, Rosa, Laranja, Marron e Cinza que seriam cinco “semi-cores”, cujos nomes são ligados a nomes de flores e frutas.

Mas vamos às cores, segundo Pastoreau. Como as informações são muito interessantes, publicarei um resumo do que ele fala, começando pelo Azul.

O Azul


De caráter dócil, disciplinado, sábio, que se esconde na paisagem. O Azul tem algo de consensual no mundo ocidental e está presente no símbolo da União Europeia, além de várias bandeiras de países, incluindo a nossa brasileira. Mas durante muito tempo ficou em segundo plano no reino das cores, inclusive sendo desprezada na antiguidade. Mas foi ganhando valor ao longo do tempo e acabou sendo a unanimidade de hoje, a cor que reina sobre as roupas que usamos, especialmente os jeans. Essa mudança, segundo o antropólogo, ocorreu a partir de 1890. Toda a civilização ocidental de hoje dá primazia ao Azul.

Mas isso não foi sempre assim. O Azul durante milhares de anos não era considerado uma cor e não estava presente “nem nas cavernas paleolíticas e nem neolíticas” (onde se encontram os primeiros desenhos feitos pelo homem). Antigamente só o Preto, o Branco e o Vermelho eram considerados cores, com exceção somente do Egito antigo, onde o Azul significava a esperança na vida do além túmulo.

Um dos motivos pode ter sido o da extrema dificuldade em fabricar a cor Azul naqueles tempos. No Império Romano era a cor dos bárbaros, dos estrangeiros. “Diversos testemunhos o afirmam: ter os olhos azuis, para uma mulher era sinal de má conduta. E para os homens, uma marca ridícula”, afirma Pastoreau. Nos textos gregos antigos não se encontram referências ao azul e isso chegou até a intrigar certos filósofos do século XIX que acreditavam seriamente que os gregos antigos não enxergavam a cor azul…

A rocha lápis-lázuli
Esta situação da cor Azul se estendeu até à Idade Média, segundo o professor. Nesse período, as cores da Liturgia da Igreja se resumiam ao Branco, Preto, Vermelho e Verde. Mas no século XIII tudo muda e esta cor começa a ser reconhecida e mesmo promovida. Uma das fontes principais deste pigmento, vinha de uma pedra, o Lápis-Lázuli, proveniente da Índia e era caríssima.

Mas o reconhecimento dado ao Azul tinha pouco a ver com o processo de fabricação, que era muito difícil. Tem mais a ver com uma mudança profunda na ideias religiosas. Desde essa época, o Deus dos cristãos passou a ter uma relação direta com a Luz. E olhando para o céu a luz parece… Azul! “Pela primeira vez no Ocidente, começamos a pintar os céus de azul - até então eles eram pintados de preto, vermelho, branco ou dourado.” Exatamente no mesmo período a Igreja incentiva o culto à Maria, mãe de Deus, que “habita” o céu, que é azul. Os pintores passaram a pintar Maria com um manto azul.

Mas teve outro fator que influiu para a descoberta do Azul: foi no mesmo período que se começou uma “verdadeira sede” de classificação para todos e tudo: as pessoas começaram a receber nomes de família, tinham seus brasões individuais e as tarefas de trabalho passaram a ser designadas. Era preciso mostrar a diversidade do mundo e isso incluía as cores. Vermelho, Preto e Branco não representavam tudo. Foi nessa época que, além do Azul, o Amarelo e o Verde também entram na classificação das cores. Passamos de uma palheta de 3 cores, para uma de 6. Exatamente a divisão feita por Aristóteles. Em 1.130, quando o abade Suger manda reconstruir a Igreja de Saint Denis, ele mandou colocar vitrais de todas as cores, para “dissipar as trevas interiores” à igreja.

Michel Pastoreau diz que muito antes dos artistas e dos tintureiros, os homens da Igreja foram grandes coloristas. Como muitos deles eram pesquisadores, filósofos, estudiosos não só das ideias espirituais mas da observação do mundo, foram os primeiros a fazer experiências óticas, a estudar o arco-íris. Já falamos de Robert de Grosseteste em nosso primeiro texto sobre as cores. O abade Suger, por exemplo, não tinha dúvida: Cor é Luz. Mas ao contrário dele, São Bernardo, abade de Clairvaux (cidade do interior da França), dizia que a Luz é Matéria e por isso abominável e por isso se deveria preservar as igrejas das cores porque elas servem de distração para os monges e para os fieis, que se afastam de Deus…

Hoje este debate é muito atual, na Física Quântica: a Luz é Onda ou Partícula?

"O Bom Pastor", ost,
Philippe de Champagne, séc. XVII
Desde então, o Azul se espalha por igrejas, obras de arte e começou a ser usado nas roupas. “Se a Virgem se veste de azul, o rei da França também o fará...”. São Luís rei de França foi um dos primeiros reis franceses a adotar a cor azul em sua vestimenta. E toda a aristocracia também. A indústria da tinturaria prospera, aperfeiçoando os pigmentos e nuances de azul…

A economia cresce! Os campos se enchem com a planta conhecida por “guède” ou “pastel” (em nosso continente conhecida como Anil), que dava um colorante excepcional, o Índigo. Foi uma das primeiras empreitadas agro-industriais e certas regiões da Europa enriqueceram com seu plantio: a região de Toulouse, na França, por exemplo, e, na Itália, a Toscana. Era o período do chamado “Ouro Azul”.

Michel Pastoreau conta a anedota de que na região de Estrasburgo, onde predominava a planta “garance” que dá o colorante vermelho, os agricultores fizeram uma verdadeira campanha contra os colegas fornecedores do pigmento azul. Subornaram um mestre vidreiro que fazia vitrais para as igrejas, para que ele representasse o diabo na cor azul, na tentativa de desvalorizar o azul, seu grande concorrente. Foi a primeira batalha entre o Vermelho e o Azul… Me lembro de quando eu era criança, em Caruaru, e existia um folguedo onde meninas enfeitadas com fitas formavam dois cordões: o Azul e o Vermelho. Eu sempre preferia as do Cordão Azul…

Mas a guerra entre essas duas cores foi longa e durou até o século XVIII, diz Pastoreau. No fim da Idade Média, a Reforma Protestante dividiu as cores em dois tipos: as dignas e as indignas. A Reforma, então, instituiu a seguinte palheta de cores: Branco, Preto, Cinza, Marron e Azul.

Neste ponto Michel Pastoreau sugere uma comparação entre dois grandes nomes da pintura: o calvinista Rembrandt, com sua palheta bastante restrita, e Rubens, o católico, que tinha uma palheta muito colorida. Assim como é bom notar - sugere ele - a evolução de Philippe de Champaigne, um pintor francês que enquanto era católico tinha uma palheta bastante colorida e que ficou mais escurecida e também azulada quando ele se tornou jansenista.

Até mesmo as roupas das pessoas passaram por mudanças: era recomendável a todos os homens o uso de vestimentas de cor preta, cinza ou azul. Pastoreau nos indaga: ainda não estamos sob o regime da Reforma, uma vez que aos homens de nosso tempo é recomendado o uso de ternos nessas cores, ou pelo menos mais sobriedade nas cores das roupas masculinas?

"Arlequim pensando", fase azul de Picasso
No século XVIII, o Azul era a cor preferida dos europeus em geral. Em 1720 um farmacêutico de Berlim inventa por acidente o famoso Azul da Prússia, o que vai permitir ao pintores e aos tintureiros uma gama de azuis mais diversificada. Além disso, o Índigo começou a ser importado em grandes quantidades vindo das Antilhas e da América Central, que tinha ainda mais poder de coloração. E acima de tudo, mais barato, porque era fruto do trabalho dos escravos.

O Azul vira moda em todos os lugares. O Romantismo, movimento cultural que surgiu no fim do século XVIII na Alemanha e na Inglaterra, acentuou ainda mais o caráter do Azul. Diz Pastoreau: “Como seus heróis, e o Werther de Goethe, os jovens europeus se vestiam de azul, e a poesia romântica alemã celebra o culto desta cor melancólica”.

E, por fim, a grande invenção da cor azul que surge no ano de 1850: as calças jeans, inventadas em São Francisco, na Califórnia, EUA, por um costureiro judeu, Levi-Strauss. A primeira calça moderna de trabalho.

Foi somente a partir de 1930 que as calças jeans passaram a ser usadas, nos EUA, fora do ambiente de trabalho. Na década de 1960 se tornou símbolo da juventude rebelde. Até mais ou menos o começo da década de 1980, em plena ditadura militar no Brasil, uma publicidade incentivava ainda mais nossos espíritos de rebelião com o jingle genial:

“Liberdade é uma calça velha, 
azul e desbotada 
que você pode usar 
do jeito que quiser! 
Não usa quem não quer!”

Basta olhar para quase todas as pernas, no dia de hoje, incluindo as minhas, para constatar: vestimos todos a mesma e velha calça índigo blue...

"Mulher de azul lendo uma carta", Johannes Vermeer, 1663-46, óleo sobre tela.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Luz, o princípio da Cor - parte I

"A última viagem do 'Temerário' a seu ancoradouro para ser destruído",
de William Turner, óleo sobre tela, 1839, 91 x 122 cm

Tudo o que vemos do mundo, vemos por causa de um único fenômeno físico: a Luz. A frequência de ondas do espectro eletromagnético numa determinada escala nos permite perceber o mundo e todas as coisas que fazem parte dele. Ao contrário disso, tudo seria a mais completa escuridão, o Nada mais intangível. Portanto a Luz cria a matéria, da qual somos parte, da qual temos consciência e com a qual percebemos tudo ao nosso redor. E o mundo se abre em cores para todos nós.


Sem Luz não existe Cor. Tudo o que podemos ver do mundo, é possível de ser visto por causa dessa relação estreita entre as cores e a Luz, uma relação de caráter tão profundo que ainda hoje nos esforçamos para compreender que as diferenças entre os azuis, os amarelos, os verdes e os vermelhos acontecem nessa sintonia direta com a Luz, com a proximidade a ela ou com o distanciamento dela. Um Azul mais próximo da Luz tem um VALOR mais alto, ou seja é um Azul como o Celeste. Por outro lado, o Azul mais distante da Luz, mais próximo da sombra mais profunda, tem seu VALOR mais baixo, como o Índigo, o Ultramar, os azuis profundos, escuros, quase negros.


Um quadrado azul pode ser visto porque há uma fonte luminosa que ilumina mais um de seus lados, e vai perdendo luminosidade em outros, gerando outros valores de azuis, até que em algum ponto de contato com a terra, a ausência de luz gere a sombra maior.


Isso tudo parece óbvio. Mas seu estudo é das coisas mais profundas que há no mundo! Como este é um dos temas do meu mais amplo interesse nos dias atuais, tenho lido e estudado bastante sobre o tema. O resultado dessa pesquisa, irei colocar aqui neste Blog, dividido em partes, para que não seja um texto longo e cansativo demais.


Em 1987 comprei, e li todo de uma vez, um livro muito importante sobre o assunto das cores, o “Da cor à cor inexistente” de Israel Pedrosa. Fiquei fascinada com minhas descobertas, através dele, de que as cores se comportam de forma diferente, de acordo com a vizinhança, com o contexto. Não só pelo contexto luminoso, da fonte luminosa, mas pelo contexto da matéria presente e em interação.


Aurora boreal no norte europeu
Em 1998, fiz um curso de Cosmologia com o astrônomo Amâncio Friaça, da USP. Acompanhei as aulas do professor durante quatro anos e boa parte delas se dedicaram ao estudo da Luz, trazendo as mais novas descobertas da ciência sobre o assunto, mas também os mais antigos textos e tratados sobre a Luz, que vem desde os antigos gregos, entre eles o principal, Aristóteles.


Mas Amâncio Friaça também nos apresentou estudiosos do século XIII, em especial Robert de Grosseteste, um monge franciscano que foi professor da Universidade de Oxford. Em sua obra “De Luce”, Grosseteste apresenta a Luz como a origem de todas as coisas: a luz visível, o calor, a matéria. Ele se interessou muito pelo estudo do arco-íris e estudou os raios solares diretos e indiretos, com o uso de espelhos e pequenas lentes. Estudou também o fenômeno da refração da luz através de um recipiente esférico cheio de água. Mas o monge franciscano foi mais longe e escreveu um tratado intitulado “De colore”. Foi ele um dos primeiros a distinguir o Branco do Preto, no sentido de Branco como “Luz Clara” e de Preto como “Luz Escura”. Além disso, para cada Cor - e ele falava de 7 cores fundamentais - Robert de Grosseteste observava uma relação direta com a luminosidade no sentido de haver um azul escuro e um azul mais claro. Mais uma vez: a isto se chama Valor.


Mas os estudos sobre a Luz e a Cor vêm de ainda mais longe: da Grécia antiga e seus grandes filósofos, os pais da filosofia ocidental. Entre eles Aristóteles, que influenciou o pensamento europeu durante toda a Idade Média. Ele falava sobre uma “qualidade sensível” como uma atividade da sensação: por exemplo, a vista enxerga a cor, o ouvido ouve o som… Ou seja, a sensação “afirma” a verdade sobre cada coisa: a visão não se engana sobre o Branco. O erro só começa a existir quando a inteligência afirma que tal ou qual objeto é branco. Porque ao conhecimento sensível - advindo dos sentidos - se junta o “conhecimento intelectual”, que vê além da forma do objeto, vê “com a mente”.


Em seus estudos sobre Claridade e Obscuridade, Aristóteles já assentava as bases para o estudo da Cor. Em sua época, as cores eram classificadas por sua luminosidade variante entre o Branco e o Preto. E esse pensamento foi dominante durante todo o período da Idade Média, influenciando profundamente os pintores, inclusive os da Renascença. Essa relação Claridade X Obscuridade era tema muito mais importante do que estudar as outras cores de forma particular, inclusive porque adquirir pigmentos de cores diversas era coisa muito difícil até o Renascimento. Ainda na Idade Média, conceitos como “Lux” e “Lumen” eram o centro do interesse dos estudiosos sobre a Luz. Se dizia que a Luz, em sua dupla natureza, se dividia em: LUMEN - a fonte luminosa de origem divina (a luz do Sol era um símbolo de Lumen); e LUX, a luz no sentido mais sensorial e perceptivo (como a luz emanada pela chama do fogo). Umberto Eco também escreveu sobre o tema no livro “Arte e Beleza na Estética Medieval”, do qual também falarei nesta série sobre as cores.


Os pintores do Renascimento foram formados dentro destas concepções sobre a Claridade. Lembre-se que na época, as pessoas de maior destaque e que mais representam o espírito daquele tempo, tinham grande formação Humanista, tendo estudado inclusive as chamadas Artes Liberais, que eram divididas em dois graus: o Trivium e o Quadrivium (este também foi tema nas aulas do professor Amâncio Friaça). Do Trivium faziam parte os estudos de Gramática, Dialética e Retórica; e do Quadrivium: Aritmética, Música, Geometria e Astronomia. Então esses pintores pintavam com a compreensão perfeita sobre o conceito de Valor. Ou seja: utilizavam as cores não como matizes determinados que deveriam ser aplicados a um objeto, mas as utilizavam em SUA RELAÇÃO com a Luz, de proximidade ou de distanciamento (Valor Alto para a proximidade, Valor Baixo para a distância). É importante que fique claro este conceito de Valor e sua relação com a Luz.


Dentro daquela forma inicial de pensar - relação Claridade X Obscuridade - somente duas cores eram fundamentais: o Branco e o Preto. A partir delas, as outras cores nada mais seriam do que misturas muito precisas entre as duas primárias. Claro que hoje, como pensamos, o Branco e o Preto nem são considerados, a rigor, cores; mas na antiguidade o Branco era um Amarelo extremamente brilhante e o Preto era o mais escuro dos Azuis. Abaixo, uma primeira classificação das cores, tendo como base o pensamento de Claridade e Obscuridade. Do lado esquerdo o Branco, denominado “Luz clara”; do lado direito, o Preto, a “Luz escura”. Entre elas, uma escala de 5 cores. Esta classificação já tem origem em Aristóteles e se distingue pela sua variação em termos de luminosidade.

À esquerda, o Branco, a "luz clara". À direita, o Preto, a "luz escura".

Esta escala de cores pode também ser comparada - e pode ter surgido desta observação - com a luz do dia: do ponto mais luminoso do sol, ao meio-dia, a luz vai se movimentando em direção à noite mais escura e a natureza vai assumindo essas colorações. Seria a ordem natural do movimento da luz no dia. Mais uma vez: o importante deste ponto de vista é que a noção de Claridade é mais importante do que a noção de diferença entre cores separadas.


No começo do século XIV, as teorias sobre a cor iam tomando corpo, com mais estudos que iam sendo feito, seja por artistas, por filósofos, por físicos. Os artistas, por causa de seu ofício, já tinham uma boa noção sobre a mistura das cores e logo se descobriu que todos os matizes poderiam ser obtidos a partir de 3 cores, 3 pigmentos primários: o Azul, o Amarelo e o Vermelho. Conta-se que Leonardo da Vinci usava uma palheta com as 3 cores primárias mais o Azul Índigo e o Verde.


As cores primárias para os pintores de hoje são as mesmas desde a Renascença e nosso círculo cromático, como o conhecemos, vem desse período. O Círculo Cromático básico para qualquer artista é formado pelas 3 cores primárias (Azul, Amarelo e Vermelho) e suas 3 cores secundárias (Laranja, Violeta e Verde).


As pesquisas de Newton


No século XVII, Isaac Newton (1643-1727) - físico, filósofo, matemático e astrônomo inglês - apresentou o primeiro círculo cromático baseado em seus estudos físicos da Luz. Observando a refração da luz branca ao atravessar um prisma de cristal ele viu sair do lado oposto raios coloridos como as cores do arco-íris. Ele demonstrou cientificamente que a luz branca, ao se decompor, se espalha em raios coloridos que, se forem novamente juntados, geram uma luz branca.


Isso foi uma grande revolução no pensamento da época. A partir daí, sabemos que as cores são elementos constitutivos da luz e uma diferença importante se estabeleceu: não mais classificamos as cores com critérios de Valor (Luminosidade) mas com critérios de Matiz (o nome da cor). Passamos a falar “Cor” como sinônimo de “Matiz”. E a tratar as cores de forma estanque, sem relação clara e direta com a Luz. Talvez fique mais fácil de compreender a diferença entre Cor e Matiz, para nós já tão viciados em confundir uma coisa com a outra, se buscamos estas palavras em outra língua. Vamos ao francês. Em francês, “Cor” é “Couleur”, que significa a impressão na retina da luz refletida pelos objetos. Já para “Matiz”, temos “Teinte”, que significa a nuance produzida pela mistura de pigmentos. Em inglês seria “Hue”, que tem a ver com a intensidade/saturação de uma determinada cor (color).


Isso parece pouco, mas trouxe grande influência nas artes e mais tarde os Impressionistas vão experimentar até o limite essas noções de relações entre os matizes. Podemos acrescentar que também influenciou as concepções a respeito da “cor local” de um objeto que sofre a influência não somente da relação Claridade x Obscuridade, mas também dos matizes do entorno do objeto. Vale ressaltar que o conceito Claridade x Obscuridade tem atravessado os tempos no mundo das Belas Artes - mesmo que perdesse importância durante alguns períodos - e hoje existe um movimento bastante interessante de retomada da pintura mais “valorista” - que tem relações com a Luz. Com a qual me identifico.


Voltando a Isaac Newton. Ele propôs uma classificação de cores sob a forma de um círculo cromático, com 7 cores: Violeta, Azul Índigo, Azul Celeste, Verde, Amarelo, Laranja, Vermelho. Ele escolheu as 7 cores para fazer uma comparação com as 7 notas da escala musical. Ele desejava que a harmonia, presente nas notas musicais, também estivesse presente na representação de seu círculo cromático. Mas sua intuição foi depois considerada uma escolha genial, pois permitiria todas as possibilidades de misturas de cores.

(Continua)


A palheta de cores do pintor francês Eugène Delacroix
Museu Delacroix - Paris - Foto: Mazé Leite - 2011